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* Artigo recebido em dez. 2008 e aceito para publicao em nov.
2009. ** E-mail: [email protected]*** E-mail:
[email protected]
O processo de industrializao no Brasil:um retrospecto a partir
da dinmica
da dualidade brasileira*
Ana Paula Camilo Pereira** Mestre em Geografia pela Universidade
Estadual Paulista (UNESP/FCT), Doutoranda em Geografia Humana pela
Universidade de So Paulo (USP/FFLCH)Mrcio Rogrio Silveira***
Professor Doutor no Programa de Ps-Graduao em Geografia da
Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, Faculdade de
Cincias e Tecnologia, campus de Presidente Prudente, e Professor na
graduao da mesma instituio, campus de Ourinhos
ResumoEste artigo composto de algumas consideraes sobre o
processo deindustrializao brasileira. Para isso, contextualizamos a
industrializao eorganizao do espao brasileiro em articulao com as
fases expansivas erecessivas da economia mundial, a partir dos
ciclos de Kondratieff e de Juglar,bem como dos pactos de poder
estabelecidos no Pas. Consideramos, paratanto, as anlises de Igncio
Rangel sobre a economia brasileira, tendo comoparmetro a dinmica da
dualidade brasileira e a proposta de retomada docrescimento
econmico a partir do planejamento e do princpio da concesso
deservios pblicos iniciativa privada, ou seja, a transferncia de
recursosdestinados s empresas que dispem de capacidade produtiva
excedente parasetores estrangulados da economia e que necessitam de
investimentos. Dessaforma, o artigo analisa o contexto histrico e
econmico do Brasil, admitindo aevoluo e o desenvolvimento
industrial, a atuao estatal e as repercussesatuais para a economia
brasileira.
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Palavras-chaveIndustrializao; dualidade brasileira, recursos
ociosos.
AbstractThis article is composed of some considerations about
the process ofindustrialization in Brazil. For that, we describe
the industrialization and theorganization of Brazilian space
embodied with the expansive and recessive stagesof the global
economy, from the cycles of Kondratieff and Juglar, as well
thepower pacts set in the country. We believe that the analysis of
Igncio Rangelabout Brazil economy, based in the dynamic of
Brazilian Duality and the economicgrowth resume proposal from de
planning and the grant of public services toprivate enterprise
principle, which means, the resource transfer to companiesthat have
surplus productive capacity for strangled sectors of the economy
andneed investments. Thus, the article analyze the historic and
economic context ofBrazil assuming the evolution and industrial
development, the state action andthe current repercussions for
Brazil economy.
Key wordsIndustrialization; Brazilian duality; idle
resources.
Classificao JEL: 011.
IntroduoO presente artigo procura analisar o processo de
industrializao no Brasil
considerando as particularidades do seu desenvolvimento econmico
sob ainfluncia do modo de produo capitalista. Para a compreenso da
configuraoda sociedade brasileira em seus aspectos sociais,
poltico, econmico eespacial , buscamos utilizar as perspectivas dos
ciclos econmicos(Kondratieff), a dualidade bsica da economia
brasileira e dos recursos ociosos,baseados na poltica econmica
referenciada por Igncio Rangel. As perspectivasa que nos referimos
de base marxista consubstanciam um padro deoriginalidade na anlise
da realidade do desenvolvimento econmico brasileiro.
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Nesse sentido, pretendemos correlacionar os fatos histricos do
processoindustrial com o desenvolvimento capitalista brasileiro,
tendo como base adinmica da dualidade brasileira em sua fase
preponderantemente industrial noBrasil, ou seja, na Terceira
Dualidade Brasileira (1930-85). Assim, far-se-cronologicamente uma
analogia dos fatos correspondentes ao processo
industrialrelacionado aos ciclos de Kondratieff ou ciclos longos,
reforando a sistemticaretrospectiva da industrializao no Brasil a
partir de ciclos que elucidam asfases ascendentes e recessivas da
economia.
A importncia dos ciclos econmicos d-se quando o
desenvolvimentoeconmico, sob o capitalismo, se faz atravs de
flutuaes da atividade econmicae no como desdobramento linear,
possvel, talvez, em economia planificada,mas impossvel,
seguramente, sem um planejamento muito rigoroso (Rangel,1983).
Nessa anlise, compreende-se que nos momentos de aquecimento
daeconomia mundial, quando h a retomada da crise, que os ciclos
econmicosprevalecem como um dos arcabouos principais de explicao da
crise (foi nessemomento que tericos de grande expresso se ativeram
utilizao dos ciclos,como Keynes, Mandel, Schumpeter, Dobb e
outros). A economia e a sociedadebrasileiras no so inteligveis, se
no as estudarmos como as dualidades queso, ou seja, atravs dos
pactos de poder1.
Assim, analisamos que o processo histrico consubstanciado na
teoria deRangel responde pelas mudanas e permanncias na sociedade,
bem como noespao. Vale destacar que a anlise da formao social
brasileira feita por IgncioRangel uma das mais completas e
complexas j realizadas e, por conseguinte,valoriza tanto o espao
quanto os estudos de formao socioespacial (a formaosocioespacial
uma variao da categoria de formao social marxista, comacrscimo do
conceito de espao).
O espao (conjunto de objetos e aes), categoria de anlise da
Geografia,representa o teatro das aes humanas um palco que reage
aocombinada dos atores e que, por conseguinte, modifica as aes dos
mesmosque emanam reaes, ou seja, a construo do espao um processo
ininterrupto.Se a Geografia deseja interpretar o espao humano como
o fato histrico que ele, somente a histria da sociedade mundial,
aliada sociedade local, podeservir como fundamento compreenso da
realidade espacial e permitir a suatransformao a servio do homem.
Pois a histria no se escreve fora doespao e no h sociedade
a-espacial. O espao, ele mesmo, social(Santos, 1977).
1 Rangel (1983) define que h um modo de produo tpico para o
Brasil e que nada tem havercom o escravismo colonial de Jacob
Gorender, ou seja, so as dualidades.
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Neste trabalho, consideramos a importncia da formao
socioespacialcomo uma teoria que coerentemente abarca a sociedade
de forma completa, aqual Santos2 (1977) considera como uma
categoria que expressa a unidade e atotalidade das diversas esferas
(econmica, social, poltica e cultural) da vida deuma sociedade.
Assim, considera-se que,
[...] o interesse dos estudos sobre as formaes econmicas e
sociaisest na possibilidade que eles oferecem de permitir o
conhecimento de umasociedade na sua totalidade e nas suas fraes,
mas sempre umconhecimento especfico apreendido num dado momento de
sua evoluo.
As formaes socioespaciais revelam-se, assim, como expresso
maiorde anlise na Geografia, na medida em que se consubstanciam
como processosessenciais evoluo e ao desenvolvimento histrico das
sociedades em suatotalidade.
Dessa forma, este artigo busca elucidar o processo de
industrializao noBrasil a partir da teoria de Igncio Rangel,
confirmando a importncia de setratarem as formaes sociais
(socioespaciais do ponto de vista da Geografia),as flutuaes
econmicas dos ciclos de Kondratieff e Juglar e a dinmica
dadualidade brasileira. Atesta-se, nesse nterim, que abordamos como
objetivocentral dessa discusso a proposta rangelina, que defende a
transferncia derecursos ociosos para setores com abundncia de
investimentos, como umaalternativa de retomada do crescimento
econmico brasileiro.
O processo de industrializao no Brasil apartir da dinmica da
dualidade e dos cicloseconmicos
Para a compreenso do processo de industrializao no Brasil
inerentea busca de sua formao socioespacial; para isso, tem-se como
preldio adinmica da dualidade brasileira como forma de se
analisarem os mecanismospolticos, sociais e econmicos em que o Pas
estava e est inserido.
2 Milton Santos (1977) parte da premissa de que a formao
socioespacial, denominada peloautor de FES, deva ser compreendida a
partir do desenvolvimento histrico das sociedades,de acordo com os
estudos de Emlio Sereni. Este autor realizou um grande estudo
sobreformaes socioespaciais mediante uma anlise que partia da
temporalidade dos aconteci-mentos atrelado sociedade e ao
desenvolvimento econmico. De acordo com Silva (2009),essa categoria
permite revelar o funcionamento lgico-estrutural ou sociolgico de
umadada sociedade.
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Diante dessa abordagem, tomamos as discusses de Rangel (1983),
queanalisa o processo da industrializao brasileira considerando
seus anos deatraso. Para o autor, o Brasil, com um planejamento
incipiente, ingressaria noque, depois, apelidaramos de
industrializao substitutiva de importaes.
Rangel (2005) considera que nosso processo de industrializao tem
suaprpria lgica interna, ou seja, inversa ordem geral da
industrializao em doisaspectos: baseada, sobretudo, nas substituies
de importaes3 em temposde crise internacional e das indstrias leves
para as pesadas. Tais fatos marcaramtodo processo de industrializao
brasileira.
No nosso caso [a industrializao] se manifestou atravs da
modernizaoescalonada, isto , setorial, de todo o organismo
econmico, seguindo umaordem fcil de determinar e que pode ser
inferida de sua prpria motivaoprimria, isto , do fato de resultar
de um esforo de substituio, a saber:uma ordem inversa. Noutros
termos, nossa industrializao comeou poronde, pela ordem natural das
coisas, devera terminar, isto , pelo suprimentointerno de bens de
consumo ou, mais precisamente, de bens finais,abordando,
escalonadamente, atravs de sucessivos ciclos, os suprimentosde
produtos e de infra-estrutura. (Rangel, 2005, p. 542).
Considerando as especificidades do desenvolvimento industrial
brasileiro,compreende-se a necessidade imperativa de se elencar as
dualidades brasileiras4como movimento mais pragmtico da
essencialidade do desenvolvimentoeconmico do Brasil.
Ao abordar a dualidade brasileira, Guimares (1994) destaca que
IgncioRangel, em sua anlise marxista da economia brasileira, criou
um conceitosingular de dualidade brasileira, a qual foi
desenvolvida pela combinao dosconceitos formais de escravismo,
feudalismo e capitalismo (em suas formasmercantil, industrial e
financeira). Desse modo, a contextualizao dos fatos apartir do
pensamento de Rangel sobre a economia brasileira considera
seusmecanismos de anlise para o desenvolvimento econmico
industrial, tais como:concesso de servios pblicos iniciativa
privada, planejamento, utilizao da
3 Desde a primeira fase recessiva industrial da economia mundial
o Brasil baseia-se nasubstituio importaes comeando pela substituio
natural de importaes (1815-48)e pela substituio artesanal de
importaes (1873-98) at alcanar a substituio industrialde importaes
(1922-48). A partir desse perodo, com a revoluo industrial
brasileira,forma-se um ciclo industrial endgeno (ciclo de Juglar).
na passagem das fases recessivaspara as ascendentes desse ciclo que
a industrializao brasileira vai evoluir (escalonada)dos bens de
consumo simples para a indstria pesada atravs sempre transferncia
derecursos ociosos para setores estrangulados (dialtica da
capacidade ociosa).
4 Ao mesmo tempo em que as fases recessivas foram responsveis
pelas substituies deimportaes e, por conseguinte, pela
industrializao brasileira, foram responsveis peladesestruturao e
reestruturao contnua das elites no poder (quatro e entre elas
duasdominantes uma poltica e outras econmicas), ou seja, as
dualidades.
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capacidade ociosa, fomento exportao como forma de dinamizar
setorialmenteo Pas, etc.
Nessa abordagem, as discusses sobre a dinmica da dualidade
brasileiraconsideram os pactos de poder existentes em cada momento
da histria brasileira.Segundo Faria (1992), o pacto poltico que
rege a sociedade dual uma coligaocomposta por duas classes
representantes dos modos de produo dos polosinterno e externo.
Dessa forma, tem-se que a classe hegemnica a maisantiga integrante
da coalizo; o outro scio menor do poder originrio de umaciso da
antiga classe hegemnica, portanto partcipe da dualidade
anterior.
Historicamente, o primeiro ciclo de Kondratieff desenvolveu-se
com aPrimeira Revoluo Industrial, coincidindo com fatos histricos
importantes noBrasil, como a Abertura dos Portos (1808) e
posteriormente a Independncia doBrasil (1815). Em sntese, os pactos
de poder consubstanciaram as dualidadesbrasileiras.
Na primeira dualidade brasileira, encontrava-se de, um lado, ou
seja, nopolo interno, o escravismo e o feudalismo, que tinham como
scios os senhoresfeudais. Do outro lado, ou seja, no polo externo,
havia o capitalismo mercantil eo capitalismo industrial, liderados,
ainda que sem nenhuma experincia poltica,por uma nascente classe
comercial.
Tolmasquim (1991) analisa o perodo do primeiro Kondratieff5 e da
primeiradualidade, contextualizando a atuao do pacto de poder.
Na fase b do Primeiro Kondratieff (1815-1848), a relativa
auto-suficinciafoi buscada atravs da diversificao das fazendas de
escravos:aumentou-se a parte do produto destinado ao auto-consumo e
diminui-se aparte exportvel, tornando a economia nacional mais
independente comrelao s importaes. Do ponto de vista nacional,
houve uma espcie desubstituio de importaes. Desse perodo resultou a
primeira dualidade,isto , um pacto de poder pela aliana entre
classes dos senhores deescravos, que passara do regime colonial,
com a classe dos comerciantes,dissidentes do capitalismo mercantil
portugus. (Tolmasquim, 1991, p. 31).
A segunda dualidade, produto da primeira dualidade, era composta
no polointerno pelo feudalismo e pelo capitalismo mercantil, que
era representado pelosfazendeiros, latifundirios e comerciantes; e,
no polo externo, tambm seencontravam o capitalismo mercantil (se
bem que de forma distinta) e o capitalismo
5 Deve-se considerar que o ciclo de Kondratieff ou ciclo longo
um fenmeno exgeno economia brasileira; para Rangel (1983, p. 38), o
ciclo longo algo que se engendra nocentro dinmico da economia
mundial, isto , a onde se podem sintetizar as revoluesindustriais.
Tolmasquim (1991, p. 28) explica que, segundo a teoria de Nicolai
C. Kondratieffnos anos 20, a economia capitalista se desenvolve em
ciclos de aproximadamente 50 anos.Esses ciclos longos esto
intimamente relacionados ao processo de efetivao
tecnolgica,argumentando que a superao dos ciclos econmicos de longo
prazo s possvel pelorigoroso planejamento.
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industrial, liderados pela burguesia comerciante, classe
dissidente da dualidadeanterior, porm com mais experincia
poltico-econmica.
A burguesia comerciante em relao com a burguesia industrial do
centrodinmico mundial inseria-se timidamente no processo de
industrializao. ParaTolmasquim (1991), a segunda dualidade
desdobrou-se num perodo ascendenteda economia mundial, que
proporcionou seu desenvolvimento.
Na fase a do Segundo Kondrafieff (1848-1873), com nova fase
expansivada economia mundial, o pas voltou a crescer para fora,
aumentando aproduo de produtos exportveis. O crescimento da renda
monetria dafazenda e da receita cambial do pas engendrou um
movimento deurbanizao. Participaram dessa movimentao no s as
famlias dossenhores, pela transferncia da casa grande, mas tambm a
mo-de-obraescrava e semi-livre, antes ocupada na casa-grande rural,
em atividadessubstitutivas de importao. Com a fase b do Segundo
Kondratieff (1873--1896), nova fase de substituio de importaes
[...] a sede desse novoesforo foram s cidades, com a proliferao de
unidades artesanais ealgumas manufaturas pr-industriais. O promotor
desse movimento noforam os senhores de escravos, mas sim o
capitalismo mercantil, quepassava a assumir a liderana da segunda
dualidade, com uma dissidnciada classe de senhores de escravos, a
nova classe dos latifundiriosfeudais. (Tolmasquim, 1991, p.
33).
A terceira dualidade marca, de fato, o processo de
industrializao brasileira,em face do Terceiro Kondratieff. Rangel
(2005) alega que a industrializaoinaugura a terceira dualidade
brasileira. Em outras palavras, Rangel (1983,p. 38), mais enftico,
destaca como o Brasil se comportava nas fasesascendentes e
recessivas do ciclo longo: nossas economias so confrontadascom dois
tipos de desafios: (1) nas fases ascendentes, no sentido de que
mudea composio natural do seu produto, isto , a estrutura de sua
oferta nacional,a fim de poder, simultaneamente, aumentar as
exportaes e as importaes,vale dizer, no sentido de abrir nossas
economias e; (2) nas fases recessivas,tambm com vistas a mudar a
composio natural do seu produto, mas nosentido contrrio, isto , de
permitir o relativo fechamento da economia o queimporta uma forma
qualquer de substituio de importao , permitindo-nosprescindir de
certas importaes entradas em nossos hbitos nas fases ados
ciclos.
De acordo com Faria (1992), a terceira dualidade, anunciativa da
nova fasedo ciclo longo (recessiva fase b do terceiro
Kondratieff6), era marcada pela fortereduo do nvel do comrcio
exterior, seguida pela queda da capacidade de
6 Tolmasquim (1991, p. 31) destaca que, nas fases a dos ciclos
longos, pocas de prospe-ridade internacional, a economia volta a
crescer para fora, aumentando a produo expor-tvel, que passa a ser
o centro dinmico da economia. J, nas fases b dos ciclos
longos,perodos de recesso mundial, havia um esforo mercantil de
substituio de importao. Em
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importar e impunha um importante esforo de substituio de
importaes.O autor assevera que a diversificao das atividades
ligadas indstria detransformao foi o aspecto diferenciador da
terceira dualidade em relao sexperincias de substituio de importao
na primeira dualidade (diversificaoda produo das fazendas de
escravos) e na segunda dualidade (diversificaodas atividades
internas). Rangel (2005), enfaticamente traduz o processo
deindustrializao brasileira nesse perodo.
Nas fases a ou ascendentes desses ciclos, o Brasil
solicitadoespontaneamente, pela economia mundial ou, mais
precisamente, pelaparte mais desenvolvida ou centro dinmico da
economia mundial aparticipar mais intensivamente da diviso
internacional do trabalho, o quequer dizer que aumenta a procura
externa dos nossos produtos e melhoramos termos de intercmbio,
aumentando nossa capacidade para importar[...]. Inversamente, com a
passagem s fases b, a demanda externa dosnossos produtos, os termos
de intercmbio e, conseqentemente, acapacidade para importar
declina. A economia solicitada a ajustar-se aonovo estado de
coisas, e esse ajustamento se traduz por um esforo desubstituio de
importaes. (Rangel, 2005, p. 712-713).
A estrutura poltica do pacto de poder da terceira dualidade
constitue-se nopolo interno pelo feudalismo e pelo capitalismo
mercantil representados pelosfazendeiros que eram tambm, por ora,
comerciantes; e, no polo externo,encontrava o capitalismo
industrial e o capitalismo financeiro que tinham comorepresentantes
a dissidente burguesia industrial. Rangel (1998) esclarece queessa
classe no se julgava industrial e sim comercial; entretanto, em vez
decomprarem e venderem, simplesmente, compravam insumos e vendiam
produtos,compondo, assim, um papel intrnseco junto ao capitalismo
financeiro.
Em consonncia com os ciclos de Kondratieff, desenvolviam-se
ciclosinternos no Brasil, mais conhecidos como Ciclos Juglarianos
Brasileiros7. Emsua anlise sobre os ciclos de Juglar, Rangel (1998)
afirma que:
outras palavras, Rangel (1983, p. 38) mais enftico, destaca como
o Brasil se comportavanas fases ascendentes e recessivas do ciclo
longo: nossas economias so confrontadascom dois tipos de desafios:
(a) nas fases ascendentes, no sentido de que mude a composi-o
natural do seu produto, isto , a estrutura de sua oferta nacional,
a fim de poder,simultaneamente, aumentar as exportaes e as
importaes, vale dizer, no sentido de abrirnossas economias e; (b)
nas fases recessivas, tambm com vistas a mudar a composionatural do
seu produto, mas no sentido contrrio, isto , de permitir o relativo
fechamento daeconomia o que importa uma forma qualquer de
substituio de importao , permitindo--nos prescindir de certas
importaes entradas em nossos hbitos nas fases a dos ciclos.
7 Os ciclos de Juglar brasileiros surgiram com a industrializao,
substituindo importaes emcada setor da economia. De certa maneira,
o ciclo breve modula o ciclo longo, somando-sea ele algebricamente,
ora atenuando, ora acentuando o seu efeito. O Juglar brasileiro
temdurao aproximada de dez anos, geralmente sendo depressivos os
primeiros anos dadcada e ascendentes os da segunda metade
(Tolmasquim, 1991, p. 33).
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A Terceira Dualidade engendrava um fato novo, numa economia
perifrica,isto , produzia seu prprio ciclo, coisa antes
prerrogativa dos pasesindustrializados integrados no centro
dinmico. No se tratrava, por certo,do ciclo longo, que inerente ao
centro dinmico mundial, como reflexo que dos processos de gestao e
propagao de tecnologia nova, mas deciclos mdios, aparentemente da
famlia do ciclo de Juglar, aparentementeinerentes fase de construo
do capitalismo industrial. (Rangel, 1998,p. 165).
Para a anlise desse perodo, consideramos o entendimento dos
ciclos deJuglar que tambm possuem suas fases de recesso e
crescimento interno.Todavia, essas fases nem sempre so coincidentes
com as fases a e b dosciclos de Kondratieff. Tal fato pode ser
melhor compreendido, quando se analisao desenvolvimento industrial
brasileiro, sobretudo no perodo ps-guerra, em queocorria uma
recesso internacional, mas o Brasil encontrava-se em uma
faseascendente do ciclo de Juglar, o que minimizou a crise interna,
perodo esteconhecido como Milagre Econmico Brasileiro. Nesse
momento, o Pas passoupor um perodo de crescimento devido fase
ascendente do ciclo de Juglar8.
O fim da terceira dualidade e incio da quarta dualidade
deveriaser caracterizado pela passagem da fase b do quarto ciclo de
Kondratieff (1948--73) marcada pelas crises do petrleo (1973 e
1978) que refletiu uma profundarecesso de ordem mundial e o
surgimento do quinto ciclo longo (1998-22).Rangel (1998) destaca
que a terceira dualidade traz ento outra singularidade,isto ,
embora havendo comeado nas condies da fase recessiva do ciclolongo,
a industrializao substitutiva de importaes no se interrompeu com
apassagem fase ascendente do quarto de Kondratieff, resultado do
dinmicoprocesso de industrializao. Todavia, a continuidade rompida
a partir do segundolustro da dcada de 80.
A quarta dualidade (projetada por Rangel), como as demais,
deveria tambmpossuir sua classe de representantes nos dois polos da
economia nacional. Nopolo interno, o semissalariato e o
semicapitalista rural, que so representadospela burguesia rural; no
polo externo, com o capitalismo industrial e o
capitalismofinanceiro, representados pelos burgueses
industriais.
na quarta dualidade que Rangel (1989) inclui sua abordagem sobre
osrecursos ociosos e a necessidade de uma poltica econmica
contundentementeeficaz, com as necessidades que se impunham naquele
momento.
8 O Ciclo Mdio Juglar-Marx interessa economia brasileira em duas
maneiras distintas:(a) como eco desses movimentos nos pases do
centro dinmico mundial em torno do qualgravitamos, isto , como
fenmeno exgeno, a exemplo do ciclo longo ou como perturbaesdestes
e; (b) como movimento endgeno, uma vez alcanado certo estgio do
nossoprprio desenvolvimento econmico, que trazia implcito o
surgimento de um centro dinmi-co interno vale dizer, com a construo
do capitalismo industrial brasileiro (Rangel,1983, p. 36).
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Tanto o quinto ciclo de Kondratieff quanto a quarta dualidade
apresentam--se temporalmente imprecisos e, at certo ponto,
incertos, especialmente devido capacidade poltica de coordenao, com
credibilidade, das oscilaes cclicasda economia internacional pelos
pases centrais centro do sistema capitalistaconsubstanciado pela
Organizao de Cooperao e Desenvolvimento Econmico(OCDE) e, por
conseguinte, pela instabilidade poltica e econmica do
Brasil,oportunizando uma apostasia; ou seja, a quarta dualidade no
se concretizoucompletamente.
A capacidade poltica que os pases do centro do sistema
capitalistaadquiriram deu a eles a permanncia no poder e, ao mesmo
tempo, essa novacoalizao de foras permitiu a concretizao da viso
Kautskiana desuperimperialismo (tendncia coalizao deliberada dos
estados capitalistasfrente s crises polticas e econmicas). Algumas
delas podem se observadasnas ltimas dcadas:
a) reao crise mexicana de 1982 e 1995; b) acomodao das falncias
financeiras, imobilirias, agrcolas e es- peculativas nos Estados
Unidos; c) desvalorizao planejada do dlar; d) fixao de mecanismos
cooperativos de conteno da especulao
cambial entre os bancos centrais; e) atuao compensatria do banco
do Japo para neutralizar a propagao
da quebra de suas bolsas de valores; f) controle do calote dos
pases devedores; g) financiamento do dficit do balano de pagamentos
dos Estados Unidos;h) a mundializao das relaes econmicas:
interdependncia e diminuio
das barreiras econmicas, desregulamentao e aumento dos
fluxosfinanceiros, interconexo dos mercados cambiais, financeiros e
de tipoportflio, formao de oligoplios globais (ao mesmo tempo,
essesoligoplios so contestados por atores polticos e econmicos
emergentes,vindos da Amrica Latina e da sia), estruturao de redes
globais degesto, etc. (empresas-rede).
Associado, entre outros, aos processos supracitados de
favorecimento dacoordenao poltica e de poltica cambial e financeira
entre os estados do centrodo sistema capitalista, houve a
necessidade simultnea, segundo Coutinho (1992),de um poderoso
cluster de inovaes baseado em novas tecnologias de
impactoabrangente (no sentido neoschumpeteriano) sobre o conjunto
das estruturasindustriais (rpida difuso de bens e servios). O
principal produto de basemicroeletrnica (complexo eletrnico),
perfazendo, assim, a cara da terceira revoluoindustrial, ou seja,
tcnica, cientfica e informacional. Assim, as condies para oquinto
ciclo esto formadas, todavia, com controle ainda parcial dos pases
centrais.
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Quanto quarta dualidade, ela foi afetada violentamente, entre
outras, pelacombinao da entrada do Pas no rol dos pases
globalizados, pela instabilidadepoltica (redemocratizao) e pela
coordenao poltica da economia mundialpelos pases do centro do
sistema. Ao mesmo tempo, a esquerda e as elitesbrasileiras no foram
capazes de apresentar uma alternativa condizente com aformao de um
pacto de poder entre a classe trabalhadora e o setor produtivo.Como
esse pacto no se formou em 1989 (eleio presidencial), a
possibilidadeda mesma s foi possvel em 2002; todavia, a esquerda
brasileira j estavacontaminada com os princpios neoliberais. Assim,
o governo que se apresenta politicamente contraditrio (um polo
nacionalista em confronto com um poloneoliberal). A quarta
dualidade, portanto, no est plenamente concretizada, ouseja, o
pacto de poder tendo como scio maior a burguesia industrial e o
sciomenor a burguesia rural sofreu consequncias de anos de
desindustrializao edesvalorizao das commodities e dos
agroindustrializados.
Ainda, considerado como um processo resultante de anlises
maisprecisas, a quarta dualidade nos mostra os rumos e contornos
que a economiabrasileira tem escolhido e que reproduzem aspectos de
interesses especficosdas classes dominantes e de carter
patrimonialista; entrementes, tambmdemonstra alguns compromissos
coerentes com o desenvolvimento econmicobrasileiro, como o caso das
polticas atuais desenvolvidas, como o Plano deAcelerao do
Crescimento (PAC) e as Parcerias Pblico-Privadas (PPPs)9.
Os resultados advindos e que posteriormente viro com o prximo
cicloinduzem/induziro compreenso do que Rangel (2005) considera
inerente parasada da crise e retomada do crescimento. Para o autor,
o setor ativo do quintociclo no poder ser outro seno o grupo de
grandes servios de utilidade pblica.A mobilizao estatal e a
converso do planejamento so essenciais aocrescimento da economia e
objetivao de bons resultados.
9 Projetos relativamente bem elaborados, todavia, as PPPs no
saram do papel e, quando asconcesses brasileiras iniciaram pelas
rodovias o modelo (j alterado) mostrou-se falho.O mesmo vem
contaminando o PAC. Soma-se a isso tudo uma oposio irresponsvel
epouco preocupada com o futuro do Pas.
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332Ana Paula Cam
ilo Pereira; Mrcio Rogrio Silveira
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 2, p. 321-344, dez.
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Quadro 1
Teoria da dualidade bsica da economia brasileira (pactos de
poder) articulada com os ciclos de Kondratieff, conforme Igncio
Rangel
FONTE: SILVEIRA, Marcio Rogrio. Estradas de ferro no Brasil: das
primeiras construes s parcerias pblico-privadas. Rio de Janeiro:
Intercincia, 2007.
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Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 2, p. 321-344, dez.
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O papel do Estado e sua influncia noprocesso de desenvolvimento
econmicoindustrial brasileiro
A promoo ao desenvolvimento da industrializao no Brasil
intensifica-sea partir do Governo de Getlio Vargas, com fortes
repercusses na dcada de50, estimuladas por uma nova conduta do
Estado e resultado da busca pelocrescimento, aps um perodo de
guerras mundiais. Num retrospecto do perodoanterior dcada de 50,
nota-se que o incentivo do Estado industrializao coerente desde a
dcada de 30. Nos discursos de Vargas, facilmente observamoscrticas
aos fazendeiros (rentistas) e defesa da indstria (produtiva). As
indstrias,para Vargas, deveriam ser amparadas pelo Estado (no
sofrer concorrncia deprodutos similares aos produzidos no Pas), e a
preocupao com a monocultura,sobretudo a cafeeira, dava-se devido ao
produto ser o principal produto da balanacomercial brasileira fato
s superado completamente na dcada de 60, quandoa produo industrial
ultrapassou a agropecuria10.
Para promover a Revoluo de 1930 ou, como afirma Fonseca (1999),
aRevoluo Burguesa Brasileira com carter de contra-revoluo, a
classedominante riograndense aliou-se mineira, paraibana e a alguns
paulistas.O resultado foi o golpe de Estado no qual Getlio Vargas
assumiu apresidncia da Repblica. O novo governo passou a
privilegiar ocrescimento do mercado interno. Todavia, a
agroexportao, em especial,cafeeira no foi abandonada. Iniciava-se,
deste modo, a abertura docomplexo rural cafeeiro (Rangel, 1990).
Com isso estabeleceu-se umaaliana entre o poder poltico dos
latifundirios pastoris e o poder econmicodos industriais em
ascenso, originados, sobretudo, da dissidncia doscomerciantes, e os
pequenos produtores mercantis, com o intuito depromover a
industrializao. Formava-se a a terceira dualidade e aconsolidao da
Segunda Repblica. Mas para que isso ocorresse foinecessrio o
desfalecimento, pelo menos aparente, da Repblica Velha,sustentada,
como no Imprio, pela monocultura. A idia de que o cafsustenta o
Brasil inverteu-se e abriram-se condies para justificar a idiade
que o Brasil sustenta o caf. Surgiam, assim, oligarquias
regionaisensaiando uma espcie de projeto nacional no to vinculado
ao caf.Estes ideais se espalhavam por vrios cantos do territrio
brasileiro.(Silveira, 2007, p. 24-25).
10 As quedas, de 1929 a 1945, em rea colhida e em produo,
representavam um risco paraa economia nacional, porque um pas no
pode depender da produo de um s produto.A crise, muito evidenciada
pelo colapso da bolsa de Nova Iorque (1929), estava minando
amonocultura cafeeira. A diversificao agrcola e a indstria
apareceram como opo,como alternativa mais provvel de
desenvolvimento econmico. Ficou estabelecido, notratado de comrcio
assinado com os Estados Unidos em 1935, que o Brasil propunha
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Assim, a delimitao, por Suzigan (1989), da dcada de 50 e do
Governode Juscelino Kubitschek, como o perodo e o governo
responsvel pelo boom daindustrializao brasileira tem que ser
pormenorizado, ou seja, o planejamentomacroeconmico, por mais que
no estivesse em formato de planos como noPlano de Metas , estava
sendo concretizado. Na cabea dos administradoresdo Estado, havia um
projeto de Brasil. Suzigan (1989) descreve que o papelmais ativo do
Estado no processo de industrializao foi a partir dos anos 50.O que
notamos, portanto, so aes isoladas, mas reunidas em forma de
plano,isto , o Plano de Metas:
a) energia - energia eltrica, nuclear, carvo, petrleo, refino do
petrleo(43% dos investimentos);
b) transportes - reequipamento e construo de estradas de
ferro,pavimentao e construo de estradas de rodagem, portos e
barragens,marinha mercante, transportes areos (29,6% dos
investimentos);
c) alimentao - trigo, armazns e silos, frigorficos,
matadouros,mecanizao da agricultura e fertilizantes (3,2% dos
investimentos);
d) indstrias de base - ao, alumnio, metais no ferrosos, cimento,
lcalis,papel e celulose, borracha, exportao de ferro, indstria
automotiva,indstria de construo naval, maquinaria pesada e
equipamentos eltricos(20,4% dos investimentos);
e) educao - primeiramente para a formao de pessoal qualificado
paraas atividades produtivas (3,4% dos investimentos); e
f) construo de Braslia e infra-estrutura de acesso - foram
consumidosentre 2,5% e 3,0% do PIB.
Como resultado da ao estatal no processo industrial brasileiro,
Suzigan(1989) conclui que a estrutura industrial avanou no sentido
de incorporarsegmentos da indstria pesada, da indstria de bens de
consumo durveis e daindstria de bens de capital, substituindo
importaes de insumos bsicos,mquinas e equipamentos, automveis,
eletrodomsticos, etc. Essa estruturaseria a base sobre a qual se
apoiaria o rpido crescimento da produo industrialno Pas.
Entrementes, a dcada de 50 no seria to promissora,
especialmentecom o Plano de Metas do Governo Juscelino Kubitschek,
se no fossem asbases criadas pelo Governo Vargas.
vantagens para alguns produtos de exportao em troca da reduo dos
impostos (20% a60%) para a importao de mquinas, aparelhos e aos
norte-americanos. O Brasil busca-va garantir o mercado para seus
produtos e baratear o preo de bens de capital e insumosbsicos
necessrios para promover a industrializao (Silveira, 2007, p
34).
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A Era Vargas foi a ocasio mais importante para a expanso e para
aconsolidao do capitalismo brasileiro, concretizado pela criao do
seuedifcio industrial. Por conseqncia, as aes das elites da
terceiradualidade, atravs do Estado, deram um novo tratamento para
a questooperria e para a participao dos segmentos mdios urbanos, no
camposocial. (Fonseca, 1999, p. 28). O intervencionismo estatal
frente iniciativaprivada e ao capital estrangeiro, tambm, reflete
uma maior participao dopoder pblico na regulamentao do regime de
trabalho assalariado e umamaior participao no controle de empresas
de servios pblicos e dosrecursos minerais, entre outros. (Silveira,
2007, p. 31).
Todavia, o crescimento da produo industrial estava vulnervel s
fasesdepressivas dos ciclos longos quando se voltava substituio
escalonada (sebem que essa situao em que a indstria brasileira
estava envolvida, ou seja,de crises substituio de importaes e
ascenses exportaes garantiu o desenvolvimento industrial
brasileiro). Com o fim do Governo Kubitschek,houve uma baixa da
produo industrial, resultante do processo depressivo(1962-1965) que
o Brasil, a posse de Jnio Quadros e posteriormente de JooGoulart
foram arregimentados pela crise econmica que nos impeliu para
umaditadura policial-militar (Rangel, 1986).
Convm destacar que, j nesse momento, Rangel (2005) aludia que
osservios de utilidade pblica11 consubstanciavam, na dcada de 80,
um setorretardatrio da economia. Nesse momento, Rangel alude sobre
a necessidadede se incrementarem investimentos nesse setor da
economia brasileira,considerando que os grandes servios de
utilidade pblica se apresentavamcomo a medula do setor retardatrio
da economia, aquele, portanto, que deviaser preparado para
instrumentalizar as principais oportunidades de inverso,
cujoaproveitamento redundaria em reerguimentos da taxa nacional de
formao decapital. Com isso, os servios de utilidade pblica
passariam a gerar um nuspara o Estado, mesmo quando permanecessem
sob a responsabilidade do capitalestrangeiro, computando um esforo
necessrio de formao de capital e geraode dficits de operao nas
finanas pblicas. No entanto, a inverso dessecmputo poderia ter sido
arregimentada, pois, ao considerar as condiesfinanceiras e o acesso
tecnologia necessria, a economia brasileira (j naquelemomento)
poderia assegurar uma rpida expanso das atividades, com seusprprios
meios de produo, de tcnica e de consumo.
11 Por servios de utilidade pblica, devemos entender aquelas
atividades que, por suatecnologia e por sua economia, esto
organizados como servios pblicos concedidos aempresas estrangeiras;
estiveram-no, na origem, passando para o regime de administra-o
pblica direta ou para o de empresas de economia mista de
propriedade quase exclu-siva do Estado, e ainda, aquelas atividades
que mereceriam ser equiparadas a estes.Encontram-se entre essas
atividades os servios de utilidade pblica tais como os
deeletricidade, transportes ferrovirios e martimos, portos,
transportes urbanos bsicos,comunicao urbanas e interurbanas,
armazenagem, etc. (Rangel, 2005, p. 526).
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Os anos 80 marcariam assim a famosa elucidao da dcada
perdida(que se estendeu para a dcada de 90), perodo que caracteriza
o fim do regimemilitar com Joo Baptista de Oliveira Figueiredo e o
incio de uma proposta deredemocratizao, a qual foi acompanhada pela
alta da inflao e aumento dadvida externa brasileira que, em
conjunto, provocaram uma profunda recessoindustrial, resultado,
tambm, da fase recessiva pela qual o Pas passava.A atuao do Governo
minimizava-se, abria-se uma nova fase poltica, com basesideolgicas
neoliberais, que se concretizou, no Brasil, a partir de 1989, com
aseleies presidenciais que deram posse a Fernando Collor de Melo e
a FernandoHenrique Cardoso.
Velhas falcias, o neoliberalismo reproduzia/reproduz a proposta
do Estadomnimo, isto , defesa crtica do Estado regulador,
considerando que a atuaodo Estado retarda o processo de realocao
dos capitais dos setores industriais.Com isso, a reduo da ao
estatal, conjuntamente com a desregulamentaoda economia e a
abertura econmica do Pas e, consequentemente, asliberalizaes do
comrcio e dos fluxos internacionais de capitais retardaram
odesenvolvimento industrial e provocaram o desencadeamento de
iniciativaspolticas que, equivocadamente, privatizaram setores
estratgicos da economianacional. Perfaz-se, assim, uma poltica de
desindustrializao (atravs de fuses,falncias, aquisies), privatizaes
e concesses de servios pblicossuperinvestidos iniciativa privada
especulativa nacional e estrangeira.
A poltica econmica vigente naquele momento enquadrava-se na
ideologianeoliberal, a qual concebia a competio como estratgia de
desenvolvimento emodernizao industrial. Assim, esta poltica
neoliberal adotada no Brasil, apartir dos anos 90, resultou na
desintegrao de setores estratgicos da economiabrasileira e na
desnacionalizao pela via das privatizaes.
Rangel (2005), em sua crtica sobre o modelo poltico-econmico em
que oPas se inseria, preconizava que o mercado exterior continuava
a oferecerbrilhantes oportunidades de expanso do intercmbio; mas,
ao contrrio do quea princpio pde parecer, o aproveitamento dessas
oportunidades dependia dacrescente medida de planejamento e no do
retorno ao liberalismo que, segundoo autor, significava um
retrocesso histrico da economia brasileira, ao qualdenominava de
apostasia.
Nesse processo, alguns setores da economia industrial passaram
por umreajustamento econmico, ou melhor dizendo, as indstrias
brasileiras passarampor uma alienao do bem pblico atravs da atuao
neoliberal de um Estadoinoperante.
Para Rangel (2005), a soluo cabvel para a crise enquadrava-se
naconverso do Brasil em economia socialista. Contudo, hoje preciso
admitirque, na atual conjuntura poltico-econmica, em que a esquerda
se comporta de
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forma to suscetvel s intempries, seria demasiadamente difcil tal
fato ocorrer.No entanto, de acordo com o planejamento
poltico-econmico atual, esperam--se possveis resultados que
confirmem uma retomada do crescimento econmicoque condiga com as
expectativas da sociedade.
A proposta rangeliana: planejamentoe retomada do crescimento
econmicobrasileiro
A proposta rangeliana baseia-se no princpio da concesso de
serviospblicos iniciativa privada12, isto , os recursos que so
destinados s empresas,que dispem de capacidade produtiva excedente,
seriam transferidos para setoresestrangulados da economia que
necessitam de investimentos. Para Rangel (2005),mudanas
institucionais adequadas podem fazer com que o Brasil arquitete
umambicioso plano de desenvolvimento base de investimentos nos
grandes serviosde utilidade pblica. Obviamente, que a proposta de
Rangel se orienta nanecessidade de um Estado ativo e planejador,
qualificao esta qual a polticaneoliberal no responde.
Todavia, o autor, ao considerar a crise dos setores de utilidade
pblica,bem como a economia e o Estado, argumenta que a economia
vigorosa, maso Estado dbil. E a atuao do Estado, que o autor
convenientemente classificacomo dbil, repercute o processo da ao
estatal de governos neoliberais, oqual, com uma viso poltica
ideolgica, compreende a minimizao do Estadocomo inerente ao
desenvolvimento econmico do Pas. Para o autor, necessrioum
planejamento para o desenvolvimento econmico do Pas.
12 A proposta rangeliana no evidencia uma poltica econmica em
que seja confiada ao setorprivado a operao administrativa como um
todo, em detrimento ao setor pblico, pelocontrrio, Rangel (2005, p.
719) admite que: Importantes atividades ora a cargo do setorpblico
da economia sero transferidos para o setor privado, embora isso no
implique aosservios transferidos sua irrenuncivel condio de servios
pblicos. Entretanto, quandoa crise implcita em tal transferncia
enfim houver passado, veremos que o peso do setorpblico no sistema
no ter diminudo, visto que, at no interesse do empresariado
privado,inclusive dos novos concessionrios dos servios, o Estado
dever assumir novas fun-es. Em sntese, o Estado deve ter a funo de
organizao desses setores, comoforma de promoo ao desenvolvimento
econmico.
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Esquema 1
Processo e consequncia da concesso dos servios pblicos
iniciativa privada, baseada em Igncio Rangel
FONTE: SILVEIRA, Marcio Rogrio. Estradas de ferro no Brasil: das
primeiras construes s parcerias pblico-privadas. Rio de Janeiro:
Intercincia, 2007.
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O vago desejo de progresso de nosso pas converte-se
gradualmente,graas ao planejamento, na vontade firme e lcida de
alcanar objetivosbem delineados e estabelecidos pelo uso ponderado
dos meios ao nossoalcance, os quais prontamente podem expandir-se
mediante o cumprimentodo plano ou programa. E, adjetivamente,
porque o planejamento no sepode fazer em quaisquer condies, mas
apenas em sociedades estveis,conscientes de sua unidade, a nao
ganha novo significado, precisamenteporque, entre as construes
sociopolticas contemporneas, a quemelhor atende as exigncias.
(Rangel, 2005, p. 454).
O autor ainda argumenta que o planejamento no nasce todo pronto,
de ummomento para o outro. Os instrumentos conceituais devem ser
aperfeioados erefinados, mediante longa elaborao terica, que no se
faz s no sossego dosgabinetes, e sim ao fogo da polmica, contra
preconceitos herdados ouimportados sem maior exame: preciso vigiar
a evoluo das condies polticasdo planejamento. E, em referncia ao
planejamento, est a intrnseca atuaodo Estado (Rangel, 2005).
Nesse sentido, Guimares (1994) adverte que a viso ideolgica da
crisediz que esta o resultado de excesso de Estado: mas, na
verdade, o oposto:no h excesso do Estado; o que realmente causa a
crise a carncia deempresrios privados. Para o autor, os empresrios
privados reforam a aodaqueles que tm capacidade de arregimentar
recursos para grandes projetos epara administr-los, tais como
ferrovias, rodovias, telecomunicao, energia, infra-estrutura em
geral, concluindo que, infelizmente, apenas o Estado tem
mostradomais competncia para tal assertiva.
Numa economia como a brasileira, tradicionalmente voltada para o
comrcioexterior, a importao o remdio bvio para tudo o que se mostra
escasso.Nessa perspectiva, Rangel (2005) introduz a utilizao da
capacidade ociosa,argumentando que seu intenso uso satisfar
plenamente o pensamentonacionalista, porque seu uso habilitar o
Brasil a desenvolver-se com seus prpriosmeios. O autor ainda
enfatiza que:
Se uma economia no utiliza plenamente seus recursos produtivos,
sedeixa no limbo da mera possibilidade um produto adicional para o
qual estocumpridas as condies prvias materiais ou tcnicas, renuncia
a umadicional de riqueza que poderia, alm de melhorar seus padres
deconsumo, aumentar, o que mais importante ainda, o volume dos
seusinvestimentos, dos quais depende, em grande parte, a ulterior
expanso doproduto nacional, isto , o desenvolvimento (Rangel, 2005,
p. 467).
Ao considerar o desenvolvimento dos servios de utilidade pblica
no Brasil,o autor diz que foram predominantemente organizados como
servios pblicosconcedidos a empresas privadas estrangeiras, e que
graas a isso foi possvellanar o processo de industrializao.
Contudo, o prprio processo industrialbrasileiro estruturado em
torno da modernizao revelou que os servios bsicos
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340 Ana Paula Camilo Pereira; Mrcio Rogrio Silveira
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de utilidade pblica tornavam-se cada vez mais insuficientes. A
economia estem crise porque o Estado, atual responsvel pelas
atividades a expandir(basicamente os grandes servios de utilidade
pblica), no se encontra emcondies de mobilizar os excedentes que o
setor privado capaz de produzir.Todavia a isso, Rangel (2005) prope
a recriao de estancos, isto , concessodos servios pblicos
subinvestidos s empresas privadas supercapitalizadas:
No centro desse processo, encontraremos a reviso do direito
deconcesso, o qual, havendo passado da concesso de servios pblicosa
empresas privadas estrangeiras concesso de servios pblicos
aempresas pblicas ou estatais, deve passar agora forma mais
avanadacompatvel com o capitalismo, isto , a concesso de servios
pblicos aempresas privadas nacionais, vale dizer, financiada em
moeda nacional,pouco importando se o investidor , luz do direito
internacional privado,nacional ou no nacional (Rangel, 2005, p.
747).
Dessa forma, a proposta rangeliana vem compor um plano
estratgico deao econmica em que se faz necessrio um Estado operante
e planejador,condizente com as novas funes que deve realizar,
principalmente, com a criaode oportunidades de investimentos em
setores estrangulados da economia,sobretudo, os servios de
utilidade pblica, setores estes carentes deinvestimentos. nesse
sentido que a proposta rangeliana visa retomada e aofomento do
desenvolvimento econmico e industrial brasileiro.
Consideraes finaisPara a discusso sobre a economia brasileira e
o processo de
industrializao, requer-se, de acordo com a proposta rangeliana,
um governoque proporcione habilidade de gesto para a atual
conjuntura poltico-econmicaem resposta ao neoliberalismo, como
forma de enunciar uma poltica deplanejamento econmico estratgico de
expanso da capacidade produtiva, bemcomo eficazmente oramentrio e
operante, tanto do ponto de vista econmicocomo poltico.
Para Rangel (2005), essencial um plano que reforce as
inovaesinstitucionais como forma de um novo enquadramento
poltico-administrativo quereveja a ordem de solues e que se dirija
de acordo com as novas necessidadesque o processo de industrializao
impe atualmente. Assim, mais do que umEstado hbil, a economia do
Pas necessita de um plano de aes eficazmentecoerente com a
realidade brasileira, em que se vise expanso do comrcioexterior,
mudanas na estrutura da oferta e da procura, que so alternativas
daproposta rangeliana como meios prticos de ao contra a ociosidade
e a inflao.
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Para o autor, sem a reduo da ociosidade, a luta contra a inflao
se converteem luta pela estagnao da economia, porque conduz busca
de um equilbriono estancamento ou na retrao, e no no
crescimento.
No tocante a isso, conclui-se que, operantemente, o Estado deve
intensificarsua atuao no sentido de promover o desenvolvimento
econmico a partir daproposta rangeliana de concesso de servios
pblicos iniciativa privada,dinamizando, assim, os diversos setores
industriais e o comrcio exterior, tendopara isso um Estado que se
baseie em normas jurdicas institucionais quegarantam a retomada do
crescimento, a partir de um plano em que se prezem
asresponsabilidades sociais e econmicas do Brasil.
Para que o Pas possa continuar se desenvolvendo economicamente
ecandidatar-se a recursos externos, que podem de certa forma,
engendrar taldesenvolvimento, necessrio, de acordo com Rangel
(2005), que nosqualifiquemos como bons ricos e, para isso, somente
h dois caminhos possveis:elevar a capacidade de endividamento, o
que, paradoxalmente, supe ademonstrao de que podemos prescindir de
ajuda externa, que podemos honrarnossas dvidas anteriores, etc.; e
suscitar, no interior da economia, novasoportunidades de inverso,
isto , provando que podemos nos utilizareconomicamente do excedente
que j estamos em condies de produzir.
Em sntese, mais do que retricas ideolgicas, necessrio um
novoenquadramento poltico, econmico, industrial e consequentemente
social, emque se preze a unidade dialtica entre o setor pblico e o
privado, de forma agarantir a interveno do Estado, como agente
regulador do processo dedesenvolvimento do Pas. Rangel (2005)
defende que o caminho restabelecer averdade dos fatos, indicando os
meios verdadeiros de alcanar o desenvolvimentoe, de tal modo, que
todas as foras vivas da Nao encontrem lugar e modo deaplicar-se,
descubram que no existe real conflito entre interesses presentes
dasociedade e os futuros e, base dessa descoberta, desenvolvam um
crescentee indispensvel entusiasmo na construo econmica. E para a
promoo doreal desenvolvimento econmico em sua totalidade, a partir
da proposta rangeliana, necessrio, como o prprio autor conclui, uma
rearrumao da casa.
Este artigo buscou inserir teorias de essencial anlise para o
estudo daeconomia brasileira, como, principalmente, os referenciais
rangelianos sobre adinmica da dualidade brasileira, os ciclos
econmicos e os recursos ociosos ea poltica econmica. Esses
referenciais no so meramente aleatrios, masintroduzem a importncia
de se compreender o processo de industrializaobrasileira a partir
da teoria de Igncio Rangel.
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342 Ana Paula Camilo Pereira; Mrcio Rogrio Silveira
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 2, p. 321-344, dez.
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