i INSPEÇÕES OFFSHORE: ANÁLISE DE HISTÓRICO DE DEFICIÊNCIAS EM PLATAFORMAS FPSO OPERANDO NO PRÉ-SAL BRASILEIRO André Luis Rodrigues Barros da Silva Projeto de Graduação apresentado ao Curso de Engenharia Naval e Oceânica, Escola Politécnica, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Engenheiro Naval e Oceânico. Orientadora: Marta Cecilia Tapia Reyes Rio de Janeiro Dezembro de 2017
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INSPEÇÕES OFFSHORE: ANÁLISE DE HISTÓRICO DE
DEFICIÊNCIAS EM PLATAFORMAS FPSO OPERANDO
NO PRÉ-SAL BRASILEIRO
André Luis Rodrigues Barros da Silva
Projeto de Graduação apresentado ao Curso
de Engenharia Naval e Oceânica, Escola
Politécnica, da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de
Engenheiro Naval e Oceânico.
Orientadora: Marta Cecilia Tapia Reyes
Rio de Janeiro
Dezembro de 2017
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INSPEÇÕES OFFSHORE: ANÁLISE DE HISTÓRICO DE
DEFICIÊNCIAS EM PLATAFORMAS FPSO OPERANDO
NO PRÉ-SAL BRASILEIRO
André Luis Rodrigues Barros da Silva
PROJETO DE GRADUAÇÃO SUBMETIDO AO CORPO DOCENTE DO CURSO
DE ENGENHARIA NAVAL E OCEÂNICA DA ESCOLA POLITÉCNICA DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS
REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE
ENGENHEIRO NAVAL E OCEÂNICO.
Examinado por:
Orientadora: Prof.ª Marta Cecilia Tapia Reyes, D.Sc.
Prof. Julio Cesar Ramalho Cyrino, D.Sc.
Prof. Severino Fonseca da Silva Neto, D.Sc.
Eng. Isaias Quaresma Masetti, D.Sc.
RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL
DEZEMBRO DE 2017
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da Silva, André Luis Rodrigues Barros
Inspeções Offshore: Análise de histórico de
deficiências em Plataformas FPSO operando no Pré-Sal
brasileiro/ André Luis Rodrigues Barros da Silva - Rio de
7.1 ANEXO I – Tratamento das deficiências referentes a Bandeira ..................................... 57
7.2 ANEXO II – Tratamento das deficiências referentes a Marinha ..................................... 60
7.3 ANEXO III – Tratamento das deficiências referentes à Classificadora ............................ 65
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1.1 - Reservatórios do Pré-sal brasileiro ................................................................................ 1
Figura 1.2 - Evolução das lâminas d'água de exploração de petróleo no Brasil ............................... 2
Figura 2.1 - Conversão da proa para receber estrutura de ancoragem single point........................ 7
Figura 2.2 - Linha em catenária (A) x Linha em taut leg (B) ............................................................. 8
Figura 2.3 - Exemplo de arranjo de uma linha de ancoragem .......................................................... 9
Figura 2.4 - Detalhe do acoplamento entre amarra e cabo de poliéster ......................................... 9
Figura 2.5 - Exemplo de interação ancoragem-risers ..................................................................... 10
Figura 2.6 - Esquema de ancoragem em Spread Mooring ............................................................. 11
Figura 2.7 - Esquema evidenciando funcionamento do chain stopper .......................................... 12
Figura 2.8 - Mecanismo do fairlead ................................................................................................ 13
Figura 2.9 - Conjunto de fairleads, chain stoppers, chain jack e paiol de amarras (sobre trilhos) 14
Figura 2.10 - Esquema de ancoragem em Single Point Mooring .................................................... 15
Figura 2.11 - FPSO com turret externo ........................................................................................... 16
Figura 2.12 - FPSO com turret interno ............................................................................................ 16
Figura 2.13 - Riser e suas tecnologias ............................................................................................. 17
Figura 2.14 - Umbilical e suas tecnologias ...................................................................................... 17
Figura 2.15 - Riser Balcony no costado de um FPSO (em conversão, sem risers conectados) ....... 18
Figura 2.16 - Risers acoplados a sistema de turret ......................................................................... 19
Figura 2.17 - Módulo sobre pancake sustentado por picadeiros do tipo stools ............................ 20
Figura 2.18 - Separação primária de água-óleo-gás ....................................................................... 20
Figura 2.19 - Fluxograma de processamento da produção no topside .......................................... 21
Figura 2.20 - Limpeza de tanque em andamento ........................................................................... 22
Figura 2.21 - Transferência de óleo entre FPSO e aliviador ........................................................... 23
Figura 2.22 - Sistema de acoplamento pela proa de um navio aliviador ....................................... 24
Figura 2.23 - Hawser tracionado durante operação de offloading ................................................ 24
ix
Figura 2.24 - Mangotes de offloading (direita) e hawser (esquerda) armazenados em FPSO ....... 25
Figura 3.1 - Semelhanças nos logotipos da ONU e IMO ................................................................. 27
Figura 3.2 - Esquema simplificado da organização entre agentes regulamentários ...................... 28
Figura 3.3 - Linha do Tempo ........................................................................................................... 29
Figura 3.4 - Exemplo de relatos de deficiências de Bandeira ......................................................... 31
Figura 3.5 - Maiores frotas em Arqueação Bruta de Estados de Bandeira (2012) ......................... 32
Figura 3.6 - Exemplo de relatos de deficiências no Relatório de Perícia Técnica ........................... 34
Figura 3.7 - Datas e janelas de Vistorias de Classe ......................................................................... 37
Figura 3.8 - Exemplo de relato (fictício) de uma Condição de Classe ............................................. 37
Figura 3.9 - Interface do site de uma classificadora ....................................................................... 38
Figura 4.1 - Resumo das unidades estudadas ................................................................................ 39
Figura 4.2 - Informações de Construção e Conversão das unidades .............................................. 40
Figura 4.3 - Exemplo fictício e adaptado da classificação de deficiências quanto a família .......... 42
Figura 4.4 – Tabela contendo quantidade de deficiências emitidas nos relatórios ....................... 42
Figura 4.5 - Tabela contendo quantidade de deficiências levantadas por família – Bandeira ....... 43
Figura 4.6 - Gráfico contendo proporção de deficiências por família – Bandeira .......................... 43
Figura 4.7 - Tabela contendo quantidade de deficiências levantadas por família – Marinha ....... 44
Figura 4.8 - Gráfico contendo proporção de deficiências por família – Marinha........................... 44
Figura 4.9 - Tabela contendo quantidade de deficiências levantadas por família – Classificadora ........................................................................................................................................................ 45
Figura 4.10 - Gráfico contendo proporção de deficiências por família – Classificadora ................ 45
Figura 4.11 - Tabela contendo quantidade de deficiências levantadas por família – Todas as Autoridades .................................................................................................................................... 46
Figura 4.12 - Gráfico contendo proporção de deficiências por família – Todas as Autoridades .... 46
Figura 4.13 – Histograma contendo deficiências separadas por unidade – Todas as Autoridades ........................................................................................................................................................ 47
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TERMOS TÉCNICOS, ABREVIAÇÕES E DEFINIÇÕES
Termo Definição
UEP Unidade Estacionária de Produção
FPSO Unidade Flutuante de Produção, Armazenamento e Descarga
VLCC Very Large Crude Carrier
ULCC Ultra Large Crude Carrier
CG Centro de Gravidade
Heave(*) Movimento de translação de uma embarcação pelo eixo vertical do CG
Surge(*) Movimento de translação de uma embarcação pelo eixo longitudinal do CG
Sway(*) Movimento de translação de uma embarcação pelo eixo transversal do CG
Yaw (*) Movimento de rotação de uma embarcação em torno do eixo vertical do CG
Roll(*) Movimento de rotação de uma embarcação em torno do eixo longitudinal do CG
Pitch (*) Movimento de rotação de uma embarcação em torno do eixo transversal do CG
Metocean Estudo meteorológico-oceanográfico de determinada região
Pancake Plataforma suspensa sobre convés na qual se instalam equipamentos
Pull-In Operação de instalação de elementos subsea na plataforma, geralmente risers
Flare Torre de queima de elementos químicos descartados da produção
(*) Consultar Figura abaixo para melhor identificação.
Graus de liberdade de uma embarcação
1
1 INTRODUÇÃO
O petróleo é responsável por grande parte da geração de energia mundial. Sua exploração ainda
em terra começou no século XIX, popularizando-se a partir da Segunda Revolução Industrial. À
medida que reservas submarinas foram sendo descobertas, a indústria petrolífera e as tecnologias
as acompanharam pelos mares. No Brasil, a PETROBRAS já vem explorando suas reservas
desde antes dos anos 70. Entretanto, nos últimos anos ocorreu um grande aumento na produção
de petróleo na costa brasileira, principalmente após a descoberta de jazidas na região do Pré-sal,
região abaixo da camada de sal da crosta terrestre.
O conjunto de campos petrolíferos do Pré-sal situa-se a profundidades que variam de 1.000 a
2.000 metros de lâmina d'água e entre 4.000 e 6.000 metros de profundidade no subsolo. A
profundidade total, ou seja, a distância entre a superfície do mar e os reservatórios de petróleo
abaixo da camada de sal, pode chegar a 8.000 metros. A extensão do Pré-sal ocupa uma faixa de
aproximadamente 800 quilômetros de comprimento ao longo do litoral brasileiro, chegando a até
300 quilômetros de distância da costa. A área estende-se do norte da Bacia de Campos ao sul da
Bacia de Santos e desde o Alto Vitória (Espírito Santo) até o Alto de Florianópolis (Santa
Catarina).
Figura 1.1 - Reservatórios do Pré-sal brasileiro
Antes mesmo da descoberta do Pré-sal, a exploração de petróleo já vinha acontecendo em
profundidades cada vez maiores na costa brasileira. Nos anos 70, a lâmina d’agua de exploração
no Brasil atingia até aproximadamente 130 metros, ao passo que em 2009 na Bacia de Santos já
se explorava óleo a mais de 2000 m de profundidade.
2
Figura 1.2 - Evolução das lâminas d'água de exploração de petróleo no Brasil
Com o aumento da produção do Pré-sal nos últimos anos, muitas UEPs têm entrado em
operação. No entanto, maiores lâminas d’água significam maiores desafios tanto para engenharia
quanto para operação das UEPs, uma vez que pedem tecnologias mais avançadas e caras. A
presença de ácido sulfídrico e gás carbônico na composição do óleo típico dos poços do Pré-sal
brasileiro aparece como um agravante para reduzir a viabilidade econômica dos projetos. Ainda,
a exportação do óleo produzido também se torna uma questão relevante, visto que a instalação
de dutos submarinos para este fim torna-se mais cara com o aumento da profundidade.
Dessa forma, plataformas do tipo FPSO são preferidas em detrimento a outras soluções
conhecidas para exploração de óleo em alto mar, como semi-submersíveis, SPARs e TLPs, por
possuírem grande capacidade de armazenamento da produção in situ. A exportação do óleo
estocado pode então ser feita através de navios aliviadores, dispensando assim os oleodutos.
Dados o alto valor agregado e riscos envolvidos na exploração de óleo no ambiente offshore,
estamos interessados em avaliar o desempenho das unidades FPSO ao longo de sua vida útil.
Devemos nos atentar, portanto, ao contexto regulamentário que rege sua construção e operação,
entendendo os padrões segurança e qualidade a que esse tipo de plataforma está submetido. A
IMO é o órgão internacional responsável por emitir os códigos e convenções aplicáveis aos mais
diversos tipos de embarcação existente, incluindo FPSOs. Os países envolvidos na administração
e operação das embarcações fazem cumprir tais leis a partir de suas autoridades marítimas. Há
ainda o envolvimento da Sociedade Classificadora como agente não governamental
independente, com vasta experiência agregada e regras particulares sobre como gerenciar as
plataformas, visando a segurança da vida, da propriedade e do meio ambiente.
3
1.1 Descrição das Atividades e Objetivo do Trabalho
Introduzida a temática, faremos uma breve descrição do conteúdo que se segue nos próximos
capítulos deste trabalho.
O conteúdo do capítulo 2 consiste em uma dissertação sobre as principais características e
peculiaridades relativas a plataformas do tipo FPSO, abordando de forma geral as tecnologias e
arranjos de Engenharia Naval que podem ser encontrados, com foco nas restrições impostas pelo
contexto do Pré-sal brasileiro. Optou-se por prosseguir dessa forma para garantir ao leitor certa
familiarização com os termos que serão abordados nos capítulos subsequentes. Os pontos
visitados são a conversão do casco, o sistema de ancoragem e sua instalação, os arranjos de
risers e umbilicais ao serem conectados ao casco, a planta de processamento e seus sistemas
principais para tratamento do óleo, os tanques de armazenamento e os sistemas de exportação da
produção. Eles são colocados na ordem de tal forma a seguir o caminho percorrido pelo óleo em
suas instalações, sendo antes abordadas as atividades realizadas previamente ao início da
produção.
O conteúdo do capítulo 3 consiste inicialmente em uma breve aula sobre a história da navegação,
expondo o contexto que se deu para o surgimento das Sociedades Classificadoras e dos órgãos
internacionais regulamentadores, que trabalham até hoje para garantir a segurança da vida, da
propriedade e do meio ambiente. Em seguida, são apresentadas as autoridades governamentais
envolvidas na fiscalização do cumprimento dos códigos e convenções internacionais, ditos
estatutários, durante a vida útil do navio. Estas autoridades marítimas nacionais são vinculadas
aos países que assinam tais códigos e convenções internacionais. São elas a Administração do
Estado de Bandeira e a Autoridade Costeira Local. A primeira é escolhida pelo armador de
acordo com o Estado onde quer registrar sua embarcação. A segunda é imposta ao armador de
acordo com o local onde se pretende operar a embarcação. São apresentados os escopos
pertinentes a cada autoridade e a forma como elas se relacionam com o armador e se organizam
quanto à forma de trabalhar e reportar deficiências. Este capítulo desenvolve-se de forma a
considerar o cenário do Pré-sal brasileiro, portanto a Marinha do Brasil é diretamente
referenciada como Autoridade Costeira Local, ao passo que é deixado de forma geral qualquer
explicação referente a Administração do Estado de Bandeira. Em seguida, é resgatado o contexto
em que se inclui a Sociedade Classificadora, explicando seu papel e seu caráter técnico. São
apresentados os escopos das vistorias mais relevantes realizadas por este agente, junto da forma
como se relaciona com o armador e se organizam quanto à forma de trabalhar e reportar
deficiências. Para as três entidades, considerou-se apenas o escopo das vistorias aplicáveis a
plataformas FPSO.
O conteúdo do capítulo 4 consiste em um estudo dos relatórios de inspeção, perícia técnica e
vistoria das autoridades apresentadas no capítulo anterior, aplicando-se aos dados tratamento
tanto de qualitativo quanto quantitativo. Inicialmente são apresentadas cinco plataformas e suas
características mais relevantes para o estudo, definindo o universo ao qual estamos nos
restringindo. Em seguida explica-se a metodologia empregada para demonstrar ao leitor como os
dados serão tratados e transmitir clareza suficiente para atingir o melhor e mais fácil
entendimento possível. Os resultados obtidos são apresentados na forma de tabelas, gráficos e
histograma, para em seguida serem analisados e interpretados de acordo com as peculiaridades
de cada autoridade e plataforma estudada. Desse modo, tendências e pontos de atenção podem
ser levantados, abrindo margem para que hipóteses possam ser levantadas.
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O conteúdo do capítulo 5 consiste em recomendações técnicas baseadas nos pontos de atenção
levantados e tendências identificadas a partir dos resultados do estudo do capítulo anterior. São
sugestões endereçadas tanto ao armador quanto às autoridades visando atingir melhoras no
desempenho da operação e das vistorias, no que diz respeito a segurança da vida humana,
integridade da plataforma e preservação do meio ambiente. Ainda, para o caso de uma hipótese
levantada a partir da análise dos resultados, estudos futuros são propostos para maior
aprofundamento na questão e avaliação da validade de tal hipótese. Feitas as recomendações,
sugestões e propostas, o trabalho é concluído.
Bibliografia e anexos são apresentados nos capítulos posteriores. O anexo contém o tratamento
dos dados aplicado no estudo apresentado no capítulo 4.
5
2 AS PLATAFORMAS FPSO E SUAS PRINCIPAIS TECNOLOGIAS
Algumas das características mais marcantes de UEPs (Unidade Estacionária de Produção) do
tipo FPSO são denunciadas imediatamente ao analisarmos a própria sigla: “Floating Production
Storage Offloading”.
Em português traduz-se como unidade flutuante de produção, armazenamento e descarga/alívio.
Ou seja, diferente das outras soluções conhecidas para exploração offshore, o FPSO tem a
capacidade de armazenar grandes volumes de óleo produzido. Isso lhe garante enorme vantagem
em localidades remotas onde não existe malha de oleodutos para exportação e escoamento do
óleo, que é o caso do Pré-sal brasileiro e explica o porquê desse tipo de tecnologia ser
amplamente empregado na região. Ainda, possui sistema de alívio para efetuar a transferência
segura do óleo armazenado para outro casco (navio aliviador, se retornarmos ao exemplo do Pré-
sal. Será abordado adiante mais a fundo no capítulo). Por praticidade, a partir de agora o termo
offloading será usado para se referir ao alívio de carga do FPSO.
Fisicamente, podemos descrever, de forma simplificada e preliminar, que um FPSO consiste
num casco típico de navio – geralmente petroleiro VLCC ou ULCC – que recebe em seu convés
principal uma grande planta de processamento de óleo, conhecida como topside. Parece uma
disposição atraente se nos atentarmos que petroleiros já são operados desde o final do século
XIX [1] (ou seja, muita experiência já foi adquirida ao longo dos anos até os dias atuais) e fazem
uso de tecnologias consolidadas para garantir excelência operacional, tais como bombas
suficientemente potentes para movimentação de fluidos viscosos, separador água e óleo, tanques
dedicados a sedimentação e decantação da carga, sistemas de gás inerte, entre outros.
Características hidrodinâmicas e de estabilidade para petroleiros também já são disciplinas
conhecidas de longa data, portanto diversos procedimentos marítimos já estão mapeados e bem
estabelecidos para manutenção segura desses elementos.
Na presente etapa deste trabalho é interessante descrever as peculiaridades do FPSO,
apresentando-o com enfoque na embarcação e nas tecnologias mais relevantes do ponto de vista
da Engenharia Naval, visando passar ao leitor maior intimidade com a plataforma para um
melhor entendimento dos capítulos subsequentes. Os tópicos a seguir seguem a ordem
cronológica do processo de instalação e operação da UEP, acompanhando o caminho do óleo
pelos sistemas até sua descarga.
2.1 Conversão
Como mencionado anteriormente, FPSOs geralmente possuem casco de petroleiro para
armazenar óleo produzido. Historicamente, os armadores ao redor do mundo voltaram sua
atenção para a conversão de petroleiros já existentes, pois o custo das obras e o tempo de entrega
são menores (18 a 36 meses) do que seriam para uma construção completamente nova [2].
Atualmente, a Ásia concentra o maior pólo de conversão de FPSOs, abrigando estaleiros
especializados no serviço em países como China, Cingapura e Coréia do Sul. No entanto,
podemos verificar um crescimento no número de FPSOs provenientes de nova construção ao
longo dos anos. [3]
6
As obras de conversão têm como objetivo transformar um petroleiro navegante, geralmente
velho e em final de vida útil, em uma unidade estacionária que deverá operar ininterruptamente
pelos próximos 20 ou 30 anos. Ao docar o navio para conversão, uma vistoria completa é
realizada para avaliar a estrutura e os equipamentos, promovendo-se os testes e medições
necessários. Cálculos estruturais, hidrodinâmicos e de estabilidade são efetuados levando em
consideração o novo escopo de operação a ser garantido à embarcação. O plano de carregamento
da embarcação costuma ser alterado devido às novas condições que serão aplicadas e,
consequentemente, o arranjo de tanques também sofre alteração.
Uma vez aprovado o projeto da nova estrutura baseado nesses cálculos de engenharia, o navio
passa por um intenso tratamento/troca de chapas, recebendo nova pintura com tinta especial ao
longo de todo seu casco. Os tanques também são pintados internamente e recebem reforços
estruturais no fundo, costado e teto. O costado pode receber uma bolina – elemento de
amortecimento para movimentos de roll – e uma série de anodos de sacrifício para amenizar a
corrosão. Equipamentos devem ser trocados se forem reprovados nas vistorias, mas podem
também ser substituídos a desejo do armador, ainda que estejam em bom funcionamento, como é
feito pela PETROBRAS, que em suas conversões aproveita apenas o casco, descartando os
elementos antigos e instalando tudo novo. O convés é reforçado para receber alguns elementos
fundamentais para a operação do navio (serão abordados nas próximas seções do capítulo), tais
como:
Balcão de risers e seu sistema de pull-in (operação de instalação);
Módulos da Planta de Processamento (incluindo flare);
Elementos do sistema de offloading;
Elementos do sistema de ancoragem;
Helideque; entre outros.
Em casos onde o FPSO será ancorado a partir de um sistema em single point, a proa é
completamente removida e em seu lugar entram estruturas que vão se conectar ao elemento de
revolução (protuberância de sustentação do turret ou yoke). Esse tópico será melhor explicado
ainda neste capítulo na seção 2.2, referente a Sistemas de Ancoragem. A Figura 2.1 mostra um
navio cuja proa foi removida durante a conversão.
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Figura 2.1 - Conversão da proa para receber estrutura de ancoragem single point
São descomissionados diversos elementos que não são relevantes para operação da plataforma
como unidade estacionária, nos quais se incluem os motores principais, eixos principais, hélices
e todo o sistema de movimentação do leme, sendo ainda este último travado na posição “reta”
(direção longitudinal) para evitar influências durante as manobras de instalação ou reboque. Para
casos onde o FPSO será transportado até o país de operação através de propulsão própria, o
conjunto motor-eixo-hélice-leme é mantido operacional até a chegada em algum estaleiro local,
onde é descomissionado na fase de ajustes finais. Ainda que desativados, esses elementos
costumam ser mantidos a bordo da embarcação, pois, além do alto custo extra que existiria para
removê-los, seu considerável peso concentra-se à ré atuando como “lastro” fixo e ajudando a
compensar o trim negativo gerado pelo peso da planta de processamento.
No contexto brasileiro, os FPSOs que chegam do exterior costumam fundear-se em algum
estaleiro para receber os ajustes finais, cumprindo com a lei de conteúdo mínimo local. O escopo
dos ajustes pode consistir na instalação de alguns módulos restantes da planta de processamento,
revisão ou completa remoção e troca das acomodações para atender algum requisito específico
de projeto, revisão da instalação de equipamentos críticos, preparações para os procedimentos de
instalação da plataforma, entre outros. Costuma-se receber diversas inspeções durante essa fase
final, tanto técnicas quanto regulatórias.
Para FPSOs construídos do zero (novas construções), as diretrizes são as mesmas dos que
passam por conversão, pois os mesmos sistemas e elementos devem ser instalados e os mesmos
reforços devem ser aplicados. A maior diferença é a dispensa de reparos e modificações, pois o
projeto será trabalhado por inteiro desde o conceito inicial até a execução final. No presente
trabalho, mencionamos as novas construções somente para indicar que existem soluções
diferentes da conversão, pois o foco do estudo consiste na análise apenas de FPSOs convertidos.
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2.2 Sistemas de Ancoragem
Recuperando o termo “UEP”, relembramos que a letra “E” significa “Estacionária”, ou seja,
aquilo que se mantém no mesmo lugar. Portanto, a ancoragem de uma UEP é necessária por
definição, já que a mesma deve permanecer sobre determinada área durante toda sua vida útil,
superando todas as cargas ambientais (onda, vento e corrente) atuantes durante o domínio do
tempo.
As chamadas linhas de ancoragem são os elementos físicos que ligam o casco ao leito marinho,
acoplando sua extremidade inferior a uma âncora. No presente trabalho, falaremos apenas de
linhas dispostas em taut leg, não abordando as catenárias a fundo. Optamos por essa abordagem
pois as unidades estudadas são todas ancoradas em taut leg. No entanto é importante saber que
as catenárias têm geralmente grandes comprimentos e formam raios de ancoragem maiores.
Num arranjo em taut leg, as linhas de ancoragem são retesadas, permitindo menores raios de
ancoragem em comparação à catenária, como pode ser visto na Figura 2.2. Para maiores
informações sobre linhas em catenária, recomenda-se a leitura da Referência [4].
Figura 2.2 - Linha em catenária (A) x Linha em taut leg (B)
Dependendo dos parâmetros de projeto, uma linha pode ser composta por diversos elementos,
sendo que para unidades em taut leg ela geralmente é composta por um conjunto intercalado de
amarras (segmentos de corrente de aço) e cabos de poliéster. Este último possui maior
flexibilidade axial e menor peso por unidade de comprimento do que a primeira, enquanto
ambos possuem a mesma carga de ruptura nominal. Desse modo pode-se reduzir o peso das
linhas de ancoragem sem modificar os limites de tração do sistema, o que se mostra uma grande
vantagem no Pré-sal visto que a exploração deste envolve grandes lâminas d’água (o peso da
linha aumenta com a profundidade devido a seu maior comprimento). Quando há mais de uma
seção de poliéster no conjunto, a amarra intermediária entre dois poliésteres é chamada amarra
espaçadora. Ao passo que a profundidade aumenta, aumenta-se também a quantidade de
componentes de amarras separadoras e cabos de poliéster no arranjo da linha.
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Figura 2.3 - Exemplo de arranjo de uma linha de ancoragem
Figura 2.4 - Detalhe do acoplamento entre amarra e cabo de poliéster
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A ancoragem de uma UEP está intrinsecamente ligada ao conjunto de risers conectados à
unidade. Esses equipamentos serão melhor abordados na próxima seção, mas a essa altura do
texto é importante saber apenas que eles também se conectam ao leito marinho e são cruciais
para a operação, além de possuírem valor agregado muito alto. O arranjo de ancoragem deve
sempre se dar de modo a preservar a integridade dos risers ao minimizar o efeito das cargas
ambientais, isto é, evitando que as tensões geradas – principalmente – pela movimentação da
unidade sejam transmitidas aos risers de forma crítica. Desse modo, a ancoragem é projetada
com a intenção de limitar a amplitude dos movimentos da UEP no plano da linha d’água
(conhecido como “passeio” da embarcação), recebendo a tensão antes que esta possa ser
transmitida aos risers. Com o aumento da profundidade e maior severidade das condições
ambientais, os projetos de ancoragem tendem a apresentar um número maior de linhas.
A Figura 2.5 mostra um exemplo de arranjo de ancoragem de uma UEP. É possível perceber que
as linhas de ancoragem (amarelas) ficam tracionadas para permitir que as linhas de risers
(multicoloridas, ao centro) percebam o mínimo possível dos movimentos da UEP, mantendo-se
em sua posição padrão de operação. Fazendo um breve exercício, supondo que haja uma carga
ambiental resultante atuando na plataforma deslocando-a para leste, o conjunto de linhas irá
responder de modo a gerar uma resultante a oeste, opositiva e restauradora.
Figura 2.5 - Exemplo de interação ancoragem-risers
Existem diversos tipos de âncoras e arranjos diferentes dos elementos submersos, mas que não
serão abordadas nesse trabalho. Nossa proposta é mais ligada às tecnologias relacionadas aos
FPSOs e menos aos arranjos e inúmeras possibilidades existentes no mundo da engenharia de
ancoragem e subsea. Entretanto, é válido mencionar que a maioria dos FPSOs instalados no Pré-
sal faz uso de âncoras do tipo estaca torpedo. Elas são utilizadas pois, além de sua capacidade de
resistir a forças horizontais, possuem também resistência vertical, fundamental para viabilizar o
arranjo em taut leg. Por apresentar linhas retesadas, o arranjo acaba gerando componentes de
forças verticais atuando na âncora, que precisam ser vencidas para que ela não tenda a se
desenterrar.
A seguir, discutiremos sobre a extremidade emersa da ancoragem e seus arranjos mais comuns
nas plantas dos FPSOs.
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2.2.1 Spread Mooring
Spread Mooring, do inglês, ancoragem espalhada ou em pontos múltiplos. Consiste em distribuir
as linhas de amarração em vários pontos diferentes do FPSO. Geralmente são usadas estações de
ancoragem, localizadas nos extremos de ré e vante do casco e em ambos os bordos, sendo eles
Proa-Bombordo, Proa-Boreste, Popa-Bombordo, Popa-Boreste, como ilustrado na Figura 2.6. As
linhas se distribuem em grupos, tendo a quantidade de componentes por grupo definida por
parâmetros de projeto.
Figura 2.6 - Esquema de ancoragem em Spread Mooring
Uma característica marcante da maioria dos arranjos em spread mooring é que travam o FPSO
em aproamento fixo. O ângulo de aproamento fixo é definido ainda na etapa de projeto, onde se
faz uso de bancos de dados de estudos meteorológicos e oceanográficos (metocean) da região
onde irá operar para identificar as ondas mais críticas (decenária, centenária, milenar; a depender
do critério adotado) para análise de resistência estrutural, e a onda de maior frequência (anual),
para análise de fadiga. A plataforma é então alinhada com a onda de forma que a viga-navio
possa trabalhar integralmente, aproveitando toda a extensão de sua estrutura para resistir e
superar as cargas ambientais máxima e mais frequente recebidas.
12
No entanto, existem outras soluções que utilizam o arranjo em spread mooring sem
necessariamente fixar seu aproamento, como é o caso do DICAS (Differentiated Compliance
Anchoring System - Sistema de Ancoragem com Complacência Diferenciada), desenvolvido pela
PETROBRAS [16]. Consiste em dimensionar rigidez diferente para as linhas de ancoragem da
proa e da popa, garantindo ainda alguma complacência rotacional de acordo com as cargas
ambientais predominantes.
A conexão da amarra superior com o casco é feita através de um dispositivo conhecido como
chain stopper, instalado geralmente no convés principal. Ele consiste num sistema mordente que
permite que os elos da amarra corram axialmente em uma direção, mas sejam travados ao tentar
se deslocar na direção oposta à permitida. Para cada linha de ancoragem existe um chain stopper
para travá-la. A Figura 2.7 apresenta o dispositivo e ilustra o travamento mencionado.
Figura 2.7 - Esquema evidenciando funcionamento do chain stopper
Entretanto, os chain stoppers tradicionais só conseguem receber uma amarra que vem
verticalmente de baixo para cima, ao passo que esta tende a variar o ângulo de contato devido
aos movimentos relativos da unidade. Conectar diretamente a ancoragem no chain stopper
geraria esforços não axiais que sobrecarregariam o dispositivo, a amarra e a estrutura do convés,
comprometendo a integridade local e aumentando o risco de rompimento.1
Para solucionar esse problema, fairleads são instalados ainda na fase de conversão do FPSO para
direcionar cada amarra paralelamente ao seu costado, isto é, de forma adequada para o
acoplamento com cada devido chain stopper. Esses sistemas, pelos quais as amarras
provenientes do fundo passam, consistem em roletes articulados tanto horizontal quanto
verticalmente, o que garante a flexibilidade necessária no ponto de contato para responder bem
aos movimentos relativos da unidade. A Figura 2.8 ilustra o mecanismo e o contato com a
amarra.
1 Existem soluções de chain stopper que têm flexibilidade angular atuando junto a um sistema de rótulas, podendo
se acoplar a amarras não verticais, mas estes ainda são pouco difundidos devido a maior demanda por manutenção.
13
Figura 2.8 - Mecanismo do fairlead
Para içar e tracionar amarras, geralmente um grande macaco hidráulico vertical é instalado em
cada estação de ancoragem do FPSO. Este elemento, conhecido como chain jack, deve ser capaz
de tracionar grandes cargas axiais até que cada amarra atinja a tração especificada no projeto,
medida através de células de carga instaladas em cada chain stopper. Ao passo que o macaco
traciona as linhas, elo por elo, um sistema de calhas direcionadoras despeja as amarra de
instalação num contêiner de armazenamento, conhecido como paiol de amarras.
Cada chain jack dispõe-se sobre um sistema de trilhos que o permite se deslocar horizontalmente
ao longo da fileira de amarras em cada estação de ancoragem. Desta forma, cada macaco
consegue efetuar a operação de determinado número de linhas, evitando que fosse necessário um
macaco exclusivo para cada linha, o que acarretaria em um custo exorbitante de imobilização de
equipamentos para o armador.
A Figura 2.9 ilustra de maneira didática todos os sistemas mencionados até o momento,
peculiares à ancoragem em spread mooring.
14
Figura 2.9 - Conjunto de fairleads, chain stoppers, chain jack e paiol de amarras (sobre trilhos)
2.2.2 Single Point Mooring
Single Point Mooring, do inglês, ancoragem em ponto único. Consiste em concentrar todas as
linhas de ancoragem em determinada região, sendo esta restringida ao corpo de um equipamento
ao qual o FPSO se conecta podendo rotacionar 360 graus em torno dele devido à existência de
rótulas e mancais de rolamento em sua composição. A Figura 2.10 ilustra a disposição das linhas
nesse tipo de ancoragem. Por ser muito pequena em comparação às dimensões do navio, a área
onde as linhas se concentram é considerada como sendo um ponto único.
Apesar de não haver unidades com esse tipo de ancoragem no estudo apresentado no trabalho,
julgamos importante mencioná-la devido aos inúmeros impactos que a utilização desse sistema
pode gerar em questões de arranjo e carregamentos do FPSO. Ainda, caso futuros estudos que
contemplem unidades em single point mooring sejam realizados, este texto poderá ser usado
como base ou referência.
Ao contrário do spread mooring, a característica positiva mais importante de ancoragens em
single point é a complacência com as cargas ambientais, garantida a partir da adição de um eixo
de rotação extra pelo equipamento. Nessa alternativa, é permitido ao navio mudar seu
aproamento de acordo com a combinação ambiental reinante na região, isto é, o navio sempre se
aproará na direção da força resultante ambiental, pois no plano da linha d’água o somatório dos
momentos em relação ao eixo rotacional é igual à zero. Essa maior flexibilidade rotacional
permite ainda que haja uma redução considerável do número de linhas de ancoragem em
comparação com o sistema de aproamento fixo [4].
15
Figura 2.10 - Esquema de ancoragem em Single Point Mooring
Existem algumas concepções diferentes para o elemento rotacional, estando entre elas os
sistemas CALM (Catenary Anchor Leg Mooring) e SALM (Single Anchor Leg Mooring)
contectados ao navio por estrutura treliçada yoke. Essas soluções, no entanto, são pouco
difundidas no cenário brasileiro, direcionando o foco deste trabalho ao sistema de turret.
O turret é o equipamento que serve como ponto fixo de revolução do FPSO. Ele recebe
radialmente em suas extremidades os grupos de linhas de ancoragem, enquanto no centro
conectam-se os risers, como pode ser visto nas Figuras 2.11 e 2.12. Em sua parte superior
encontram-se os sistemas de mancais e rótulas já mencionados, bem como o swivel e sua ligação
com a planta de processo, compondo uma estrutura que pode atingir vários andares de altura.
Dentro do universo dos turrets, podemos classificá-los por tipo, entre as opções externo ou
interno. Diz-se turret externo quando este se encontra fora do casco do navio, estando inclusive
suspenso sobre o plano de flutuação. Essa configuração só é possível devido a uma estrutura
lançada que é adicionada à proa durante a conversão, que serve para comportar o acoplamento
com os elementos do turret e sustentar seu peso, salvando ainda seu espaço de convés original.
Já a versão interna consiste na instalação do sistema ocupando volume dentro do casco,
dispensando a adição da estrutura à proa e protegendo melhor os equipamentos contra o
ambiente adverso, porém consumindo espaço interno que poderia ser utilizado para
armazenamento da produção.
16
Figura 2.11 - FPSO com turret externo
Figura 2.12 - FPSO com turret interno
Há ainda a possibilidade de o turret ser desconectável ou não, tanto a versão externa quanto a
interna. Esta opção costuma ser escolhida em regiões propensas a ocorrência de furacões ou
tsunamis, onde o FPSO poderia se desconectar temporariamente das amarras e risers e buscar
abrigo para proteger os ativos da eventual catástrofe ambiental.
17
2.3 Risers e Umbilicais
Como já mencionado brevemente, risers são trechos suspensos de tubulações que interligam a
UEP a equipamentos de produção subsea, assentados no leito marinho. Trata-se de dutos que
conduzem os fluidos produzidos pelo poço para unidades de produção, sendo portanto cruciais
para a operação. Podem também ser utilizados para interligação de uma unidade a outra, para
injeção ou descarte de fluidos em reservatórios ou para a exportação da produção a terra. Os
risers podem ser flexíveis ou rígidos. Já os umbilicais são mecanismos eletro-hidráulicos
constituídos por um conjunto de mangueiras e cabos elétricos, utilizados para operar
remotamente equipamentos e válvulas submarinas, injetar produtos químicos e monitorar
parâmetros operacionais de poços, como temperatura e pressão [5]. As Figuras 2.13 e 2.14
expõem os elementos mencionados.
Figura 2.13 - Riser e suas tecnologias
Figura 2.14 - Umbilical e suas tecnologias
18
Por lidarem com o transporte de fluxos de fluidos ricos em hidrocarbonetos, podemos dizer que
o riser é o coração da operação offshore. Eles são os maiores responsáveis por concluir o
objetivo principal do investimento, que é a retirada de óleo e gás dos reservatórios. O alto risco
ambiental inerente à produção influencia o desenvolvimento contínuo de tecnologias e inovações
aos risers, fazendo com que seu valor agregado seja cada vez maior, acompanhado de alto custo.
Portanto, é duplamente interessante para o projeto de uma UEP que a integridade desses
elementos seja garantida, demandando muita atenção durante a engenharia e projeto da
ancoragem, como já mencionado no texto.
Em um FPSO em spread mooring, os risers chegam ao convés através de uma bancada
desenvolvida com acoplamentos próprios para recebê-los. Conhecida como balcão de risers
(riser balcony), geralmente localiza-se à meia nau (para minimizar efeitos de pitch e yaw sobre
as linhas) e debruçada sobre uma plataforma anexa ao costado, podendo ser a boreste ou a
bombordo, dependendo do projeto.
Um guincho de grande capacidade de içamento é instalado para promover as operações de pull-
in (conexão dos risers na plataforma), geralmente sobre trilhos que se estendem pelo
comprimento do balcão de risers, – de forma semelhante aos chain jacks para a ancoragem –
possibilitando atuação na instalação de todos os risers e umbilicais. Quando não é disposto sobre
trilhos, um sistema de roldanas móveis é aplicado para garantir a mesma versatilidade da
primeira solução apresentada.
Figura 2.15 - Riser Balcony no costado de um FPSO (em conversão, sem risers conectados)
Em sistemas que utilizam ancoragem em single point com turret, a base do turret é onde se
concentram os acoplamentos próprios para receber a extremidade dos risers, dispensando o
balcão de risers.
19
Figura 2.16 - Risers acoplados a sistema de turret
Seguindo a proposta de acompanhar o caminho do óleo pelos sistemas, podemos dizer que os
risers são a “porta de entrada” da unidade para os fluidos produzidos. Eles conectam os poços
reservatórios à planta de processamento, onde serão tratados e distribuídos de acordo. Para
fluidos que serão reinjetados ou exportados via tubulações submarinas após o tratamento,
servem também como “porta de saída” da unidade. Ao chegar à unidade, o óleo é conduzido por
dutos rígidos padrão, próprios de unidades fabris convencionais, e se distribui pelos sistemas de
processamento que serão descritos no próximo tópico.
2.4 Planta de Processamento (Topside)
Conhecida em inglês como topside, a planta de processamento recebe o óleo que chega pelos
risers através do balcão de risers, direcionando em seguida o fluxo para o devido tratamento.
Divide-se de forma modular, realizando em seus módulos todas as atividades principais do
processamento, sendo cada um responsável por uma etapa. Concentra grande quantidade de
tubulações, bombas, válvulas, turbinas, separadores e outros equipamentos e acessórios. Ficam
assentados no convés principal do FPSO sobre plataformas pancake, instaladas em cima de
picadeiros especiais do tipo stool ou paliteiro [6], que servem para distribuir o peso dos módulos
pela superfície convés, evitando concentração de carregamentos sobre uma única área.
O óleo chega à unidade pelos risers e se dirige imediatamente a um equipamento conhecido
como manifold de produção, responsável pela coleta de todas as linhas de fluxo e convergência
destas para um único duto. Ao ser extraído dos poços, o fluido chega à plataforma em forma de
mistura pastosa, contendo óleo, gás e água. Portanto, a partir do manifold de produção a pasta
oleosa é conduzida para um módulo de separação primária onde ocorrerá segregação mais
grosseira dos componentes da mistura, que seguirão seu caminho sofrendo tratamentos
diferentes.
20
Figura 2.17 - Módulo sobre pancake sustentado por picadeiros do tipo stools
Figura 2.18 - Separação primária de água-óleo-gás
O óleo é encaminhado para tanques de decantação onde se separa da água, em sua maior parte.
No entanto, ainda resta algum conteúdo de água emulsificada no óleo, de difícil separação, que
deve sofrer tratamento eletrostático para que se desprenda adequadamente, a partir da atuação de
campos elétricos. Em seguida o óleo chega a um separador atmosférico onde o gás se separa do
óleo por pressão, emergindo ou evaporando os últimos componentes leves. O óleo “limpo” é
então bombeado até os tanques de carga do FPSO, onde ficam armazenados.
21
O tratamento da água tem como finalidade recuperar parte do óleo nela presente em emulsão e
condicioná-la para descarte. A água oleosa proveniente dos separadores e tratadores de óleo
segue para um vaso desgaseificador, onde ocorre a separação do gás e encaminhamento deste
para o sistema de queima, através do flare. Em seguida, a água ainda oleosa é encaminhada para
um sistema de hidrociclones, que separam água do óleo a partir da força centrífuga. A água
continua seu caminho para o flotador, onde gás é borbulhado em sua base para que o óleo
remanescente se separe da água, sendo posteriormente recuperado para o processo. A água pode
então ser descartada ao mar por meio de válvulas de overboard.
O gás segue, após a separação primária, para o módulo de tratamento e compressão onde
inicialmente sofre depuração, que consiste em remover óleo contido no gás. Em seguida, se dá o
processo de dessulfurização, removendo o conteúdo de gás carbônico (CO2) e ácido sulfídrico
(H2S), quando presente. Dependendo da proporção de H2S no gás, este deve ser um processo
separado do processo de remoção de CO2, e em alguns casos, deve ser criado um módulo inteiro
para a remoção do ácido sulfídrico do gás. Após dessulfurização, o gás é comprimido e enviado
para desidratação, para que seja removida a água presente em forma de vapor. O gás pode então
ser exportado por gasodutos para terra, reinjetado nos poços para alimentar processos de gas-lift,
ou pode ser usado para geração de energia na própria unidade.
A Figura 2.19 demonstra de forma didática os processos ocorrendo em cada módulo, tanto para
óleo quanto para água e gás.
Figura 2.19 - Fluxograma de processamento da produção no topside
22
Cada planta de processamento tem características diferentes, que vão depender de fatores como
viscosidade do óleo sendo explorado, quantidade de gás presente na composição do poço,
presença de ácido sulfídrico, entre outros, deixando em aberto muitas possibilidades de arranjo e
tratamento. Foi feita neste capítulo apenas uma breve descrição geral dos procedimentos de uma
planta padrão típica do Pré-sal, sem entrar em detalhes mecânicos ou químicos dos sistemas.
2.5 Tanques de Armazenamento
O óleo devidamente tratado é armazenado nos tanques de carga, que são originais do VLCC
convertido ou construídos de acordo com o projeto, no caso de novas construções. No caso dos
convertidos, são reforçados para receber o peso dos módulos do topside, acima deles. O plano de
carregamento é redefinido para se adequar à nova operação como FPSO, sendo comum a
utilização dos antigos tanques de carga centrais do VLCC como novos tanques de lastro no
FPSO.
Como já mencionado, a capacidade de armazenamento garantida pelos tanques de carga é
responsável pela maior vantagem do FPSO sobre outros tipos de plataforma de exploração
offshore. Tais tanques viabilizam o armazenamento de grandes volumes de óleo mantidos em
condições seguras de temperatura e pressão, com sistema de gás inerte para controlar os fumos.
Sistemas de aquecimento de carga são necessários para viabilizar a movimentação do fluido
pelas tubulações, tornando-o menos viscoso.
Tanques de carga possuem ainda sistemas de limpeza e drenagem, reformados durante a
conversão do VLCC antigo, para esvaziamento e limpeza periódica pré-programados. É
importante manter a verificação de elementos estruturais em dia devido a potenciais
necessidades de reparo ao longo da vida útil, para casos de corrosão acentuada, trincas, desgaste
da pintura, deformações etc.
Figura 2.20 - Limpeza de tanque em andamento
23
A capacidade de armazenar carga garante que as operações de offloading do FPSO sejam mais
espaçadas no tempo, permitindo melhor planejamento da logística de navios aliviadores de modo
a minimizar custos. Possuir uma cadeia de offloading consistente é importante, pois desta forma
descarta-se a necessidade de instalação de uma rede de oleodutos para exportação. Esse fato é de
muita importância no cenário do Pré-sal, onde lidamos com lâminas d’água muito extensas, pois
o custo de instalação de oleodutos aumenta exponencialmente com a profundidade.
2.6 Sistemas de Offloading
Trata-se do sistema responsável pelas operações de alívio da carga do FPSO, isto é, transferência
do óleo armazenado para casco de outra embarcação (ou monobóia). Assim como são os risers
de exportação para o gás e as válvulas de overboard para a água produzida, também pode ser
considerado como a “porta de saída” do FPSO para o óleo produzido.
Consiste em uma linha composta por seções de mangotes flexíveis, flutuantes em sua maioria,
que se conectam ao FPSO por uma extremidade e ao navio aliviador pela outra, com o auxílio de
válvulas borboleta especiais. Uma vez conectados, estabelece-se o fluxo de carga entre os dois
cascos.
Figura 2.21 - Transferência de óleo entre FPSO e aliviador
No cenário do Pré-sal brasileiro, os offloadings são realizados com acoplamento pela proa do
navio aliviador, munido de um plugue e um sistema especial de captação de mangotes (Figura
2.22), de acordo com requisitos da maior cliente de óleo e gás do país, a Petrobras. Pelo lado da
plataforma, os mangotes se conectam à válvula presente no carretel de armazenamento.
O carretel pode ser instalado sobre o convés da embarcação ou sobre uma plataforma lançada
para fora dos limites do casco, adicionada à estrutura na fase de conversão. É geralmente um
equipamento muito pesado, obrigando a inclusão de reforços locais onde quer que ele seja
instalado.
24
Figura 2.22 - Sistema de acoplamento pela proa de um navio aliviador
Para se fixar ao aliviador, um cabo naval conhecido como hawser é lançado e amarrado ao
navio. A resultante das forças ambientais deve estar sempre no sentido de afastar o aliviador do
FPSO, de modo a deixar o hawser tracionado durante todo o tempo de conexão. Caso a
resultante ambiental mude a direção no meio da operação e o cabo se afrouxe, uma célula de
carga identifica a perda de tração e automaticamente ativa um sistema de corte do fluxo e
desacoplamento da linha de mangotes/hawser, para que o navio possa se distanciar da
plataforma e evitar a colisão. Todo FPSO em spread mooring no Brasil, por não possuir
capacidade de complacência com as forças da natureza, possui dois terminais de offloading, um
à proa e outro à popa, para que haja flexibilidade de realizar as operações em diferentes
condições ambientais.
Figura 2.23 - Hawser tracionado durante operação de offloading
25
Em geral, elementos de offloading requerem muita atenção quanto à sua manutenção, pois uma
falha implicaria em derramamento de óleo ao mar. A manutenção dos sistemas deve estar
sempre em dia e os procedimentos operacionais devem estar muito bem alinhados com a
tripulação do navio aliviador.
Figura 2.24 - Mangotes de offloading (direita) e hawser (esquerda) armazenados em FPSO
26
3 CONTEXTO REGULAMENTÁRIO APLICADO A UNIDADES FPSO
Uma vez explicadas as peculiaridades do FPSO, faremos uma breve explanação sobre o contexto
regulamentário das embarcações, introduzindo os órgãos e entidades existentes bem como os
regulamentos estabelecidos para uma operação considerada ótima.
Iniciaremos a contextualização retornando a Londres do século XVII, época de grandes
navegações para o Oriente (navios à vela), quando o comércio era quase que exclusivamente
relacionado à navegação. Como não havia padrões de referência ou registro histórico confiável
para selecionar um navio para viagem, o processo de decisão para contratação de um navio era
muito caro e assumia altos riscos. Os contratantes da carga buscavam então firmar contratos de
seguro com os bancos para garantir retorno financeiro em caso de algum desastre durante a
viagem. Dessa forma, os bancos passaram a se questionar sobre quais navios apresentavam
maior ou menor risco de obter êxito na missão, para poder dessa forma regular o valor das
apólices de seguro a serem cobrados do contratante da carga. Eles encontravam essas respostas
em um estabelecimento próximo ao porto de Southampton, o Lloyd’s Coffee House. [8]
Diz a história que nesse bar fazia-se o registro e rankeamento das embarcações que atracavam
no porto. Esse rankeamento era feito pelos capitães dos navios e classificava o casco e os
equipamentos a bordo de acordo com seu estado de conservação e qualidade. Além disso,
obtinham melhor colocação os navios que entregavam toda a carga no menor espaço de tempo.
Com o passar dos anos e adentrando o século XVIII, os rankings vão ficando mais técnicos,
surgindo regras e normas desenvolvidas para aplicação na construção e manutenção dos navios,
sendo cada vez mais sofisticadas e baseadas na experiência dos estudiosos. Assim, os bancos
passaram a delegar a tarefa de avaliação dos navios para entidades independentes que vinham
surgindo, não vinculadas ao governo e sem fins lucrativos – era a origem das Classificadoras.
Em 1760 surge a primeira Sociedade Classificadora, a Lloyd’s Register (Inglaterra). Outras
como Det Norske Veritas (Noruega), Bureau Veritas (Bélgica), Germanischer Lloyd
(Alemanha), American Bureau of Shipping (Estados Unidos) e Nippon Kaiji Kyokai (Japão)
surgem a partir de 1800. [8]
Apesar dos esforços para agregar conhecimento técnico à construção e manutenção de navios, a
navegação em si seguiu sem uma legislação internacional bem definida. Em plena Revolução
Industrial, tratados chegaram a ser estabelecidos entre países para facilitação do comércio e
tráfego de bens, porém estes não eram suficientemente abrangentes. O naufrágio do Titanic em
1912 levantou muitas questões sobre a segurança na navegação e em 1914 ocorreu a primeira
convenção internacional para discutir a salvaguarda da vida no mar, que resultou numa versão
primitiva do que conhecemos hoje como a Convenção SOLAS (Safety of Life at Sea).
Em 1945, ao término da Segunda Guerra Mundial, o clima de cooperação global encadeia no
advento da ONU – Organização das Nações Unidas – e posteriormente, na Conferência de
Genebra de 1948, da IMO – International Maritime Organization. Junto da criação da IMO, no
mesmo ano ocorreu a primeira publicação da Convenção SOLAS (terceira revisão da versão
anterior, originada em 1914. Foi revista mais duas vezes até sua emissão atualmente vigente,
datada de 1974). Em 1958 a IMO ganha vigência internacional.
27
Figura 3.1 - Semelhanças nos logotipos da ONU e IMO
A IMO é uma agência especializada da ONU que tem o objetivo de promover o transporte
marítimo seguro, protegido, sustentável e eficiente sobre oceanos cada vez mais limpos. Isso é
atingido através da adoção dos mais altos padrões e normas de segurança marítima, eficiência da
navegação e controle e prevenção da poluição marinha por navios e unidades marítimas [9]. É
composta hoje por mais de 170 estados membros, que assinam seus termos e ratificam suas
publicações. O Brasil tornou-se estado membro da IMO em 1963, internalizando as normas,
padrões e recomendações internacionais em suas leis marítimas nacionais, as NORMAM’s
(Normas da Autoridade Marítima).
A IMO se dedica à publicação e revisão de Convenções e Códigos para garantir o cumprimento
de seu objetivo como agência, divulgando os padrões e normas a serem cumpridos, bem como
melhorias no modo de operar dos diversos tipos de embarcações e unidades à medida que novos
problemas se apresentam. Existem ainda Resoluções publicadas posteriormente para
complementar ou inserir adendos às Convenções e Códigos, sendo numerosas e tratando dos
mais variados escopos. Dentre as diversas publicações da IMO, destacam-se como as mais
importantes e aplicáveis a FPSOs:
Convenções:
- SOLAS – Safety of life at Sea: Salvaguarda da Vida Humana no Mar;
- MARPOL – Maritime Pollution: Prevenção da Poluição Marítima;
- BORDA LIVRE – Convention on Load Lines: Linhas de carregamento e
reservas de flutuabilidade (marcas de borda livre), resistência e integridade
estrutural e estanque, garantia de estabilidade intacta e em avaria;
- STCW – Standards of Training, Certification, and Watchkeeping for Seafarers:
Treinamento e Certificação da Tripulação;
- COLREG – Regullations for Prevention of Collisions at Sea: Regras para evitar
o abalroamento no mar (colisões em tráfego);
Códigos:
- MODU Code - Mobile Offshore Drilling Unit: Código para Construção e
Aparelhamento de Unidades Móveis de Perfuração Marítima;
- LSA Code – Life Saving Appliances: Código Internacional de Dispositivos Salva-
Vidas;
- ISM Code – International Safety Management: Código Internacional para o
Gerenciamento da Operação Segura de Navios e para a Prevenção da Poluição;
- ISPS Code – International Ship and Port Facility Security: Código Internacional
para a Proteção de Navios e Instalações Portuárias.
28
Figura 3.2 - Esquema simplificado da organização entre agentes regulamentários
São ditos estatutários todos os códigos e convenções internacionais publicados pela IMO. Cada
uma dessas publicações recomenda diferentes normas e padrões a serem adotados e todas as
embarcações vinculadas a estados membros devem estar em conformidade com tais requisitos
estatutários para poderem operar. Não cabe ao escopo do presente trabalho entrar nos detalhes de
cada publicação, pois cada uma delas é bastante abrangente. Para o momento, basta saber que
elas existem e qual sua importância, dentro de cada valência.
Por outro lado, ao longo dos quase dois séculos que separam o surgimento da primeira sociedade
classificadora do advento da IMO, diversas regras e normas técnicas foram desenvolvidas para o
projeto, construção e manutenção de embarcações, sendo porém criadas de forma individual de
acordo com a experiência de cada classificadora. Elas passam a se adequar às publicações da
IMO uma vez que esta ganha vigência internacional. Toda classificadora têm como missão
principal promover a segurança da vida, da propriedade e do meio ambiente.
Em 1968, surge a IACS (International Association of Classification Societies), uma organização
internacional não governamental de sociedades classificadoras criada para unificar as
interpretações das diversas normas técnicas existentes, bem como para estabelecer o background
técnico e requisitos mínimos comuns às regras de todas as entidades membro [10]. Estas se
diferenciam e competem entre si por contratos de acordo com fatores econômicos e/ou técnicos,
que vão além dos requisitos mínimos definidos pela IACS. A IMO passa então a ter o suporte da
IACS no que diz respeito a questões técnicas.
29
Figura 3.3 - Linha do Tempo
Para cumprir com os requisitos estatutários e de classificação – seja na fase de projeto,
construção, manutenção/operação de uma embarcação – e, consequentemente, garantir a
segurança da vida, da propriedade e do meio ambiente, um extenso programa de vistorias e
inspeções é sugerido e posto em prática por diversas autoridades pertinentes. Além da sociedade
classificadora, o armador deve lidar ainda com outras duas autoridades de escopo estatutário,
vinculadas a Estados, sendo um referente ao registro e administração do ativo, e outro às águas
onde ele irá operar.
Segundo o SOLAS, Parte A, Capítulo 1, Regulamento 2 (b), Administração significa o Governo
do Estado cuja bandeira o navio está autorizado a arvorar. O Estado de Bandeira é definido
como sendo o Estado sob cujas leis um navio comercial está registrado ou licenciado, e, uma vez
registrado, torna-se sujeito à legislação nacional do Estado em questão. Qualquer Estado
membro da IMO pode ser um Estado de Bandeira, ainda que não possua qualquer fronteira
marítima em seu território. [11]
A Autoridade Local é definida pelo Estado onde um determinado navio pretende operar. Uma
vez dentro das águas territoriais de um Estado que seja diferente da Administração, o operador
se depara com essas duas legislações nacionais diferentes, onde ambas devem ser cumpridas.
Essa situação, no entanto, não costuma ser um problema uma vez que a Autoridade Local seja
também membro da IMO, pois estarão internalizadas em suas leis nacionais todas as convenções
e códigos internacionais aplicáveis. Dessa forma, grande parte das normas a serem cumpridas
será comum aos dois Estados. No entanto, onde houver discordância entre essas regras,
prevalecerá a legislação que for mais restritiva. Se um armador mantiver seu navio em
conformidade com as publicações da IMO, grandes serão as chances de ele estar cumprindo
também com os requisitos dos dois Estados em questão.
É importante reforçar que o armador/operador é o único responsável pela manutenção adequada
do navio (estrutura, equipamentos, sistemas etc.), e pelo cumprimento das normas vigentes. O
vistoriador apenas atesta que, no momento da verificação, os elementos vistoriados foram
encontrados de acordo com os requisitos das regras.
30
3.1 Administração do Estado de Bandeira
Segundo convenção da ONU, a Administração deve estabelecer os requisitos mínimos
necessários para a atribuição da sua nacionalidade e registro em seu território aos navios
candidatos. Também devem exercer efetivamente sua jurisdição e controle acerca de questões
administrativas, técnicas e sociais sobre todos os navios de sua frota e seus respectivos capitães,
oficiais e tripulação.
Para facilidade de comunicação, a partir deste ponto do trabalho será usado apenas o termo
“Bandeira” para se referir aos Estados de Bandeira.
A Bandeira é responsável ainda por emitir toda a certificação pertinente relacionada às
publicações da IMO que ratifica e deve tomar as medidas necessárias para garantir a segurança
no mar de acordo com as convenções e códigos internacionais. Tais medidas devem incluir as
ações necessárias para se assegurar que:
Cada navio seja examinado, antes e depois de seu registro, por um inspetor naval
devidamente qualificado e certificado, a intervalos regulares apropriados definidos por
cada administração de Bandeira;
Cada navio possua a bordo as cartas, publicações marítimas, livros de registro e
instrumentos apropriados para garantir a segurança da navegação/operação;
Cada navio esteja confiado a um capitão e oficiais devidamente qualificados e
certificados por escolas reconhecidas pela administração de Bandeira, bem como possua
número de tripulantes apropriados para o tipo e tamanho do navio;
Os capitães, oficiais e tripulação conheçam perfeitamente os regulamentos internacionais
aplicáveis ao gerenciamento da segurança, prevenção da poluição e prevenção de
abalroamentos, estando sempre a par dos devidos treinamentos e procedimentos
previstos.
A Administração deve possuir infraestrutura suficiente, em termos de pessoal, escritórios e
equipamentos qualificados e competentes, para garantir o cumprimento de suas obrigações de
acordo com os tratados internacionais. Para arcar com essa responsabilidade, as Bandeiras
podem adotar diversas estratégias, sendo dentre elas mais popular a medida de delegar funções a
sociedades classificadoras. De acordo com a Resolução A.739 da IMO, as Bandeiras devem
estabelecer controles adequados sobre organizações (como as classificadoras) nomeadas para
realizar vistorias e emitir certificados em seu nome, devendo para tal possuir recursos adequados
para essas tarefas administrativas, como sistemas consolidados de verificação/acompanhamento
de atividades e adequação do trabalho. A delegação de funções de vistoria e emissão de
certificados deve ser restrita a organismos internacionalmente reconhecidos, como os membros
da IACS.
Atendendo a prazos estabelecidos nas convenções e códigos da IMO, a frequência das inspeções
de Bandeira é anual. Geralmente toma-se como referência a data de registro da embarcação sob
o Estado de Bandeira, conhecida como “data de aniversário”. A inspeção pode ser efetuada
dentro de uma janela de três meses antes até três meses após a data de aniversário.
31
Ao ser realizada uma inspeção, a Administração deve emitir um Relatório de Inspeção onde
constam todas as observações que julgar pertinentes, de acordo com os padrões estabelecidos
pelo Estado em questão. Dentre elas, estarão presentes as anotações sobre quaisquer deficiências
encontradas, juntamente a algum código de referência à norma que descumpre e acompanhadas
do prazo concedido ao operador para que a reverta. Extensões de prazo podem ser solicitadas
pelo armador se houver argumentos bem fundamentados para justificar a impossibilidade de
solução dentro do prazo inicialmente estipulado, porém não há garantia de que a Administração
irá concedê-las.
Figura 3.4 - Exemplo de relatos de deficiências de Bandeira
Do ponto de vista do armador, ao escolher um Estado para registrar sua embarcação, ele pode
optar por uma Bandeira cuja Administração siga padrões uniformes e restritos, em plena
conformidade com as exigências internacionais, o que teoricamente agrega valor e qualidade na
operação de sua frota. No entanto, nada impede que excelentes padrões de qualidade sejam
alcançados por Bandeiras menos exigentes, ao passo que a qualidade não é garantida pura e
simplesmente por adotar uma Administração mais restritiva. Em termos práticos, a postura do
operador de se manter em conformidade ou não é o que irá ditar se a operação de fato é segura e
de qualidade.
Por outro lado, o fator econômico atua de forma decisiva para os armadores, o que justifica a
adoção das chamadas Bandeiras de Conveniência. Esse termo é usado para descrever a prática
empresarial de registrar uma embarcação em um Estado soberano diferente do qual o
proprietário do ativo é originário. A redução dos custos operacionais e menor burocracia são os
maiores atrativos para a escolha de uma Bandeira de Conveniência. Países como Panamá,
Libéria e Ilhas Marshall são as escolhas favoritas para Bandeira, pois garantem incentivos de
ordem fiscal, oferecem facilidade de registro, não impõem vínculo entre o Estado de registro e o
navio, permitem a contratação de tripulações não nacionais, entre outros atrativos para os cofres
do armador. Juntos, esses três países concentram os registros de quase 42% da frota mundial
[11].
32
Figura 3.5 - Maiores frotas em Arqueação Bruta de Estados de Bandeira (2012)
Caso seja do desejo do armador, é possível mudar de Administração ao longo da vida útil do
navio, através de uma transferência de registro. No entanto, cabe ao novo Estado de registro
aceitar ou não o navio membro de outra Bandeira anterior, de acordo com seus requisitos
mínimos. A Administração anterior tem, por definição em estatuto internacional, a obrigação de
passar todas as informações existentes para a avaliação da nova Bandeira.
3.2 Autoridade Costeira Local
Até o presente momento, os termos “navio” e “embarcação” foram amplamente utilizados dentro
do escopo deste capítulo para se referir à propriedade do armador. Eles abrangem todos os tipos
de corpos flutuantes passíveis de classificação e regulamentação, incluindo as unidades
estacionárias. No entanto, as plataformas apresentam a particularidade de lidar apenas com uma
única Autoridade Costeira Local durante toda sua vida útil, podendo ser considerado uma
vantagem sobre os navios mercantes, que em cada porto estrangeiro onde atracam estarão
lidando com leis nacionais diferentes.
Dado o tema proposto para o trabalho, focaremos nossas atenções no Brasil como Autoridade
Costeira Local. A moldura legal do país baseia-se em leis e decretos sancionados pelo poder
público federal, das quais se destacam no escopo marítimo a Lei de Segurança do Tráfego
Aquaviário em Águas sob Jurisdição Nacional (LESTA) [12] e o Regulamento de Segurança do
Tráfego Aquaviário em Águas sob Jurisdição Nacional (RLESTA) [13].
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A partir dessas sanções, define-se que a Autoridade Marítima Brasileira é exercida pelo
Ministério da Marinha (ou seja, a Marinha do Brasil) e que a ela cabe promover a execução das
leis e a elaboração de normas para uma série de temas relacionados, que consequentemente vêm
a ser as Normas da Autoridade Marítima (NORMAMs), refletindo a legislação internacional
ratificada pelo estado. A Marinha se divide em diversas organizações militares dentre as quais se
encontra a Diretoria dos Portos e Costas (DPC), sendo esta responsável pela formulação e
atualização das NORMAMs, e pelo gerenciamento de vistorias e inspeções de navios nacionais
ou estrangeiros, dentre outras atividades relacionadas à segurança do tráfego aquaviário.
As NORMAMs são verificadas somente para embarcações e plataformas autorizadas a operar
em Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB). A NORMAM 04 contém as normas aplicáveis a
plataformas de Bandeira estrangeira em AJB, definindo toda a certificação relativa a operações e
perícias aplicáveis. Antes da chegada, o armador deverá solicitar autorização para operar em
AJB por meio de requerimento à DPC e agendar uma perícia técnica inicial. Essa perícia inclui a
verificação das condições materiais da unidade, dos equipamentos, da habilitação da tripulação,
da documentação exigida pela legislação brasileira aplicável e por convenções internacionais
ratificadas pelo governo brasileiro e para estabelecimento do Cartão de Tripulação de Segurança
(CTS).
Caso a perícia técnica não apresente deficiências, será emitido um Atestado de Inscrição
Temporária (AIT) de embarcação estrangeira. A validade do AIT é igual ou menor à validade do
contrato de afretamento. Para o caso de plataformas, anualmente deve ser realizada uma perícia
técnica específica que irá garantir, na ausência de deficiências, um documento intitulado
Declaração de Conformidade para Operação de Plataforma, que tem validade de um ano a partir
da data de emissão. Os requisitos para uma embarcação operar em AJB estão detalhados no
Capítulo 2, Seção I da NORMAM 04.
Caso surjam deficiências durante a perícia técnica que não representem risco à plataforma,
poderá ser emitida uma Declaração Provisória para Operação de Plataforma. Uma lista contendo
as deficiências encontradas e os prazos para saná-las deve estar anexa ao relatório da perícia. O
armador terá, no máximo, 90 dias de validade para a declaração provisória. Após a retirada das
deficiências, será emitida nova Declaração de Conformidade, datada de acordo com a perícia
original onde foram levantados tais itens.
A lei brasileira nos dá definições parecidas para os termos “inspeção” e “vistoria”, mas que
apresentam uma singela diferença. No site da DPC [14] podemos encontrar a seguinte
explicação para cada um deles:
A. “O que é Vistoria Naval?
É uma Perícia Técnica que visa a verificação do cumprimento, por parte da embarcação
vistoriada, dos requisitos pertinentes de segurança da navegação, salvaguarda da vida
humana no mar e prevenção da poluição ambiental preconizados nas Normas da Autoridade
Marítima (NORMAM) e nas Convenções e Códigos Internacionais, emitindo-se, em
consequência, os certificados ou atestados correspondentes. É uma ação programada e
acertada entre o Armador ou seu representante e o Agente da Autoridade Marítima, com o
propósito de manter a embarcação com a documentação legal exigida”.