MARCOS AURÉLIO COSTA DE LIMA INFILTRAÇÃO POLICIAL: pensando um modelo Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador: Prof.Ricardo Luiz Guimarães de Azevedo Rio de Janeiro 2013
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Transcript
MARCOS AURÉLIO COSTA DE LIMA
INFILTRAÇÃO POLICIAL:
pensando um modelo
Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia
apresentada ao Departamento de Estudos da Escola
Superior de Guerra como requisito à obtenção do
diploma do Curso de Altos Estudos de Política e
Estratégia.
Orientador: Prof.Ricardo Luiz Guimarães de Azevedo
Rio de Janeiro
2013
C2013 ESG
Este trabalho, nos termos de
legislação que resguarda os direitos autorais,
é considerado propriedade da ESCOLA
SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitida
a transcrição parcial de textos do trabalho, ou
mencioná-los, para comentários e citações,
desde que sem propósitos comerciais e que
seja feita a referência bibliográfica completa.
Os conceitos expressos neste
trabalho são de responsabilidade do autor e
não expressam qualquer orientação
institucional da ESG
____________________________
Assinatura do autor
Biblioteca General Cordeiro de Farias
Lima, Marcos Aurélio Costa de Infiltração Policial: pensando um modelo / Marcos Aurélio Costa de Lima de Rio Rio de Janeiro : ESG,2013.
53 f.: il. Orientador: Professor Ricardo Luiz Guimarães de Azevedo
Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao Departamento de de
Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE),2013.
Aos meus pais, filhos e esposa, agradeço o simples fato de existirem.
RESUMO
Com o aumento da criminalidade transnacional, a comunidade internacional voltou suas atenções para a busca de mecanismos mais eficientes de investigação. Nesse contexto, a infiltração, estratagema usado desde a antiguidade no âmbito militar, ganha importância como meio excepcional de investigação criminal, sendo regulamentada em vários países da Europa Ocidental. No Brasil, apesar dos compromissos firmados no campo internacional, a infiltração é usada com bastante parcimônia. Esse trabalho intenciona buscar os motivos do seu pouco uso pelo Departamento de Polícia Federal. Para tanto, passaremos pela origem do instituto, o tratamento legal dado em outros países, a forma como foi inserida no Direito Brasileiro e a estrutura do DPF para lidar com meio de investigação tão complexo, inclusive ouvindo aqueles policiais que infiltraram ou coordenaram trabalhos em que a infiltração foi usada.
Vemos que o conceito formulado por Rubio reúne características fundamentais a
uma infiltração compatível com um regime democrático. A primeira a ser destacada é a
condição de policial do infiltrado. Mas não um policial qualquer. Um profissional
especialmente selecionado que detenha condições pessoais que contribuam para o
sucesso da missão e, fundamentalmente, para salvaguarda dos direitos dos investigados
e de terceiros, bem como para a segurança do próprio agente infiltrado.
A identidade falsa também é fundamental para uma correta definição, embora
possamos ter exceções, conforme veremos. A simples ocultação da condição de policial,
sem a assunção de outra identidade, não é suficiente à caracterização da infiltração
profunda (deep cover) aqui tratada.
A atuação passiva referida por Rubio denota que o infiltrado não tem carta branca
para delinqüir. É evidente que a complexidade da operação pode levar o policial a ter a
necessidade de cometer um crime, mas sua função é, inicialmente, a obtenção de
informações privilegiadas que possam dirigir outras diligências ao êxito. Não pode o
infiltrado, portanto, fazer surgir na cabeça do investigado a vontade de delinqüir.
Caso haja a incontornável necessidade de delinqüir, o Direito Penal oferece
soluções para a não penalização do infiltrado, não constituindo proposta deste trabalho se
aprofundar na natureza jurídica desta não responsabilização penal (atipicidade, exclusão
de ilicitude, exclusão de culpabilidade ou excusa absolutória).
Por fim, vemos que o autor espanhol também enxerga na infiltração um caráter
subsidiário, devendo ser utilizada apenas quando outros meios tenham falhado ou se
apresentem inúteis.
Acrescentaríamos ao conceito a voluntariedade do trabalho infiltrado.
Entendemos que o trabalho infiltrado deve ser sempre espontâneo, podendo o policial se
recusar a realizar a ação sem que qualquer sanção administrativa lhe seja imposta. Assim
pensamos porque a infiltração pode se revestir de riscos que superam aqueles que o
policial tem por obrigação arrostar.
Assinalamos, ainda, que ao nosso sentir a decisão por realizar a infiltração deve
ficar a cargo da instituição policial, não podendo o Ministério Público requisitar a medida.
14
Isso porque apenas a Polícia reúne condições para aferir se há possibilidade de
implementar a ação com segurança e eficácia, dispondo das condições logísticas para
fornecer os meios necessários à diminuição dos riscos e, claro, se possui um homem com
as qualidades exigíveis de um infiltrado.
A negativa do órgão policial deve, evidentemente, ser devidamente
fundamentada para que possa ser sindicada pelos órgãos de controle. A infiltração,
assentamos mais uma vez, é um meio excepcional de obtenção de prova e essa
extraordinariedade tem várias implicações. Assim, a obrigatória observância da requisição
ministerial pela autoridade policial sofre, aqui, uma mitigação como conseqüência da
especificidade da ação encoberta5.
De uma certa forma, a transformação da requisição ministerial em simples
requerimento que poderá ser desatendido, decorre da possibilidade do policial se negar a
realizar o trabalho infiltrado, sendo a voluntariedade um traço marcante da infiltração.
Do exposto, podemos sintetizar as seguintes características da infiltração policial:
- medida implementada pela polícia judiciária;
- atuação sob falsa identidade;
- atuação, em regra, passiva;
- medida sujeita à autorização prévia do judiciário;
-caráter subsidiário (cabível quando outras medidas falham ou se apresentam
inúteis); e
- voluntariedade do infiltrado.
5 Em interessante artigo intitulado Investigação Preliminar, Polícia Judiciária e Autonomia, assim
se manifestam Luiz Flávio Gomes e Fábio Scliar pela possibilidade da autoridade policial não atender à requisição ministerial: “A possibilidade de o membro do parquet requisitar diligências é limitada pela necessidade de fundamentação de suas manifestações e pela ampla discricionariedade que tem o delegado de polícia na condução do apuratório, tendo plena autonomia técnica e tática na direção da investigação, podendo, por isso mesmo, rejeitar, sempre fundamentadamente, requisições impertinentes, desarrazoadas ou apresentadas a destempo”.
15
2.3 A INFILTRAÇÃO EM ALGUNS PAÍSES
Para que possamos bem entender o modelo de infiltração engendrado no Brasil,
se apresenta conveniente que olhemos os sistemas adotados na Alemanha e Espanha,
modelos que serviram de norte a várias legislações que a seguiram.
Aqui cabe uma observação acerca da infiltração nos Estados Unidos. Embora
seja, por razões óbvias, o primeiro modelo que nos vem à mente quando o assunto é
agente encoberto, optamos por passar ao largo do padrão americano em razão das
fundamentais diferenças existentes entre o sistema jurídico dos Estados Unidos - de
tradição anglo-saxã e com uma grande autonomia dos estados, havendo não um, mas
uma plêiade de atos normativos acerca da infiltração – e o sistema romano-germânico a
que o Brasil se alia, onde temos, também, exclusividade da União para legislar sobre
processo penal.
Veremos, então, o exitoso modelo adotado pela Alemanha, inspirador de outros
modelos europeus, e o modelo espanhol, certamente um dos melhores, tido por muitos
como um aperfeiçoamento do sistema germânico.
2.3.1 A infiltração na Alemanha
A infiltração policial foi introduzida na Alemanha pela lei de combate ao tráfico
ilícito de drogas e outras formas de aparição da criminalidade organizada, que alterou o
código de processo penal alemão (StrafprozessOrdnung-StPO).
O modelo germânico optou pela exclusividade da polícia para a realização do
trabalho de infiltração, não sendo a medida passível de ser realizada por militares ou
particulares, conforme taxativa previsão do artigo §110a(2) do StPO. A medida também
deverá ser autorizada por um tempo determinado, nas hipóteses em que a solução por
outra via se apresente impossível ou sumamente dificultoso, o que denota o caráter
subsidiário da medida.
O legislador alemão autorizou a confecção, modificação e utilização dos
documentos que se façam necessários à manutenção da falsa identidade do policial
encoberto. A autorização do artigo §110a(3) do código processual penal germânico não
16
detalha, entretanto, quais os documentos alcançados pela autorização legal, tarefa que
coube à doutrina. Segundo Fabrício Guariglia6, são documentos para efeito deste
dispositivo todo aquele comumente utilizado como identidade ou habilitação para dirigir,
excluída, porém, a possibilidade de alterar livros públicos.
O trabalho infiltrado não pode ser usado para apurar todo e qualquer delito. Na
Alemanha, o StPO firmou um flexível rol de crimes onde a medida é possível, lançando
mão de mecanismos que permitem sua utilização em uma vasta gama de delitos. São
esses os pressupostos para a utilização do agente encoberto na Alemanha:
- a prática ou suspeita do cometimento de um dos crimes previstos nos números
1 a 4 do §110a(1) do StPO (1-tráfico de entorpecentes, armas,falsificação de dinheiro ou
de selos. 2-ataque à Segurança Nacional. 3-delito cometido de forma profissional ou
habitual. 4-praticado por quadrilha ou qualquer outro grupo organizado), se revestidos de
considerável significado.
- o esclarecimento de crimes cuja pena mínima cominada seja igual ou superior a
um ano de privação de liberdade, desde que fatos determinados apontem para a
possibilidade de uma reiteração ; e
- o esclarecimento de fatos puníveis com pena privativa de liberdade igual ou
superior a um ano, ainda que sem perigo de reiteração, quando o especial significado do
fato exija a intervenção do agente infiltrado e outras medidas tenham se apresentado
inúteis.
Observa-se que a pequena pena mínima cominada aos crimes que autorizam a
infiltração possibilitaria o seu uso em grande parte dos delitos tipificados na Alemanha.
Entretanto, o legislador estabeleceu condições que tornam a utilização do agente
encoberto um pouco mais restrita. A primeira destas cláusulas limitadoras é a
possibilidade de reiteração calcada em fatos determinados, não podendo ser uma mera
ilação das autoridades investigantes. Se ausente a possibilidade de reiteração, a
infiltração ainda poderá ser usada se o fato se revestir de especial significado ou outras
medidas tenham se apresentado inúteis.
6 GUARIGLIA, Fabricio. El Agente Encubierto. Um Nuevo Protagonista en El Procedimiento
Apesar do farto uso da infiltração pelo Regime Militar, temos que ações
encobertas são inteiramente compatíveis com regimes democráticos, quando realizadas
sob o necessário controle, seguindo as hipóteses e limites estabelecidos em lei.
3.2 A INFILTRAÇÃO ATUAL
Com o forte incremento do tráfico de drogas ocorrido no início dos anos 80,
concebida como uma atividade criminosa internacional, os países se deram conta que os
meios tradicionais de investigação não eram suficientes para levar a bom termo o
combate àquele tipo de delinquência fortemente organizada e, não raro, com
representantes inseridos nas instituições do Estado.
Nesse cenário, foi concluída em Viena, Áustria, em dezembro de 1988, a
Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, que
entrou em vigor no âmbito internacional em 11 de novembro de 1990, sendo internalizada
no Brasil pelo Decreto nº 154, de 26 de junho de 1991.
A Convenção de Viena, apesar de não falar explicitamente em infiltração,
menciona em seu artigo 11 a entrega controlada, um dos meios excepcionais de
investigação, e no artigo 3.6 conclama as partes a usarem todos os meios admitidos no
Direito interno para prevenir e reprimir os delitos nela elencados.
Outro ato normativo internacional que merece destaque é a Convenção da
Organização das Nacões Unidas Contra a Corrupção, que entrou em vigor em 2003, ao
estabelecer no artigo 50 a necessidade das nações subscritoras instituírem técnicas
especiais de investigação, internada em nosso ordenamento pelo Decreto nº 5687/06.
Feitas essas ponderações, não podemos deixar de reconhecer na Convenção
Contra o Crime Organizado Transnacional (CCOT), a chamada Convenção de Palermo,
como o mais completo e abrangente ato normativo da comunidade internacional de
combate às organizações criminosas transnacionais.
23
Conforme lembra Rodrigo Gomes15, a escolha de Palermo não foi ocasional,
constituindo, ao contrário, homenagem aos magistrados Paolo Borsellino e Giovanni
Falcone, dois baluartes da luta italiana contra o crime organizado e que foram mortos
naquela cidade, em atentados à bomba realizados em 1992, sendo incriminados pelos
fatos Salvatore Riina, capo da família Corlonesi, uma das mais antigas e conhecidas
organizações criminosas transnacionais.
Dito isso, vamos ao modelo em boa hora desenhado pela Lei nº 12.850/13.
3.2.1 Pressupostos
O primeiro ponto que deve ser assinalado é que a infiltração policial, agora
detalhada, tem lugar quando os investigadores se deparam com uma organização
criminosa, definida pela nova lei, em seu artigo 1º, parágrafo 1º, como sendo a
associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela
divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou
indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais
cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter
transnacional.
Portanto, o legislador brasileiro, em decisão adequada, enxergou na infiltração
sua verdadeira vocação que é a investigação de organizações criminosas. Aliás, devemos
destacar que a lei recentemente promulgada, ao definir o que é organização criminosa,
supriu também uma grave omissão da legislação anterior que gerava insegurança e
dificuldade para o sistema persecutório penal.
Assim, não caberá infiltração policial quando estivermos diante de uma quadrilha
de três pessoas, nem quando o crime investigado tiver pequeno potencial lesivo.
Acreditamos que a nova lei caminhou bem, uma vez que a infiltração policial é
uma medida investigativa complexa, drástica, invasiva e que, não raro, põe em riscos
direitos fundamentais do investigado, de terceiros e do próprio agente policial, exigindo
15
GOMES, Rodrigo Carneiro. Investigação Criminal na Convenção de Palermo: Instrumento e Limites. Limites Constitucionais da Investigação. CUNHA,Rogério Sanches; TAQUES, Pedro; GOMES, Luiz Flávio (Coords). São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009.
24
uma cautelosa preparação da unidade policial, devendo, portanto, ser utilizada em casos
que realmente ponham em cheque os valores mais caros à sociedade.
Do artigo 10, parágrafo 2º (“Será admitida a infiltração se houver indícios de
infração penal de que trata o art.1º e se a prova não puder ser produzida por outros
meios”), da Lei nº 12.850/2013, podemos extrair dois outros pressupostos para a
utilização da infiltração policial:
O primeiro é a existência de indícios da ocorrência de uma infração penal
determinada, imputada a um grupo de pessoas que já tenha alguns de seus membros
identificados, sendo vedada a chamada infiltração exploratória ou de pesquisa. Se o
investigador nada sabe sobre alguns dos possíveis agentes do delito sob investigação,
muito há a ser feito antes de se partir para a medida.
Para deixarmos claro o que entendemos por infiltração de exploração,
imaginemos que um determinado estabelecimento comercial apresente padrões de
crescimento extraordinários e incompatíveis com outras empresas do mesmo setor.
Havendo seguidas notícias dando conta que o bem sucedido estabelecimento sonega
tributos de diversas ordens, inclusive as contribuições previdenciárias; frauda licitações;
trabalha com mercadorias contrabandeadas ou fruto de roubo de carga; atenta contra
direitos trabalhistas ou, ainda, serve apenas para lavagem de capital ilícito. Caso a
autoridade investigante opte por infiltrar um agente no seio da empresa, deverá saber em
relação à quais delitos há algum início de prova e apontar alguns dos possíveis autores,
não podendo o pedido apresentado ao Judiciário estar alicerçado em meras ilações da
autoridade investigante ou denúncias anônimas. Não pode o agente ser infiltrado para
pesquisar se o repentino sucesso da empresa é ou não fruto de uma atuação criminosa.
Para tanto, há outros meios investigativos que poderão ser usados para amadurecer a
apuração a um ponto que permita o uso do agente encoberto.
Atenta a isso, a Unidade de Operações Encobertas e Sensíveis do FBI, no item
IV.B.1.b16 de seu guia para ações encobertas, estabelece que o pedido de infiltração deve
16
(b) The proposed undercover operation appears to be an effective means of obtaining evidence or necessary information. This finding should include a statement of what prior investigation has been
25
conter um relatório sobre a investigação até então conduzida, bem como as chances da
infiltração obter as provas necessárias para levar o caso à justiça, deixando claro, a um só
tempo, a preocupação com um uso precipitado da infiltração e com a caracterização da
necessidade da medida.
O segundo está contido na parte final do dispositivo legal, podendo ser
denominado de subsidiariedade da infiltração. Trocando em miúdos: o investigador deve
inicialmente lançar mão dos meios ordinários de apuração, guardando a infiltração para
casos em que a prova não possa ser obtida por outros meios.
O outro pressuposto não está expressamente previsto no texto legal, mas é, ao
nosso sentir, indispensável para uma infiltração concebida em um Estado democrático.
Referimo-nos à proporcionalidade da medida, concebida em suas três dimensões:
adequação, necessidade ou exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito.
O constitucionalista carioca Luiz Roberto Barroso17 resume, seguindo autores
alemães, que adequação é a aptidão da medida para atingir o fim colimado. Necessidade
ou exigibilidade implica na inexistência de medida menos gravosa para atingir o fim
eleito. Já a proporcionalidade em sentido estrito impõe um sopesamento entre o ônus
imposto e o benefício trazido, devendo as vantagens superar os prejuízos.
Trazendo esses conceitos para a infiltração, podemos dizer que a medida será
adequada quando a prova que se busca tiver na ação encoberta a forma de alcançá-la.
Será necessária se não houver um meio de prova menos invasivo para se elucidar o fato
investigado ou que os existentes tenham falhado ou se apresentem inúteis. E será
proporcional em sentido estrito se todos os riscos existentes em uma infiltração forem
superados pela importância de se elucidar aquele fato perquirido, não devendo ser o
agente infiltrado usado para descortinar delitos que não reúnam real importância.
Atentemos, por fim, que o artigo 10, caput, da Lei nº 12.850/13, dispõe que a
infiltração requer uma “circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial.”
conducted and what chance the operation has of obtaining evidence or necessary information concerning the alleged criminal conduct or criminal enterprise. Disponível em: www.usdoj.gov.
17 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 5ª ed. São
Acreditamos que a expressão utilizada pelo texto legal não implica uma simples
motivação, condição de validade de todas as decisões judiciais. Temos que a intenção do
legislador, diante da gravidade da medida, foi exigir do magistrado, ao apreciar o caso
concreto, o preenchimento pormenorizado do conteúdo da autorização, devendo constar
prazo, periodicidade da prestação de contas, limites de atuação do infiltrado, entre outros
elementos necessários ao controle de medida tão complexa.
Assim, sintetizando, os pressupostos seriam:
- A existência de indícios de uma infração penal determinada e imputada a uma
organização criminosa;
- que a medida seja proporcional nos termos já expostos no decorrer deste tópico;
- que seja observada a subsidiariedade da medida; e
- que haja uma autorização judicial circunstanciada.
3.2.2 Limites do infiltrado
Os limites da atuação de um agente infiltrado constituem, talvez, o mais delicado
ponto deste meio extraordinário de investigação.
Não são poucos os que sustentam que o Estado não pode, a pretexto de
investigar um crime, incorrer também em condutas criminosas, opinião, por exemplo, que
levou a relatora do Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 150/06, que dispunha sobre crime
organizado e outras disposições, Senadora Serys Slhessarenko, a refutar de forma
veemente a infiltração policial. Assim se manifestou a Senadora:
A proposta não hesita, ainda, em suprimir o instituto da “infiltração policial” do direito brasileiro (art. 2º, V, da Lei nº 9.034, de 3 demaio de 1995), porque viola o patamar ético-legal do Estado Democrático de Direito, sendo inconcebível que o Estado-Administração, regido que é pelos princípios da legalidade e da moralidade (art. 37, caput, da CF), admita e determine que seus membros (agentes policiais) pratiquem, como co-autores ou partícipes, atos criminosos, sob o pretexto da formação da prova. Se assim fosse, estaríamos admitindo que o próprio Estado colaborasse, por um momento que seja, com a organização criminosa na execução de suas tarefas,o que inclui até mesmo a prática de crimes hediondos. Muito melhor será que o Estado-Administração, localizando uma organização criminosa, ao invés de infiltrar nela seus agentes, debele essa organização, seja de forma imediata ou retardada (através de ação controlada).
27
As principais legislações estrangeiras não se descuidaram do assunto, e mesmo
sem exaurir as hipóteses de uma eventual incursão do infiltrado em condutas criminosas,
estabelecem standards importantes para abordagem do tema.
O StPO Alemão explicita, em síntese, que o infiltrado não está autorizado a
cometer delitos durante a intervenção. Entretanto, se for obrigado a praticar um crime,
mormente nas chamadas “provas de fidelidade”, poderá lhe ser reconhecido um estado
de necessidade justificante ou exculpante, conforme o caso.
Na Espanha, o artigo 282, bis,1 da Ley de Enjuiciamiento Criminal estabelece o
que o infiltrado pode fazer. Nas hipóteses que extrapolem a previsão legal, analisado o
caso concreto, poderá o infiltrado ser favorecido por uma causa de exclusão de ilicitude
ou de culpabilidade.
Já na Argentina, o agente infiltrado estará isento de responsabilidade quando for
impelido a cometer um delito em conseqüência de sua intervenção encoberta, desde que
sua conduta não implique em grave sofrimento, perigo de vida ou risco à incolumidade
física ou moral de terceiros.
No Brasil, a lei nº 12.850/13 assim disciplinou o assunto em seu artigo 10,
parágrafo único:
Art. 10. O agente que não guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade com a finalidade da investigação, responderá pelos excessos praticados.
Parágrafo único. Não é punível, no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo agente infiltrado no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa.
O primeiro alerta a ser feito é que o infiltrado não tem um salvo conduto para
delinqüir enquanto estiver no interior do grupo criminoso. Como conseqüência, deve o AI,
sempre que possível, manter uma postura mais contemplativa do que ativa.
Evidente, ainda, que não pode o AI induzir os membros da organização
investigada a agir, fazendo brotar neles o animus de delinqüir, podendo aderir, porém, à
vontade manifestada pelos investigados de forma a preservar sua falsa identidade. Na
28
feliz expressão de Manuel Valente, a atividade do infiltrado não pode ser formativa do
crime, mas apenas informativa18.
Nesse sentido, o Guia de Operações Encobertas do FBI, ao tratar da preparação
do agente infiltrado explicita que o policial deve ser instruído sobre o propósito da ação
encoberta e que não deverá participar de nenhum ato de violência; iniciar ou instigar
qualquer plano para cometer atos criminosos; usar ilegais técnicas de investigação para
obter informação ou evidência ou se engajar em qualquer conduta que possa violar
restrições constantes no guia da polícia federal americana ou de outro departamento de
polícia. O Guia, ainda, expressa que no caso do FBI ter conhecimento que pessoas
investigadas pretendam praticar um crime violento, qualquer agente encoberto que tenha
conexão com a investigação será instruído a tentar desencorajar a violência19.
Mas e se o agente infiltrado se vê compelido a praticar uma conduta típica? A
solução trata pelo texto legal reside na proporcionalidade que deve revestir a conduta do
policial. A pergunta a ser feita é se a prova a ser obtida e o conseqüente desbaratamento
daquele grupo criminoso justifica que um agente do estado incorra, eventualmente, em
uma conduta descrita como crime20.
Assim, não é aceitável que para elucidar um crime, o agente do estado incorra em
crime ainda mais grave. É tolerável que para se desmantelar uma organização criminosa
dedicada ao contrabando, o agente encoberto participe de uma ação de contrabando.
Não é admissível, porém, que o infiltrado participe da eliminação de um concorrente do
bando.
18
VALENTE. Op.cit. p.510 19
2) Each undercover employee shall be instructed that he or she shall not participate in any act of violence; initiate or instigate any plan to commit criminal acts; use unlawful investigative techniques to obtain information or evidence; or engage in any conduct that would violate restrictions on investigative techniques or FBI conduct contained in the Attorney General's Guidelines or departmental policy; and that, except in an emergency situation as set out in paragraph IV.H.(5)(d), he or she shall not participate in any illegal activity for which authorization has not been obtained under these Guidelines. The undercover employee shall be instructed in the law of entrapment. When an undercover employee learns that persons under investigation intend to commit a violent crime, he or she shal1 try to discourage the violence.
20 Não usamos a expressão “conduta criminosa”, uma vez que o caso concreto tem que ser
analisado para que saibamos se estão presentes os outros elementos, que ao lado da descrição típica, formam o conceito analítico de crime: antijuridicidade e culpabilidade.
29
O policial deverá aferir se a ação proposta era previsível dentro do cenário de
infiltração apresentado à justiça. Desta forma, aproveitando o exemplo já dado, se a
infiltração se deu dentro de uma organização de contrabandistas, era esperável que em
algum momento o policial encoberto teria que contrabandear. Entretanto, em hipótese
nenhuma estará autorizado a participar da execução de um desafeto do grupo. E o que
fazer se esta situação se apresenta? Temos que é caso de encerramento imediato da
infiltração, devendo a equipe de investigação tomar as medidas necessárias a que a
execução não ocorra. Não será excusável que os investigadores coloquem um eventual
êxito na obtenção da prova à frente de valores tão caros como a vida ou a incolumidade
física.
Por outro lado, se a situação ocorre sem que o policial nada possa fazer,
comprovada a impossibilidade de evitar o resultado, o infiltrado poderá se socorrer do
parágrafo único do artigo 13, ficando excluída a culpabilidade do agente por inexigilidade
de conduta diversa.
Convém ficar assentado, de qualquer sorte, que sempre que houver a
necessidade do infiltrado incorrer em conduta descrita em lei como crime, deve o juiz ser
comunicado de imediato, não podendo o fato ser tratado como um incidente corriqueiro a
ser informado no relatório ordinário. Não é. Constitui incidente importante e que, embora
previsível, deve contar com o imediato controle judicial.
Ressaltamos aqui o papel fundamental que o juiz desempenha na aferição da
razoabilidade da medida requerida. Desta forma, temos como irrazoável a infiltração em
uma organização de matadores de aluguel, posto que a forte possibilidade do policial vir
a ter que matar inviabiliza a ação encoberta. Neste caso, apreciadas suas
especificidades, deve o juiz negar a autorização. A solução de um delito, por mais grave
que seja, não pode estar alicerçada na lógica maquiavélica dos fins justificando os
meios.
Outro limite importante advém do alcance da autorização da infiltração. Ao
permitir a ação encoberta, o Estado concorda com o uso do engodo e do abuso de
confiança como instrumentos de investigação. Não obstante, isso não implica na
abolição dos princípios que regem a busca das provas no processo.
30
Pelo exposto, sempre que o agente infiltrado precisar ferir um direito do
investigado que não se situe dentro do espectro lógico da decisão judicial que concedeu
a medida, uma nova ordem judicial deverá ser requerida. Nesse sentido, será lícita a
entrada do AI na casa do investigado para participar de uma reunião onde serão
tratados assuntos pertinentes à atuação da organização criminosa. Não será permitido,
porém, que se aproveite do ingresso na casa alheia para recolher documentos ou
implantar dispositivo de escuta ambiental. Para tanto, uma nova ordem judicial será
necessária.
Desta forma, com o fim de preservar a licitude da prova recolhida, entendemos
de todo conveniente que a coordenação da investigação, sempre que haja dúvidas
sobre a lisura da medida, requeira uma autorização judicial específica para a ação que
se deseja.
Do dito acima, vemos que o agente infiltrado precisa reunir uma série de
qualidades pessoais que lhe permitam, em situações de forte estresse, realizar opções e
tomar decisões que se revistam de legalidade e, portanto, justificáveis quando
apresentados à justiça.
Em resumo, então, podemos apontar como limites da atuação do infiltrado:
-O infiltrado não deve incorrer em condutas típicas;
-Se não for possível evitar, o delito perpetrado deverá ser proporcional ao
objetivo da infiltração, não devendo atentar contra bem jurídico mais valioso que aquele
lesionado pela atuação da organização investigada; e
-A infiltração não pode ensejar lesões a direitos fundamentais que não sejam
uma decorrência lógica da ação encoberta.
3.2.4 Valor probante da infiltração
O farto uso da infiltração policial durante a ditadura militar angariou a antipatia
de muitos para esse meio investigativo, que detectam nele características que o
incompatibilizam com um processo penal democrático.
31
Não vemos assim. É inegável que o agente infiltrado, ao se tornar íntimo dos
investigados, pode tomar conhecimento de fatos próprios de suas vidas privadas e que
não guardem qualquer relação com as condutas perquiridas. Entretanto, temos como
induvidoso que a ação encoberta constitui instrumento fundamental no combate à
criminalidade organizada, fenômeno que tem preocupado fortemente à comunidade
internacional e se tornado, esta sim, uma crescente ameaça aos avanços democráticos
dos estados modernos.
Essa é também a posição do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que
aceita a infiltração se preenchidos alguns requisitos, bem como da ONU, que reconhece
a validade do instrumento e o aborda especificamente em seu Manual de Diretrizes
contra a Corrupção para Promotores e Investigadores 21.
Dito isso, temos que a importância da infiltração como meio de prova requer dois
enfoques: o primeiro é o recolhimento de provas pela equipe de investigação com base
em informações passadas pelo infiltrado. O AI pode, por exemplo, apontar o local onde
se encontram determinados documentos; informar hora e local de um encontro entre
investigados para uma eventual filmagem ou apontar o melhor local para a colocação de
um dispositivo para escuta ambiental. Enfim, o infiltrado pode aumentar a efetividade da
investigação, dirigindo os atos a serem praticados pelo restante da equipe.
O outro aspecto é o testemunho do próprio infiltrado sobre tudo que presenciou
durante o período em que esteve convivendo no seio da organização criminosa. E aqui
temos também duas questões a apreciar: a credibilidade do testemunho do policial e os
riscos advindos da exposição do infiltrado ao depor em juízo.
Muitos sustentam que o policial, por estar umbilicalmente ligado ao caso levado
à Justiça, não teria o necessário distanciamento para depor. Não vemos motivos para
que seja conferido ao depoimento do policial um valor diferente daquele observado às
outras testemunhas. A vítima também tem uma ligação emocional com o fato e, não
raro, tem seu depoimento colhido na Justiça. A prova testemunhal, em razão das
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United Nations Handbook on Practical Anti-Corruption Measures for Prosecutors and Investigators. Disponível em: www.unodc.org. Acesso em: 10 jul.2013.
O mesmo argumento do parágrafo acima nos leva a concluir, por coerência, que
nem os agentes da ABIN reúnem atribuição para investigar crimes e, por conseguinte,
também não podem infiltrar.
Esta parece ser também a posição de Pacheco25, que classifica de duvidosa a
constitucionalidade da permissão fornecida pela Lei nº 10.217/01 ao uso de agentes de
inteligência em infiltrações.
Entendemos que, conceitualmente, a infiltração pode ser usada como meio de
investigação de fatos não criminosos. Neste caso, entretanto, a medida deveria estar
prevista em lei própria, provavelmente aquela que versa sobre o Sistema Brasileiro de
Inteligência-SISBIN. O estabelecimento da infiltração de agentes de inteligência em
investigação de crimes não se situa dentro dos limites constitucionais, devendo o
magistrado, em controle difuso de constitucionalidade, refutar o pedido apresentado
nesses termos.
Questão pouco abordada é a possibilidade de um agente policial estrangeiro
realizar infiltração em solo brasileiro. As facilidades que o mundo moderno oferece às
organizações criminosas para transpor suas fronteiras têm preocupado fortemente a
comunidade internacional e ensejou importantes tratados como as Convenções de
Viena e Palermo, onde os países subscritores são instados a promover a maior
integração possível na busca de uma repressão eficaz ao crime transnacional.
Desta forma, entendemos possível, em tese, que um policial estrangeiro realize
uma ação encoberta em território brasileiro, desde que autorizada pela Justiça Brasileira
e com a coordenação da Polícia Federal Brasileira. Essa cooperação entre autoridades
de países distintos está expressamente assentada na Convenção de Palermo, que em
seu artigo 19, prevê investigações conjuntas entre os Estados que a subscrevem,
precedidas de acordos ou protocolos bilaterais ou multilaterais26.
25
PACHECO, Op. cit. p. 168 26 Os Estados Partes considerarão a possibilidade de celebrar acordos ou protocolos bilaterais
ou multilaterais em virtude dos quais, com respeito a matérias que sejam objeto de investigação, processos ou ações judiciais em um ou mais Estados, as autoridades competentes possam estabelecer órgãos mistos de investigação. Na ausência de tais acordos ou protocolos, poderá ser decidida
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Entretanto, apesar da Convenção de Palermo estabelecer que mesmo na
ausência de um protocolo ou acordo poderá haver, casuisticamente, uma investigação
conjunta, temos que a assinatura de um acordo entre o Brasil e o país interessado é
indispensável, como forma de submeter os investigadores aos limites estabelecidos na
lei brasileira e circunstanciados na decisão judicial que autorizar a medida.
Em resumo, podemos dizer que a infiltração no Brasil constitui atribuição apenas
dos policiais que trabalham com a investigação de crimes, não sendo possível a
infiltração realizada por particulares, policiais com atribuições outras e servidores
públicos não policiais, incluídos aí os agentes de inteligência.
3.2.6 Duração
Desnecessário mencionar que este era mais um ponto onde prevalecia o vácuo
legislativo, agora suprido pela Lei nº 12.850/13, que de forma clara, em seu artigo 10,
parágrafo 5º, estabelece que a infiltração será autorizada por seis meses, podendo
haver renovações, em caso de comprovada necessidade.
Assim, diante da clareza do texto legal, cai por terra toda discussão que havia
sobre o período que poderia ser autorizado pela Justiça para a medida.
A nova lei não estabeleceu limite para o número de renovações. Portanto, ao
menos em tese, a infiltração poderá permanecer por tempo indeterminado. O elemento
balizador é a persistência da necessidade da medida que deverá estar materializada no
relatório a ser apresentado à Justiça.
O FBI, em seu já citado Guia, deu um tratamento um pouco diferente,
estipulando um período de seis meses para a infiltração, renovável por mais seis meses,
totalizando um ano como período máximo de duração da medida27.
casuisticamente a realização de investigações conjuntas. Os Estados Partes envolvidos agirão de modo a que a soberania do Estado Parte em cujo território decorra a investigação seja plenamente respeitada.
27 (2) Undercover operations may be authorized pursuant to this subsection for up to six months
and continued upon renewal for an additional six-month period, for a total of no more than one year. Undercover operations initiated pursuant to this subsection may not involve the expenditure of more than $40,000 ($100,000 in drug cases of which a maximum of $40,000 is for operational expenses), or such other amount that is set from time to time by the Director, without approval from FBI Headquarters (FBIHQ).
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Embora não entendamos conveniente fixar em um ano o prazo máximo de sua
duração, acreditamos que apenas em casos excepcionais a infiltração perdurará por
mais tempo em razão de toda estrutura movimentada para a implementação da ação
encoberta.
Ressalte-se, ainda, que a prestação de contas da equipe de investigação à
Justiça e ao Ministério Público não está adstrita a um eventual pedido de renovação,
podendo ser feita a qualquer tempo.
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4. A INFILTRAÇÃO NA POLÍCIA FEDERAL
A infiltração de policiais em estruturas da sociedade civil foi usada fartamente
nos períodos em que nosso país se manteve distante dos ditames democráticos. Com
fortes cores palacianas, a Polícia Federal se incumbiu de investigar entidades sindicais,
grêmios escolares, partidos políticos e até mesmo colônias de pescadores, como já
ouvimos em conversas com colegas com mais de 30 anos de carreira.
As ações encobertas praticadas naqueles anos não constituem objeto deste
trabalho. A infiltração policial, como técnica excepcional de investigação de crimes,
requer um ambiente institucional sólido que possibilite o controle e, se for o caso, a
responsabilização daqueles que incorram em abusos.
O retorno do Brasil à democracia coincidiu com o incremento dos crimes
transnacionais, o fortalecimento da criminalidade organizada e a preocupação dos
países com esse novo perfil do crime e dos criminosos, apontando para a necessidade
do uso de mecanismos menos ortodoxos de investigação.
A partir daqui, depois de vermos como a infiltração é tratada em alguns países e
os seus contornos legais no Brasil, agora com uma legislação que atentou para a
complexidade de meios investigativos mais sofisticados, trataremos da infiltração na
Polícia Federal.
4.1 A INFILTRAÇÃO INFORMAL
Com a redemocratização do Brasil e, fundamentalmente, com o advento da
Constituição de 1988, a infiltração nos moldes das realizadas durante o regime militar se
tornou inconcebível, sendo ilícitas as provas assim obtidas.
Em razão da demora do legislador, a Lei nº 10.217/01 encontrou uma Polícia
Federal desacostumada a submeter a infiltração, nas poucas vezes em que utilizada, ao
controle do Judiciário, mesmo nos anos que se seguiram a 2001, dando ensejo ao que
chamamos de infiltração informal.
Nesse panorama, interessante caso teve lugar no Rio de Janeiro, em 2003. A
Empresa de Correios e Telégrafos comunicou à Polícia Federal constantes furtos de
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valores em dinheiro encaminhados em cartas, inclusive do exterior. Apesar de irregular,
o envio de dinheiro em cartas era comum e movimentava valores expressivos.
Com o auxílio dos Correios, três policiais federais passaram a trabalhar no
Terminal de Cargas (TECA) do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, onde era
centralizada a operação de separação, triagem e direcionamento das correspondências
para os endereços de destino.
Em menos de um mês trabalhando como se efetivamente fossem novos
funcionários contratados pela empresa, os policiais conseguiram identificar todos os
empregados que retiravam as cartas com dinheiro e a forma como atuavam.
Seguindo a orientação dos policiais travestidos de carteiros, que constataram
que os implicados saiam do TECA com as cartas com dinheiro em seu poder, foi
realizado o flagrante dos investigados, em um total de 12 pessoas, sendo 10 carteiros, 1
gerente e 1 vigilante .
Percebemos, pois, que no trabalho acima descrito estavam presentes todas as
características de uma infiltração e haveria a necessidade de autorização judicial para o
caso. Para formalização do auto de prisão, ante a impossibilidade dos “infiltrados”
aparecerem, foi usado o velho artifício de imputar a descoberta a uma denúncia
anônima.
Podemos imaginar uma série de complicações que poderiam ter surgido e que a
autorização judicial ajudaria a resolver. Lembramos, com Damásio e Bechara, que seja
qual for o entendimento quanto à natureza jurídica da isenção de responsabilidade penal
do agente infiltrado, ela não dispensa a autorização judicial28. Para angariar a confiança
dos investigados, poderiam os agentes aderir à prática delitiva? E se os investigados,
podemos elocubrar, resolvessem intimidar um supervisor que houvesse descoberto o
esquema, qual seria o comportamento dos infiltrados?
Os riscos para a autoridade investigante são claros e não justificam eventuais
ganhos de tempo e agilidade existentes na medida informal. Ademais, devemos