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Resumo
O presente artigo remete a idias do pensador Dominick LaCapra,ao
repensar o papel dos intelectuais no Mxico das primeiras dcadasdos
novecentos, tomando como ponto de partida textos por elesprprios
elaborados, (diretamente ou tangencialmente) acerca desuas funes
naquela sociedade. Remete ainda s proposies deJean-Pierre Rioux, na
medida em que busca apontar maneiras atravsdas quais pensadores,
pesquisadores e escritores mexicanos teriam(re)(a)presentados
valores que serviram de base para que seestabelecesse, entre esses
elementos, identificao/identidades. Istoposto, meu texto apresenta
a seguinte hiptese: ao remeterem etrabalharem as temticas da
modernizao, da democracia e danacionalidade mexicana (atribuindo a
elas, verdade, cada qual,um tipo de significado) os intelectuais
mexicanos de 1900-1930ajudaram a garantir a percepo generalizada de
que naquelemomento constitua-se, no Mxico, todo um conjunto de
reflexesespecfico, autntico.
Palavras-chave: universo intelectual, Histria do Mxico,
HistoriaContempornea.
Abstract
The present article reminds to ideas from thinker Dominick
LaCapra,when reviewing the role of the Mexican intellectuals as
from thefirst decades of the nine hundred, taking as a start texts
elaboratedby themselves, (directly or tangentially) around its
functions in thatsociety. The article also reminds to Jean-Pierre
Rioux proposals, asit attempts to point out the ways in wich
Mexican writers andthinkers would (re)present values that has
served of base to theyestablish identity/identification. Being this
way, this text presentsthe following hypothesis: linking and
working the thematics ofmodernization, democracy and Mexican
nationality (attributing tothem, in truth, each one, a type of
value) the Mexican intellectualsfrom 1900 to 1930 had helped to
guarantee the generated perceptionthat was constituted, then, all a
set of specific reflections,authentic.
Key-words: Intel lectual Universe, Mexicans
History,Contemporaneous History
Os intelectuais mexicanos de incios do sculo XXmodernizao,
democracia e nacionalismo: temas/bases de
identidade
Ana Luiza de Oliveira Duarte Ferreira
Mestre pelaUniversidade Federalde Juiz de
[email protected]
Enviado em 22 dejaneiro de 2008 eaprovado em 03 demaro 2008
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1. Aqui podemos citar alguns ilustres pensadores mexicanos das
ltimas dcadas do sculo XX que se dedicaramclaramente a um projeto
de retomar (criticamente, reformulando ou condenando) o pensamento
atenesta, dos primeirosmomentos do mesmo sculo: Joaquin Motriz
(Planeta, Mxico, de 1992); Cludio Lomnitz Adler (Las salidas
dellaberinto: cultura e ideologia en el espacio nacional mexicano,
de 1995); Guillermo Bonfil Batalia (Mxico profundo: una
civilizacinnegada, de 2001); e Roger Bartra (autor de La jaula de
la melancolia: identidad y metamorfosis del mexicano, de 1996 e
Anatomiadel mexicano, de 2005; nos quais pontua que uma noo bem
delimitada de mexicanidade, bandeira dos mais diversosgovernos
desde o perodo revolucionrio, seria prejudicial ao desenvolvimento
do Mxico-nao, na medida em quetolheria os inmeros conflitos de
interesses caractersticos do territrio mexicano). Nestor Garca
Canclini, em Culturashbridas: estrategias para entrar y sair de la
modenridad (1989), a meu ver, tambm parece remeter a temticas
bastante carasaos integrantes do Ateneo, tal como as noes
(variveis) de desenvolvimento, democracia (social, cultural)
emestiagem. Possveis relaes entre pressupostos e programas da gerao
atenesta e das ltimas geraes de intelectuaismexicanos devem ser
objeto de reflexo num imprescindvel futuro trabalho.2. Samuel Ramos
autor de El perfil del hombre y la cultura en Mxico, publicado no
ano de 1934. Esta obra foiprofundamente influenciada pela gerao
atenesta, porm rompeu com muitos padres aos quais figuras tais
comoCaso, Vasconcelos e Urea se mantiveram apegados. Em se tratando
de Caso e Ramos, possvel se falar em relaoe ruptura com um grau
maior de certeza: o segundo foi discpulo do primeiro, mas, com o
correr dos anos, passoua confrontar publicamente propostas do
mestre. Ramos teria dialogado, na realidade, mais diretamente e
sempre apenascom o atenesta Alfonso Reyes.
7 Os intelectuais mexicanos de incios do sculo XX modernizao,
democracia e nacionalismo: temas/bases de identidade
Revista Eletrnica Cadernos de Histria, vol. V, ano 3, n. 1.
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Introduo
O objetivo geral deste trabalho abordar o universo intelectual
mexicano das primeirasdcadas do sculo XX e, para tanto, parte, em
primeira instncia, dos pressupostos analticosapresentados pelo
historiador norte-americano Dominick LaCapra.
Para LaCapra, em Repensar la historia intelectual y leer textos,
as noes de realidade passadae presente das quais os homens e
mulheres dispem so nada mais do que textualizaes e/oupontos de
partida para textualizaes, operadas nas mais diversas conjunturas
histricas. Issoquer dizer que, segundo seu ponto de vista, seria
interessante e enriquecedor, em anlises focadasna vida e obra de
intelectuais, tomar como base um dilogo com apreciaes posteriores
aorecorte escolhido; entrelaando explicitamente concluses hoje mais
aceitas pela historiografia(LACAPRA, s/d: passim).
A idia, ento, contrapor diversos entendimentos sobre esse
momento da histriamexicana, que vai desde o fim do dito Porfiriato
at a clebre Revoluo Mexicana. Ambos estesmarcos o Porfitirato e a
Revoluo Mexicana foram e so at a atualidade
exaustivamenteanalisados, relidos, re-significados, e, precisamente
por isso, a cada dia tornam-se maisinteressantes aos olhos dos
historiadores, mexicanos ou no. comum se dizer, por exemplo
(efocando o assunto que aqui mais me interessa), que, nesses anos,
se teria formado uma novagerao de intelectuais no Mxico, a qual
dispunha de um modo de vida e maneiras de pensar eapresentar suas
reflexes ao pblico, especfico. Cabe-nos, assim, revisar as
tradicionais ou no-tradicionais vises acerca de tudo aquilo que se
pode dizer que tornou e torna esta geraoparticular, especial.
costume tambm se dizer que formaram essa nova gerao os
intelectuais do chamadoAteneo de la Juventud. Como veremos nos
captulos que seguem, compuseram oficialmente estegrupo pensadores
do porte de Antonio Caso, Jos Vasconcelos, Pedro-Henrquez Urea e
AlfonsoReyes. Convm ento pontuar que, embora no presente artigo me
concentre em buscar perceberde que maneira seus interesses,
comportamentos e textos podem ser compreendidos comoreferentes a
uma gerao especfica, seus argumentos se deslocaram no tempo e so
exploradosat os dias correntes, no Mxico1.
Talvez uma das mais famosas interpretaes acerca dos grupos
intelectuais mexicanosdas primeiras dcadas do sculo XX seja a do
uruguaio Angel Rama. Por isso nesta Introduome atenho sntese de
informaes e concluses apresentadas em uma de suas obras mais
lidas,A cidade letrada. E nos dois captulos deste artigo, que
seguem, contraponho suas hipteses shipteses de diversos autores,
tal como os clssicos mexicanos Samuel Ramos, Octavio Paz2
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Ana Luiza de Olivaira Duarte Ferreiae Leopoldo Zea3... e tambm
outros, mais jovens, como a chilena Ana Pizarro, o mexicanoCarlos
Monsivais, o espanhol Jos Luis Gmez-Martnez, o uruguaio Hugo
Achugar, a argentinaKarina Vasquez, a mexicana Mnica Chvez Gonzlez,
a argentina Patricia Funes, a brasileiraSuzana Zanetti, e o
argentino Waldo Ansaldi.
Por outro lado, conforme o historiador francs Jean-Pierre Rioux,
ao estudar os universosintelectuais h que se tomar em conta
reflexes de Maurice Aguillon, o qual destacoupioneiramente o papel
insubstituvel (...) deste grande fato social que a associao. Sculos
maistarde, contudo, aponta Rioux, atravs da leitura de pensadores
do porte de Max Weber e GeorgSimmel tal noo ganhou novas
especificidades; nos ltimos tempos, por fim, passou a remeterno
mais a relaes estabelecidas como mero reflexo (s vezes
inconsciente) de problemticaseconmicas, e sim a relaes que se
estabelecem (formal ou informalmente) pela conjuno deanseios
sociais, individuais, polticos. Segundo este modo de entender as
coisas, pois, a associaoentre intelectuais se daria atravs do
estabelecimento de redes (muitas vezes invisveis, poucoorganizadas,
nada institucionalizadas) que se elaborariam na medida em que
viabilizariamidentificao pela confluncia de interesses, que
abrangem desde os temas a seremreferenciados e a escolha das
metodologias a serem adotadas, at a maneira como se portamdiante do
Estado e dos ditos leigos (RIOUX, 1996: passim).
Para melhor definir formas atravs das quais o historiador de
hoje poderia analisar estasditas redes de sociabilidade, Rioux
define trs parmetros processuais que comporiam aquiloque ele
denomina Histria Poltica da Associao: o tempo porque cabe aos
pesquisadoresavaliarem duraes, rupturas, inflexes, precavendo-se
contra a tentao da linearidade , oespao ainda que o local deva
servir para os pesquisadores apenas como objeto de interveno eno,
temerariamente, como pressuposto para a departamentalizao dos
saberes , e, por fim,valores: A associao um vetor da idia que a faz
nascer, mas cuja eficcia proporcional aos valores quea vida interna
da organizao, o culto de uma comunidade e o voluntariado
concretamente exercidos secretame alimentam.
Quer dizer: se, numa pesquisa sobre um dado universo
intelectual, levarmos emconsiderao as propostas de anlise de Rioux,
devemos nos preocupar no apenas com a definiodo perodo e do espao a
ser abordado, mas sobretudo com refletir sobre a importncia de
idiasque serviram de base, na vida prtica, para a consolidao de
valores, que so como amlgamasna constituio/manuteno das redes, dos
grupos.
Angel Rama, em sua A cidade letrada, apresentou uma interpretao
muito interessanteacerca dos setores letrados em toda a
Ibero-Amrica acerca de formulaes tericas eprocedimentos que
constituram, para eles, padres de valorao a partir dos quais se
puderam(ou souberam) identificar ou negar... ou, ainda, a partir
dos quais chegaram a ser identificados.
J Octvio Paz autor de O labirinto da solido, publicado em 1950.
Tal como Ramos, Paz remete ao Ateneo mas revela-se crtico em relao
a muitos dos postulados dos intelectuais que se encontravam entre
os mais expressivos do grupo:Caso, Vasconcelos e Urea. No texto de
O labirinto, porm, Paz elogia incondicionalmente a figura de Reyes.
Isso revela,creio, que embora Reyes tenha sido influente no Ateneo,
sua figura e sua produo remetem a pressupostos tais, quepodem ser
tomados como associados a uma outra ou duas outras geraes
intelectuais mexicanas. Tratarei talquesto, a pinceladas, no final
deste artigo.3. Como veremos, Zea dedicou-se a repensar o papel da
gerao intelectual mexicana caracterstica do final dos oitocentose
do incio dos novecentos, quer dizer, o grupo de interessados no
positivismo vide: El positivismo en Mxico:nacimiento, apogeo y
decadencia (1943).Entretanto, h outras facetas de seu pensamento
mais interessantes a serem exploradas. Seria, por exemplo,
bastanteprofcuo um trabalho que refletisse sobre as disparidades
entre a maneira como Zea remete aos pressupostos defigures
atenestas, e a maneira como Paz, contemporneo de Zea, o fez. Desde
j pontuo que, enquanto o autor de Olabirinto... apresenta uma
reflexo crtica ao projeto de elaborao de uma identidade nacional
mexicana; a misso a qualse dedica justamente desconstruir as
concepes at ento formuladas do que viria a ser o mexicano. J
Zea,juntamente com Emilio Uranga, Fausto Veja, Joaqun Macgregor,
Jorge Portilla, Luis Villoro, Ricardo Gera (entreoutros) fundou na
dcada de 1950 o grupo de filsofos denominado Hiperin, o qual,
baseado em pressupostoshumanistas/existencialistas, dedica-se a
pensar e re-valorizar a suposta essncia mexicana.
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9 Os intelectuais mexicanos de incios do sculo XX modernizao,
democracia e nacionalismo: temas/bases de identidade
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4. No Mxico, os panfletos e as baratas edies ilustradas sobre a
revoluo fizeram o nome de muitos intelectuaisimportantes: Jos
Guadalupe Posada um deles. O pintor David Alfaros Siqueiros tambm
assim se destacou,atravs da publicao de Trs llamamientos de
orientacin actual a los pintores y escultores de la nueva generacin
americana,pela primeira vez na revista de circulao em Barcelona,
Vida Americana, em 1921. O mesmo vlido, no Brasil, paraos
jornalistas ligados a peridicos de larga projeo poltica, tais comoo
anarquista A plebe, que teve particpaoefetiva na greve de 1917, em
So Paulo, assim como tambm vlido para as reflexes dos artistas e
literatos ligadosao movimento vanguardista brasileiro, ao qual se
deu o nome de modernista.
A tese central de Rama que as cidades reais ibero-americanas, as
naes ibero-americanas, teriam sido formadas, forjadas, atravs da
escrita das letras comerciais e daLiteratura. Grande parte de seus
argumentos mais interessantes so elaborados justamente quandoda
abordagem daqueles que viveram e produziram de fins do sculo XIX ao
incio do sculo XX.Fundamental aqui destacar que, segundo Rama, se
teria processado, nesta poca, uma significativamudana na vida, no
trabalho e nas relaes sociais experimentadas pelos setores
instrudos;mas que, entretanto, no se teria vivenciado, de fato,
ento, uma ruptura brusca, e sim umatransio lenta, confusa,
titubeante na vida dos letrados nesta conjuntura podiam, por
exemplo,apresentar um modus operandi diverso e referncias outras,
mas muitas vezes e em muitos aspectosremetiam a intelectuais e
textos tomados hoje esquematicamente como tpicos de
geraesanteriores (RAMA, 1984: passim).
Esta uma impresso que ao longo do presente artigo deve ficar
evidenciada: ospesquisadores, filsofos e literatos das primeiras
dcadas dos novecentos, na Ibero-Amrica,exigem mudanas, se comportam
de maneira muito distinta, em relao aos mais velhos, verdade; s que
no podem ficar ocultos os tradicionalismos (intelectuais,
morais,comportamentais) que eles carregaram implcitos, e, por
vezes, explcitos. Dentre os temastomados pelos letrados
ibero-americanos que no eram propriamente inditos, mas que
foramabordados de maneira criativa e inovadora entrelaadamente, por
exemplo, estariam amodernizao, a democratizao, e a identidade novo,
o justo, o nosso.
comum se dizer que as cidades ibero-americanas passaram, das
ltimas dcadas dosculo XIX s primeiras dcadas do sculo XX por
grandes mudanas. Alm de crescerem emtamanho e em nmero de
habitantes, cresceram em importncia no apenas econmica e
poltica,mas tambm cultural. Temos assim algo que se convm chamar
intenso processo de urbanizaoe modernizao da Ibero-Amrica. Um
movimento que pode ser percebido claramente pelo setorletrado,
estudado por Rama: tanto entre tcnicos, como entre artistas,
pensadores, agitadorespolticos.
Segundo Rama, na Ibero-Amrica das primeiras dcadas do sculo XX
processou-se aindao aprimoramento dos meios de comunicao e
transporte (entre campo e cidade, entre moradoresde uma mesma
localidade), e, em decorrncia, um maior contato entre os cidados,
um maiorfluxo de idias. Soma-se a isso o fato de que, l-se em A
cidade das letras tendo em vista acarncia de trabalhadores com
domnio da lngua escrita para ocupar os cargos e setores que
iamsurgindo e se tornando importantssimos com a expanso das
indstrias e do setor tercirio, apreocupao com se alfabetizar um
nmero maior de pessoas ganhou vulto, repercutindo, diretae/ou
indiretamente, na formao de um mercado consumidor leitor mais amplo
e plural; tambmse pode dizer que, em relao s anteriores, nesta poca
se investiu mais no ensino superior e napesquisa.
Como nos aponta Rama, com a implementao de modernas tcnicas de
impresso emerchandising tornou-se vivel a venda de um montante cada
vez maior de obras ensasticas eliterrias surgiram, logo, inmeras
editoras independentes. S que, nas palavras de SusanaZanetti, e em
conformidade com a hiptese de Rama acerca das continuidades
caractersticasdo universo intelectual ibero-americano dos princpios
dos novecentos: la circulacin del libro fueescasa, era difcil
editar en Amrica Latina; con frecuencia () la costeaba un amigo
rico o el propio autor.(ZANETTI, 1994: 517)4 Por isso, conforme a
historiadora acima citada, foi marcante nos pasesibero-americanos
do incio dos novecentos a opo por se lanar, em revistas e jornais,
no
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Ana Luiza de Olivaira Duarte Ferreia
5. Com exceo, claro, do Brasil, onde as universidades surgiram
boas dcadas mais tarde.
apenas artigos jornalsticos, mas tambm ensaios, poemas, contos
e/ou fragmentos de romances.Estes veculos garantiram ainda,
conforme Ana Maria Belluzo, espao para manifestos decontestao
poltica e, com a difuso das vanguardas, de renovao esttica
(BELUZZO, 1990:19).
Entretanto, segundo Zanetti, a imprensa peridica teve papel de
destaque na formaoda nova gerao de pensadores no apenas por
constituir-se enquanto um espao onde elespuderam atuar, lanando
seus textos, e garantindo uma (no necessariamente vultosa, mas)
bemvinda remunerao tambm por ali terem estabelecido contatos e
conquistado reconhecimentointelectual. Foi exatamente, pois, no
ambiente de elaborao e distribuio de jornais e revistas(os quais
podiam corresponder a empresas mais ou menos bem estruturadas como
a bares erestaurantes), onde se teria formado grande parte da
intelectualidade ibero-americana, e osgrupos mais influentes.
Mas nem tudo foram flores e os empecilhos ao livre funcionamento
da imprensa forammuitos, desde os institucionais aos financeiros.
Rama destaca, neste nterim, que os governos naIbero-Amrica quase
sempre acompanharam bem de perto, e algumas vezes de maneira
arbitrria,este tipo de trabalho: o porfiriato [por exemplo]
procedeu a uma sistemtica poltica de subsdios quelogrou comprar, ou
pelo menos neutraliz[-lo]; e os generais revolucionrios mexicanos,
podemosdizer, no foram menos cautelosos.
Para Rama, porm, a despeito dos avanos tcnicos disposio, a
principal dificuldadeenfrentada pelos jornais e revistas mais
eruditos da Ibero-Amrica das primeiras dcadas dosculo XX no foram
meramente polticos. Foi, apesar de tudo, o ainda bastante reduzido
mercadoconsumidor no tiveram outros leitores que os mesmos membros
dos cenculos ou os destinatriosestrangeiros aos quais foram
remetidos como cortesia, argumenta o autor uruguaio. A falta de
respostamonetria talvez explique o fato de poucos deles chegarem a
um nmero considervel de volumespublicados.
Ao que me parece, portanto, na Ibero-Amrica das primeiras dcadas
do sculo XX,mesmo que o desenvolvimento da imprensa tenha
viabilizado (como destacam Rama e Zanetti)a formao intelectual de
diversos homens e mulheres, teria sido o ambiente universitrio
umfundamental espao de profissionalizao do pensar, do pesquisar, da
crtica.5
Importante lembrar ento que nas universidades ou centros de
estudos de financiamentoestatal, podendo dispor de uma condio
financeira menos instvel, e sendo mais bemremunerados, tiveram de
atuar de maneira distinta, mais profissional, produtiva se
dedicarcom afinco a campos especficos do saber humano (Filosofia,
Histria, Crtica Literria),produzindo um nmero maior de estudos e
livros, cada qual com seu vis, diversificado, e tambmmais bem
amarrado. Para usar palavras de Rama: neste perodo tivemos
historiadores, socilogos,economistas e literatos; (...) tambm
polticos e politiclogos (RAMA, 1984: 103-104).
Segundo este autor, contudo, ainda que muito se caracterizasse
(e, creio, ainda hoje secaracterize) o intelectual ibero-americano
dos primeiros momentos dos novecentos pela maiordedicao a reas
delimitadas de trabalho, no se pode de forma alguma postular
umsupostamente conseqente afastamento deles no que diz respeito s
questes polticas. Muitopelo contrrio, e de maneira distinta do
confinamento de pensadores, pesquisadores e escritoresno que foi
comum chamar torres de marfim, tpico da gerao anterior, percebemos
com achegada do novo sculo um interesse cada vez mais significativo
por focar a funoideologizante da Filosofia, da Histria, da
Literatura. E, ao menos at a metade do sculo XX,um desejo claro que
incorporar-se ao aparelho burocrtico estatal.
claro que Rama no quer dizer que a idia de engajamento foi
percebida neste momentocomo propriamente original, na Ibero-Amrica.
De maneira diversa, de acordo com seuentendimento, novo teria sido
o fato de que ela passou a ser compartilhada por um
nmeroconsideravelmente maior de intelectuais. Tambm h de ter sido
inovador, conforme Rama, o
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fato de tal opo/conduta surgir vinculada diretamente (1)
preocupao com a incluso polticados mais diversos setores sociais, e
ainda (2) preocupao com a incluso cultural de parcelasmais pobres
da populao isto , com se considerar a realidade (potencialidades e
problemas)especfica dos mais diversos habitantes (ricos e pobres,
brancos, ndios, negros, moradores dacidade e do campo, estrangeiros
residentes nos mais diversos territrios nacionais
ibero-americanos).
E no se trata apenas de se referir aos populares como objeto de
pesquisa ou comotema de um poema, de um romance! Tal como Rama e
outros pesquisadores mais recentes, ahistoriadora brasileira Ana
Pizarro acredita que, naquela conjuntura, partia-se desses
elementostambm para se estabelecer novos tipos de linguagem e/ou
concepes de mundo. Por um lado,pensadores e pesquisadores se
dedicaram mais prontamente a analisar tais estratos sociais
eescrever ensaios onde passaram a recorrer menos ao enfoque
tradicional, cientificista e distante(biolgico/racial), e mais a um
vis interessado e condodo (sociolgico, econmico e, svezes tambm,
psicologizante) (PIZARRO, 1994: 27).
Ocorria a estes intelectuais, pois, como aponta Hugo Achugar, a
impresso de que amodernidade tinha seus custos, de que o avano
tecnolgico capitalista se operava em detrimentodo direito de
inmeros cidados, e que por isso o papel social dos setores menos
abastadosdeveria ser re-analisado, pelos polticos e representantes
administrativos de cada um dos pases,como tambm pelos seus
escritores (ACHUGAR, 1994: 637). Da adveio o fortalecimento e
arenovao do antigo desejo de elaborao de fundamentos tericos (para
a Filosofia, e para osestudos em Histria e Sociologia) que no
apenas abordassem, como partissem das culturas evivncias das mais
diversas comunidades, de cada um dos pases da Ibero-Amrica.
Haveria neste perodo tambm questes externas, que contriburam
para a valorizao,por parte dos intelectuais ibero-americanos, das
reflexes produzidas em territrio nacional, esobre as realidades
nacionais: conforme Henrquez-Urea, (1) a hostilidade dos e frente
os EstadosUnidos e a decorrente escassez/desinteresse no que diz
respeito ao fornecimento, para ns, delivros e produtos culturais
norte-americanos; e (2) a Primeira Guerra Mundial, que se
desenrolouna Europa a partir de 1914, dificultou significativamente
o acesso e dilogo da Ibero-Amricacom intelectuais franceses,
ingleses (UREA, s/d). Como prope Gmez-Martnez, essespensadores
tiveram de inventar elementales sustitutos de los antiguos
productos importados. Y con optimistaestupor [se deram] cuenta de
insospechadas verdades. Exista Mxico. [Existia Ibero-Amrica. Eles
disporiamde] capacidades, aspiracin, vida, problemas propios.
(GMEZ-MARTNEZ, s/d).
Para Zanetti, as viagens para o estrangeiro tambm se
apresentaram como um importantefator no propriamente interno que
contribuiu para que os intelectuais voltassem seus focospara o
local. Exilados voluntariamente ou no, enviados a trabalho como
profissionais deempresas privadas tais como jornais e revistas, ou
pelo governo como diplomatas, parecem terrevelado um maior
interesse por suas terras natais.
Alm disso, pelos contatos estabelecidos no estrangeiro, inmeros
autores ajudaram aconstruir a noo de ibero-americano; tanto na
Europa e nos Estados Unidos que os viamcomo outro , como nos
diversos pases da Ibero-Amrica que os passaram a ver comoirmos.
Remetendo, pois, a Rioux e LaCapra, farei dialogar com este
texto de Rama, (1) numprimeiro captulo, as apreciaes correntes
sobre as condutas dos pensadores, pesquisadores eescritores
especificamente mexicanos, do incio do sculo XX, e, (2) num segundo
captulo, asapreciaes sobre obras publicadas no Mxico daquele mesmo
perodo.
No decorrer da anlise, confiro relevncia para duas das teses
mais caras a Rama (referidasacima); quer dizer: em ambas as sees
deste artigo preocupo-me em buscar perceber (1) se osmais diversos
historiadores interessados no universo intelectual mexicano
apresentaminterpretaes que contribuem para a percepo de que a vida
dos letrados mexicanos de inciosdo sculo XX correspondeu a um
estilo marcado por descontinuidades mas tambm
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Ana Luiza de Olivaira Duarte Ferreiacontinuidades; alm disso,
(2) interrogo a proposio de Rama segundo a qual, nas inmerasnaes
ibero-americanas, o mundo do pensar, do ler, do escrever cria
aquilo que o autor uruguaiodenominou cidade real.
Ambas as teses, segundo o meu ponto de vista, correspondem bem
proposta de Rioux,de, ao analisar grupos, nos concentrarmos em
aspectos temporais e espaciais, mas, sobretudo,focarmos de que
maneira idias/valores ajudaram a delimitar o tempo e o espao que
referentesa geraes de intelectuais. especficas
Por outro lado, remetendo mais claramente a LaCapra, buscarei
averiguar em que medidaa interpretao de Rama apresenta pontos
sempre retomados em outras verses sobre a histriada
intelectualidade mexicana que viveu e produziu de 1900 a 1930. Como
vim tentandodemonstrar em minha anlise de A cidade das letras, Rama
foca, consciente ou inconscientemente,trs balisas do cardpio de
temas que interessaram a prtica e a reflexo dos
pensadores,pesquisadores e escritores deste perodo: (1) eles
encararam e propuseram mudanas,modernizaes no modo de produzirem;
(2) eles desejaram incluir os setores sociais at entopoliticamente
e culturalmente renegados; e (3) eles interpretaram e construram
verses de simesmos, de seus compatriotas, de sua nao. Se no,
vejamos.
Ateneo de la Juventud: aspectos institucionais e
comportamentais
Conforme anunciado na Introduo, nesta seo, inspirada em LaCapra
promovo umdilogo entre percepes de autores do passado e do presente
focadas mais particularmente nomodus operandi dos intelectuais
mexicanos das primeiras dcadas dos novecentos. Aqui sodebatidos,
seguindo o raciocnio de Rioux, comportamentos e concepes de
comportamentosque, na vivncia cotidiana, se definiram enquanto
valores para o estabelecimento de gruposno interior do universo
intelectual mexicano, daquela poca, como um todo. Assim, busco
refletirsobre os complexos contatos estabelecidos no Mxico entre
(1) grupos informais ou quase-oficiais/institucionalizados de
pensadores, pesquisadores e escritores, (2) esses grupos e o
Estadomexicano (na forma de diversos governos), e, por fim, (3)
esses grupos e os demais cidados,considerados no suficientemente
eruditos para serem a eles diretamente mentalmente associados.
Leopoldo Zea, em clssica interpretao sobre a intelectualidade
mexicana de fins dosoitocentos a princpios dos novecentos, relembra
que o presidente Porfrio Daz teria buscadoenquadrar sua poltica a
um posicionamento, a um discurso de inspirao positivista; por isso
secercou de assistentes e burocratas que compartilhavam tais
perspecxtivas. Para Zea a doutrinapostulada por Augusto Comte e
outros pensadores europeus tinha como pretenso intrnsecaminar a
difuso de perspectivas poltico-sociais radicais (mais ou menos
sistematizadas), o queveio muito a calhar s elites mexicanas
naquele momento histrico especfico. Os programaseducacionais
porfiristas (destinados s crianas e formao de profissionais) no
teriam, destarte,de acordo com a interpretao de desenvolver nos
alunos esprito crtico e questionador. (ZEA,1968: passim).
Conforme aponta o historiador Antonio Ibargengoitia, sob o
Porfiriato o esquema maispropriamente universitrio teria perdido
espao entre os principais interesses do governo, e asescolas
tcnicas e profissionalizantes ganharam nfase, dentre as quais
destacava-se a chamadaEscuela Nacional Preparatria, localizada na
capital do pas. Quando da chegada do sculo XX,ento, no havia,
diferentemente de pases hispano-americanos tais como Argentina e
Peru, emtodo territrio nacional, sequer uma universidade, composta
por vrios institutos associados,mas apenas escolas de ensino
superior dedicadas cada qual sua rea (Medicina, Direito,Engenharia,
Agricultura e Veterinria, Comrcio e Administrao, Belas-Artes); as
principaisdelas tambm se encontravam na Cidade do Mxico
(IBARGENGOITIA, s/d: passim).
Segundo Jorge Myers, teorias que giravam em torno do positivismo
teriam, ento, dequalquer forma, contribudo em muito, na transio do
sculo XIX ao XX, no Mxico,minimizando a dantes definitiva influncia
de setores intelectuais mais conservadores, marcados
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13 Os intelectuais mexicanos de incios do sculo XX modernizao,
democracia e nacionalismo: temas/bases de identidade
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pelo catolicismo, pela escolstica. Entretanto, diz Myers,
aqueles que as defenderam mantiveramposturas ainda pouco
profissionais; eram quase todos oriundos de famlias
abastadas,encontravam-se consideravelmente subordinados aos poderes
polticos. Isso quer dizer que,embora apresentassem concepes outras,
que dialogavam mais de perto com o que se vinhapropondo nos centros
europeu e norte-americano, at a dcada de 1910 no haviam
trazidosignificativas alteraes no que diz respeito modernizao e
democratizao da estruturainstitucional de ensino e pesquisa
mexicanas (MYERS, 2005: 10).
No ano de 1910, esse quadro comeou a se alterar, quando o
ministro porfirista JustoSierra fundou a Universidad Nacional
Autnoma de Mxico, pela articulao das mais diversas
escolassuperiores existentes na capital do pas, em torno de um
ncleo de estudos destinados reflexofilosfica, ao qual foi dado o
nome de Escuela de Altos Estudios. Isso demonstra, pois, no
apenasum desejo intrnseco de profissionalizao de pensadores,
pesquisadores e escritores, mas tambmum esforo de revalorizao do
campo das Humanidades da Filosofia, da Histria, e daSociologia.
No que se refere em particular s Humanidades, importante
ressaltar novamente comHenrquez-Urea que at ento o mais comum tinha
sido a discusso de temas em encontrosde grupos compostos por
autoditadas, organizados extra-oficialmente. O mais renomado
detodos estes grupos pontua a historiografia mexicana quase
unanimemente foi aquele compostopelos responsveis pelo peridico de
larga divulgao Savia Moderna Antnio Caso, AlfonsoCravioto, Vicente
Lombardo Toledano, e o dominicano Pedro Henrquez-Urea, entre
outros.Reunido sob o nome de Sociedad de conferencias y concertos
no ano de 1906, passou a ser denominado,a partir de 1909, quando
incorporou intelectuais do porte de Jos Vasconcelos e Alfonso
Reyes,pelo nome (na Introduo aludido) Ateneo de la Juventud.
Tal como os ditos positivistas do Porfiriato, os chamados
atenestas, como conta MnicaChvez Gonzlez, eram oriundos de famlias
financeiramente bem estabelecidas, quase todoshaviam nascido na
cosmopolita Cidade do Mxico, e usufruam satisfatoriamente dos
bensadvindos da modernidade, assim como das possibilidades de
estudo garantidas, at ento, nacapital do pas (GONZLEZ, 2004:
passim).
Distinguiram-se de outros grupos tanto pelas inmeras palestras e
debates que promoviam,como pela publicao de diversas obras por seus
vrios integrantes. Para o ilustre pensadormexicano Samuel Ramos, em
seu timo El perfil del hombre y la cultura en Mxico,
destacavam-seainda pela organizao e comprometimento que implicava o
Ateneo; suas reunies diferiamconsideravelmente dos encontros
bohemios caractersticos das geraes anteriores depensadores e
literatos, dando um passo importante no sentido da profissionalizao
da carreirado intelectual da rea das Humanidades, no Mxico (RAMOS,
1943: passim).
Foi-lhes tambm peculiar, como aponta Ibargengoitia, o foco nas
obras clssicas gregas,assim como em obras germnicas (de Plato a
Kant), ento renegadas pelos positivistas dogoverno. Os atenestas
valorizavam, conta Regina Ada Crespo, a partir do humanismo grego
edo romantismo germnico, os temas da religio, da arte e da
literatura, repensando-os sob oolhar da tica, e tomando-os como
ferramentas indispensveis a todo e qualquer projeto deaprimoramento
espiritual do homem mexicano (CRESPO, s/d).
Como props Samuel Ramos, estes pensadores comeavam, ento, a
perceber que ocientificismo dos homens ligados a Porfrio Daz, (1)
se por um lado contribura com os primeirospassos no sentido da
modernizao das estruturas econmicas e poltico-institucionais
nacionais e portanto de fato responda a una necesidad espiritual y
social del Mxico , (2) por outro, nochegava a abolir o emocional,
segundo o referido autor, to caracterstico do povo mexicano a falta
de una religin, las clases ilustradas endiosan la ciencia, escreveu
Ramos.
Waldo Ansaldi e Patrcia Funes afirmam que muitos dos atenestas
destacaram-se pelasseveras crticas que destinaram estrutura do
ensino superior mexicano: estes integrantes passarama caracterizar
abertamente seus institutos de pesquisa como elitistas (no que diz
respeito aos
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Revista Eletrnica Cadernos de Histria, vol. V, ano 3, n. 1.
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Ana Luiza de Olivaira Duarte Ferreiaquadros de professores e
alunos), e ultrapassados/estanques (no que diz respeito
organizaoinstitucional). Entretanto, preciso estarmos atentos, como
Ansaldi e Funes, a um interessanteparadoxo que tal condio acabou
por implicar (lembrando Rama, em A cidade...): serprecisamente esta
estrutura universitria , mesmo com seus j aludidos problemas
edeficincias, que vai servir como relevante plo das mais
significativas alternativas de reflexo,e tambm para a apresentao de
projetos inovadores, no Mxico. Pode-se dizer, destarte, que,ao invs
de se concentrarem na proposio de esquemas alternativos de formao
intelectual(grupos informais, revistas como Savia Moderna), mesmo
os pensadores mexicanos mais radicaisde ento insistiram,
individualmente, na frmula academicista, custeada pelo
Estado(ANSALDI & FUNES, s/d).
Alis, na viso Carlos Monsivis a maior parte dos atenestas no
teria nem ao menoschegado a romper formalmente com a gerao de
intelectuais ligados ao Estado porfirista. Paraele, os atenestas se
teriam voltado, em seus discursos, contra pressupostos positivistas
toarraigados, intentando ampliar o cardpio de postulados aceitveis
no mbito universitriomexicano, porque visavam espao e
reconhecimento para trabalhar e expor suas prprias idias.Mas de
fato nunca teriam sido suficientemente enfticos na crtica ao
posicionamento polticodos pensadores, pesquisadores e literatos
identificados ao regime de Porfrio Daz isso podeficar claro, por
exemplo, quando nos lembramos da viso elogiosa que o professor
Antonio Casoteve, ao longo de toda a carreira, acerca do ministro
Justo Sierra, o que influenciou, mais tarde,indelevelmente, seu
mais famoso aluno, o aqui j citado Samuel Ramos.
De minha parte posso dizer que (com exceo de Caso) os demais
atenestas trabalhadosmais focadamente por mim ao longo desta
pesquisa Vasconcelos e Henrquez-Urea posicionaram-se de maneira
claramente contrria ao governo porfirista. Alm disso, acredito
serconsensual a percepo de que justamente aps a chegada do grupo
revolucionrio sonorense,em 1920, ao poder, que eles (todos,
incluindo Caso) foram conquistando mais espao deatuao e para
divulgao de suas reflexes. Deste ano em diante, sero sempre figuras
ligadasao Ateneo aquelas nomeadas para os cargos mais prestigiosos
do Estado, no que tangia educaonacional: (1) para reitoria da UNAM,
(2) para a reitoria da nova Universidad Popular Mexicana que surgiu
com o intuito de que se promovesse, no Mxico, vnculos entre o
sistema universitrioe os setores menos abastados; e (3) para o
recm-criado Departamiento de Intercmbios y ExtensinUniversitria que
se encarregava de organizar conferncias em outras cidades, assim
comovisitas de intelectuais mexicanos a outros pases, etc.
Cabe, porm e por ora, retomar a interpretao de Rama, segundo a
qual seriam prejudiciaisas anlises esquemticas, que se dedicam,
sobre os letrados ibero-americanos de incios do sculoXX, apenas aos
traos de inovao. Assim, pode-se dizer que os atenestas compuseram
umgrupo que trazia novidades (organizacionais, ou em temticas
abordadas) ao universo intelectualmexicano, s que isso no quer
dizer que no pudessem ter pontos em comum como os
porfiristas,respeit-los, ou, ao menos, partir de realizaes destes,
para processar as suas.
Importante destacar, aqui, inclusive, que muitos autores
mexicanos tm fugido dainterpretao segundo a qual a gerao
porfirista/positivista corresponderia a uma geraoultrapassada.
Surgem, ento, trabalhos que pintam tais pensadores de uma maneira
mais plural.Zea fala, por exemplo, de pelo menos trs tipos de
positivismo (o social, de Augusto Comte,o evolucionista de Herbert
Spencer, o utilitarista de John Stuart Mill) (ZEA, 2007). Alm
disso,h que se ter em mente que no Mxico nem todos os porfiristas
foram positivistas, nem todos ospositivistas foram porfiristas. Ou
ainda que, dentre aqueles que se encontravam na intersecodesses
dois conjuntos, estiveram sim intelectuais honrados e atuantes, tal
como Justo Sierra; umnome positivista hoje bastante comemorado no
Mxico o do mdico Jos Torres Orozco,responsvel, dentre outras
coisas, por apresentar um moderno projeto de regulamentao
daprostituio em seu pas (LUNA, 1970).
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democracia e nacionalismo: temas/bases de identidade
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No que diz respeito s intenes polticas dos atenestas, mister
destacar que a sociedadee suas formas de ordenamento foram temas
constantes em seus discursos. Pautavam-se essespensadores na
percepo de que o saber (formal) constitua a ferramenta mais eficaz
na promoodo to sonhado progresso da nao (e/ou de toda a
humanidade), o que implicava na percepodos intelectuais como
protagonistas do processo histrico.
o que sugere o trecho abaixo transcrito, no qual se critica o
desinteresse social e oindividualismo que comumente se toma
caractersticos da gerao anterior, porfirista; trechoque pertence a
um texto de um dos principais expoentes do Ateneo, Henrquez-Urea:
Comeou[na transio do sculo XIX ao XX] uma diviso do trabalho. Os
homens de profisses intelectuais trataramagora de limitar-se tarefa
que j haviam escolhido e abandonaram a poltica; nada se ganhou com
isso,muito pelo contrrio. (UREA, 1979).
Anos mais tarde, porm, no incio da dcada de 50, em El labirinto
de la soledad, o ilustrepensador mexicano Octvio Paz, ponderaria
aps refletir sobre a vida e a obra de AntonioCaso que: seus
companheiros destroem a filosofia do regime [o positivismo] sem
que, por outro lado, suasidias ofeream um novo projeto de reforma
nacional; sua posio intelectual mal teria relao com as
aspiraespopulares. (PAZ, 1984: 127).Conforme a perspectiva de Paz
os representantes do Ateneoacabaram por elaborar, portanto, obras
que correspondiam exatamente ao inverso do quepretendiam eram
elitistas demais, deslocadas demais da realidade vivida pelo cidado
comum,no Mxico.
possvel que essa impresso decorra do fato de os intelectuais de
ento se associaramde maneira ntima aos governos institudos. o que
argumentou o prprio Vasconcelos, j nasegunda metade do sculo XX, no
prlogo de Breve historia de Mxico: a relao estabelecida entreo
Ateneo e os generais revolucionrios (destacadamente os sonorenses),
em face dos desmandos,da vaidade, e da irresponsabilidade destes
ltimos, teria vindo a ofuscar as melhores e maisprofundas intenes
de transformao social. Cito Vasconcelos:
Cuando se compara la historia de Mxico con la de sus hermanas
naciones delContinente, se piensa en una maldicin particular que
pesara sobre nuestroterritorio. Acaso no es porque la gente sea ms
mala que en otros sitios, sinoporque nuestros largos perodos de
pretorianismo han hecho de la ignominia laregla. No hay nada ms
antihumano que darle a la fuerza una funcin que solo lainteligencia
debe desempear. En los pases espaoles del Sur, por regla general,es
el letrado el que ha venido mandando y el soldado reducido a su
profesin,se hace eficaz y casi no pesa sobre el pas (VASCONCELOS,
1968: 25).
Octavio Paz tambm destaca que grande parte dos letrados teria,
nesta conjuntura, servido como tcnicos ou como assessores de
polticos influentes no feito uso efetivo daquiloque Paz chamou as
armas prprias do intelectual: a crtica, o exame, o juzo. Em
contraposio aoraciocnio de Vasconcelos acima citado, assim, a
maneira de Paz enxergar as coisas nos leva acrer que os destinos
sociais tomados pela poltica mexicana (centrada nas mos de generais
eno de filsofos, historiadores, literatos) devem ser percebidos
como decorrentes, em grandeparte, de uma opo/renncia (de maneira
consciente ou inconsciente, tanto faz) dos prpriossetores
intelectualizados.
Angel Rama tambm apresentou, em A cidade das letras, sua viso
acerca de taisproblemticas; uma viso que, aqui, emparelhada s de
Urea, Vasconcelos e Paz, me parece termais relevncia: conforme este
autor, no foi novidade no Mxico do perodo dainstitucionalizao da
revoluo a crtica aos intelectuais que se associavam ao governo;
muitopelo contrrio, teria sido o prprio fato de a aproximao entre
intelectuais e Estado via burocraciaremeter a tempos outros que fez
com que, neste perodo, o aborrecimento frente a tal
perspectivatenha vindo a alcanar nveis desconfortveis, entre
diversos setores da intelectualidade.
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Ana Luiza de Olivaira Duarte FerreiaPara Rama, assim, a bem da
verdade, desde o governo de Porfrio Daz podamos perceber,
em territrio mexicano, um quase-mesmo modelo de relao Estado X
intelectuais, no qual seconjugariam duas foras: (1) o desejo de
pensadores/pesquisadores/escritores se inserirem nombito de
influncia do grupo no poder; e (2) o desejo do grupo no poder
cooptar escritores/pensadores de renome e eficincia intelectual.
Isso quer dizer que j na transio dos oitocentospara os novecentos
podemos verificar um entrelaamento bastante firme do ncleo do
poderinstitudo com aquilo que Rama chamou cidade das letras. Para
utilizar palavras deste autor:
Justificou-se [ento] um servilismo que se no resultou
convincente para ossetores populares afetados, em compensao foi
[defendido] por boa partedos intelectuais, os quais, como em outros
pases onde regia o lema de ordeme progresso, estavam sendo, ainda
que mesquinhamente, favorecidos pelodesenvolvimento em curso
(Idem).
No que tange o perodo que seguiu a deposio de Porfrio Daz,
portanto,paralelisticamente, conforme o raciocnio de Rama, (1) nem
Urea estaria correto ao pontuarque, em relao aos porfiristas, seus
companheiros atenestas seriam mais engajados, (2) nemVasconcelos
estaria correto ao imputar aos generais iletrados a
responsabilidade pelo fato deque os projetos do Ateneo foram
suplantados por interesses imediatistas, (3) nem Paz teria detudo
razo ao atribuir a culpa aos intelectuais. Com o desenrolar dos
conflitos, conformeRama, o mais provvel que a intelectualidade se
tenha sentido fragilizada, da buscarproximidade com a ento patente
fora dos lderes revolucionrios; no se pode negar, entretanto,que os
intelectuais acreditaram nas possibilidades abertas pela rebelio em
curso, que veram noEstado um interessante lcus onde desenvolver
suas reflexes, e, alis (bem ao gosto da poca)de maneira
atuante.
Alm disso, no se pode deixar de destacar que, como veremos mais
cuidadosamente noprximo captulo deste artigo, o interesse de
atenestas pelo popular aparece bastante claro,seno na atuao prtica
do grupo, em seus textos. Adiante, pela anlise das obras mais
famosassobretudo Vasconcelos e Urea, aparecer claro o propsito de
se colocar as classes menosabastadas, os moradores da zona rural,
os indgenas, no centro da reflexo e projetos para aconstruo de um
Mxico democrtico.
ligado a esse desejo de conhecer, essa preocupao com os setores
politicamenteoprimidos que ganhavam expresso ao longo da Revoluo
Mexicana, alis, que vai se solidificaro desejo de falar do
nacional, e tambm de se aperfeioar. Quer dizer: tal como pontua
Ramapara a Ibero-Amrica como um todo, pode-se dizer que o Ateneo
ilustra, no Mxico das primeirasdcadas dos novecentos, com bastante
clareza, o aflorar de um novo programa nacionalista.
Neste nterim, julgo ser importante aqui frisar, recorrendo a
Karina Vasquez, que asrelaes estabelecidas entre pensadores
mexicanos e argentinos no incio do sculo XX noforam poucas, e que,
no que diz respeito questo que por ora tomei para debate a
modernizaoe a democratizao do pensar, no Mxico , tanto possvel se
dizer que pensadores do porte de(principalmente) Jos Vasconcelos e
Henrquez Urea ho de ter influenciado o desenrolar dosacontecimentos
no que diz respeito Reforma Universitria proposta em 1918 pelos
estudantesde Crdoba (e mais tarde aderida pelos de Buenos Aires e
La Plata); como possvel se dizerque as reivindicaes dos
universitrios na Argentina inspiraram significativas alteraes
naforma de se pensar o ensino superior no Mxico, por professores de
renome. Inclusive, no sepode deixar passar em branco o fato de que
foi justamente o Mxico que acolheu, no ano de1921, o I Congreso de
Estudiantes Universitarios Latinoamericanos (VASQUEZ, 2005:
passim).
Tal identificao h de ter ocorrido por ter sido semelhante e
proporcional, num pascomo noutro, o desconforto no que diz respeito
maneira com que vinham sendo organizadosos cursos e as carreiras
nas universidades. No me refiro aqui to somente ao desejo de
atualizaodos quadros de professores e referncias conceituais; as
crticas e requisies desses engajados
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democracia e nacionalismo: temas/bases de identidade
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6. Termo empregado por Caso.
alunos e mestres tornaram-se mais e mais amplas, e tambm mais
complexas. Aqui destaco umponto essencial: naquele momento, tanto
argentinos como mexicanos julgavam seus esquemasuniversitrios
demasiadamente (e subservientemente) voltados s formas de pensar e
escreverestrangeiras. Da ser comum os estudiosos de hoje e de ontem
interessados neste perodo dahistria mexicana classificarem tais
desdobramentos na Argentina e no Mxico comoantiimperialistas, ou,
ao menos, ibero-americanistas.
Produo textual atenesta: foco na diversidade/paridade de
temticas metodologias
Quando se trata de abordar a produo intelectual dos integrantes
do Ateneu, comumse citar o nome de Antnio Caso. Segundo Octvio Paz,
as propostas de Caso podem serclassificadas como intelectualistas,
porque, se podem vir caber crticas ao distanciamento deCaso no que
diz respeito s aspiraes populares e aos levantes revolucionrios...
lhe convmcertamente, por outro lado, os elogios mais garbosos, no
que tange sua dedicao acadmica seu persistente amor ao
conhecimento, que o fez prosseguir as aulas quando as faces se
engalfinhavam nasruas, transformou-o num belo exemplo do que
significava a Filosofia: um amor que nada compra e nadamuda. (PAZ,
1984: 127).
Em 1916, Caso ministrou um curso na Escuela de Altos Etudios que
serviu como base paraum livro-ensaio publicado em 1919, La
existncia como economia, caridad y desinters. Conformeanuncia o
ttulo desta obra, haveria, ao ver do autor, trs possibilidades de
existncia para ohomem atual (seja no Mxico como em qualquer outra
nao): uma individualista e amoral, quevisa a aquisio de bens
materiais; outra, voltada para a entrega, mnimo de provecho e
maximo deesfuerzo (a vida religiosa, por exemplo); e a terceira,
fechada em si mesma, contemplativa (aartstica). A concluso de Caso,
conforme Castillo Castro Arturo, que deveramos nos centrarem
promover a generalizao da segunda dessas opes:
El humanismo que sostiene la obra de Caso desemboca en la
magnitud de lavida caritativa, la base de la educacin es hacer que
el hombre rinda su mayoresfuerzo tanto en pensar como en el obrar,
mientras que ms grande sea elesfuerzo, el hombre ser ms humilde y
dejar huella de su existencia en elmundo (ARTURO, s/d).
Segundo Herndez-Ura, La existncia um texto central em toda a
obra de Caso sobretudopelo fato de trabalhar a noo de homem; neste
livro, ento, teriam sido apresentados conceitos(ideas e categoras)
fundamentais, que serviriam, mais tarde, como base instrumental
apartir da qual se estabeleceu, no Mxico, a Antropologia
Filosfica.
Ali, de acordo com Herndez-Ura, Caso destaca el hombre como un
prisma: um entemultifacetado, que integra em si diversas condies
existenciais. A primeira delas seria a deindivduo, dada pelo
simples fato de que somos, antes de tudo, animais. Entretanto,
seramos,para Caso, animais elevados6; em relao aos outros,
contaramos com uma clara superioridadeintelectual e moral. E
justamente por isso que como pessoa, esprito, ser social/histrico
teramos de nos comprometer uns com os outros; cada um de ns teria
de basear suaexistncia particular na caridade para com o prximo
(URA, s/d).
Entretanto, h de se destacar que apenas em obras posteriores, de
difcil acesso noBrasil Discursos a la nacin mexicana (1922), El
problema de Mxico y de la ideologa nacional (1924),Nuevos discursos
a la nacin mexicana (1934), e Mxico: apuntamientos de la cultura
ptria (1943) ,que tais discusses, estruturadas na forma de textos
ensasticos, ganharo uma abordagem maisclaramente voltada realidade
nacional, mexicana.
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Ana Luiza de Olivaira Duarte FerreiaAo ver da historiadora Mnica
Chvez Gonzlez, em estudo acerca das proposies
contidas nos textos acima referidos, Caso compreenderia as
especificidades nacionais nocomo correspondentes natureza dos povos
de cada pas; no como pontuais e definitivas.Conforme seu
entendimento, muito pelo contrrio, elas seriam fenmenos histricos a
que las nacionesse refieren; y que, entre s, no tienen, muchas
veces, sino relaciones accidentales; seriam, em outras palavras,os
inmeros e complexos e provisrios valores (que este autor associa
aos termos cultura ecivilizao) elaborados, conjuntamente, ao longo
do tempo, pelos mais diversos habitantes detodo um territrio
poltico-institucionalmente denominado nao (GONZALEZ, 2004:
8-9)7
No que diz respeito s terras que atualmente correspondem ao
Mxico, Caso pontua queos povos que l viveram antes da chegada dos
espanhis disporiam de modos de pensar e seportar respeitveis, e que
por isso eles deveriam ser encarados, sim, como elementos
constitutivosdo ser mexicano. Entretanto, o modelo civilizacional
composto pelos nativos (bom lembrarque ele destaca apenas aztecas e
maias) no seria to slido nem to bem articulado quanto odos
colonizadores, o que se poderia vislumbrar, ao ver de Caso, pelo
fato de terem os segundossubmetido os primeiros, tanto fisicamente
quanto culturalmente, aps a descoberta da Amrica..Isso implicava em
dizer que, embora no Mxico se sinta, correntemente, apreo e afeio
pelosditos autctones, aos olhos do dito autor seria mais
propriamente hispnico o elemento centralna conformao do homem
mexicano; ou, melhor dizendo, tem origem na Espanha o povo
quedeveria ser considerado o principal responsvel pela maneira como
a civilizao se estabeleceuno espao que se convm chamar hoje
Mxico.
Segundo Chvez Gmez, alm disso, importante ressaltar que, em suas
reflexes Casono apenas destaca o papel dos espanhis na histria do
Mxico, mas tambm atribui valorpositivo a ele diferentemente dos
vizinhos estadunidenses, ex- colonos ingleses e (emdecorrncia) de
ndole individualista, comportamento pragmtico e aspiraes
materialistas, osmexicanos se caracterizariam pela (louvvel) nfase
aos aspectos espirituais/humanistas.
Porm, nos referidos discursos deste autor pontua Chvez Gmez
consta que a maisdeterminante influncia cultural, no Mxico moderno,
teria deixado de ser a Espanha, e passadoa ser a Frana. Da se
propor que a particularidade da formao civilizacional mexicana,
emrelao estadunidense, estaria no fato de ser no ibrica, mas
latina. Para usar palavrassuas:
Si la vecindad de los pueblos yanqui y mexicano nos constrie al
conocimientode la lengua inglesa, para fines prcticos y
mercantiles, nuestra alma colectiva,nuestro psiquismo nacional,
nuestras tradiciones jurdicas y cientficas se enlazancon Madrid e
Paris [onde se faz uso de lnguas que tm origen, igualmente,
nolatim] (CASO, 1976: 31).
Bom lembrar ainda que Herndez-Ura destaca, de sua parte, em seu
artigoanteriormente citado possveis relaes entre esses textos de
Caso focados em discutir a noode mexicanidade, e La existencia...
Para este pesquisador, as proposies do clebre pensadormexicano a
favor da caridad se aplicam tambm s obras posteriores, quando nelas
aborda anecessidade de os intelectuais no se fecharem a anlises
egostas, demasiadamente elitistase, conseqentemente,
desinteressantes para os ditos homens comuns porque la
formacinintegral del hombre comprende la configuracin tanto de su
inteligencia como de su voluntad, pero no basta, esnecesario que
aprenda a sacrificarse siempre a favor del otro.
Tal pressuposto implicaria, contudo, para alm, segundo
Herndez-Ura, na viso dodito ensasta mexicano, na necessidade de
percebermos o ser humano no apenas por um vis(estreito) nacional,
mas sempre articulando ao universal una educacin referida slo a la
comunidad,
7. As palavras valores e territrio aparecem, aqui, em negrito,
porque, na anlise de Chvez Gonzlez sotomadas como aspectos
fundamentais das referidas obras de Caso.
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democracia e nacionalismo: temas/bases de identidade
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es algo condenable; () porque no hay estirpe, ni raza, ni
pueblo, ni nacin tan valiosos en s, que se oponganal esfuerzo
conjunto de la humanidad.
De tais postulados, pode-se estabelecer que Caso efetivamente
trabalhou cada um dospontos que destaquei na anlise de Rama, sobre
o universo letrado, ibero-americano. Trabalhou, claro, de uma
maneira muito particular, cuja anlise nos serve para enriquecer as
interpretaescorrentes, sobre os pensadores, pesquisadores e
escritores da Ibero-Amrica. Caso esteve atento,por exemplo, aos
impulsos modernizadores, no Mxico, e, como homem de seu tempo,
desejou amudana, o desenvolvimento de seu pas. E, alm do mais,
pretendeu que isso ocorresse dentrode uma percepo de justia social
Caso no aborda com muito cuidado as mais diversasoutras realidade
mexicanas, verdade, e isso pode ter implicado, em sua obra, num
tomarrogante (aos intelectualizados, aos eruditos, aos burgueses,
caberia guiar as massas iletradas,passivas, impotentes);
entretanto, indiscutvel que Caso tomou, sim, como pressuposto
anecessidade de ser bom com os concidados, assim como com os demais
habitantes do globo.
Alis, no que diz respeito preocupao com o nacional creio que a
obra de Caso nosserve bem para definir aquela que considero a mais
relevante faceta do nacionalismo atenesta pensar o Mxico e para o
Mxico era uma misso universal, e no apenas patritica,
localizada.
Outro nome de destaque entre os atenestas o de Jos Vasconcelos;
este, porm,diferentemente de Caso, classificado pela
historiografia, em geral, como atiintelectualista para utilizar
palavras de Octvio Paz: filsofo da intuio, acreditava que a emoo a
nica faculdadecapaz de apreender o objeto.
Jos Vasconcelos iniciou sua formao como pensador informalmente,
enquanto cursavaa faculdade de Direito da Universidade Nacional.
Aliso, consenso que, diferentemente deCaso, esteve sempre atuando
mais em cargos pblicos/administrativos do que
propriamenteacadmicos. Da que suas formulaes intelectuais paream
descender diretamente da experinciacomo reitor, deputado e
ministro, alm de corresponder a uma necessidade imperativa de
garantirdelineamentos mais precisos sua vivncia prtica, como
poltico. Pode-se dizer, enfim, querevelou uma maior preocupao (se
comparado a Caso) com a anlise e a elaborao de noesideolgicas tais
como mexicanidade e ibero-americanidade (mais do que com
questesepistemolgicas, fundamentos para o pensamento abstrato, para
a Filosofia enquanto disciplinaacadmica).
Abordando a realidade dos pases da Ibero-Amrica, voltou-se tal
autor (maisseveramente do que Caso) contra qualquer modelo de
positivismo, sobretudo a verso spenceriana(que propunha a
superioridade racial de alguns povos sobre outros), em relao a qual
apresentousuas crticas mais incisivas. Para tanto, estabeleceu
reflexes sob as bases de uma percepohistrica da cultura, ainda que
continuasse utilizando (ou mesmo teomando como base para
seuraciocnio) o termo (to corrente no perodo) raa.
Na primeira parte de sua obra mais famosa La raza csmica , por
exemplo, Vasconcelosprope a existncia de quatro principais grupos
raciais os negros, os vermelhos, os amarelos eos brancos , mas no
admite entre eles quaisquer relaes de superioridade ou
inferioridade.Ao contrrio, est sempre pretendendo demonstrar que
cada um apresenta caractersticas(prprias) interessantes, o que,
afinal, faz de todos elementos fundamentais na formao futurade um
tipo superior, misto por essncia, la raza csmica.
No ser la futura ni una quinta ni una sexta raza, destinada a
prevalecer sobre susantecesoras; lo que de all va a salir es la
raza definitiva, la raza sntesis o razaintegral, hecha con el genio
y con la sangre de todos los pueblos y, por lomismo, ms capaz de
verdadera fraternidad y de visin realmente universal(VASCONCELOS,
s/d).
Quando trata dos brancos, estabelece distines internas: para
ele, enquanto saxespoderiam ser valorizados por suas habilidades
tcnicas e por seu pragmatismo; os latinos
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Ana Luiza de Olivaira Duarte Ferreia(espanhis e portugueses em
especial) o deveriam ser elogiosamente, a seu ver, como
atenesta,fazendo lembrar o raciocnio de Caso em La existncia... por
suas supostas tpicas sensibilidadecriativa e emotividade.
Compreende tambm que, embora, tanto Uns quanto Outros, nos
ltimossculos se tenham destacado pela conquista de territrios em
todo o mundo e pelo domnio esubmisso a seu poder de elementos
pertencentes aos demais grupos raciais, no h nisso fatorindicativo
de uma pretensa justificada primazia os brancos no so a raa mais
evoluda,apenas e to somente uma espcie de ponte entre todas as
demais; so ferramenta indispensvelpara a constituio da raa mestia
(esta sim) superior.
Tambm por isso este autor no encara com bons olhos ingleses e
norte-americanos.Em determinado ponto de sua obra afirma que os
povos de origem anglo-saxnica, ao estabelecercontato com outros
povos, o fizeram e faziam apenas com interesses econmicos e
polticosesprios; negaram-se e negavam-se, enfim, cheios de si, a
uma relao cultural e afetiva maisintensa com os colonos racialmente
deles distintos, o que, no entendimento de Vasconcelos,constituiria
um triste entrave ao processo de elaborao da raa universal. Dizia
assim:
Ellos no tienen en la mente el lastre ciceroniano de la
fraseologa, ni en la sangrelos instintos contradictorios de la
mezcla de razas dismiles; pero cometieron elpecado de destruir esas
razas, en tanto que nosotros la asimilamos, y esto nos daderechos
nuevos y esperanzas de una misin sin precedente en la Historia.Sin
embargo, aceptamos los ideales superiores del blanco, pero no su
arrogancia(Idem).
Mais anti-norteamericanista do que propriamente
antiimperialista, elaborou, pois,Vasconcelos suas concepes para
desforra dos vizinhos do Norte, sempre desejosos de intervirna
caminhada histrica do Mxico revolucionrio. Destarte, veio a
defender a necessidade deuma concepo identitria que abarcasse todos
os mexicanos, como irmos nas adversidades.
Fala, ento, de uma antiga grandeza mexicana. E passa a propor
que seria necessriobuscar as principais bases culturais do povo
mexicano nos conquistadores espanhis, tal como oclebre Hernan
Cortez8 ao seu entender, um homem de fibra e viso global que
dominou largosterritrios , e no tanto nos caudilhos em grande parte
desordeiros e insensatos, que teriampromovido a independncia
motivados por interesses meramente individualistas, e que
nohesitavam em conceder parte da terra mexicana a outras naes caso
lhes parecesse convenientee lucrativo. Para que se arraigasse,
entre os mexicanos, uma construo identitria proveitosa,conforme seu
entendimento, pois, fidelidade se deveria ter ao sangue hispnico,
sangue bom:
Comenzamos por renegar de nuestras tradiciones; rompimos con el
pasado yno falt quien renegara la sangre diciendo que hubiera sido
mejor que la conquistade nuestras regiones la hubiesen consumado
los ingleses. Palabras de traicinque se excusan por el asco que
engendra la tirana, y por la ceguedad que trae laderrota. Pero
perder por esta suerte el sentido histrico de una raza equivale aun
absurdo, es lo mismo que negar a los padres fuertes y sabios cuando
somosnosotros mismos, no ellos, los culpables de la decadencia
(Idem).
Contudo, lembremos que o programa de Vasconcelos no se volta
apenas e to somentepara o Mxico, mas para a construo de uma raa
universal. Dizia: El estado actual de la civilizacinnos impone el
patriotismo como una necesidad de defensa de intereses materiales y
morales, pero es indispensableque ese patriotismo persiga
finalidades vastas y transcendentales.
Aps trabalhar a questo racial (sob vis histrico, verdade, mas
tambm, de fato,racial), na segunda parte de La raza csmica
Vasconcelos anuncia, ento, as possibilidadesambientais de
surgimento da nova estirpe. E define os locais onde ela haveria de
nascer no
8. No por mero acaso que em 1985 Vasconcelos ir publicar Hernn
Cortes: creador de la nacionalidad.
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democracia e nacionalismo: temas/bases de identidade
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apenas o Mxico, mas tambm todas as demais antigas colnias
ibricas, tais como Argentina,Brasil, Colmbia, Equador, Peru e
Venezuela. Justifica que como instrumento de la
transcendentaltransformacin se ha ido formando en el continente
ibrico una raza llena de vicios y defectos, pero dotada
demaleabilidad, comprensin rpida y emocin fcil, fecundos elementos
para el plasma germinal de la especiefutura (Idem). E mesmo antes
de ser contestado pela idia de que tais territrios esto
entreaqueles, em todo o globo, de maior dificuldade de adaptao para
o homem, apresenta argumentosu ao menos lgicos: afirma que assim
como a base do progresso da civilizao branca esteve nodomnio de
estratgias para escapar aos rigorosos invernos europeus, as bases
do progresso dacivilizao mestia dever ser obtida com o controle do
calor, e o combate s enfermidades e spragas
tropicais/americanas.
Na terceira e ltima parte do livro, enfim, Vasconcelos se dedica
a trabalhar maisespecificamente a maneira atravs da qual se h de
processar a formao da raza csmica asrelaes inter-raciais. Aqui
critica tanto as ento consagradas teorias de branqueamento, quantoa
prtica de espanhis e portugueses, no perodo colonial, deitarem-se
com ndias por no haverdisponvel, no Novo Mundo, branca com quem
selar matrimnio. Segundo o autor, a boamestiagem no imposta atravs
de medidas governamentais autoritrias, e muito menos decorrede
circunstancias triviais, mas surge do desejo sincero e espontneo
dos indivduos. Acreditavaque, convivendo, povos diferentes tendem a
aprender a admirar uns aos outros e, para ele, eramjustamente o
amor e a possibilidade de escolha as duas condicionantes ideais
para a formaoda quinta raa, superior. Una mezcla de razas consumada
de acuerdo y con las leyes de la comodidadsocial, la simpata y la
belleza, conducir a la formacin de un tipo infinitamente superior a
todos los que hanexistido, escreveu (Idem).
Por fim, talvez seja interessante destacar neste texto um receio
constante na contra-mo dos julgamentos referidos no captulo
anterior, acerca das contribuies do Ateneo deque tais proposies
fossem confundidas com qualquer espcie de programa voltado para
oatendimento de interesses polticos-conjunturais; quanto a isso, a
seguinte passagem significativa:
La doctrina de formacin sociolgica, de formacin biolgica que en
estaspginas anunciamos, no es un simple esfuerzo ideolgico para
levantar el nimode una raza deprimida, ofrecindole una tesis que
contradice la doctrina con quehaban querido condenarla sus rivales.
Lo que sucede es que a medida que sedescubre la falsedad de la
premisa cientfica en que descansa la dominacin delas potencias
contemporneas, se vislumbran tambin, en la ciencia
experimentalmisma, orientaciones que sealan un canino ya no para el
triunfo de una razasola, sino para la redencin de todos los hombres
(Idem).
Porm, - afirma Gabriel Vargas Lozano uma das avaliaes mais ricas
e interessantesde La raza csmica, a realizada pelo pensador peruano
Jos Carlos Maritegui, apesar de apontaruma srie de equvocos no
texto de Vasconcelos, prope que a obra-prima deste autor mexicano
fundamental justamente porque teria como caracterstica primeira
contribuir para a criao deum mito. Maritegui acreditava serem os
mitos de grande importncia para a existncia humana,para seu
desenvolvimento histrico, tcnico e moral. Segundo Octvio Paz o fato
que, emltima instncia, o tradicionalismo de Vasconcelos no se
apoiava no passado: [mas] justificava-se nofuturo; por isso, pela
falta de rigor acadmico, fez-se sim vulnervel s mais diversas
etendenciosas interpretaes, e no chegou nunca a criar escola.
Podemos dizer, ento, antes de mais, que, ampliando a dantes
abordada viso crtica deCaso acerca do modelo civilizacional
norte-americano, Vasconcelos apresenta uma interpretaoacerca da
modernidade em que os Estados Unidos no aparecem como a principal
referncia.Alimentar uma modernizao maneira norte-americana,
portanto, ao ver deste atenesta, seriaprejudicial ao Mxico, como a
todo o mundo; a latinos, vermelhos, negros, amarelos.
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Ana Luiza de Olivaira Duarte FerreiaEra preciso, na realidade,
valorizar, neste momento da histria universal, caractersticas
tipicamente mexicanas, tipicamente ibricas, tipicamente
ibero-americanas valorizar ossentimentos mais profundos do homem
universal. Conclui-se, desta maneira, que o queVasconcelos desejava
no era um desenvolvimento tcnico e econmico, mas mudanas nomodo de
os modernos (no Mxico e alhures) pensarem, sentirem e se
relacionarem.
Partindo de tais colocaes, pode-se ousar dizer que o texto de
Vasconcelos um poemavazio; que no chegou a apresentar contribuies
slidas para a estruturao de uma Filosofiaacadmica (tal como Caso),
nem para qualquer programa prtico de transformao social.
Contudo,sua vida poltica demonstra bem o contrrio: este respeitvel
atenesta foi responsvel pelaimplementao de inmeras medidas que
contriburam para diminuir o analfabetismo no Mxico,e para ampliar
os conhecimentos gerais de mexicanos da cidade e do campo financiou
escolasrurais, fundou bibliotecas, patrocinou as artes. Foi atravs
de muitos de seus projetos que seformaram diversos pensadores
mexicanos atentos ao popular, e que muitos populares
puderammanifestar seus pensamentos, amplamente.
Um terceiro nome ligado ao Ateneo hoje tido como relevante o de
Pedro-HenrquezUrea. Seu pensamento, exposto em centenas de artigos
valiosos para todo historiador interessadono universo intelectual
mexicano de incio do sculo XX, ser por ora ilustrado atravs de
umabreve anlise de seu texto mais clebre Utopa de Amrica, um
discurso proferido em 1922 naUniversidad de La Plata, durante as
manifestaes da j citada Refoma Universitria argentina,mas publicado
pela primeira vez no Mxico apenas em 1925.
Inicialmente faz-se mister destacar o propsito de t-lo
denominado utopia. J vimosque Vasconcelos, em La raza cosmica,
dedicara boas pginas argumentando em defesa da precisode suas
colocaes; por ora, seria interessante ressaltar o curioso
desprendimento de Urea aooptar pela utilizao de um vocbulo que
remete a sonho, fabulao, para o ttulo de suasproposies. Em primeiro
lugar, h que se pr em nfase o fato de que provvel que este
outroautor atenesta, como um dos mais severos crticos de concepes
positivistas, o tenha feitovisando confrontar as perspectivas
objetivistas de intelectuais positivistas; depois, h que sereferir
definio precisa de utopia apresentada por Urea, no desenrolar de
seu referidotexto (que, alis, lembra muito as apreciaes de
Maritegui sobre a obra de Vasconcelos):
Hay que ennoblecer nuevamente la idea clsica. La utopa no es
vano juego deimaginaciones pueriles, es una de las magnas
creaciones espirituales delMediterrneo, nuestro gran mar antecesor.
El pueblo griego da al mundooccidental la inquietud del
perfeccionamiento constante, (...) no descansa paraaveriguar el
secreto de toda mejora, de toda perfeccin. (...) Es el pueblo
queinventa la discusin, que inventa la crtica. Mira al pasado, y
crea la historia; miraal futuro, y crea las utopas (UREA, s/d).
Em Utopia... Urea, dominicano de nascena, investiga as
potencialidades dedesenvolvimento dos mais diversos pases que
compem a parte sul do continente americano, ecentra o foco no Mxico
apenas por supor conhec-lo com maior profundidade. Segundo
esteautor, a anlise desta realidade especfica haveria de servir (em
ltima instncia) para acompreenso da realidade ibero-americana como
um todo, j que, nos mais distintos pases quea integram, algo de
primordial nos identificaria: a colonizao ibrica e o inegvel legado
por elaa ns deixado conforme Myers, para Urea rechaar essa herana
equivaleria a uma mutilao auto-impingida (Idem).
Diferentemente de Caso e Vasconcelos, contudo, Urea confere ao
indgena lugarprivilegiado em suas especulaes. Assim, preocupa-se
firmemente em perceb-los no apenasenquanto uma raa que teria
contribudo para a formao biolgica mexicana e
ibero-americana;conforme seu entendimento, os povos nativos que
habitavam o territrio que mais tarde comporiao Mxico e as muitas
outras naes da Ibero-Amrica dispunham de todo um rico aparato
cultural,
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o qual, ainda que empobrecido pelo contato com a civilizao
europia,9 seria marcante nacomposio cultural mexicana, hbrida,
atual. A seu ver:
lo autctono no es solamente la raza indgena, con su formidable
dominio sobretodas las actividades del pas, la raza de Morelos y de
Jurez, de Altamirano y deIgnacio Ramrez; autctono es eso, pero lo
es tambin el carcter peculiar quetoda cosa espaola asume en Mxico
(Idem).
Urea, como Vasconcelos, prev um belo futuro para a Ibero-Amrica,
declara talperspectiva em muitos momentos de seu texto, e apresenta
argumentos inclusive bastantesemelhantes ao deste seu colega
atenesta. Conforme ele, as naes ibero-americanas no
seriampromissoras apenas e to somente por disporem de vultosas
riquezas naturais argumento queele classificava como delrio
industrial; nem tampouco nem em face da bem-aventurada
mentecriativa e artstica dos cidados ibero-americanos argumento
censurado como pueril, pelospessimistas. A utopia de Urea se
voltaria, na verdade, para algo que lembra o dilogo quefizemos
entre o raciocnio de Caso em La existentia... e nos discursos; e o
de Vasconcelos em Laraza csmica: algo que em Utopia... classificado
como caracteres espirituais locais: a habilidadepara mesclarem-se
no apenas racialmente, mas culturalmente, com outros povos, assim
como anossa suposta tendncia universalizante e, (para ele) em
conseqncia, humanitria.
Contudo, aos olhos deste ltimo pensador, h que se tomar bastante
cuidado com osprojetos ditos cosmopolitas, to em voga no Mxico como
nos demais pases ibero-americanosdo perodo. Neste ponto, alis, Urea
revela-se mais claro e preciso em suas proposies do queo autor de
La raza cosmica: enquanto Vasconcelos d nfase unio das raas, ele
destaca aimportncia de no se permitir qualquer tipo de homogeneizao
cultural:
El hombre universal con que soamos, a que aspira nuestra
America, no serdescastado: sabr gustar de todo, apreciar todos los
matices, pero ser de sutierra; su tierra, y no la ajena, le dar el
gusto intenso de los sabores nativos, y saser su mejor preparacin
para gustar de todo lo que tenga sabor genuino,carcter propio. La
universalidad no es el descastamiento: en el mundo de lautopa no
debern desaparecer las diferencias de carcter que nacen del
clima,de la lengua, de las tradiciones; pero todas estas
diferencias, en vez de significardivisin y discordancia, debern
combinarse como matices diversos de la unidadhumana. Nunca la
uniformidad, ideal de imperialismos estriles; s la unidad,como
armona de las multnimes voces de los pueblos (Idem).
Por isso para Urea o popular deve ser tomado como elemento
central nas discussestravadas entre intelectuais, especialmente no
que diz respeito ao tema das identidades. Abreespao, ento, para que
o nacionalismo poltico, elitista por essncia, resoluo de uns
poucoshomens imposta a tantos outros, fosse repensado; espao para,
ao se estudar a realidade mexicana(e de outras naes da
Ibero-Amrica), se buscar perceber o que de fato ela vem compor
pienso en otro nacionalismo, (...) el que nace de las cualidades de
cada pueblo cuando se traducen en arte ypensamiento, escreveu.
Resta-nos, ainda, repensar a vinculao, em Utopia..., entre um
profundo gosto peloque se tm como autenticamente ibero-americano
(por nossa tradio, de todo sub-continente)e um certo rancor
antiimperialista, anti-estadunidense, de Urea. Segundo o
pesquisador argentinoJorge Myer, possvel se dizer que essa relao
remete vida pessoal deste dominicano. Dr.Francisco Henrquez y
Carvajal, seu pai, tendo sido presidente da Repblica Dominicana
at1916, foi derrubado do poder por meio de uma interveno
norte-americana, passou a viver emsituao de penria, e enviou os
filhos para o exterior, com a expectativa de que tivessem uma
9. A expresso empobrecido precisamente a mesma utilizada pelo
referido pensador.
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Ana Luiza de Olivaira Duarte Ferreiavida melhor. O golpe
financiado pelos Estados Unidos teria sido responsvel,
indiretamente,portanto, pela imposio a Urea (at seu falecimento, na
Argentina) da dolorosa condio deestrangeiro, que ele traduziu como
cidado da Ibero-Amrica.
Pode-se concluir, destarte, que dentre os trs atenestas focados
em meu artigo, Ureafoi aquele que concebeu noes de justia
social/democracia e incluso mais fluidas,para a modernidade, para o
Mxico. Caso e Vasconcelos, apontado como positivas
caractersticastidas como espanholas, francesas, ibero-americanas,
apresentaram uma verso do ns menosdepreciada do que costumavam
propor positivistas, que, durante o Porfiriato, carregaram
abandeira da europeizao. Mas Urea, talvez pelo fato de ser um
dominicano pensando o Mxico,sentiu como premente a necessidade de
se respeitar as diferenas internas; de ouvir o outroque h em
ns.
Um outro autor de renome que fez parte do Ateneo foi o j citado
Alfonso Reyes.10 Reyes hoje tido, no apenas no Mxico como em todo o
mundo, como um dos principais intelectuaisda histria de seu pas.
Contudo no presente artigo no trabalharei focadamente tal como
fizcom Caso, Vasconcelos e Urea uma obra ensastica sua. E tal opo
no se funda em qualquerjulgamento meu no que diz respeito qualidade
de suas reflexes; decorre do fato de que consideroque a viso de
Reyes acerca das noes de modernidade, democracia e identidade
localcorrespondem a uma espcie de anncio de vises outras, que
caracterizariam geraes depensadores mexicanos posteriores.
Sua maneira de entender a poca, o papel da intelectualidade e a
nao mexicana irode encontro, por exemplo, s do chamado grupo sin
grupo, quer dizer, quelas das quais dispuseramvariavelmente os
intelectuais ligados publicao da revista Los contemporneos Salvador
Novo,Xavier Villaurrutia, Jaime Torres Bodet, Gilberto Owen, Jos
Gorostiza, Carlos Pellicer, JorgeCuesta, Bernardo Ortiz de
Montellanos.11
Reyes e esses pensadores no mais intentaram elaborar reflexes em
que concepes demodernidade, democracia e identidade local apareciam
visceralmente articuladas. Emprimeiro lugar, o referido atenesta e
os ditos contemporneos, diversamente dos outros trsrepresentantes
do Ateneo neste artigo trabalhados, no se voltam mais para a
compreenso dasociedade moderna mexicana; o pensamento desses
autores se fixa, na realidade, na anlise dequestes filosficas e
literrias/narrativas mais abstratas.
Em segundo lugar, ainda que j usufruam de um mercado consumidor
mais democrtico,mais plural, no tinham propriamente a clara inteno
de parecer ou de se dirigir de fato smassas. Neste sentido, pode-se
dizer que o tom laudatrio de La raza csmica e Utopia de Amrica
substitudo por uma linguagem menos comovida (exceto, talvez, no
caso de Jorge Cuesta).Alm disso, compartilhavam tanto um quando
outros uma concepo de funo social dointelectual um tanto distinta
da que aqui defini como caracterstica da gerao atenesta:intelectual
participativo, para eles, no era necessariamente aquele que se
insere nas malhas doEstado ou em organismos polticos mais ou menos
organizados intelectual participativo aquele que exerce ativamente
sua capacidade crtica.
Por fim, no que diz respeito noo de identidade nacional ou
identidade ibero-americana tanto Reyes quanto os contemporneos
revelam uma postura bem mais desrecalcada.Se em seus produes falam
de seu pas ou da Ibero-Amrica porque desejam, e no porque oencarem
como uma tarefa compulsria. O mexicano e seus demais irmos de
continente passama ver encarados, por essa nova gerao, com maior
leveza, como Universais (GARCA, 2006).
10. Cf. REYES, Alfonso. Obras completas e dos epistolarios.
Mxico: Fondo de Cultura Econmica, 2005.11. Sobre esse grupo de
intelectuais mexicanos, ler artigo de minha autoria Dilogo, crtica
e diversidade nas vanguardasliterrias mexicanas e brasileiras.
Revista Intellectus / Ano 06 Vol I 2007. Disponvel em:
http://www.intellectus.uerj.br/Textos/Ano6n1/Texto%20de%20Ana%20Luiza.pdf
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Concluso
Com base nas reflexes desenvolvidas nos dois captulos deste
artigo primeiro (1) emse tratando mais delineadamente das apreciaes
de pensadores de ontem e de hoje sobre asrelaes estabelecidas entre
e por intelectuais do Mxico de incios do sculo XX, e, depois,
(2)mais diretamente dialogando com conceitos apresentados por esses
intelectuais, naquelaconjuntura pode-se propor que os atenestas
compuseram um grupo de relevncia, ainda quemarcado por ambigidades
comportamentais e heterogeneidades conceituais.
Remetendo s perspectivas apontadas por LaCapra e Rioux, pode-se
dizer que as maneirascomo tm sido lidas tanto suas condutas como
suas reflexes acabam por conferir relevo a idiade modernizao,
democratizao e identidade local, sob perspectivas diversas,
massempre articulando. Quer dizer: h um certo consenso de que se
Caso, Vasconcelos e Ureadesejavam a modernizao do ensino e da
pesquisa mexicanos, desejaram que ela ocorresse demaneira a
favorecer os mais amplos setores sociais e conforme os interesses
mexicanos seapresentavam verses diferentes sobre e para a realidade
(modernizada) mexicana,compartilharam a mesma preocupao de que ela
seguisse de forma a garantir nfase a variveisconcepes de igualdade
social, e respeitando as especificidades regionais (nacionais e
ibero-americanas).
Afinal, acredito que, em ltima instncia, justamente a partir
dessa insistncia em sedestacar a abordagem (ainda que diversa) dos
temas do novo, do justo e do nosso, que sedelineiam as idias e os
valores tidos como comuns a estes trs autores; e que, mais
amplamente,a historiografia tem desenhado o grupo intelectual
(complexo e plural) mais expressivo do Mxicodas primeiras dcadas
dos novecentos: o Ateneo de la Juventud.
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