Capítulo 4 Interações biofísicas em sistemas agroflorestais Marcos S. Bernardes Luís Fernando G. Pinto Ciro A. Righi Resumo – Nos países tropicais é cada vez mais freqüente a presença da monocultura extensiva, associada a conceitos e práticas agrícolas vindas de países de clima temperado. Tais sistemas afetam o ambiente e a sociedade pela inadequação de suas práticas aos ambientes tropicais. O uso de sistemas agroflorestais (SAFs) aumenta a complexidade do sistema produtivo, e as interações biofísicas existentes assumem um papel fundamental ao seu entendimento e manejo. A falta de estudos, a complexidade dos SAFs e a particularidade de cada situação dificultam a padronização das práticas agrícolas nesses sistemas. A retenção ou introdução deliberada de árvores em um sistema de produção agrícola, modifica o meio e as interações entre seus componentes. As interações ocorrem no espaço ou no tempo, o que torna o sistema mais complexo tanto do ponto de vista biofísico como socioeconômico. As árvores e as culturas interagem, de forma competitiva ou complementar, pela captura dos recursos radiação, água e nutrientes. As árvores podem ocupar espaços e utilizar recursos não utilizados pelas culturas, assim como modificar o ambiente edafoclimático, beneficiando o crescimento e a produção das culturas. Assim, o sistema como um todo pode ser mais eficiente do que os monocultivos na aquisição desses recursos. Neste capítulo z - Agroflorestais - Miolo.pmd 28/4/2009, 13:42 423
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Capítulo 4
Interações biofísicas
em sistemas agroflorestais
Marcos S. Bernardes
Luís Fernando G. Pinto
Ciro A. Righi
Resumo – Nos países tropicais é cada vez mais freqüente a presença
da monocultura extensiva, associada a conceitos e práticas agrícolas
vindas de países de clima temperado. Tais sistemas afetam o
ambiente e a sociedade pela inadequação de suas práticas aos
ambientes tropicais. O uso de sistemas agroflorestais (SAFs) aumenta
a complexidade do sistema produtivo, e as interações biofísicas
existentes assumem um papel fundamental ao seu entendimento e
manejo. A falta de estudos, a complexidade dos SAFs e a
particularidade de cada situação dificultam a padronização das
práticas agrícolas nesses sistemas. A retenção ou introdução
deliberada de árvores em um sistema de produção agrícola,
modifica o meio e as interações entre seus componentes. As
interações ocorrem no espaço ou no tempo, o que torna o sistema
mais complexo tanto do ponto de vista biofísico como
socioeconômico. As árvores e as culturas interagem, de forma
competitiva ou complementar, pela captura dos recursos radiação,
água e nutrientes. As árvores podem ocupar espaços e utilizar
recursos não utilizados pelas culturas, assim como modificar o
ambiente edafoclimático, beneficiando o crescimento e a produção
das culturas. Assim, o sistema como um todo pode ser mais eficiente
do que os monocultivos na aquisição desses recursos. Neste capítulo
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Parte 3 – Critérios e perspectivas a observar para a adoção, monitoramento e avaliação de SAFs424
discute-se os princípios biofísicos que podem justificar a adoção
de SAFs planejados para o alcance dos objetivos mencionados.
A degradação ambiental da Amazônia ocorre, em grande parte, pela
conversão da floresta para sistemas agrícolas incompatíveis com as
condições edafoclimáticas da região, que resultam em baixa produção e
conseqüentes ciclos de pobreza. Portanto, a conservação e a recuperação
da Amazônia dependem não somente da proteção de áreas naturais, mas
também de sistemas de produção sustentáveis que viabilizem a produção
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Capítulo 4 – Interações biofísicas em sistemas agroflorestais 425
vegetal e a conservação do solo, da água e da biodiversidade. Faz parte
da sustentabilidade a busca da máxima produtividade, pois uma menor
proporção de áreas ocupadas pode atender a demanda da sociedade e,
conseqüentemente, maior proporção da região pode ser mantida com
atividades de baixíssimo impacto, resultando em máxima preservação
ambiental. A conservação dos recursos naturais por meio de sistemas
produtivos pode também proporcionar maior segurança alimentar e geração
de renda que refletem na melhoria das condições de vidas das populações
rurais dessa região.
As árvores nos SAFs devem apresentar um papel protetor e
produtivo. No papel protetor, exercem efeito de quebra-ventos, controle
de erosão, manutenção dos nutrientes retardando a sua ciclagem e evitando
perdas, fixação e redistribuição de nitrogênio atmosférico, absorção de
fósforo pouco fixado ao solo pela associação com micorrizas, entre outros.
O papel produtivo é realizado pela produção adicional da própria árvore,
fornecendo por exemplo madeira, frutas, resinas, ou pela melhoria da
produção das culturas associadas, seja pelo incremento na qualidade ou
na quantidade, como pela sua melhor distribuição temporal (BERNARDES,
1993; LUNZ, 2006). Os SAFs são, em especial, indicados para regiões
com ecossistemas frágeis, tais como os de florestas tropicais, por
apresentarem estrutura semelhante, em certos aspectos, à da vegetação
originária dessa região. Entende-se por interações biofísicas aquelas que
ocorrem no meio biológico, que podem ser descritas de forma direta e
simples por fundamentos físicos, como a clássica relação entre produção,
crescimento, fotossíntese e radiação. Neste capítulo discutiremos os
princípios biofísicos que justificam a adoção de SAFs bem planejados
para o alcance dos objetivos citados anteriormente.
Condições edafloclimáticas da Amazônia
A Amazônia situa-se entre as latitudes 5°N e 10°S e recebe no topo
da atmosfera entre 36,7 MJ.m-2.dia-1 e 30,7 MJ.m-2.dia-1 no período de verão
e de inverno, respectivamente. Esses valores são reduzidos na absorção e
reflexão pela atmosfera, para algo na ordem de 15 MJ.m-2.dia-1. Seguindo a
classificação de Köppen, os climas definidos como Af (temperaturas
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Parte 3 – Critérios e perspectivas a observar para a adoção, monitoramento e avaliação de SAFs426
sempre maiores que 20 °C e sem estação seca), Am (médias de temperatura
maiores que 22 °C em todos os meses e as mínimas no mês mais frio
maiores que 20 °C) e Aw (temperatura elevada com chuva no verão e
outono e temperatura sempre maior que 20 °C e pluviosidade elevada)
estão presentes na maior parte da região. Ocorre deficiência hídrica em
algumas áreas, mesmo nos períodos chuvosos, que são marcados por
chuvas intensas, com alto poder erosivo do solo (Tabela 1).
De maneira geral, os solos amazônicos apresentam restrições à
atividade agrícola, com a presença de Latossolos e Argissolos em 74 %
da região. Os solos de baixa fertilidade representam 86 % do total. A maior
parte dos solos possui textura média ou argilosa e apenas 7 % são solos
arenosos. Ademais, são solos de grande fragilidade (MEIRELLES FILHO,
2006) e baixa resiliência, perdendo facilmente sua capacidade de suporte
de vegetação e com ciclo de recuperação que ultrapassa décadas ou séculos
(DAVIDSON et al., 2007).
A radiação solar disponível na região equatorial é relativamente
constante durante o ano, permitindo substantiva atividade fotossintética
e o conseqüente crescimento vegetal. A intensidade da radiação combinada
com a disponibilidade de água, ao longo do ano, resulta em uma alta taxa
fotossintética e um acúmulo de fitomassa das florestas equatoriais úmidas,
especialmente quando comparadas com florestas de outras latitudes ou
outras formações vegetais na mesma latitude, mas com limitação de água
ou nutrientes, como os pastos naturais e as savanas (Tabela 2). Isso porque,
conforme calcularam Goudriaan e Laar (1978), nos meses de verão quando
ocorre a maior disponibilidade hídrica, a disponibilidade de radiação e a
taxa assimilatória são maiores na latitude de 20° (Fig. 1). Dessa forma,
Tabela 1. Dados climáticos anuais de três municípios da Amazônia.
MunicípioPrecipitação Déficit hídrico Temperatura Temperatura máxima
(mm) (mm) média (°C) média (°C)
Belém 2.891 8 26,0 > 30 em todos os meses
Manaus 2.285 167 26,7 > 30 em todos os meses
Rio Branco 1.941 89 24,9 > 30 em todos os meses
Fonte: Inmet (2007).
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Capítulo 4 – Interações biofísicas em sistemas agroflorestais 427
Tabela 2. Taxa de crescimento e biomassa acumulada por diferentes formações
vegetais.
Bioma/culturaTaxa de crescimento Biomassa acumulada
(t m.s ha-1 ano-1) (t m.s ha-1)
Pasto natural 2 - 10 20 - 50
Savana – floresta decídua 2 - 10 60 - 100
Floresta temperada 5 - 20 200 - 400
Floresta úmida 10 - 30 400 - 500
Plantação eucalipto 10 - 20 100 - 150
Culturas agrícolas 20 - 100 15 - 50
Fonte: Larcher (1975) e outros.
Fig. 1. Taxa assimilatória (kg.ha-1.d-1) de dosséis fechados em dias claros,
nas latitudes de 0o, 20o, 40o e 60o.Fonte: Calculados de acordo com Goudriaan e Laar (1978).
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Parte 3 – Critérios e perspectivas a observar para a adoção, monitoramento e avaliação de SAFs428
não ocorre uma coincidência temporal entre as disponibilidades dos
principais fatores de produção: radiação e água. Esse aspecto acarreta um
excedente hídrico elevado no verão e uma forte escassez nos demais meses
do ano.
Na Floresta Amazônica, grande parte da energia radiativa é utilizada
na evapotranspiração, o que intensifica e acelera o ciclo da água
(MEIRELLES FILHO, 2006), atenuando os impactos negativos que esse
excesso de radiação teria no aumento da temperatura do ar e do solo. Em
função da sua grande fitomassa e conseqüente grande quantidade de folhas
de várias colorações e formas presentes em diversos estratos, a floresta
equatorial úmida absorve praticamente toda a radiação disponível. Isto é,
o dossel da floresta praticamente não se satura, resultando numa taxa
fotossintética próxima da potencial, ao contrário das florestas de alta
latitude que saturam o dossel e não aproveitam toda a energia disponível
para seu crescimento (Fig. 2), conforme demonstrado por Grace et al.
(1997) em sua palestra no Congresso Brasileiro de Sistemas Agroflorestais.
Fig. 2. Fluxo ou consumo de CO2 (fotossíntese, em µmol.m-2.s-1) em função
da densidade de fluxo de fótons fotossinteticamente ativos (FPFD, em
µmol.m-2.s-1) em floresta boreal e amazônica (manipulados pelos autores com
base em dados apresentados por Grace et al., 1997).
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Capítulo 4 – Interações biofísicas em sistemas agroflorestais 429
Nos trópicos, a máxima taxa fotossintética diária é observada na primeira
parte da manhã, horas antes do pico diário de irradiância. Por outro lado,
nas maiores latitudes, durante o verão, o comprimento do dia é maior que
nas menores latitudes, sendo este adicional de período iluminado bem
utilizado pelas plantas, pois se constitui de radiação com intensidade
abaixo daquela que satura as folhas (GRACE et al., 1995).
A mesma situação das florestas temperadas e boreais ocorre para
monocultivos agrícolas em latitudes equatoriais. O dossel dos cultivos se
satura a partir de determinada intensidade de radiação (Fig. 3) e não
aproveita toda a radiação disponível. Em altas latitudes, a intensidade da
radiação no verão é próxima da que satura o dossel dos cultivos agrícolas,
o que justifica sua alta produção nessas condições. Já em latitudes
equatoriais e tropicais, a radiação satura o dossel das lavouras desenhadas
aos moldes das lavouras temperadas, e a radiação não aproveitada que
atinge o solo ainda é suficiente para proporcionar relevante produção
vegetal (Fig. 4).
Além do não aproveitamento de toda a energia disponível, os
monocultivos têm sua produção potencial diminuída nas condições da
Fig. 3. Taxa fotossintética líquida em função da irradiância fotossinteticamente
ativa (PAR) absorvida por uma folha.Fonte: Bernardes e Lima (2000).
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Parte 3 – Critérios e perspectivas a observar para a adoção, monitoramento e avaliação de SAFs430
Amazônia devido ao estresse pela alta temperatura do ar e pelo déficit
hídrico, em parte do dia. A temperatura ótima para a produção fotossin-
tética fica na faixa de 20 ºC a 35 °C para as plantas C3, e de 30 ºC a 45 °C
para as C4 (PIMENTEL, 1998). Todavia, a temperatura máxima do ar
durante o dia, principalmente entre 10h e 14h, é freqüentemente superior
a essas, em conseqüência especialmente à elevada irradiância, causando
diminuição do potencial fotossintético e estresse das plantas com a
ocorrência de fotorrespiração. Adicionalmente, nesse mesmo período do
dia, a demanda atmosférica por água é maior que a capacidade transpira-
tória do dossel dos cultivos, mesmo com solos úmidos. Portanto, nesse
Fig. 4. Exemplos de cursos diários da irradiância no Hemisfério
Sul, nos dias 30 de Dezembro (verão) para as latitudes 25° e 65° e
2° e 25°, e para o dia 30 de Junho (inverno), nas latitudes de 25° e
2°; acima e abaixo do dossel.Fonte: Bernardes e Lima (2000).
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Capítulo 4 – Interações biofísicas em sistemas agroflorestais 431
período, as folhas das plantas fecham seus estômatos para interromper a
perda de água, o que impossibilita a entrada de gás carbônico, impedindo
assim a realização de fotossíntese.
Sem o papel protetor das florestas naturais da Amazônia, o solo
perde sua capacidade de suporte de vegetação cultivada e sua recolonização
fica restrita às espécies pioneiras de adaptação específica.
Sistemas agroflorestais
Com a presença do componente arbóreo em um sistema de produção
agrícola, pela retenção ou introdução de árvores, passa-se a haver novas
interações entre seus componentes. As interações ocorrem no espaço ou
no tempo, o que torna o sistema mais complexo tanto do ponto de vista
biofísico como socioeconômico. As árvores e as culturas interagem pela
captura dos recursos radiação, água e nutrientes, podendo essas interações
ser de natureza competitiva ou complementar (ONG, 1996). As árvores
podem ocupar espaços e aproveitar recursos não utilizados pelas culturas,
e o sistema como um todo pode ser mais eficiente na aquisição desses
recursos do que os monocultivos. Portanto, havendo complementaridade,
pode haver maior produção biológica e econômica do que os mesmos
componentes cultivados isoladamente na mesma área. Quando ocorrem
duas ou mais espécies diferentes em um sistema, há um gradiente de inten-
sidade de interações, que, de modo geral, varia de situações de competição
para complementaridade e, ao final, neutralidade (NOORDWIJK;
LUSIANA, 1999; RIGHI, 2000) (Fig. 5). O ambiente edafoclimático, a
escolha das espécies e sua distribuição espacial e temporal podem
minimizar a competição e maximizar a complementaridade no uso dos
recursos.
A complementaridade pode ocorrer na Amazônia, pois as modifi-
cações do ambiente causadas pelo componente arbóreo atenuam os
excessos de energia e temperatura do ar e do solo e da água, permitindo o
melhor aproveitamento da água e reduzindo a degradação da estrutura e
da matéria orgânica do solo. Além de atenuar os excessos, as árvores
também exercem um efeito tampão sobre o ambiente das plantas que
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Parte 3 – Critérios e perspectivas a observar para a adoção, monitoramento e avaliação de SAFs432
crescem sob sua influência, reduzindo os extremos de variação das
condições atmosféricas que ocorrem em ambientes a pleno sol. Logo, as
oscilações de produção das plantas sombreadas tendem a diminuir,
reduzindo os picos tanto de grande quanto de pequena produção.
Interações acima do solo
As interações competitivas podem ser minimizadas com o planeja-
mento temporal e distribuição espacial das plantas. As interfaces entre
componentes podem variar dependendo do benefício desejado da interação
entre seus componentes (Fig. 6).
Também se pode minimizar a competição pelo manejo das espécies,
como a poda parcial das raízes, limitando sua área de captação de água e
Fig. 5. Produção de feijão em função da distância de um seringual
adulto em Piracicaba, SP, ilustrando o gradiente de interação
árvore-cultura. Observa-se a zona de competição (até 10 m),
complementaridade (de 10 m a 20 m) e neutralidade (testemunha,
onde o feijão é plantado em monocultivo sem efeito das árvores).Fonte: Righi (2000).
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Fig. 6. Desenhos de sistemas agroflorestais e comprimento da interface entre
seus componentes.Fonte: Young (1997a).
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Parte 3 – Critérios e perspectivas a observar para a adoção, monitoramento e avaliação de SAFs434
nutrientes ou, ainda, a poda parcial ou total da copa das árvores, emfunção da fase de desenvolvimento vegetativo das plantas e suas exigênciaspor maior intensidade de radiação ou em razão da sazonalidade dedisponibilidade de recursos, como em secas ou períodos com menordisponibilidade de radiação. Além disso, os parâmetros das árvores, comoarquitetura da copa, fenologia, comportamento decíduo das folhas, entreoutras, podem determinar a intensidade da competição ou complementari-dade com as culturas e outras árvores. O caso da associação de seringueiracom cacau no sul da Bahia é clássico, com uma associação, onde aseringueira tem sua desfolha natural ocorrendo na época de maior demandapor radiação pelo cacaueiro, no enchimento de frutos (ALVIM; NAIR,1986). Bernardes e colaboradores (BERNARDES et al., 1998a; LUNZet al., 2006; MORAES et al., 2000; PINTO et al., 2005; RIGHI, 2000;SAMPAIO et al., 2004) apresentaram diversos trabalhos em que asimulação da atenuação da radiação, com modelos bem simples, pode seruma ótima ferramenta para identificar desenhos mais apropriados de SAFse estimar o desempenho de determinados arranjos espaciais de árvores eculturas. Esses estudos indicaram que a produção de matéria seca e dosprodutos das culturas é direta e linearmente correlacionada com a fraçãoda radiação disponível (Fig. 7) Isto é a intensidade da radiação ou dosombreamento era o principal fator que determinava a produção da cultura.Mais recentemente, Leon et al. (2006) apresentaram um modelo matemá-tico simples, que ao mesmo tempo calcula a interceptação da radiaçãopelas árvores e a sua disponibilidade para as culturas abaixo, e que podeser utilizado em sistemas de aléias ou em dosséis fechados e nas transiçõesentre esses dois tipos de SAFs. Nesse estudo também demonstraram opotencial de SAFs silvipastoris na Amazônia, tanto com o objetivo deaumentar a produtividade total do sistema como para criar mecanismosde seqüestro e fixação de carbono atmosférico, mitigando o efeito deemissão por outras atividades humanas
A atenuação da temperatura do ar também tem efeito no desenvolvi-mento das plantas, retardando e conseqüentemente prolongando os ciclosdas culturas agrícolas e demais plantas sombreadas em relação às plantasexpostas às condições de pleno sol (BERNARDES et al., 1999; LUNZ,2006). Portanto, a combinação de plantas crescendo e se desenvolvendo
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Capítulo 4 – Interações biofísicas em sistemas agroflorestais 435
de maneira mais lenta e em condições edafoclimáticas mais constantes,nos faz supor que essas devem ser mais saudáveis e longevas que as demais,o que resulta em vantagens econômicas como a menor incidência de pragase doenças e menores investimentos na renovação dos estandes de plantasprodutoras. Entretanto, o efeito benéfico de SAFs no controle de pragasnem sempre ocorre (SILVA et al., 2006). Se a incidência da praga estárelacionada fortemente a um fator climático que determina seu ataque,como no caso do bicho-mineiro do cafeeiro, cuja incidência é bastantefavorecida por altas temperaturas, especialmente da folha, o SAF podereduzir seu dano (CAMPOE et al., 2003b; BERNARDES et al., 2006).Normalmente, os SAFs reduzem a incidência de plantas daninhas(BERNARDES et al., 2000b), o que pode ser verificado na paulatinaredução da ocorrência de plantas daninhas do ambiente mais exposto aosol para o sombreado, nas interfaces de SAFs (CAMPOE et al., 2003a).Outro efeito positivo decorrente da mudança atmosférica refere-se à
Fig. 7. Correlação linear entre a massa relativa de grãos da cultura do
feijoeiro (Phaseolus vulgaris L.), cultivar Pérola, e a fração da radiação
disponível a essas culturas, em cultivo de outono. Piracicaba, SP, 1999.Fonte: Righi (2000).
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Parte 3 – Critérios e perspectivas a observar para a adoção, monitoramento e avaliação de SAFs436
qualidade de alguns produtos agrícolas com componentes bioquímicosdegradados pela radiação solar ou altas temperaturas (LUNZ, 2006).Assim, plantas que concentram açúcar e outros compostos relacionadosa sabor e aroma, como frutas, chá, pimenta e café podem ter seus produtoscom maior qualidade e valor econômico, quando cultivados em SAFs.
Interações no solo
A presença de árvores tem um papel crucial para controlar a erosãodo solo. Young (1997b) revisou o efeito de SAFs para controlar erosão emdiversos experimentos em ambiente tropical. Em todos os experimentoscom terras em declividades menores que 20 %, a erosão foi menor que onível tolerável (10 t.ha-1.ano-1), sendo entre 6 a 30 vezes menor que oscontroles de monocultivo. Primeiramente, as copas das árvores interceptamas gotas da chuva e diminuem seu impacto ao atingir o solo. Tambémcontribuem para o aumento da taxa de infiltração da água no solo e atuamcomo barreira, diminuindo a velocidade do escoamento na sua superfície.Em caso de início de erosão, as árvores também contribuem para a retençãode sedimentos, evitando que estes atinjam corpos d’água. Todavia, deve-seressaltar que o consumo de água pelas árvores altera o balanço hídrico emrelação a outras coberturas como pastagens e culturas anuais, diminuindo aprodução de água do sistema, que resulta na vazão dos cursos d’água. Dessaforma, o planejamento da distribuição de árvores na paisagem, considerandoo tipo de solo e o declive, permite minimizar tanto a erosão quanto seupossível impacto na qualidade e quantidade de água produzida pela baciahidrográfica, como discutido em detalhes por Ranieri et al. (2004).
De qualquer forma, o sombreamento dos solos tropicais, reduzindoo gradiente diurno e o valor máximo da sua temperatura, é fator chavepara viabilizar a manutenção ou mesmo a recuperação do conteúdo dematéria orgânica e seus efeitos positivos como conseqüência. Bernardeset al. (2000a) demonstraram que, em solos degradados por 20 anos decultivo de mandioca sem qualquer adição de adubos, tão logo os SAFspassaram a sombrear o solo e reduzir sua variação de temperatura, oconteúdo de matéria orgânica passou a elevar-se e atingiu valores similares
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Capítulo 4 – Interações biofísicas em sistemas agroflorestais 437
aos da mata natural, sete anos após o plantio das árvores, havendoentretanto a necessidade de adição de alguns nutrientes inexistentes nosistema. A adubação com fósforo também foi essencial para a recuperaçãode solos na Amazônia, conforme demonstrou Matos (2002). Estudos maisrecentes (Fig. 8), demonstram que quanto mais próxima a posição do soloem relação às árvores, maior o seu conteúdo de matéria orgânica, econseqüentemente melhor capacidade de troca catiônica e de saturaçãode bases.
Papel produtivo e de sustentabilidade
econômica dos SAFS
Além das culturas agrícolas, as árvores também podem ser significa-tivamente beneficiadas quando cultivadas em SAFs, tanto para a produçãode madeira quanto para produtos não-madeireiros. O crescimentoconsorciado com culturas agrícolas e em espaçamentos maiores do quenos seus sistemas de monocultivos resultam em uma menor competiçãoentre as árvores. O efeito da competição com as culturas agrícolas é poucosignificativo para as árvores, já que, de maneira geral, os seus sistemasradiculares ocupam diferentes camadas do solo e as culturas não estãonecessariamente presentes durante todo o ano. Além disso, podem serevitadas nas fases de escassez de recursos, como períodos secos do ano.Outro fator é que a escala temporal do ciclo de crescimento das árvores ésignificativamente maior e os extremos de variações das condições ambien-tais e de disponibilidade de recurso têm pouco impacto no ciclo produtivoda planta. Finalmente, os tratos dos cultivos agrícolas beneficiam indireta-mente as árvores e representam um grande diferencial para as condiçõesde árvores em monocultivos ou em crescimento em ecossistemas naturais.Como exemplo, tanto seringueira como eucalipto tiveram produção delátex e madeira significativamente maior em SAFs do que em monocultivo(Fig. 9 e Tabela 3).
A retenção ou introdução de árvores também favorece sistemascom animais, inclusive na Amazônia. Veiga e Tourrand (2002) revisaramo potencial e a adoção de sistemas silvipastoris na região, e outros estudos
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Parte 3 – Critérios e perspectivas a observar para a adoção, monitoramento e avaliação de SAFs438
Fig. 8. Melhoria das
condições de fertilidade do
solo, em termos de teor de
matéria orgânica (M.O.),
capacidade de troca
catiônica (CTC) e saturação
de bases (V%) em cafeeiros
em sistemas agroflorestais
com maior presença de
árvores (SM e SS), para
decrescente influência das
árvores (CS1 para CS2 para
CS3) e em monocultivo
(CM).Fonte: Jesus et al. (2006).
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Capítulo 4 – Interações biofísicas em sistemas agroflorestais 439
têm demonstrado que esses sistemas podem ter efeitos positivos naquantidade, qualidade e disponibilidade temporal de forrageiras para osanimais, e que a existência de ambientes sombreados nas pastagens tem
Fig. 9. Produção de borracha seca por árvore, ao longo da
safra de 1999, em três clones de seringueiras em monocultivo
(esquerda) e em SAF (direita) em Piracicaba, SP.Fonte: Righi (2000).
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Parte 3 – Critérios e perspectivas a observar para a adoção, monitoramento e avaliação de SAFs440
como conseqüência maior ganho de peso e taxa de reprodução dos animaise maior quantidade e qualidade de leite de bovinos (MACEDO et al.,2000; PACIULLO et al., 2006).
Uma das principais formas de avaliação da produção relativa deSAFs é o índice de equivalência de área (IEA). IEA é a razão entre a áreade um monocultivo e outra com consorciação de culturas, que resultenuma mesma produção, sobre o mesmo nível de manejo. Uma consorciaçãomais produtiva que o monocultivo resulta em um IEA maior que 1 (ONG,1996).
Considerações finais
É imprescindível o entendimento das interações biofísicas existentesem um sistema de produção complexo, como os SAFs. Tal conhecimentopoderá habilitar as pessoas a empregar e a manejar tais sistemas com maiorsucesso, alcançando produções satisfatórias e ganhos ambientais em longoprazo.
É possível realizar um manejo da massa vegetal controlando edirecionando as interações biofísicas para um melhor aproveitamento dosrecursos naturais de produção. Os nutrientes existentes na massa vegetal,a umidade e a vida presente em sistemas bem manejados podem favorecera produção de modo mais duradouro e em maior quantidade nas diferentesescalas de produção. A radiação solar existente em um sistema é um fator
Tabela 3. Variáveis de crescimento e produção (média e desvio-padrão) de eucalipto
em sistema agroflorestal e em monocultivo em Piracicaba (SP).
Variável SAF Monocultivo
Altura total (m) 24,61 (1,58) 23,47 (2,69)
Diâmetro (cm) 18,34 (4,96)(1) 13,06 (4,81)
Largura da copa (m) 3,09 (1,19)(1) 1,49 (0,36)
Volume de madeira com casca (m3 .arvore -1) 0,29 (0,04)(1) 0,15 (0,03)
IAF geral da plantação (m2 folha.m-2 solo) 1,08
(1)Médias com diferença significativa (P < 0,05).
Fonte: Pinto et al. (2005).
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Capítulo 4 – Interações biofísicas em sistemas agroflorestais 441
essencial na produção vegetal por ser a energia disponível à todos os demaisprocessos biofísicos, sendo fundamental o seu manejo adequado.
Os SAFs podem permitir o melhor aproveitamento da radiação,água e nutrientes e, portanto, resultar em maior produção de biomassaque os monocultivos. Pelo melhor aproveitamento desses recursos e maiorbiomassa, pode atenuar o efeito degradador da alta precipitação etemperatura da Amazônia sob os solos e as plantas. Adicionalmente, amaior produção e a multiplicidade de produtos agropecuários e florestaismadeireiros e não madeireiros podem propiciar maior renda e fornecimentode alimentos e matérias-primas. Finalmente, os SAFs podem gerar serviçosambientais pela fixação e retenção de carbono e conservação do solo e daágua, que poderiam remunerar os produtores por meio de políticas públicase instrumentos de mercado.
Há pelo menos dois paradoxos a serem enfocados em pesquisasfuturas. O primeiro deles lida com a questão de que as árvores sãonormalmente cultivadas em fileiras ou aléias, visando praticidade,operacionalização e economia de trabalho. Nesses sistemas, o sombrea-mento para as culturas associadas ocorre na parte da manhã ou pela tarde.Assim, as culturas não aproveitam os melhores momentos para afotossíntese, que ocorrem na Amazônia pela manhã, não sendo sombreadasnos momentos de excesso de radiação, deixando-as praticamente emcondição de pleno sol principalmente nas menores latitudes, como naAmazônia (Fig. 4). Assim, para se obter um efeito otimizado desombreamento das árvores, há que se buscar alternativas de espécies quepossuam copa rala e com grande diâmetro, permitindo seu cultivo emespaçamentos regulares e sombreando as culturas associadas nas horaspróximas do meio-dia. O paricá (Schizolobium amazonicum) é uma dasespécies arbóreas que pode exercer esse papel. O outro aspecto advémdo fato que a maior necessidade de sombreamento ocorre no início dociclo das culturas, quando as árvores implantadas ainda possuem copareduzida. No passado, o sistema de cabruca, na Bahia, foi a forma deaproveitar um dossel florestal natural para implantar cultura demandantede sombra, muitas vezes associada com sombreamento provisório, quedepois era raleado. Entretanto, a maior demanda por tecnologia de SAFsna Amazônia ocorre exatamente para recompor áreas que tiveram a
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Parte 3 – Critérios e perspectivas a observar para a adoção, monitoramento e avaliação de SAFs442
cobertura florestal retirada. O sombreamento provisório, com culturas derápido crescimento, como bananeira e mandioca, pode atenuar essadificuldade.
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