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As identidades laboraisnuma perspectivacomparativa: o papel
dasvariáveis do contextonacional e sectorial
Simone KirpalInstituto de Tecnologia e Educação, Universidade de
Bremen, Alemanha
RESUMO
OOss nnoovvooss ccoonncceeiittooss nnoorrmmaattiivvooss ddee
fflleexxiibbiilliiddaaddee,, eemmpprreeggaabbiilliiddaaddee ee
aapprreennddiizzaaggeemmaaoo lloonnggoo ddaa vviiddaa eessttããoo aa
aalltteerraarr ooss rreeqquuiissiittooss ddoo mmeerrccaaddoo
llaabboorraall,, iinnttrroodduuzziinnddooppaaddrrõõeess ddee
eemmpprreeggoo fflleexxíívveeiiss ee nnoovvaass
nneecceessssiiddaaddeess eemm tteerrmmooss ddee
ccoommppeettêênncciiaass..AAoo mmeessmmoo tteemmppoo qquuee oo
mmooddeelloo ttííppiiccoo ddee pprrooggrreessssããoo nnaa
ccaarrrreeiirraa,, bbaasseeaaddoo nnuummccoonnjjuunnttoo
eessppeeccííffiiccoo ddee ccoommppeettêênncciiaass
((pprrooffiissssiioonnaaiiss)),, ffooii ccoommpprroommeettiiddoo
eemmggrraannddee mmeeddiiddaa,, ooss ttrraabbaallhhaaddoorreess
ccoonnffrroonnttaamm--ssee ccoomm ddeessaaffiiooss
ccrreesscceenntteessppaarraa mmaanntteerr aa ssuuaa
eemmpprreeggaabbiilliiddaaddee,, aattrraavvééss ddee uummaa
aaddaappttaaççããoo ccoonnttíínnuuaa ddoosssseeuuss ppeerrffiiss
ddee ccoommppeettêênncciiaass ee ddaa ggeessttããoo
iinnddiivviidduuaalliizzaaddaa ddaass ssuuaass
ccaarrrreeiirraass..EEssttaass tteennddêênncciiaass eessttããoo aa
aaffeeccttaarr ccrreesscceenntteemmeennttee ooss
ttrraabbaallhhaaddoorreess aa ttooddooss oossnníívveeiiss ddee
ccoommppeettêênncciiaass,, ttaannttoo nnooss sseeccttoorreess ddaa
pprroodduuççããoo ccoommoo ddooss sseerrvviiççooss..VVáárriiooss
eessttuuddooss ee iinnddiiccaaddoorreess aappooiiaamm aa
hhiippóótteessee ddee qquuee uumm nnoovvoo ttiippoo ddee
ttrraabbaallhhaaddoorreemmpprreeeennddeeddoorr,,
ccaarraacctteerriizzaaddoo ppoorr uumm ccoonnjjuunnttoo ddee
ccoommppeettêênncciiaass
iinnddiivviidduuaalliizzaaddaass,,mmeeccaanniissmmooss ddee
ccoonnttrroolloo iinntteerrnnaalliizzaaddooss ee
ccoommppeettêênncciiaass ttrraannssffeerríívveeiiss,,
ccoonnssiiddeerraaddaasspprriioorriittáárriiaass eemm
rreellaaççããoo ààss ccoommppeettêênncciiaass ttééccnniiccaass,,
ssee ttoorrnnaarráá ggrraadduuaallmmeennttee oonnoovvoo
pprroottóóttiippoo ccoonnssiiddeerraaddoo ddeesseejjáávveell
ppeellooss ggeessttoorreess ee ppeellooss ppeerriittooss
eemmddeesseennvvoollvviimmeennttoo ddooss rreeccuurrssooss
hhuummaannooss.. CCoomm bbaassee nnoo pprroojjeeccttoo ddoo 55ºº
pprrooggrraammaa--qquuaaddrroo ddee iinnvveessttiiggaaççããoo ddaa
UUEE VVooccaattiioonnaall iiddeennttiittyy,, fflleexxiibbiilliittyy
aanndd mmoobbiilliittyy iinn tthheeEEuurrooppeeaann llaabboouurr
mmaarrkkeett ((IIddeennttiiddaaddee pprrooffiissssiioonnaall,,
fflleexxiibbiilliiddaaddee ee mmoobbiilliiddaaddee
nnoommeerrccaaddoo llaabboorraall eeuurrooppeeuu)),,
aarrgguummeennttaa ssee nnoo pprreesseennttee ddooccuummeennttoo
qquuee aa mmaaiioorrppaarrttee ddooss ttrraabbaallhhaaddoorreess
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ccoommppeettêênncciiaass iinntteerrmmééddiioonnããoo ddiissppõõeemm
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nneecceessssáárriiooss ppaarraa ssaattiissffaazzeerr aass
ccoonnddiiççõõeessddee uumm ddeesseennvvoollvviimmeennttoo
ppootteenncciiaall qquuee llhheess ppeerrmmiittaa vviirr aa sseerr
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AA qquueessttããoo cceennttrraall aabboorrddaaddaa nnoo
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ccoonnddiiççõõeessqquuee ffaavvoorreecceemm oouu
ddiiffiiccuullttaamm oo ddeesseennvvoollvviimmeennttoo ddaa
ccaappaacciiddaaddee ddooss ttrraabbaallhhaaddoorreessppaarraa
ffaazzeerreemm ffaaccee aa ggrraannddeess mmuuddaannççaass nnoo
ttrraabbaallhhoo..
Palavras-chaveVocational identity,
flexibility, work concepts,
vocational training, career orientation,
professional development
Revista Europeia de Formação Profissional N.o 39 – 2006/3 – ISSN
0258-7491
I N V E S T I G A Ç Ã O
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As identidades laborais numa perspectiva comparativa: o papel
das variáveis do contexto nacional e sectorial
Simone Kirpal 25
Introdução
As identidades laborais variam tanto do ponto de vista da
intensidadecom que são apreendidas, como do do significado que lhes
é atribuído pe-los indivíduos (1). Podem ou não ter grande
significado para um indiví-duo e esse significado evolui ao longo
da vida laboral e da trajectória pro-fissional pessoal do indivíduo
(Heinz, 2003). Dado que são susceptíveisde evolução e adaptação, as
identidades laborais são muito dinâmicas eestão muito dependentes
de uma série de factores e condições (Brown,1997). Contudo, o
conceito de identidade laboral pode constituir um ins-trumento
útil, que permite compreender melhor a forma como os indiví-duos se
relacionam com a sua vida laboral e planeiam o seu futuro
desen-volvimento profissional. Por outro lado, a teoria da
socialização relaciona-da com o trabalho pressupõe que as
identidades laborais desempenhamum papel decisivo, ajudando os
indivíduos a definirem a sua orientaçãoprofissional e a criarem uma
ligação e um compromisso com o trabalho(Heinz, 1995; 2002).
Se bem que o trabalho continue a ser um elemento de formação
daidentidade global do indivíduo, constitui também um meio de
realizaçãopessoal e de concretização de intenções e interesses
biográficos. Portanto,o trabalho na sua forma institucionalizada
não só serve objectivos de re-produção social numa forma
materialista, como também tem uma funçãovital, na medida em que
confere uma identidade e um sentido ao percur-so de vida (Hoff et
al., 1985). Por outro lado, o trabalho e o emprego cons-tituem um
dos principais elos de transmissão das relações sociais.
Estarintegrado num contexto laboral e/ou prosseguir uma
especialização pro-fissional constitui uma fonte importante do
sentimento de valor pessoal euma forma de apresentação da pessoa
perante o mundo exterior (Goffman,1969).
A dinâmica entre a formação da identidade e a integração em
contex-tos laborais está certamente a evoluir, à medida que os
trabalhadores daEuropa se confrontam crescentemente com o desafio
de corresponder àsexigências de flexibilidade e mobilidade no
trabalho (FAME Consortium2003, Kirpal 2004a). A necessidade de dar
resposta a mudanças contí-nuas no trabalho não só afecta as
orientações profissionais e os padrõesde carreira dos
trabalhadores, como também exige que os indivíduosdesenvolvam
atitudes de aprendizagem e laborais específicas que lhes
(1) O termo de identidade laboral (work identity) relaciona-se
com todos os tipos de processosde formação da identidade que se
desenvolvem através da interacção entre o indivíduo eo contexto
laboral, que incluem o ensino e a formação profissional.
Basicamente, os termosingleses vocational, occupational,
professional identity podem ser utilizados como sinónimosde
identidade profissional, mas cada um desses termos se refere mais
especificamente acertas características do trabalho ou a um
conceito específico de trabalho. Por exemplo, otermo de
occupational identity aplica se mais aos mercados laborais e aos
conceitos detrabalho estruturados com base nas ocupações, ao passo
que o termo professional identityé utilizado tipicamente em relação
às designadas profissões. Identidade laboral seria aterminologia
mais inclusiva neste contexto.
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permitam participar activamente (e de forma positiva) em
processos labo-rais que garantam uma integração bem sucedida em
diferentes ambien-tes de trabalho, bem como no mercado laboral em
geral. As identidadeslaborais podem contribuir para promover este
processo de integração.
Porém, as identidades laborais internalizadas podem também
limitara flexibilidade dos indivíduos, restringindo-os a
determinadas funções pro-fissionais e impedindo-os de desenvolver
orientações profissionais maisalargadas (Loogma et al., 2004). A
dinâmica entre o desenvolvimento deidentidades laborais fortes e a
capacidade de resposta a novos paradig-mas de flexibilidade e às
exigências do trabalho em mutação foi o objec-to da investigação
efectuada no âmbito do projecto do 5º programa-qua-dro de
investigação da UE Vocational identity, flexibility and mobility in
theEuropean labour market (FAME). A forma como os indivíduos
desenvol-vem certos mecanismos e padrões de acção estratégica
destinados a darresposta a essa dinâmica tem sido o tema de várias
publicações relacio-nadas com esse projecto de investigação, em que
participaram parcei-ros da República Checa, da Estónia, de França,
da Alemanha, da Grécia,de Espanha e do Reino Unido (Brown, 2004;
Brown et. al., 2004; Dif, 2004;Marhuenda et al., 2004). Contudo, o
presente artigo centra-se não tantona análise das estratégias
individuais como na implantação estrutural dasidentidades laborais,
através da análise da influência dos diferentes con-textos
nacionais e sectoriais para a formação da identidade no trabalho.O
papel do ensino e da formação profissional (sistemas) é analisado
emmais profundidade, enquanto mecanismo a nível institucional que
estabe-lece a ligação entre a socialização relacionada com o
trabalho e a evo-lução do mercado laboral. A análise do papel da
formação profissional emdiferentes contextos permitirá compreender
melhor a interdependência en-tre as estruturas institucionais, a
socialização profissional e a formaçãodas identidades laborais.
Os conceitos de trabalho e as condições de emprego variam
conside-ravelmente entre países europeus e entre sectores. Dado que
os traba-lhadores desenvolvem as suas identidades laborais em
contextos nacio-nais e sectoriais diferentes, não é de estranhar
que exista uma grande di-versidade entre as formas como são
equipados e preparados para dar res-posta às mudanças laborais e à
evolução dos requisitos em matéria decompetências. No presente
documento é apresentada uma síntese dosresultados da investigação
efectuada no âmbito do projecto atrás referi-do, em que são
evidenciadas algumas dessas diferenças.
Métodos
As identidades laborais formam se no decurso de processos de
nego-ciação complexos, na interface entre os recursos, as atitudes
e os valorespessoais, por um lado, e os processos e ambientes de
trabalho, por ou-
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As identidades laborais numa perspectiva comparativa: o papel
das variáveis do contexto nacional e sectorial
Simone Kirpal 27
tro. Manifestam se na interacção entre as disposições
individuais e as con-dições estruturais do contexto laboral. No que
se refere a condições es-truturais, o projecto procurou ter em
conta as economias nacionais, ossectores/profissões e o ambiente de
trabalho nas empresas, considera-dos como variáveis independentes
que estão na origem de diferentes ti-pos de limitações e
oportunidades a que os trabalhadores são desafiadosa dar resposta.
Por exemplo, o sistema de ensino e formação profissional,os padrões
sectoriais específicos de emprego, em termos de horário detrabalho,
níveis salariais e exigências de flexibilidade, bem como as
tra-dições profissionais específicas influenciam a evolução dos
ambientes detrabalho específicos. Por outro lado, as empresas
condicionam o ambien-te de trabalho imediato dos trabalhadores, ao
darem resposta a requisitosa nível macro, por exemplo, através da
adaptação da sua estrutura orga-nizacional, dos perfis dos cargos e
das políticas de contratação. Além dis-so, podem tentar condicionar
activamente as identidades laborais e as ati-tudes dos
trabalhadores, através das suas políticas de recursos humanose
contratação (FAME Consortium, 2003).
Embora a primeira fase do projecto consistisse numa análise da
lite-ratura, para clarificar a implantação nacional e histórica dos
conceitos detrabalho e das identidades laborais nos respectivos
países parceiros (Laske,2001a), foram também avaliadas as variáveis
específicas do contexto, anível sectorial e de empresa, através de
uma investigação empíricaefectuada em 2001 e 2002, baseada em
entrevistas a gestores e repre-sentantes dos departamentos de
recursos humanos. O objectivo destasentrevistas consistia em
avaliar a perspectiva organizacional e as expec-tativas das
entidades patronais em matéria das atitudes de aprendizageme de
trabalho dos trabalhadores. A investigação centrou se na análise
dascondições estruturais que determinariam especificamente as
estruturasorganizacionais, os perfis profissionais e as
necessidades em termos decompetências, bem como da forma como os
gestores avaliam as mudançaslaborais (em termos de flexibilidade,
mobilidade, organização do trabalho,condições de trabalho e
políticas de contratação) verificadas no decursoda última década.
As perguntas das entrevistas relacionavam se tambémcom a forma como
os gestores percepcionam e valorizam a capacidadedos trabalhadores
para dar resposta a essas mudanças e os efeitos des-sa apreciação
na atitude e na formação da identidade laboral dos traba-lhadores
no trabalho.
Foram utilizadas no projecto entrevistas semi estruturadas,
baseadasem orientações e critérios de avaliação de entrevistas
comuns e comple-tadas com métodos de estudo de casos. A fim de ter
em conta as estrutu-ras variáveis da organização do trabalho e dos
ambientes de trabalho, ainvestigação abrangeu várias ocupações, em
cinco sectores com carac-terísticas diferentes e em sete economias
nacionais diferentes, bem co-mo em pequenas, médias e grandes
empresas (incluindo multinacio-nais) (ver pormenores na figura 1).
A combinação de países representa-va diferentes implantações
culturais, socioeconómicas e políticas dos con-
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Revista Europeia de Formação ProfissionalN.o 39 – 2006/328
ceitos de trabalho e das profissões. Os parceiros principais
(Estónia, França,Alemanha, Espanha e Reino Unido) efectuaram
entrevistas a grandesamostras, cada uma das quais abrangia pelo
menos sete empresas porsector (N=132). A República Checa e a Grécia
assumiram o papel deobservadores críticos, comparando os resultados
da investigação efectua-da pelos parceiros principais com os de
investigações empíricas basea-das em pequenas amostras.
O princípio que esteve na base da selecção dos sectores foi a
diversi-dade, para que representassem tradições profissionais e
ambientes detrabalho diferentes, por um lado, e dinâmicas e
desafios diferentes em ter-mos de flexibilidade e mobilidade, por
outro. No presente artigo são sinte-tizados os resultados da
análise da literatura e da investigação empíricaefectuada junto de
gestores e representantes dos departamentos de re-cursos humanos,
sendo analisadas em mais profundidade as “variáveisindependentes”
que influenciaram a formação da identidade laboral. Asvariáveis
dependentes, os tipos de estratégias desenvolvidas pelos
traba-lhadores para fazer face às grandes mudanças laborais e a
influência des-sas variáveis nos níveis de identificação com o
trabalho (ou com a entida-de patronal) são aspectos que só puderam
ser brevemente abordados noâmbito do presente artigo. Os resultados
das entrevistas a mais de 500trabalhadores com um nível de
competências intermédio e a análise de-talhada dos padrões de
adaptação dos trabalhadores são publicados se-paradamente (ver
acima).
Contextos nacionais: implantação histórico-cultural das
identidades laborais
Os conceitos de trabalho são definidos de forma diferente nos
dife-rentes países europeus e, por consequência, os sistemas de
formaçãoprofissional assumem funções diferentes no que se refere à
forma como
Figura 1: PPaannoorraammaa ddooss sseeccttoorreess
iinnvveessttiiggaaddooss nnooss ddiiffeerreenntteess ppaaíísseess
ppaarrcceeiirrooss
SSeeccttoorreess ddee
iinnvveessttiiggaaççããooMMeettaalluurrggiiaa// MMaaddeeiirraa ee
SSeeccttoorr ddaa TTeelleeccoommuunnii-- SSeeccttoorr
TTuurriissmmoo
MMeettaalloommeeccâânniiccaa mmoobbiilliiáárriioo ssaaúúddee
((22)) ccaaççõõeess ((22)) ddaass TTII ((22))
Estónia x x xFrança x x x (x)Alemanha x x x xEspanha x x xReino
Unido x x x xRepública Checa (1) (x) x xGrécia(1) x
(1) A República Checa e a Grécia efectuaram investigação
empírica baseada em pequenas amostras.(2) As amostras nos sectores
das telecomunicações e das tecnologias da informação (TI) abrangiam
muitos casos “sobrepostos”, devido a uma
evolução crescente das empresas no sentido da prestação de
serviços integrados de telecomunicações e de TI.
País
par
ceiro
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As identidades laborais numa perspectiva comparativa: o papel
das variáveis do contexto nacional e sectorial
Simone Kirpal 29
dão resposta às exigências do mercado laboral e à evolução em
termosde competências. Nos casos da França e da Alemanha, por
exemplo, cons-tatamos que o desenvolvimento das estruturas
profissionais e dos siste-mas de formação profissional, que estão
estreitamente relacionados comessas estruturas, tem sido
relativamente estável e contínuo. As condiçõesde emprego nas
diferentes profissões e os sistemas de formação profis-sional são
concebidos de forma a darem resposta às novas exigências domercado,
pois as estruturas de formação e as vias profissionais são
cons-tantemente ajustadas.
Na Alemanha, o conceito de Beruf tem condicionado ao longo dos
sé-culos as identidades profissionais, conferindo lhes o prestígio
da prepa-ração profissional, de padrões de qualificação e de ética
e normas pro-fissionais. Este conceito, que tem a sua origem na
Idade Média, influen-ciou também outras partes da Europa
continental, estabelecendo uma li-gação forte entre a aquisição de
competências e os mercados de traba-lho profissionais. Neste
contexto, a função socializante da aprendizagem(tradicionalmente
nos ofícios e no comércio) e do ensino e formaçãoprofissional
desempenhava um papel central nos processos de for-mação de uma
identidade relacionada com o trabalho (Laske, 2001b). Oconceito de
Beruf, enquanto base deste duplo sistema de formação, é ain-da o
princípio organizacional dominante no ensino e na formação
profis-sional e nos mercados laborais da Alemanha, determinando em
grandemedida os requisitos e a adaptação das competências
(Greinert, 1997). Aformação profissional inicial continua a
desempenhar um papel importan-te na socialização dos jovens,
através da aquisição de uma especializaçãoprofissional que está
estreitamente ligada à integração em certas comu-nidades
profissionais, através de categorias profissionais bem definidascom
que os indivíduos se identificam.
No âmbito deste sistema, a posição relativa da via
profissionalizante,em comparação com a via académica, tem sido
tradicionalmente muitoforte na Alemanha, muito mais do que noutros
países (Lane, 1988; Cantor,1989). Efectivamente, e apesar de as
transferências cruzadas, por exem-plo, com as universidades, serem
muito poucas, a formação através daaprendizagem não só é muito
considerada, como também proporciona(pelo menos para os jovens)
boas oportunidades de progressão no em-prego e de obtenção de
qualificações técnicas ou de supervisão (Sauter,1995). Porém, na
medida em que a via académica tem vindo a conquis-tar mais
popularidade no decurso das duas últimas décadas, receia-se queo
estatuto da via profissionalizante possa ser afectado (Nijhof et
al., 2002;Stenström et al., 2000; OCDE, 1998). Estas preocupações
estão relacio-nadas com o desaparecimento das garantias virtuais de
progressão numemprego permanente e bem pago proporcionadas aos
trabalhadores qua-lificados, que ofereciam perspectivas de
progressão a uma percentagemimportante da coorte de aprendizes.
Reuling (1998) argumenta que a com-binação entre a formação para o
exercício de uma profissão e a formaçãoatravés do exercício de uma
profissão constitui um ponto forte específico
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Revista Europeia de Formação ProfissionalN.o 39 – 2006/330
do sistema alemão. Se a ligação do sistema à progressão no
emprego dei-xar de existir, o ensino profissional muito
especializado passará a ser umaopção mais arriscada.
A França caracteriza se igualmente por tradições profissionais e
umaética do trabalho fortes. Por outro lado, está a integrar também
na sua po-lítica de formação profissional programas flexíveis e
diversificados. No iní-cio da década de 1970 foi criado um sistema
de formação profissional con-tínua, como instrumento de promoção da
flexibilidade, da aprendizageme do desenvolvimento profissional dos
trabalhadores, através do desem-penho de tarefas laborais
caracterizadas por níveis de qualificação eresponsabilidade mais
elevados. O sistema francês de formação profis-sional contínua,
concebido como complemento da formação profissionalinicial, tem por
objectivo promover o acesso de trabalhadores com todosos níveis de
competências à aprendizagem e formação contínuas, paracombater os
efeitos de exclusão decorrentes do sistema francês de en-sino
formal e para fomentar a acreditação da aprendizagem relacionadacom
o trabalho (Dif, 1999; Michelet, 1999). No âmbito deste sistema,
ostrabalhadores franceses têm acesso a uma aprendizagem autogerida,
ge-ralmente sob a forma de projectos de formação financiados
através dacontribuição obrigatória da entidade patronal para o
sistema de for-mação profissional contínua.
Este processo de reforço da aprendizagem relacionada com o
traba-lho influencia de forma significativa os conceitos de
desenvolvimentodos recursos humanos em França. Por exemplo, mais de
dois terços detodas as entidades patronais que proporcionam
formação profissional con-tínua aplicam activamente uma estratégia
de reforço da flexibilidade eda mobilidade laborais (Simula, 1996;
Charraud et al., 1998). Porém, umaavaliação desta abordagem indica
que a flexibilidade dos trabalhadores ea sua progressão na carreira
não são apenas determinadas pela prestaçãode formação, mas também
por factores estruturais como as dimensões, aestrutura
organizacional e as políticas de recursos humanos da empresa;as
especificidades sectoriais desempenham igualmente um papel
signifi-cativo (Dubar et al., 1990). A tendência para hierarquias
menos diferen-ciadas, por exemplo, restringiu significativamente as
oportunidades de mo-bilidade ascendente dos trabalhadores.
Apesar de a formação profissional contínua ter por objectivo
reforçara flexibilidade dos trabalhadores e a sua progressão na
carreira, o desen-volvimento da identidade profissional sofreu
alterações significativas nodecurso das três últimas décadas. De
acordo com vários estudos deSainsaulieu (1977, 1985, 1996, 1997) e
Dubar (1992, 1996, 2000), emFrança as identidades laborais estão
cada vez mais fragmentadas e dis-persas. Por outro lado, o tipo de
trabalhador cuja identidade laboral é mo-delada por um elevado
nível de interactividade com o trabalho, de ante-cipação da
necessidade de adaptação e de capacidade de adaptação aambientes de
trabalho em mutação está a assumir uma importância cres-cente. A
formação profissional contínua constitui para estes trabalhado-
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As identidades laborais numa perspectiva comparativa: o papel
das variáveis do contexto nacional e sectorial
Simone Kirpal 31
res um instrumento importante de reforço da flexibilidade e de
melhoria doacesso a oportunidades de carreira e a um estatuto
profissional maiselevado (Barbier, 1996).
Embora o duplo sistema alemão continue a dar provas de que
permi-te prestar uma preparação profissional de grande qualidade, é
menos fle-xível e inovador, mas também muito mais diversificado,
através do princí-pio da descentralização. O sistema francês, em
contrapartida, conferiu umcerto grau de flexibilidade aos sistemas
franceses de formação profissio-nal. O sistema alemão continua a
ter dificuldade em adaptar se às novasexigências, nomeadamente no
que se refere aos novos requisitos de com-petências associados à
evolução tecnológica. Porém, os conceitos de tra-balho, a ética do
trabalho e as estruturas profissionais dos dois paísesapresentam
grandes semelhanças, influenciando significativamente a cons-trução
da identidade laboral dos trabalhadores.
No caso da Estónia e da Espanha, deparamos com uma situação
detransição. Nestas últimas décadas, os dois países confrontaram se
comuma instabilidade e uma descontinuidade significativas em
domínios co-mo o desenvolvimento do sistema de ensino e formação
profissional, asestruturas institucionais e a configuração do
mercado laboral. Combinadascom economias nacionais fracas e
instáveis, estas perturbações levam aque seja muito difícil para os
trabalhadores definir uma orientação profis-sional estável e
progredir na carreira.
Os países em transição para uma economia de mercado, como a
Estónia,confrontam se com um processo complexo de reconversão
profissional.Ao longo de três períodos históricos muito distintos,
o período pré-comu-nista, o período soviético e o novo período de
transição, os mercados la-borais e os sistemas de formação
profissional desses países sofreram vá-rias transformações, que se
caracterizaram em todos os casos por umaorientação política e
económica e por um conceito de trabalho radicalmen-te diferentes.
Até ao princípio do século XX, a Estónia, à imagem do mo-delo
alemão, estabelecera uma relação estreita entre a formação
profis-sional, o desenvolvimento das competências e as identidades
profissio-nais relacionadas, interligadas com os mercados de
trabalho profissionais.O regime soviético integrou na ideologia
marxista-leninista o discurso dosignificado do trabalho e das
identidades laborais, promovendo uma iden-tidade proletária forte
do trabalhador que acompanhou o desenvolvimen-to da
industrialização e a implantação de um sistema de valores que
exal-tava o trabalho manual. No domínio da formação profissional,
este siste-ma estabelecia uma equivalência rígida entre a
especialização profissio-nal e os perfis profissionais em que se
baseava todo o sistema económi-co e educativo.
O sistema soviético, muito formalizado e centralizado, e
caracteriza-do por condições de trabalho estáveis, limitava a
progressão na carrei-ra, mas por outro lado assegurava a
permanência do emprego, promo-vendo assim uma atitude passiva por
parte do trabalhador, pouco inte-ressado na mobilidade, na
flexibilidade, na obtenção de mais formação
-
ou na melhoria das competências. Este tipo de atitude entra hoje
em cho-que com as novas exigências e condições de trabalho de uma
economiade mercado e da democratização. Tal como muitos outros
países pós co-munistas, a Estónia confronta se hoje com o
desemprego estrutural, agra-vado pelo desfasamento entre as
competências da mão de obra disponí-vel e as que são exigidas por
uma economia de mercado. Na última dé-cada, as exigências
crescentes em termos de mobilidade profissional obri-garam a pôr em
prática medidas de reconversão, de aquisição de novascompetências e
de promoção da flexibilidade, com vista a criar novos per-fis
profissionais, com requisitos diferentes. Porém, é impossível
eliminarinstantaneamente os efeitos da socialização profissional do
passado.Actualmente a maior parte dos trabalhadores não só não
dispõem das ne-cessárias competências especializadas, como também
não têm capaci-dade de adaptação, comunicação, assunção de
responsabilidades ou ini-ciativa (Joons et al., 2001).
Os trabalhadores estónios só lentamente estão a compreender que
asidentidades laborais são agora menos pré-estruturadas e menos
influen-ciadas pela ideologia, dependendo antes de uma construção
activa porparte do indivíduo, baseada em grande medida no
desempenho e na pro-gressão profissional. Esta abordagem está a ser
promovida em muitas áre-as profissionais através de programas de
reconversão de grande escala.Por exemplo, os profissionais de
enfermagem da Estónia têm de fazer umareconversão e de se submeter
a exames sobre as matérias ensinadas nosnovos currículos, para
demonstrar a sua conformidade com os novos re-quisitos e atitudes
laborais. No âmbito deste processo de adaptação, aqui-sição de
novas competências e melhoria do seu estatuto profissional co-mo
pessoal qualificado, os profissionais de enfermagem desenvolvem
tam-bém novas formas de identidade e de orgulho profissional
(Kirpal, 2004b).
A Espanha caracteriza se por algumas semelhanças com os países
emtransição, na medida em que os períodos históricos criaram a
fragmen-tação e a descontinuidade dos conceitos de trabalho e do
sistema espan-hol de formação profissional. Estas descontinuidades
são um factor im-portante de perpetuação da preparação inadequada
em termos de com-petências e da instabilidade das identidades
laborais que afectam hoje ostrabalhadores. Historicamente, dois
acontecimentos desencadearam umprocesso de transição que
influenciou significativamente o mercado labo-ral e o sistema de
formação espanhóis. Em primeiro lugar, o fim da erafranquista, em
1975, transformou radicalmente o ambiente político, após40 anos de
isolamento político e económico do país. Em segundo lugar,a adesão
à União Europeia, em 1986, criou um novo quadro para a eco-nomia
espanhola.
O sistema espanhol de ensino e formação profissional era muito
diver-sificado, não regulamentado e de má qualidade até ao
princípio da déca-da de 1990, em que a integração formal da prática
laboral nos programasde qualificação profissional reforçou
significativamente a relação entre aaquisição e a procura de
competências. Apesar de a qualidade e a ade-
Revista Europeia de Formação ProfissionalN.o 39 – 2006/332
-
As identidades laborais numa perspectiva comparativa: o papel
das variáveis do contexto nacional e sectorial
Simone Kirpal 33
quação da formação profissional terem melhorado
significativamente en-tretanto, as elevadas taxas de desemprego dos
jovens e a transição en-tre a vida escolar e laboral continuam a
colocar problemas importantes. Omercado de trabalho proporciona aos
jovens poucas oportunidades de ob-tenção de um emprego a longo
prazo e de progressão na carreira, inde-pendentemente do seu nível
de qualificações. Dado que os postos de tra-balho destinados a
trabalhadores não especializados ou semi especiali-zados são ainda
muito numerosos em Espanha, grande número de jovenstrabalhadores
qualificados acabam por se encontrar na situação de seremdemasiado
qualificados para os postos de trabalho que ocupam. Por ou-tro
lado, muitos trabalhadores confrontam se também aparentemente coma
falta de áreas profissionais reconhecidas e com o baixo nível de
recon-hecimento das qualificações profissionais formais. As
entidades patronaisvalorizam mais a formação profissional contínua
do que as qualificaçõesformais, nomeadamente no que se refere a
proporcionar oportunidadesde progressão na carreira aos seus
trabalhadores.
A investigação efectuada em Espanha permitiu estabelecer uma
re-lação directa entre a desvalorização das qualificações
profissionais for-mais e a dificuldade dos trabalhadores em
construírem identidades labo-rais e criarem confiança nas suas
competências pessoais (Marhuendaet al., 2001; Kirpal, 2004a). Na
maioria dos casos, as condições de tra-balho são instáveis, pelo
que os trabalhadores devem ser extremamenteflexíveis. Porém, este
tipo de flexibilidade impõe uma adaptação contínua,que confere aos
indivíduos um controlo muito reduzido sobre o seu pró-prio
desenvolvimento profissional e a orientação da sua
carreira.Subsequentemente, as identidades laborais dos
trabalhadores estão fre-quentemente sujeitas a mudanças, em função
da situação laboral e dascondições de emprego. O facto de as suas
competências e qualificaçõesprofissionais não serem reconhecidas,
combinado com a situação econó-mica instável da Espanha (taxa de
desemprego elevada, mercados de tra-balho não regulamentados,
sistemas de formação profissional diversifica-dos e elevada procura
de trabalhadores com baixas qualificações e nãoespecializados),
leva a que os trabalhadores estejam muito dependen-tes do contrato
de trabalho que detêm. Uma solução individual para
essascircunstâncias parece ser a procura de emprego no sector
público. Actualmentea maior parte dos cidadãos espanhóis aspiram a
ser funcionários públi-cos, pois essa é uma das poucas
oportunidades de conseguirem uma si-tuação laboral estável, com a
promessa de continuidade e de progressãona carreira por prazos mais
prolongados (Marhuenda et al., 2001).
Estes diferentes exemplos nacionais demonstram que tradições
profis-sionais fortes e contínuas podem disponibilizar um
enquadramento queorienta e apoia os indivíduos no processo de
desenvolvimento de identi-dades relacionadas com o trabalho. É o
caso, nomeadamente, de paí-ses onde os sistemas de formação
profissional e as áreas profissionaisestão muito formalizados e
estão ligados aos mercados de trabalho pro-fissionais, como
acontece na Alemanha. Neste caso, o reconhecimento
-
Revista Europeia de Formação ProfissionalN.o 39 – 2006/334
das qualificações profissionais e dos perfis profissionais
associados a es-sas qualificações facultam aos trabalhadores uma
orientação e um senti-mento de estabilidade, quando entram no
mercado laboral. E apesar de amaioria destas estruturas estarem
hoje em transição e se terem tornadoinstáveis, as mudanças serão
provavelmente mais graduais, dando algumtempo aos indivíduos para
se adaptarem.
Por outro lado, países com tradições e mercados laborais
desorgani-zados e muito diversificados não dispõem frequentemente
de estruturasinstitucionais de apoio ao desenvolvimento de sistemas
de formação pro-fissional fortes. As qualificações profissionais
não são reconhecidas e estãodesligadas até certo ponto dos
requisitos do mercado laboral. Nestas cir-cunstâncias, os
trabalhadores têm dificuldade em desenvolver
orientaçõesprofissionais e perspectivas de progressão na carreira
estáveis. Os traba-lhadores não só são obrigados a participar muito
mais activamente na de-finição e identificação dos elementos
laborais relevantes com que se po-dem identificar, como também
devem dar resposta aos desafios coloca-dos por processos de
redefinição das suas identidades laborais no con-texto de perfis de
cargos e requisitos de competências em mutação rápi-da. É o caso da
Estónia. O processo de transição implica novos requisi-tos
laborais, padrões de qualificação e programas de formação, bem
co-mo novas áreas profissionais emergentes a que o mercado laboral
se de-ve adaptar e que a mão de obra tem de internalizar. Por outro
lado, um as-pecto interessante do exemplo dos países em transição é
o facto de de-monstrar que a evolução dos conceitos de trabalho e
das identidades la-borais pode contribuir para a realização de
objectivos políticos ou econó-micos. As comunidades profissionais e
os grupos de interesses emergen-tes podem desempenhar um papel
central no contexto da reconversão,proporcionando um quadro de
desenvolvimento de formas colectivas deidentidade laboral.
Finalmente, o Reino Unido representa um modelo em que o
mercadolaboral nunca esteve totalmente estruturado com base em
ocupações eprofissões claramente definidas, assentando
crescentemente num eleva-do nível de flexibilidade,
desregulamentação e fluidez dos perfis laboraise dos requisitos de
competências. Este sistema mais aberto e menosformalizado não
coloca a tónica na ligação do indivíduo a uma ocupaçãoespecífica,
mas antes no desenvolvimento das competências indivi-duais, na
aquisição de um conjunto de conhecimentos e competências,na
experiência de trabalho e numa atitude laboral pró activa.
Sobretudodesde a falência dos programas de aprendizagem, no final
da década de70, as competências técnicas ou profissionais
específicas são geralmen-te adquiridas no trabalho, reforçando
assim a importância do ensino gerale da aprendizagem no trabalho,
em detrimento do ensino e da formaçãoprofissional (Brown, 2001).
Além disso, a aprendizagem no trabalho e aformação profissional
estão geralmente ligadas a ambientes de trabalhoconcretos, em vez
de prepararem o indivíduo para um conjunto de tarefasde carácter
geral numa determinada área profissional.
-
As identidades laborais numa perspectiva comparativa: o papel
das variáveis do contexto nacional e sectorial
Simone Kirpal 35
Uma das características do sistema britânico de formação
profissio-nal consiste no facto de o acesso à maior parte dos tipos
de emprego deum modo geral ser pouco regulamentado, em termos de
condições pré-vias de acesso ao posto de trabalho (Tessaring,
1998). Esta característi-ca está geralmente associada a um baixo
nível de reconhecimento dasqualificações em geral, de tal modo que
os formandos que frequentamprogramas específicos de formação
profissional têm poucas certezas noque se refere à sua progressão
subsequente (Brown, 1995). A situação émuito flexível: é possível
arranjar emprego sem qualificações específi-cas e, posteriormente,
continuar a trabalhar sem obter necessariamentequalificações
formais. Por consequência, grande parte da aprendizagemefectuada no
trabalho ou inclusive em acções de formação mais formaisnão obtém
reconhecimento externo. O facto de o nível intermédio de
com-petências estar geralmente pouco desenvolvido no Reino Unido
colocaquestões complexas e multifacetadas, que não podem ser
abordadas nopresente documento. Uma das consequências deste facto
é, porém, queo número de licenciados que ocupam postos de trabalho
de nível intermé-dio é muito mais elevado no Reino Unido do que
noutros países da Europa(do Norte), tais como, por exemplo, a
Alemanha ou os Países Baixos (Lloydet al., 1999). Por outro lado,
pressupõe se que os licenciados contratadospara um primeiro emprego
possuem competências genéricas ou de ba-se mais desenvolvidas, tais
como competências de comunicação, sociaise de coordenação, a que é
atribuída tipicamente a prioridade sobre a aqui-sição de
competências técnicas específicas, no contexto da formação eno
contexto laboral do Reino Unido.
O facto de não existir no Reino Unido um modelo comum de ensino
eformação profissional, desenvolvimento das competências e formação
daidentidade profissional significa também que estes processos
variam mui-to em função dos sectores e das profissões. Portanto, as
identidades la-borais são muito individualizadas e muito
dependentes do contexto labo-ral específico, do perfil do cargo, da
composição das competências indi-viduais e da orientação da
carreira. A economia em geral está menosestruturada com base nas
profissões ou nas comunidades profissionais,se bem que nalguns
sectores essas comunidades sejam ainda impor-tantes. O que não quer
dizer que as profissões não sejam significativas,mas antes que são
menos significativas do que noutros países da Europa.
Uma tendência geral que pode ser identificada em todos os
paísesabrangidos pela investigação é a de que os trabalhadores têm
cada vezmais necessidade de construir identidades profissionais
(individuais e co-lectivas) pluridimensionais, que possam ser
ajustadas em função da evo-lução socioeconómica e tecnológica. Dado
que as formas colectivas deidentidade laboral se encontram numa
situação de declínio generalizado,a auto iniciativa adquiriu
significado para o trabalhador individual. A res-ponsabilidade pelo
estabelecimento de uma ligação com o contexto labo-ral e pelo
desenvolvimento de formas de identificação com o trabalhoestá agora
quase inteiramente a cargo do indivíduo e manifesta se fre-
-
quentemente sob a forma de um processo aberto e assistemático.
Noscinco países estudados, os mecanismos institucionais que
poderiam orien-tar e apoiar o indivíduo no processo de adaptação da
sua identidade e dassuas competências laborais estão muito pouco
desenvolvidos. A aprendi-zagem e a socialização profissional podem
desempenhar um papel de-cisivo neste contexto. Na Alemanha e na
Estónia, por exemplo, os traba-lhadores mostraram grande
dificuldade em reorientar e adaptar as suasidentidades laborais,
que até há 10 ou 20 anos radicavam em contextosestáveis, a um
ambiente de trabalho em mutação. Em contrapartida, ostrabalhadores
do Reino Unido parecem ter aprendido a lidar com formasde
identidade laboral individualizadas, por vezes em tal grau que a
faltade compromisso com o trabalho e as mudanças de emprego
frequentespodem criar grandes problemas às entidades patronais
(Brown et al., 2004).
Revista Europeia de Formação ProfissionalN.o 39 – 2006/336
Figura 2: CCoonntteexxttooss nnaacciioonnaaiiss::
iimmppllaannttaaççããoo eessttrruuttuurraall ddaass
iiddeennttiiddaaddeess llaabboorraaiiss
PPaaííssAAlleemmaannhhaa FFrraannççaa EEssttóónniiaa
EEssppaannhhaa RReeiinnoo UUnniiddoo
Ensino e formação profissional
Formação profissional contínua
Perfil de competências profissionais
Características específicas
Orientação geral
Cond
içõe
s es
trutu
rais
Muitoformalizados;duplo sistema deformação/aprendizagem.
Geralmenteregulada a nívelestatal;mecanismo deintegração
nomercado laboral.
Muito estável.
Ligação forte entrea aquisição decompetências e osmercados
detrabalhoprofissionais.
Estabilidade.
Muito formalizados,geralmente minist-rados na escola.
Flexível; completa oensino e formaçãoprofissional
iniciais;apoiada pelas ent-idades patronais.
Em vias de adaptação.
As qualificações for-mais têm uma po-sição predominan-te no
mercado detrabalho.
Flexibilidade.
Em vias de sofreruma adaptaçãoprofunda.
Programas dereconversão degrande escala(organizados peloEstado e
pelasentidadespatronais).
Reorientação;disparidade entreas competênciasda mão de obra ea
procura decompetências.
Descontinuidade,devido a sistemaspolíticos emmutação.
Conformidade comnovas normas.
Diversificados,nãoregulamentados;falta dereconhecimento.
Diversificada, emparte organizadapelas
entidadespatronais;substitui em parteo ensino eformaçãoprofissional
inicial.
Numerosospostos de trabalhodestinados a umamão de obra
nãoespecializada;necessidade denormas.
Descontinuidade,ausência denormas; taxa dedesempregoelevada.
Reforço dascompetências.
Fracos, em compa-ração com o ensinogeral e a formaçãono local de
trabal-ho.
Impulsionada pelaprocura, modular;mecanismo de pro-moção da
transiçãoentre diferentes vi-as educativas.
Muito flexível e des-regulamentado; flu-idez dos perfis
doscargos e dos requi-sitos de competên-cias.
Economia de mer-cado liberal, commercados laboraisflexíveis.
Individualização
-
As identidades laborais numa perspectiva comparativa: o papel
das variáveis do contexto nacional e sectorial
Simone Kirpal 37
Influência das especificidades sectoriais naformação das
identidades laborais
Tal como os contextos nacionais, os grupos sectoriais e/ou
profissio-nais têm características específicas, que influenciam os
processos de for-mação da identidade no trabalho (2). A nível
sectorial, foram identifica-das no âmbito do projecto de
investigação duas características que pare-cem revestir-se de
especial importância: o grau de formalização das pro-fissões e da
aprendizagem (incluindo a formação profissional inicial e
con-tínua) e a dinâmica de mudança, incluindo as exigências de
flexibilidadee mobilidade. Tendo em conta estas características, os
sectores investi-gados podem ser divididos em dois grupos, sectores
muito formalizadose sectores não regulamentados, os quais podem ser
por sua vez muitodinâmicos ou menos dinâmicos, tendo em conta as
mudanças relacio-nadas, por exemplo, com o perfil dos cargos, os
requisitos de competên-cias, a aprendizagem, as estruturas
organizacionais, etc.
Por sua vez, estas características estruturais sectoriais estão
tambémdependentes de certas tradições que, nalguns casos, se
sobrepõem à suaimplantação nacional. Este facto pode ter produzido
ao longo do tempocombinações específicas destas características.
Contudo, estes casos se-riam excepcionais (3). Constatou se que as
especificidades sectoriais semanifestam em todos os países,
sobrepondo-se assim em grau signifi-cativo às influências nacionais
e à implantação histórico-cultural das iden-tidades laborais (4).
Este facto indica claramente que as tendências in-ternacionais e
globalizantes têm um forte impacto nas identidades labo-rais.
Porém, sugere também que as funções laborais e os perfis dos
car-gos, que parecem ser relativamente pouco influenciados pelas
particula-ridades nacionais ou culturais, dado serem determinados
em grandemedida pela natureza do trabalho ou da própria profissão,
influenciamde forma importante as identidades laborais.
A título de exemplo, foi possível identificar em todos os
sectores umelemento básico característico do trabalho específico a
efectuar. Esteselementos representam uma “cultura sectorial”
específica que parecia serdecisiva a nível dos aspectos com que os
trabalhadores se identificam noseu contexto laboral.
Adicionalmente, estes elementos são também comfrequência os que
mais atraem os trabalhadores, podendo constituir o prin-cipal
factor de motivação que os leva a optar pela especialização
numa
(2) Estas características são analisadas em profundidade para os
vários sectores de investiga-ção em Career Development
International, 2004, Vol. 9, Nº 3.
(3) O sector da metalurgia/metalomecânica, por exemplo,
caracterizava se por uma grande he-terogeneidade, em certas
combinações com especificidades nacionais.
(4) O primado das características específicas do sector e a sua
influência forte na formação daidentidade laboral reforçaram a
abordagem adoptada no projecto, que consistia em centrara análise
efectuada no âmbito da investigação nas perspectivas sectoriais, de
preferênciaàs nacionais. A primeira análise a nível nacional foi
considerada como um instrumento des-tinado a facilitar a integração
dos resultados da investigação efectuada a nível sectorial.
-
determinada área profissional e desempenhando assim um papel
impor-tante na construção da identidade profissional do
trabalhador. No sectormetalúrgico, por exemplo, o trabalho com um
material específico e pro-cessos de trabalho que implicassem pelo
menos um certo grau de traba-lho manual ou mecânico constituíam
elementos significativos com que ostrabalhadores se identificavam.
O mesmo se verificava em relação ao in-teresse técnico dos
trabalhadores dos sectores das telecomunicações edas TI, ao passo
que no caso dos profissionais de enfermagem aspec-tos como cuidar
das pessoas e ser responsável por elas pareciam ser de-cisivos. Os
trabalhadores do sector do turismo referiam que a interacçãosocial
e a comunicação eram os elementos que estavam na base da
suaidentificação com o trabalho.
Papel do ensino e formação profissional e das competências
Pôde observar-se em todos os sectores uma evolução dos
requisitosde competências em que passou a ser atribuída mais
importância às com-petências genéricas e de comunicação do que aos
conhecimentos técni-cos, combinada com uma procura elevada de
competências múltiplas. Sãopelo menos duas as dinâmicas que exigem
este novo equilíbrio de com-petências: uma organização do trabalho
baseada em hierarquias menosdiferenciadas e no trabalho de equipa e
a terciarização da economia, quese orienta cada vez mais para os
serviços, conferindo um novo papel aocliente no contexto da
economia. Este último aspecto tem, na prática, duasconsequências:
um elevado nível de interacção com o cliente a níveldos
trabalhadores intermédios e o facto de os clientes e os
consumidoresem geral se terem tornado muito mais exigentes, tendo
ideias muito con-cretas sobre a qualidade do serviço que esperam
lhes seja prestado. Estaevolução está na origem de uma estrutura
muito mais competitiva, inclu-sive em sectores de serviços
estabelecidos como os da enfermagem oudo turismo. As estruturas de
formação profissional inicial têm vindo a re-conhecer gradualmente
estes novos requisitos de competências e, noscasos em que foram
introduzidas reformas nestes últimos anos, os sis-temas de formação
tentaram dar resposta a essas exigências (5).
As competências múltiplas abrangem todo um leque de
expectativaspor parte das entidades patronais: “O perfil do técnico
de TI com com-petências múltiplas, tal como é definido pelas
entidades patronais, abran-ge aspectos muito variados, tais como
confidencialidade, competênciaslinguísticas, competências técnicas
híbridas, competências de comuni-cação, facilidade de adaptação à
mudança e capacidade de auto desen-volvimento contínuo, capacidade
de resistência ao stresse, competências
Revista Europeia de Formação ProfissionalN.o 39 – 2006/338
(5) Por exemplo, a criação do duplo programa de formação para as
novas profissões de TIda Alemanha, que entrou em vigor em 1995, ou
o novo programa de enfermagem da Estóniaintegram um número
importante de módulos centrados na promoção das competências
decomunicação.
-
As identidades laborais numa perspectiva comparativa: o papel
das variáveis do contexto nacional e sectorial
Simone Kirpal 39
no domínio do trabalho de equipa e conhecimentos administrativos
gerais”(Loogma et al., 2004, p. 329). Porém, havia também exemplos
em que ascompetências genéricas e de comunicação eram consideradas
secun-dárias por entidades patronais e trabalhadores, nomeadamente
em áreasque exigiam um trabalho predominantemente manual e mecânico
ou pu-ramente técnico, tais como alguns segmentos da indústria
metalúrgica oudo sector das telecomunicações e das TI. A combinação
de competênciasconsiderada desejável parece depender com frequência
da medida emque as empresas integram o trabalho de equipa na sua
prática laboral quo-tidiana. Foi possível observar uma evolução
importante nestes últimosanos, por exemplo, no sector da
metalurgia/metalomecânica, em que atransferência de
responsabilidade para os níveis mais baixos e o trabalhoem equipa
se tornaram mais comuns, em comparação com formas de or-ganização
do trabalho tayloristas e hierárquicas. Verificou-se uma evo-lução
semelhante no sector da saúde, em que a profissão de
enfermeiropassou a estar menos estruturada em torno das directivas
dos médicos.No sector do turismo continua a predominar uma
organização hierárquicado trabalho, ao passo que no sector das TI e
das telecomunicaçõesexiste uma combinação entre o trabalho muito
individualizado e o traba-lho organizado em torno de projectos e do
trabalho de equipa.A profissãode enfermeiro constitui um exemplo
elucidativo da evolução da procura decompetências. A abordagem
moderna, centrada no doente, exige a tran-sição de uma abordagem de
controlo directivo para uma abordagem detransferência de poderes
para outros níveis que está a atribuir uma novaimportância à
consulta. Esta nova abordagem introduz a orientação e
oaconselhamento no processo de prestação de serviços de saúde,
exigin-do, portanto, competências interpessoais muito
desenvolvidas. Por outrolado, “as tecnologias da informação e da
comunicação e a gestão de umtratamento de dados complexo,
combinadas com uma nova abordagemde orientação para o consumidor,
redefinem o perfil tradicional dos ser-viços de saúde” (Kirpal,
2004b, p. 287). Os dois processos exigem com-petências de
comunicação avançadas, estando também na origem de
umdesenvolvimento das competências genéricas e de processos de
traba-lho mais complexos.
A evolução da procura de competências evidencia a importância do
pa-pel e do reconhecimento da formação profissional inicial e
contínua. Osresultados da investigação sugerem que, em muitas
áreas, é atribuída aprioridade à formação contínua, combinada com a
experiência prática detrabalho, em detrimento das qualificações
profissionais formais. Pelo me-nos era esse o caso nos sectores das
TI e do turismo e, até certo ponto,no das telecomunicações. Nos
sectores da enfermagem e da metalurgia/me-talomecânica, a formação
inicial é muito valorizada por entidades patro-nais e
trabalhadores, sendo considerada como um requisito prévio para
aentrada no mercado laboral e a progressão na carreira. Por outro
lado, aexperiência prática de trabalho adquirida no âmbito de
programas de for-mação profissional é também considerada como uma
estratégia de recru-
-
tamento, nomeadamente no duplo modelo de formação alemão. De
ummodo geral, uma qualificação formal inicial aumenta a
empregabilidadee as hipóteses de progressão na carreira, estando
também na base da ca-pacidade de aprendizagem em geral e do
desenvolvimento de uma formabásica de identidade profissional,
inclusive num sector tão diversificadocomo o do turismo. Porém, no
caso de muitos grupos profissionais a qua-lificação profissional
inicial não confere aos jovens trabalhadores uma pre-paração que
lhes permita dominar as competências que lhes são exigidasna
prática laboral quotidiana. Nos sectores do turismo, das
telecomuni-cações, das TI ou até da enfermagem, entidades patronais
e trabalhado-res confirmaram que o que conta realmente é a
experiência de trabalho.A aquisição de competências era claramente
relacionada com a aprendi-zagem no trabalho, abrangendo a formação
no local de trabalho, a apren-dizagem através da prática e a
aprendizagem autónoma.
Foi possível observar em muito sectores, nomeadamente nos das
TI,das telecomunicações e da metalurgia/metalomecânica, uma
procuracrescente de conhecimento just-in-time (à medida). Esta
tendência este-ve na origem da reestruturação das modalidades e do
papel da formaçãocontínua, submetendo os trabalhadores a uma
pressão considerável, emtermos de estudo autónomo e de aprendizagem
informal. Na maioria doscasos, a aquisição deste tipo de
conhecimentos não contribui significa-tivamente para aumentar as
competências profissionais, uma vez quesão de curto prazo, que se
desactualizam rapidamente e que são consi-derados como um requisito
mínimo de acompanhamento da evolução tec-nológica, para manter a
empregabilidade própria. Os trabalhadores for-mularam a observação
crítica de que a aquisição de conhecimento just-in-time estava a
deixar pouco espaço e poucos recursos para um desen-volvimento mais
profundo e a mais longo prazo das competências, quepode ser
importante para promover oportunidades de progressão nacarreira.
Alguns trabalhadores consideravam que esta estrutura de
co-nhecimento lhes proporciona ainda menos controlo sobre o
desenvolvi-mento das suas competências. Por outro lado, favorece a
contratação delicenciados, uma tendência que podia ser observada em
áreas técnicascomo as da metalurgia/metalomecânica, das
telecomunicações e das TI.Outros factores que obstam a que os
trabalhadores melhorem as suascompetências profissionais são a
incompatibilidade dos cursos e acçõesde formação com o seu horário
de trabalho, a falta de apoio financeiropor parte das entidades
patronais e a inadequação da formação pro-posta. O facto de as
empresas, no que se refere às oportunidades de for-mação,
privilegiarem um segmento “fulcral” da mão de obra, em detrimen-to
de outros segmentos mais “desfavorecidos”, é um problema que se
co-loca nos sectores das telecomunicações/TI, do turismo e da
metalurgia/me-talomecânica.
Revista Europeia de Formação ProfissionalN.o 39 – 2006/340
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As identidades laborais numa perspectiva comparativa: o papel
das variáveis do contexto nacional e sectorial
Simone Kirpal 41
Conclusões
As estruturas económicas e sociais existentes influenciam
fortementea natureza do trabalho e estão na origem de uma série de
alteraçõesdestinadas a dar resposta à necessidade de mudança. Como
é evidente,a forma como as exigências de flexibilidade afectam a
mão de obravaria muito a nível dos diferentes países europeus e dos
diferentes sectores;as questões que se colocam nos vários contextos
nacionais e sectoriaissão também diferentes. Porém, algumas
variáveis contextuais pareceminfluenciar a formação das identidades
laborais, tanto a nível da implantaçãonacional dos conceitos de
trabalho como a nível das estruturas sectoriaisespecíficas.
Formalização versus desregulamentação
Estruturas formalizadas e regulamentadas promovem a
estabilidadee a continuidade e prestam apoio ao indivíduo no
desenvolvimento deuma orientação profissional e de uma identidade
laboral. Por exemplo,sistemas estabelecidos de ensino e formação
profissional e oreconhecimento das qualificações formais podem ter
uma funçãoformativa decisiva no desenvolvimento de um interesse
profissionalinicial e da autoconfiança, uma constatação que se
aplica em certamedida a todos os grupos profissionais investigados.
Situações deestabilidade e segurança no emprego são importantes
para que oindivíduo possa criar uma ligação e um compromisso com a
empresae planear o seu desenvolvimento profissional. São igualmente
importantespara a progressão na carreira, quer do ponto de vista do
aprofundamentodos conhecimentos e competências individuais, através
da mobilidadehorizontal (tal como no sector da enfermagem), quer
através da promoção,que implica a mobilidade vertical. Condições de
emprego instáveis,pelo contrário, levam a que seja muito difícil
para os trabalhadoresdesenvolverem uma identidade laboral estável,
sendo este um casotípico dos trabalhadores do sector do
turismo.
A influência da formalização aplica-se também à organização e
àsfunções das comunidades e associações profissionais. A influência
fortedestas organizações na formação da identidade foi constatada
em quasetodos os grupos profissionais investigados. Quando o nível
de formalizaçãodas associações profissionais é elevado (tal como no
caso da enfermageme como é tradicional na indústria metalúrgica), a
prestação de orientaçãoe apoio profissional contribui para que os
trabalhadores possam reforçara sua posição em termos do contexto
laboral, das relações entidade patronaltrabalhador e do seu
estatuto profissional. Quando esses mecanismos nãoexistem, podem
ser substituídos por comunidades profissionais informais(como
acontece no sector das TI) que assumem a mesma função ou, caso
-
isso se não verifique, os processos de formação da identidade
são muitoindividualizados, como acontece no sector do turismo.
Quando os mecanismos de estabilização estão enfraquecidos (comoé
o caso na indústria metalúrgica/metalomecânica e no sector
dastelecomunicações) ou não existem (tal como acontece nos sectores
dasTI e do turismo), os trabalhadores confrontam se com o desafio
daconstrução dos seus próprios sistemas de identificação. Neste
contextopodem ser evidenciadas três tendências: em primeiro lugar,
a transferênciado conceito de uma atitude laboral profissional, tal
como a que é deesperar no caso das profissões liberais (advogados,
médicos, gestores),para os trabalhadores com um nível de
competências intermédio. Estaevolução pode ser observada, por
exemplo, nos peritos de TI, nostrabalhadores muito qualificados dos
sectores do turismo e da metalomecâ-nica e, em certa medida, nos
profissionais de enfermagem. Neste caso,a ética profissional, o
interesse e o compromisso pessoal, uma atitudede aprendizagem pró
activa e a auto realização são promovidos eadoptados como contextos
fundamentais. Uma segunda possibilidadeobservada foi uma atitude
laboral muito individualizada, de que seencontram exemplos no
contexto do Reino Unido, mas que é constatadacom uma frequência
crescente na maioria dos grupos profissionaisinvestigados. Neste
caso é colocada a tónica nas competências,conhecimentos e
qualificações profissionais do indivíduo, bem como napromoção
activa da sua própria carreira, através da aprendizagem e
daformação contínua, bem como da mobilidade e flexibilidade,
enquantoinstrumentos importantes de progressão na carreira. Em
terceiro lugar,grande número de trabalhadores desenvolvia uma
atitude laboral funcionalou instrumental, satisfazendo os
requisitos mínimos de aprendizagem,flexibilidade e mobilidade
necessários para manter a sua empregabilidade.Esta abordagem, que
podia ser observada nos sectores das telecomunicaçõese
metalúrgico/metalomecânico, mas que estava também representadaem
menor grau noutros sectores, pode ser considerada como uma
respostapassiva a requisitos laborais em mutação, ao passo que as
duas primeirastendências prevêem e exemplificam uma abordagem mais
pró activa.
Flexibilidade e mobilidade
A evolução organizacional, as inovações tecnológicas e uma
orientaçãoforte para o consumidor exigem uma adaptação dos
trabalhadores àsnovas exigências do contexto laboral, através do
desenvolvimento denovos perfis de competências e da capacidade de
aprendizagem contínua.As empresas têm de dar resposta ao desafio da
adaptação a exigênciasorganizacionais em mutação, de modo a criar
um ambiente favorável àaprendizagem e a apoiar a adaptação dos
trabalhadores à mudançadas situações laborais. Geralmente estão em
posição de reprimir ouincentivar activamente as atitudes laborais
específicas dos seus
Revista Europeia de Formação ProfissionalN.o 39 – 2006/342
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As identidades laborais numa perspectiva comparativa: o papel
das variáveis do contexto nacional e sectorial
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trabalhadores, podendo influenciar assim a construção das suas
identidadeslaborais.
No que se refere à mobilidade, o consórcio responsável pela
execuçãodo projecto estabeleceu uma distinção entre mobilidade
geográfica ouespacial, mobilidade horizontal e mobilidade vertical.
As exigências demobilidade espacial colocadas aos trabalhadores
relacionam se com anecessidade e/ou a possibilidade de mudança de
local de trabalho, detransferência para uma nova localização, de
efectuar deslocações noâmbito da sua actividade profissional ou de
ser obrigado a fazer um longotrajecto casa-emprego. A mobilidade
horizontal relaciona-se com umamudança de entidade patronal ou de
departamento, a rotação dos postosde trabalho, a aquisição de uma
determinada especialização ou a transiçãopara o trabalho de equipa.
Finalmente, a mobilidade vertical abrange acapacidade, o interesse
e a oportunidade de desenvolvimento da carreirapessoal, tirando
partido de oportunidades como a continuação dos estudosou uma
promoção na empresa. A mobilidade horizontal e vertical
estáestreitamente relacionada com oportunidades de
desenvolvimentoprofissional contínuo e de aprendizagem relacionada
com o trabalho. Amigração pode ser considerada como uma forma
específica de mobilidade,que se relaciona geralmente com uma
mudança de entidade patronal ede área profissional. Se bem que esta
questão se revista de grandeinteresse a nível europeu, o caso dos
trabalhadores migrantes não foitido em consideração no projecto, na
medida em que a formação da suaidentidade profissional é um caso
específico.
Em tempos de grandes dificuldades económicas, a flexibilidadee a
mobilidade eram consideradas inicialmente como exigênciasque
exerciam pressão sobre as empresas e os trabalhadores.Porém, a
flexibilidade e a mobilidade criam também oportunidadesem termos do
ambiente de aprendizagem no trabalho, dos perfisdos cargos, das
opções de carreira e da autonomia e auto realizaçãodos
trabalhadores. As estratégias organizacionais das empresastanto
podem proporcionar novas oportunidades aos trabalhadorescomo
submetê-los a uma pressão acrescida, por exemplo, atravésda
intensificação do trabalho; a prevalência desta característicafoi
referida pelos trabalhadores de todos os sectores em que incidiua
investigação. O estudo revelou que a flexibilidade e a
mobilidadesão percepcionadas e valorizadas de modo muito diferente
emdiferentes grupos profissionais, mostrando também como é queessa
vivência afecta os processos de formação da identidade
notrabalho.
Os trabalhadores relacionavam tipicamente a questão da
flexibilidadecom a capacidade de fazer face e de se adaptar às
mudanças no trabalho,por exemplo, a novas tarefas e situações
laborais ou a uma nova organizaçãodo trabalho, geralmente associada
a uma melhoria das competências edos perfis profissionais.
Relacionavam na também com as condições detrabalho, em termos de
horários flexíveis, horários de trabalho irregulares,
-
alteração dos horários de trabalho e necessidade de fazer horas
extraordinárias.Havia grandes variações no modo como a
flexibilidade e a mobilidadeeram percepcionadas: quer como criando
oportunidades, quer como novasexigências que submetem os
trabalhadores a uma pressão suplementar.Os profissionais de
enfermagem, por exemplo, consideravam que controlavamem grande
medida o grau de flexibilidade e mobilidade a que eram obrigadosa
dar resposta e que tinham opções individuais. Nas novas
economias,pelo contrário, os dois elementos eram percepcionados
como exigênciasque estavam fora do controlo dos trabalhadores e que
criavam um elevadonível de stresse. As exigências de flexibilidade
eram consideradas criticamente,em termos de horas extraordinárias e
de horários de trabalho flexíveis,nomeadamente no sector do
turismo, em que os mecanismos de compensaçãodesses requisitos eram
considerados inadequados, não só do ponto devista da remuneração
financeira, como também dos da segurança noemprego, das
perspectivas de carreira e da prestação de formação. Aflexibilidade
tinha a conotação mais negativa quando era interpretada comoa
possibilidade de contratar e despedir pessoal com baixos custos.
Asimplicações negativas eram a falta de compromisso com o trabalho
e deligação à empresa, bem como os elevados níveis de rotatividade
do pessoal.
No que se refere à aceitação da flexibilidade e da mobilidade
pelostrabalhadores, foi também possível identificar diferenças
nacionais (ouculturais). Os trabalhadores franceses e do Reino
Unido parecem, de ummodo geral, estar mais bem preparados do que os
trabalhadores alemãespara corresponder às exigências de
flexibilidade e mobilidade, que osbeneficiariam pessoalmente. A
socialização, a aprendizagem e asexperiências pessoais
desempenhariam um papel importante nestecontexto, o que se tornou
bem claro comparando, por exemplo, as atitudeslaborais dos
profissionais de enfermagem e dos trabalhadores dosector das
telecomunicações dos três países. Por outro lado, trabalhadoresde
países com uma economia instável, como a Espanha ou a Estónia,estão
geralmente mais habituados a adaptar se à mudança das condiçõesde
trabalho, pois necessitam com frequência de ser muito flexíveis
pararesistirem à turbulência e a períodos de transição.
A mobilidade horizontal era utilizada com frequência como um
instrumentoimportante de desenvolvimento das competências
profissionais e demelhoria das oportunidades de carreira.
Nomeadamente nos sectoresdas TI e do turismo, e principalmente no
Reino Unido, a mudança deemprego para obter experiência de trabalho
estava estreitamente associadaao desenvolvimento profissional. No
sector da enfermagem, a mobilidadehorizontal (principalmente entre
diferentes departamentos do hospital)era geralmente praticada para
alargar e aprofundar as competênciasprofissionais, mas sem intuitos
de promoção. Era notório que, na maioriados sectores, os
trabalhadores com níveis de competências intermédiosprivilegiavam a
mobilidade horizontal, em detrimento da mobilidade vertical.Esta
tendência podia ser associada aos elementos básicos de uma
profissão(tal como foi referido mais atrás) com que os
trabalhadores com estes
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níveis de competências se identificavam tipicamente. Este padrão
deidentificação profissional pode estar na origem de uma certa
incompatibili-dade entre a execução de tarefas técnicas e a
assunção de funçõesadministrativas e de coordenação caracterizadas
por um nível mais elevadode responsabilidade laboral. Nos sectores
das telecomunicações, das TIe da metalurgia /metalomecânica, por
exemplo, para muitos trabalhadoresa transição de funções de técnico
especializado para funções de coordena-ção era vivida de forma
conflitual, o que obstava com frequência a queocupassem posições de
chefia na equipa. Os especialistas de TI associavaminclusive os
cargos de gestão a uma degradação inevitável dos
conhecimentostécnicos e das competências práticas (Loogma et al.,
2004). No caso dosprofissionais de enfermagem, a maioria dos
trabalhadores vivia essasituação de modo semelhante: o pessoal de
enfermagem que se identificavafortemente com a prestação de
cuidados directos aos doentes geralmentenão estava interessado em
transitar para cargos de gestão e adquirircompetências relacionadas
com a administração, a coordenação ou astarefas de gestão em geral
(Kirpal, 2004b).
Estes resultados podem levar à conclusão de que, para a maioria
dostrabalhadores qualificados, o desempenho das tarefas essenciais
de umaprofissão é mais importante do que fazer carreira como
supervisor ou chefede equipa, nomeadamente quando a estrutura
salarial não mudasignificativamente, como é o caso no sector da
enfermagem. No caso dostrabalhadores britânicos e franceses e dos
trabalhadores que desenvolvema sua actividade em sectores
diversificados e menos formalizados, taiscomo os do turismo e das
TI, verificava-se que a orientação da carreiraera mais forte. No
que a este ponto se refere, é importante observarque, nomeadamente
no Reino Unido, a estrutura salarial muda significativa-mente com a
progressão na carreira. Era notório que, no caso dostrabalhadores
do Reino Unido, os progressos na via do desenvolvimentoprofissional
se relacionavam principalmente com a mobilidade verticalascendente
e com salários mais altos; em combinação com a passagempor
diferentes situações de emprego, esta via implicava também
comfrequência mudanças de área profissional. A ligação a uma
empresa oua um ambiente de trabalho específico tão pouco parecia
ter grande significado.Os trabalhadores qualificados de outros
países, pelo contrário, identifica-vam se muito mais com a sua
condição de perito numa determinada área,criando uma identificação
forte com as actividades laborais exercidas queimplicavam a
aplicação de competências técnicas muito específicas.
Outros factores estruturais que criam poucos incentivos a que
ostrabalhadores optem pela via da mobilidade vertical eram a falta
deoportunidades de progressão na carreira, devido a
reestruturaçõesorganizacionais, à falta de apoio por parte das
entidades patronais ou aomodo de organização da profissão. A
tendência para hierarquias poucodiferenciadas que caracteriza a
organização do trabalho nos sectores dastelecomunicações, das TI e
metalúrgico/metalomecânico tem vindo a reduzirsignificativamente o
número de lugares de supervisão, nomeadamente a
-
nível da gestão intermédia. Uma das consequências deste facto na
Ale-manha, por exemplo, é que muito menos trabalhadores utilizam a
qualifi-cação de Meister como um instrumento clássico de progressão
na carreira,pois esta via está cada vez mais comprometida devido ao
recrutamentode licenciados para esses cargos. A falta de apoio das
entidades patronais,que não proporcionam nem facilitam o acesso a
formação adequada, eraum problema nos sectores do turismo e das TI,
nomeadamente, ao passoque no sector da enfermagem a organização
muito formalizada da profissãorestringia significativamente as
oportunidades de progressão na carreira.
A relação entre a mobilidade, a flexibilidade e a identidade
laboral tornam-se mais evidentes quando se tem em conta a auto
imagem de especialistasde TI e trabalhadores metalúrgicos, que se
auto-diferenciam claramentedo pessoal administrativo, dos gestores
e dos directores. O estudosobre o sector das TI revela que a
identidade laboral de um especialistade TI pode estar de tal modo
enraizada na tecnologia, que se correlacionacom um elevado nível de
inflexibilidade no que se refere a desenvolveruma orientação
profissional mais alargada. Seria interessante investigarmais a
fundo a medida em que competências técnicas muito desenvolvidas,mas
de âmbito muito restrito, representam um risco para esses
trabalhadoresquando surge a necessidade de adaptação a contextos
laborais em mutação.
Reflexões
O projecto de investigação permitiu confirmar que os
trabalhadores daEuropa estão cada vez mais sujeitos a maiores
exigências em termosde flexibilidade e mobilidade no trabalho e que
se confrontam com anecessidade de mudanças e ajustamentos
contínuos. Os resultados doprojecto demonstravam também que nem
todos os trabalhadores comníveis de competências intermédios
dispõem dos recursos pessoaisnecessários para fazer face às
exigências de adaptação ao seu postode trabalho, de desenvolvimento
das competências ou de orientação dacarreira. Analisando agora os
casos individuais, verificou se que existiamem todos os grupos
profissionais investigados trabalhadores comformas clássicas de
identidade laboral caracterizadas por um elevado nívelde
identificação com a sua profissão, a sua entidade patronal, os
produtosda empresa ou as suas tarefas laborais quotidianas. Uma
evolução rápidadas condições de trabalho colocava grandes desafios
a este grupo detrabalhadores, nomeadamente aos que não dispunham
dos meios ou dosrecursos pessoais necessários para se adaptarem a
novas exigências.Nesses casos, os trabalhadores desenvolviam
tipicamente uma estratégiade “recuo defensivo”, tentando manter o
seu estatuto profissional e o perfildo cargo. Este grupo de
trabalhadores oferecia grande resistência àsexigências de maior
flexibilidade, manifestando pouco interesse pelaaprendizagem, pela
progressão na carreira ou por mudar de local detrabalho ou de
entidade patronal. Por outro lado, a pressão no sentido
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de mostrar mais flexibilidade, a alteração das tarefas laborais
ou dasfunções profissionais ou a mudança de entidade patronal criam
frequentementestresse e estão na origem de uma falta de controlo
sobre o desempenhoprofissional. Esta afirmação aplicava-se de um
modo muito especial aocupações e organizações em que as exigências
de flexibilidade e mobilidadesão elevadas e as formas de
organização do trabalho e as tarefas mudamrapidamente, como
acontece no sector das TI.
Em contrapartida, os trabalhadores com formas de identidade
laboralflexíveis, evolutivas e individualizadas e com capacidade
para antecipare internalizar as exigências de mudanças contínuas no
trabalho, estavammuito mais preparados para dar resposta às
exigências de flexibilidade.Estes trabalhadores possuíam com
frequência a combinação desejávelde competências técnicas com
competências sociais híbridas e tinhamcapacidade para utilizar a
flexibilidade, a mobilidade e a aprendizagemcomo instrumentos de
progressão na carreira. Os resultados da investi-gação demonstraram
também que as entidades patronais que privilegiamestes
trabalhadores flexíveis estão cada vez mais interessadas num tipode
trabalhador semelhante a um empreendedor independente, que vendeos
seus serviços, qualificações e competências pela melhor oferta
(vertambém Pongratz et al., 2003; Voß et al., 1998). Este tipo de
trabalhadorcaracteriza se por um elevado nível de flexibilidade,
pela aprendizagemcontínua, pela capacidade de gestão dos riscos, de
construção e modelaçãoda sua própria identidade laboral e de
orientação da sua carreira.
As novas formas emergentes da relação entidade
patronal-trabalhadorreforçam este modelo de empreendedorismo,
afastando se gradualmentedos antigos tipos de relação baseada na
confiança e flexibilizando ospadrões de compromisso organizacional
(Baruch, 1998; Reader et al.,2001). Esta tendência promove e apoia
uma tendência geral de“individualização” das identidades laborais,
em detrimento das formascolectivas clássicas, dificultando assim a
negociação colectiva para ostrabalhadores. Por outro lado, este
modelo transfere da empresa para otrabalhador a responsabilidade
pela formação, a aprendizagem e odesenvolvimento profissional.
Porém, para o trabalhador individual estaatitude laboral
pró-activa, empreendedora e de aquisição de competênciasmúltiplas
gera também identidades laborais complexas, flexíveis
epluridimensionais, que podem ser conflituais quando é necessária
umaadaptação contínua a exigências de mudança. A estabilidade e a
conti-nuidade que eram asseguradas formalmente através de contratos
detrabalho permanentes e de uma ligação estável à empresa, por
exemplo,devem ser agora construídas activamente pelos próprios
trabalhadores.
A medida em que os trabalhadores têm capacidade para
corresponderàs exigências de flexibilidade e adaptação tem um
impacto significativona sua motivação, no seu compromisso com o
trabalho e nas suas formasde identificação com o trabalho. No
presente artigo tentou se demonstrarque não é o indivíduo por si só
que determina o potencial de adaptação,mas que as variáveis
estruturais desempenham também um papel crucial,
-
apoiando ou inibindo o desenvolvimento dos trabalhadores. Dado o
númeropotencialmente elevado de trabalhadores na Europa que não
correspondemao tipo empreendedor (e, portanto, em possível
desvantagem), os trabalha-dores necessitam de alguma forma de apoio
para os equipar e prepararpara corresponder às exigências de
mudança no trabalho. Os resultadosda investigação demonstravam que
os trabalhadores com níveis decompetências intermédios e de idade
superior a 35 anos, nomeadamente,têm de ser activamente apoiados e
orientados, para evitar que caiam numaestratégia passiva de “recuo
defensivo” que, em última análise, pode levarà sua exclusão
profissional. Em contrapartida, os trabalhadores quereceberam
formação nos últimos 10 anos estão muito melhor preparadospara
antecipar e corresponder às exigências de flexibilidade e
aprendiza-gem contínua. Esta constatação evidencia o papel crucial
que o ensinoe a formação profissional inicial desempenham neste
contexto, quandosão concebidos de modo a preparar adequadamente os
jovens para darresposta aos desafios dos ambientes de trabalho
modernos. Porém, quandoos trabalhadores não tiveram oportunidade de
receber formação adequada,adaptada aos padrões modernos, essa
insuficiência deve ser compensadapela aprendizagem contínua no
local de trabalho.
A flexibilidade é especialmente necessária à integração entre a
formaçãoprofissional inicial e contínua, e à obtenção de uma
combinação equilibradaentre os conhecimentos técnicos específicos e
as competências genéricas.A acreditação da aprendizagem informal,
necessária para permitir o acessoefectivo à aprendizagem contínua,
à promoção e à mobilidade horizontal,deve ser também melhorada. Os
instrumentos de orientação destinadosa prestar apoio aos
trabalhadores na resposta às exigências de flexibili-dade e
mobilidade e a conferir lhes a capacidade de serem os agentes doseu
próprio desenvolvimento profissional não se devem limitar
necessaria-mente a disposições institucionais. A aprendizagem
profissional contínua,auto iniciada e autogerida, e “auditorias às
competências” de auto orientaçãosocioprofissional podem constituir
também instrumentos poderosos.
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