-
Implicaes Transmiditicas do uso do RPG e do Wargame como
ferramenta de apoio Vastas Narrativas
de Fantasia Medieval Transmedia's Implications of the use of RPG
and
Wargame as tools to support Vast Narratives of Medieval
Fantasy
Leonardo A. de Andrade , Tiago E. dos Santos , Diogo Augusto
Gonalves , Layla Stassun Antonio
,
Universidade Federal de So Carlos, Departamento de Artes e
Comunicao
Departamento de Cincias Sociais Departamento de Sociologia Rod.
Washington Luiz, Km 235 So Carlos, So Paulo, Brasil
[email protected], [email protected], [email protected],
[email protected]
RESUMO Surgidos na dcada de 1970, o Wargame Chainmail e o
primeiro RPG compartilharam o gnero da fantasia medieval para
explorar narrativas interativas. Neste artigo so analisadas as
principais vastas narrativas do gnero fantstico medieval envolvendo
RPG e Wargame e as implicaes transmiditicas das adaptaes. Alguns
sistemas de regras tm suas mecnicas de jogo discutidas, trazendo
base para a experincia do uso do RPG como ferramenta de apoio
criativo e de coeso de narrativa no cenrio Terras de Shiang.
Utilizando regras de RPG e de Wargame, o artigo mostra o processo
criativo e as implicaes transmiditicas da experincia analisada.
Palavras-Chave: D&D, Narrativa Vasta, Terras de Shiang,
ReOPS, RPG, Wargame.
ABSTRACT Emerging in the 1970s, the Wargame Chainmail and the
first RPG shared the medieval fantasy genre to explore interactive
narratives. In this article, we'll analyze the main vast narratives
of the medieval fantasy genre involving RPG and Wargames and its
transmedia's implications. Some systems of rules have their game
mechanics discussed, building the basis for the experience of using
the RPG as a tool for creative support and cohesion of narrative in
the scenario Shiangs Lands. Using rules of both, RPG and Wargame,
this article exposes the creative process and the transmedia's
implications of the experience analyzed.
Keywords: D&D, Shiangs Lands, ReOPS, RPG, Vaste Narrative,
Wargame.
1. INTRODUO No incio da dcada de 1970 nos EUA, foram criados os
primeiros Wargames e RPGs (Role Playing Games) de fantasia
medieval. Os primeiros Wargames da dcada de 1960 utilizavam
referncias histricas para simularem combates, mas isso mudou com
o
Wargame Chainmail, que utilizava uma mitologia baseada na
fantasia medieval criado por Tolkien na trilogia O Senhor dos Anis
(Tolkien, 1954), com a utilizao de raas e de seres mticos adaptados
a uma mecnica de regras, miniaturas, tabuleiro e cenrio para
simularem combates em um mundo ficcional. Trs anos aps a criao do
Chainmail, em 1974, surgia o primeiro RPG utilizando os mesmos
elementos ficcionais do Wargame Chainmail, s que individualizando
os personagens. Com as regras do RPG, era possvel definir atravs de
um sistema de regras, cada um dos personagens que eram tratados
anteriormente por conjuntos. Dungeons and Dragons, ou simplesmente
D&D como mais conhecido, e o Chainmail foram criados por Gary
Gygax em duas parcerias (com Jeff Perren no Chainmail e Dave
Arneson no D&D), sendo publicados pela editora TSR, e abriram
possibilidades de explorao de realidades ficcionais atravs dos
jogos (Gygax & Parren, 1973) (Gygax & Arneson, 1975). A
Figura 1 mostra a capa do Wargame Chainmail.
Figura 1: Capa do manual de regras do Wargame Chainmail.
Pela perspectiva antropolgica de Roger Callois (Callois, 1958),
quatro categorias podem ser enumeradas para classificao dos jogos:
. Agn: Nesta categoria, por mais que possa ser cobrada a igualdade
entre os competidores, esta no pode ser inteiramente observada,
devido as caractersticas individuais dos concorrentes,
-
assim como a fora muscular e as habilidade, resistncia e
engenhosidade ou pelas prprias regras e convenes existentes nos
jogos que acabam beneficiando uma equipe ou o concorrente. Esses
desequilbrios promovidos pelas regras podem ser exemplificados por
indicaes e por observaes do oponente que, na possibilidade de sua
engenhosidade operar, pode partir para uma situao j conhecida, como
o xadrez que, a cada lance pode promover um desequilbrio temporrio
ou permita, inclusive, a vitria. . Alea: Nesta categoria o aleatrio
e o acaso aparecem. no jogo que o homem tem a oportunidade de lidar
com a realidade do aleatrio, da contingncia e da improbabilidade,
do que no lgico nem sistemtico aos olhos do homem. O conjunto de
todas as substncias do jogo, mesmo tendo merecido ateno no seu
treino e especializao, pode escapar s circunstncias e ao domnio da
capacidade de previsibilidade do homem. . Mimicry: A terceira
categoria trata dos jogos fictcios em que os participantes adotam
para si o papel de determinados personagens. uma forma de se
apropriar de outra realidade que no a sua. O mimicry explora o
prazer de interpretar, ou pelo menos se passar por um personagem. .
Ilinx: Nesta categoria os jogos associam-se a uma busca frentica de
uma situao que pe o corpo numa exausto atingindo a frenesi
momentnea, porm no mximo de xtase. A Ilinx abarca as diversas
variedades de uma exaltao que implica um atordoamento
simultaneamente orgnico e psquico. Ao analisarmos o Chainmail e o
D&D sobre essa classificao, temos no primeiro um jogo centrado
no raciocnio estratgico, sendo que as regras so utilizadas para
simulao de combates com unidades bsicas de vinte homens, com dados
de seis lados (d6), relacionando este jogo fortemente ao agn
(estratgico) e ao alea, e mais fracamente ao mimicry. Por sua vez,
o D&D um jogo no qual as regras definem parmetros textuais e
numricos especficos de um nico personagem (marcados na ficha de
personagem), e a utilizao desses parmetros com dados de variado
nmero de faces (quatro, seis, oito, dez, doze e vinte faces) para
resoluo de combate e de outras situaes narrativas, fazendo este
jogo relacionado de forma mais igualitria entre o mimicry, ao alea,
e ao agn. A Figura 2 mostra a capa do livro de regras do
D&D.
A B Figura 2: Capa do livro de regras do RPG D&D, primeira
edio
americana (A) e da verso brasileira, a clssica caixa preta, RPG
lanado pela Grow (B).
O D&D apresentou dois novos conceitos, sendo o primeiro dele
a introduo da noo de Mestre de Jogo (Dungeon Master ou DM, no
original), que atua como juiz e narrador e responsvel por manter o
cenrio ficcional do jogo e aplicar as regras a cada situao
descrita. O segundo novo conceito foi o de evoluo do
personagem. Aps os jogadores embarcarem em uma aventura
imaginria na qual eles enfrentam monstros, renem tesouros,
interagem entre si e ganham pontos de experincia, que so utilizados
para evoluir o personagem, tornando-o mais poderoso medida que o
jogo avana dentro de uma campanha. Uma 'campanha' uma srie de
aventuras ou cenrios, usualmente utilizando os mesmos personagens e
jogadores, e utilizando o mesmo sistema de regras (Masters, 1994).
De forma nica, este jogo se mostrou uma atividade que une a
narrativa ao ldico de forma intrnseca. O D&D abriu as portas
para um gnero de jogo no qual era possvel explorar variadas
realidades, histricas ou ficcionais. No ano seguinte ao lanamento
do D&D (1975), comearam a surgir inmeros RPGs com variadas
temticas histricas e ficcionais, como En Garde!, ambientado na
Frana do sculo XVIII (Hanny & Chadwick, 1975), Boot Hill
ambientado no velho oeste americano (Blume & Gygax, 1975) e
Empire of the Petal Throne ambientado em um complexo mundo
ficcional (Barker, 1975), sendo que atualmente existem mais de mil
ttulos de RPG (Andrade & Godoy, 2004). Contudo, desde seu
lanamento, o D&D dominou a indstria americana de RPG. Em 1977,
o jogo foi dividido em duas verses: A mais simples, chamada
Dungeons & Dragons, e a mais complexa, Advanced Dungeons &
Dragons, abreviada como AD&D (Gygax, 1979). As dcadas de 1980 e
1990 trouxeram ao mercado um grande nmero de RPGs, e o D&D e o
AD&D passaram a dividir o pblico de forma mais igualitria. A
Figura 3 mostra a capa do AD&D segunda edio (Cook, 1989). Em
1999 a TSR foi vendida empresa Wizards of the Coast, que no ano
seguinte relanou o primeiro dos RPGs em uma nova verso.
Figura 3: Capa do RPG AD&D segunda edio.
Em 2000 a verso mais simples foi descontinuada, e a verso
complexa foi renomeada como Dungeons & Dragons 3 Edio. Em Julho
de 2003, lanado o Dungeons & Dragons v3.5, verso conhecida como
D&D 3.5 (Cook et al, 2003). Com exceo da 4 Edio (a atual,
lanada em 2008), o D&D evoluiu em trs dcadas sua mecnica de
regras (at o D&D 3.5), permitindo um maior equilbrio entre
diferentes tipos de personagem, que podem variar a raa e a classe.
As evolues deixaram o jogo mais fortemente relacionado ao agn
(estratgico) e ao mimicry, diminuindo a relao com o alea. A Figura
4 mostra a capa do D&D 3.5.
-
Figura 4: Capa do RPG D&D 3.5.
Desde sua criao, mundos de fantasia medieval foram criados para
serem explorados com as regras do D&D, sendo que alguns deles
exploraram a transmdia, explorao do cenrio em outras mdias, como
literatura, quadrinhos e jogos, de forma nica. Um desses exemplos o
cenrio Forgotten Realms, criado inicialmente de forma literria para
crianas no final dos anos 1960 por Ed Greenwood. Na dcada de 1980,
o autor escreveu diversos artigos para uma revista especializada em
RPG1, o que culminou na criao de um livro de RPG em 1987 (Greenwood
& Grubb, 1987). O RPG abriu espao para explorao transmiditica
para romances, quadrinho e adaptaes para RPGs de computador (o que
inclu ttulos como a srie Eye of The Beholder, Baldurs Gate e
Neverwinter Nights), criando uma vasta narrativa desse cenrio.
Ainda nos anos 1980, um grande sucesso de adaptao para animao, o
desenho Dungeons & Dragons (conhecido por Caverna do Drago no
Brasil), leva um grupo de jovens do nosso mundo a um mundo clssico
de fantasia medieval. A relao dos RPGs de fantasia medieval com os
Wargames, teve um novo enlace no incio dos anos 2000. Concomitante
com lanamento da 3 Edio do D&D, o Wargame Chainmail foi
relanado. Aproveitando algumas regras do D&D 3.5, o novo jogo
de miniaturas chegou ao mercado ainda amarrado a algumas regras dos
jogos de miniaturas tradicionais, como a utilizao de fita mtrica
para marcar a distncia (os jogos atuais utilizam mapas com espaos
determinados como quadrados ou hexgonos o que facilita a aplicao
das regras). Apesar de algumas inovaes, como o uso de regras de
combate para grupos menores, o Chainmail no foi um sucesso de
vendas, mas abriu mercado para esse gnero de jogo. O lanamento do
D&D 3.5 inovou com a utilizao de miniaturas com o fim de marcar
o posicionamento dos personagens no mapa. Devido grande aceitao do
pblico, foi lanado o Wargame D&D Miniatures, cujas batalhas so
feitas de personagem contra personagem, aonde cada um deles possui
uma miniatura para ser colocada no tabuleiro, uma carta ilustrada,
contendo os dados de jogos de miniaturas em um de seus lados e as
informaes referentes ao RPG no verso. Atravs desse novo sistema,
houve a possibilidade de integrao direta entre o Wargame e o RPG. A
experincia de utilizar RPG e Wargame para produtos transmditicos
vem sendo explorada no cenrio Terras de Shiang, um mundo de
fantasia distante, onde no existem humanos e as raas predominantes
evoluram de smios, tigres e lagartos. Apesar de a evoluo tecnolgica
ser prxima da poca medieval, os elementos do cenrio esto mais
prximos das culturas orientais
1 Dragon Magazine, editora TSR, Inc. de 1976 2007.
(com nfase na japonesa e chinesa) do que nas ocidentais. O mundo
das Terras de Shiang foi criado em 1993 utilizando o sistema
AD&D (segunda edio), e foi adaptado a um sistema de regras
genrico, intitulado na poca OPERA RPG2. O sistema de regras evoluiu
juntamente com o cenrio, sendo publicado em 2004 na sua 6 verso
(Andrade & Godoy, 2004). Hoje em dia o sistema se encontra na
sua 8 verso, e foi relanado com o nome ReOPS3 (Andrade & Godoy,
2010). Atualmente uma vasta campanha est sendo executada no cenrio
de Terras de Shiang com o auxlio do RPG na construo e coeso da
narrativa, incluindo o desencadeamento de uma batalha pica,
administrada com as regras do Wargame, cujo resultado interferiu
diretamente na campanha do RPG e na histria do prprio mundo. Atravs
dessa experincia, ser abordada a criao transmiditica dentro do
cenrio, discutindo a criao de vastas narrativas no tpico 2; as
mecnicas de jogos de regras de RPG e Wargame no tpico 3; a criao
com o uso do RPG do cenrio Terras de Shiang e suas implicaes
transmiditicas no tpico 4 e finalmente, as concluses no tpico
5.
2. RPGS DE FANTASIA MEDIEVAL E AS NARRATIVAS VASTAS Contemporneo
ao D&D, um mundo de fantasia medieval que no utilizava
elementos tolkianos foi lanado, e embora ele nunca tenha atingido o
sucesso do D&D, possui um papel histrico relevante. O RPG foi
chamado de Empire of the Petal Throne (Barker, 1975), e foi criado
pelo professor universitrio e linguista M. A. R. Barker. O mundo
deste RPG, o fictcio Tkumel, foi criado na dcada de 1940, e atravs
de estudos de lnguas como Urdu, Pushtu e Maia foi criada na dcada
de 1950 a lngua Tsolyni, com guias gramaticais e dicionrios
(Barker, 1950). Essa lngua falada no maior continente do mundo de
Tkumel, e devido sua complexidade, possvel comparar Barker a
Tolkien. A Figura 5 mostra a capa da caixa bsica deste RPG.
Figura 5: Capa da caixa do RPG Empire of the Petal Throne.
O mundo de Tkumel trouxe um nvel de detalhe e qualidade para
suas campanhas que era desconhecido na nascente indstria do RPG,
com menor nfase nas tticas de combate herdadas do Wargame. Por
problemas de suporte da empresa TSR, Barker se
2 dito sistema genrico aquele que pode ser adaptado a qualquer
tipo
de cenrio, histrico ou ficcional. 3
-
desligou dela e continuou a publicao do RPG, at os dias de hoje,
incluindo: - Swords & Glory, publicado em 1983/4 em dois
volumes; - Gardasival: Adventures in Tkumel, publicado em 1994; -
Tkumel: Empire of the Petal Throne, publicado em 2004. Em termos de
cenrio, Tkumel possui muito mais detalhes que outros mundos de
D&D. Barker detalhou deuses, religies, rituais, governos,
vestimentas, costumes, hbitos, e mais importante, as lnguas foram
estabelecidas para cada nao do planeta. E esses elementos no vinham
de um mundo medieval ocidentalizado. Barker pegou suas experincias
sobre a ndia e sia para criar culturas extremamente inditas e
totalmente estranhas ao RPGista padro, habituado com fantasia
medieval com influncia de Tolkien. Empire of the Petal Throne um
jogo em que o sistema e cenrios trabalham em conjunto para produzir
um mundo, onde os personagens esto amarrados na estrutura de poder
religiosamente e politicamente e as decises destes poderes servem
de plano de fundo para as campanhas. Diferente da maioria dos
cenrios de D&D, onde os jogadores enfrentavam monstros, em
Tkumel passaram a ser Tsemels (guerreiro-cardeais), conduzindo uma
guerra santa contra vizinhos hereges. Aps a publicao do primeiro
RPG ambientado em Tkumel, Barker passou a coordenar campanhas de
RPG com Mestres de Jogo espalhados por todo o continente
norte-americano e isto fez com que pudesse ampliar seu universo
ficcional de forma nica. A partir de 1984, romances ambientados em
Tkumel comearam a ser publicados, expandindo sua vasta narrativa no
total foram cinco, sendo o ltimo de 2004. Neste cenrio, o papel do
mimicry ganhou destaque em relao ao agn e alea, uma tendncia que
foi seguida nas dcadas seguintes por alguns cenrios de RPG. Ainda
na dcada de 1970, foi fundada a editora Chaosium, responsvel a
partir do final desta dcada por ttulos que prezavam a narrativa de
forma mais profunda dentro das possibilidades da representao.
Criando um sistema de regras simples baseado em porcentagens4, a
produo dos RPGs da Chaosium chamou a ateno para a riqueza de
detalhes presente nas narrativas e descries de seus ttulos. A
Figura 6 mostra a capa do manual bsico do Basic Role-Playing.
Figura 6: Capa do Basic Role-Playing.
Em seu primeiro ttulo, o RPG RuneQuest (Perrin & Stanfford,
1978) ambientado no mundo mtico de Glorantha. Um cenrio de fantasia
extremamente rico, cujo contedo contempla mitologia, teologia,
dentre outros, abrigando narrativas dentro de diversas mdias tais
como: quadrinhos, Wargames, RPGs, jogos eletrnicos, romances, etc.
O universo sofre grande influncia da
4 Sistema de regras genrico chamado Basic Role Playing,
publicado
originalmente em 1980 pela Chaosium e relanado em 1981, 2002 e
2008.
obra de Joseph Campbell5, sendo utilizada como base para vrios
mitos. Devido a esse universo criado, cuja expanso acontece em
vrias mdias, Glorantha proporcionou ao RPG RuneQuest um meio
extremamente imersvel, trazendo diversas ferramentas que contribuem
para uma experincia impar para os jogadores. Graas a todas essas
mdias o RPG RuneQuest considerado historicamente, o segundo RPG
mais jogado do mercado (Maranci, 2001). A Figura 7 mostra a capa do
RPG RuneQuest.
Figura 7: Capa do RPG RuneQuest.
O RPG Stormbringer (Andre & Perrin, 1981) ambientado em um
cenrio medieval de fantasia sombria criado por Michael Moorcock, na
srie de romances sobre Elric de Melnilbon. Esse RPG, criado em
torno do ex-imperador albino Elric de Melnilbon, possui vrias
bifurcaes miditicas, abarcando desde histrias em quadrinhos,
filmes, msicas, romances e novelas. Nesse universo transmiditico, o
RPG no trabalha como um utenslio de construo narrativa, e sim como
um complemento ao cenrio criado. A imerso nessa narrativa est
pautada no consumo de todo o contedo miditico. A histria base para
esse RPG tem razes no personagem Elric de Melnilbon, ex-imperador
de uma civilizao o qual possui a habilidade de invocar seres
sobrenaturais e possui a espada Stormbringer, que d nome ao RPG,
que lhe confere fora e sade, entretanto deve ser alimentada por
almas. As campanhas podem se apoiar nas histrias de desgraa que o
protagonista trouxe para sua civilizao com a utilizao de sua
espada, ou mesmo no rico cenrio fantstico cuja influncia vem desde
Bertolt Brecht at a mitologia tolkiena, entre outros grandes nomes.
A Figura 8 mostra a capa do RPG Stormbringer.
5 Existe um grande nmero de livros de Joseph Campbell, estudioso
da
narratologia mtica. Sua obra mais conhecida intitulada O Heri de
Mil Faces, e foi lanada na dcada de 1950 (Campbell, 1992). Nela,
Campbell define a jornada do heri, uma estrutura bsica narrativa
presente na maioria das histrias picas.
-
Figura 8: Capa do RPG Stormbringer.
No RPG King Arthur Pendragon, conhecido tambm como Pendragon
(Stanfford, 1985) o cenrio de fantasia medieval histrico com
pequena interveno fantstica (onde existe o uso da magia mas de
forma mais discreta que em outros cenrios do mesmo gnero). Esse
jogo tem como mote principal histrias vividas no contexto do rei
Arthur, resultado de mais de dez anos de estudo desse perodo,
proporcionando uma construo narrativa cuja temtica sugeria aspectos
trgicos, conflitos e um pouco de cooperativismo referentes ao
perodo histrico em que se passa o jogo, alm de fatos fantsticos
enraizados a mitos ou mesmo aspectos relacionados religio,
paganismo, etc. A narrativa contextualizada em lendas como o Santo
Graal, ou outros diversos mitos da idade das trevas, abre-se uma
gama muito extensa de referncias externas, que podem incrementar a
campanha. Apesar do RPG Pendragon, no ter uma extenso miditica
vasta, o RPG tm servido como meio de pesquisa, na qual os jogadores
seguem uma campanha referente aos acontecimentos da poca,
enriquecidos pelo sistema do jogo (Harrigan & Wardrip-Fruin,
2009). A narrativa se torna concisa atravs de conflitos
relativamente comuns ao perodo, por exemplo, as campanhas duram
anos, e existe a questo da morte do personagem fazendo com que o
jogador assuma seu herdeiro, trazendo uma continuidade singular
para a campanha. Pendragon um RPG que traz uma experincia de imerso
muito interessante, proporcionando educao, por meio de conflitos
presentes em um universo cheio de idealismos, tragdia e lendas
sobre imortalidade. A Figura 9 mostra a capa deste RPG.
Figura 9: Capa do RPG Pendragon.
Analisando os exemplos, observamos que a narrativa do RPG difere
de narrativas tradicionais de literatura e cinema porque oferecem
um nico foco de personagens para fazer com que a sua histria
avance. Campanhas de RPG so construdas sem ter um personagem
principal, sendo capaz de acomodar mltiplos protagonistas. A
variabilidade de personagens, inclusive, tem implicaes diretas na
escolha da mecnica de jogo. Temos vrios exemplos de cenrios de
D&D que primam a fantasia em detrimento ao realismo. J no RPG
Pendragon, temos um cenrio mais realista e menos fantasioso. Uma
anlise de alguns sistemas de regras de RPG ser apresentada no
prximo tpico.
3. MECNICAS DE JOGO 3.1. RPG A matematizao da realidade atravs
de uma mecnica de jogo permite ao RPG coeso narrativa e
equacionamento de personagens e situaes presentes no cenrio, at
mesmo em mundos fantsticos, como os do D&D. A matematizao
acarreta em modelos que permitem uma simulao dentro da realidade do
cenrio, que pode ser explorada com personagens permitidos pela
mecnica de jogo. Para entendermos sua importncia veremos a evoluo
do sistema de regras da primeira edio do D&D at sua terceira
edio, e tambm discutiremos os sistema de regras de outros RPGs
como, o Basic Role-Playing e o ReOPS, cuja capa mostrada na Figura
10.
Figura 10: Capa do ReOPS.
Em sua primeira edio o D&D se utiliza principalmente de
esteretipos e arqutipos para a criao de personagens, mesmo que
todos, tanto coadjuvantes como os principais, compartilhem de
certos parmetros, como:
- Atributos: No DUNGEONS & DRAGONS, usamos seis habilidades
para definir um personagem: Fora, Inteligncia, Sabedoria, Destreza,
Constituio e Carisma. Fora define poder fsico. Inteligncia mede
rapidez de aprendizagem e raciocnio. Sabedoria indica o nvel de
senso comum do personagem. Destreza representa agilidade e
velocidade. Constituio refere-se sade do personagem e Carisma
determina o quanto um personagem bonito e amigvel, na opinio das
outras pessoas. Os pontos de habilidades so determinados jogando-se
3d6, portanto eles variam entre 3 e 18. Quanto maiores forem os
pontos, melhor ser o personagem naquela habilidade. Por exemplo, um
personagem de Fora 3
-
extremamente fraco, enquanto outro de Fora 18 muito forte.
(Gygax, 1979, p. 4)
- Pontos de Vida que definem quanto dano o personagem pode
receber antes de desmaiar ou morrer.
- Alinhamento: no D&D, existem trs alinhamentos: Ordeiro,
Catico e Neutro. Todo personagem ou monstro comporta-se de acordo
com um destes alinhamentos. Cada classe (como so chamados os
arqutipos no D&D) tem suas especificidades e ao escolher uma
classe pr-determinada, o jogador escolhe por consequncia essas
singularidades. Nesta primeira edio do D&D temos oito arqutipos
principais para personagens jogadores: Guerreiro, Clrigo, Mago,
Ladro, Ano, Elfo e Halfling. Sendo que a separao dessas classes
engloba no s as competncias e habilidades como tambm a raa do
personagem. Cada classe tem uma tabela de progresso, evoluo prpria,
poderes (como a magia para Magos, os poderes divinos para Clrigos)
e habilidades especficas. Alm de uma quantidade de pontos de vida
possvel. Para se definir o valor exato de pontos de vida, rola-se
um dado. O primeiro sistema de regras do D&D simples, e foi a
base para a evoluo no s de sua prpria mecnica como para o RPG em
geral. Alguns anos depois do lanamento da primeira edio de D&D
surgiu sua evoluo, o Advanced Dungeons & Dragons ou AD&D.
Contando com um sistema mais complexo, com mais regras que foram
criadas para satisfazer a necessidade de um jogo mais divertido.
Sua mecnica de jogo ficou mais encorpada possibilitando o
desenvolvimento de vrios suplementos com bastante contedo de
ambientao em relao fantasia clssica como: aprofundamento da descrio
das classes e seus recursos, desenvolvimento de mais criaturas,
mais magias e a criao de cenrios inteiros de fantasia. As
principais mudanas do AD&D em relao primeira edio do D&D
foi o aprofundamento da mecnica de jogo e o lanamento de diversos
suplementos. O alinhamento do D&D se transformou em tendncia e
foi expandido. No AD&D se utilizando da combinao dos conceitos:
Bom, Mal, Neutro, Ordem e Caos, a orientao moral do personagem
construda. O AD&D traz uma separao nos arqutipos, nesta edio
uma classe no define a raa do personagem, que escolhida de forma
separada, aumentando assim as possibilidades de personagens. As
raas apresentadas no AD&D so: humano, elfo, ano, halfling,
meio-elfo e gnomo. Enquanto que as classes de personagem so
subdivididas em: Guerreiro (que se subdivide em Homem de armas,
Ranger e Paladino), Arcano (que se subdivide em Mago e
Especialista), Ladino (que se subdivide em Ladro e Bardo) e o
Sacerdote (que se subdivide em Druida e Clrigo). Alm de se poder, a
partir desta edio, combinar duas ou mais classes, o que aumentou as
possibilidades de arqutipos. Com o surgimento da terceira edio, o
AD&D volta a se chamar D&D, essa nova verso vem com uma
roupagem atual e diferente, trazendo muitas diferenas e melhoras
quando comparada s suas verses mais antigas. As mudanas nas regras
no se resumiram apenas em detalhes, mas sim na estrutura tambm. O
grande diferencial da nova verso o sistema de jogo chamado D20 que
se tornou aberto fazendo com que muitos sistemas genricos de
AD&D desaparecessem.
O sistema de atributos e habilidades foi simplificado e
melhorado, houve a introduo do meio-orc como raa. No h mais
subdivises nas classes de personagens e diferente da segunda edio
(AD&D) essas classes, no decorrer de seus nveis, adquirem
habilidades especiais que os tornam nicos, enquanto que antes as
diferenas se resumiam apenas em algumas habilidades, nos pontos de
vida e em outros pequenos detalhes. As novas classes da terceira
edio do D&D so: Guerreiro, Bardo, Brbaro, Monge, Mago, Druida,
Feiticeiro, Ladino, Clrigo, Paladino e Ranger. Houve a criao de
classes de prestgio que so arqutipos que os personagens podem
adquirir aps alguma experincia no jogo de forma a tornar o
personagem mais nico. A evoluo do sistema de percias, melhor
descrio dos itens e das armas, entre outros melhoramentos. Parece
natural que a terceira edio do D&D seja uma evoluo de seus
antecessores, todavia muitos foram os sistemas de RPG que no
conseguiram aprimorar sua mecnica de jogo, chegando a perder
jogadores e espao no mercado (Rosson, 2011). O Dungeons &
Dragons, at a verso 3.5, um bom exemplo em termos de evoluo do
sistema. Outro sistema de regras importante que nos permite
explorar o universo da fantasia medieval o sistema Basic
Role-Playing. Que foi desenvolvido a partir de um conjunto de
atributos semelhantes ao Dungeons & Dragons. Ele se utiliza dos
seguintes atributos: Tamanho, Fora, Destreza, Constituio,
Inteligncia, Poder e Aparncia (ou Carisma). Os pontos de vida ficam
dependentes da mdia do tamanho e da constituio de cada personagem
se tornando parcialmente esttico e no seguindo a evoluo do
personagem como em outros sistemas. Com isso foi possvel o
desenvolvimento de um sistema principalmente estruturado para a
simulao. Um ponto importante de sua diferenciao em relao s outras
mecnicas que no Basic Role-Playing o sistema baseado em
porcentagem, portanto se utilizando de um dado de cem faces (ou
usando dois dados de dez faces, um para dezena e outro para
unidade) ao invs de um jogo de dados cada um, com um nmero de faces
diferentes (dados de: quatro, seis, oito, dez, doze e vinte faces)
como no D&D. Tal sistema simplifica a mecnica de jogo, porm sem
diminuir sua eficincia para a maioria dos casos de simulao. A
porcentagem usada de forma geral tanto para percias como para a
evoluo do personagem simulando assim o caminho que as pessoas
percorrem at desenvolver plenamente uma habilidade, criando uma
curva de aprendizado. O sistema de combate diferenciado, pois
permite uma srie de defesas, uma vez que no D&D as defesas de
forma geral eram iguais e no dependiam diretamente da deciso do
jogador. No Basic Role-Playing as defesas e ataques ficaram mais
fortemente ligados s decises interpretativas e narrativas e menos
presos na mecnica de jogo. Outro elemento importante do sistema de
regras do Basic Role-Playing est no fato que no h diferenciao das
regras de criao de personagem e de habilidades de heris,
personagens coadjuvantes, monstros ou inimigos. Variando os valores
das habilidades, o mesmo sistema usado tanto para o heri como para
o vilo. Esse sistema rapidamente incentivou os jogadores a criarem
uma grande variedade de personagens no-humanos e tornar os cenrios
cada vez mais pluralistas. Os diferentes sistemas de regras possuem
suas particularidades e simulam a realidade de jogo de formas
diferentes. Em termos de jogo, cada grupo de jogadores ir decidir
qual sistema usar
-
baseado em muitos fatores como, diverso, disponibilidade,
facilidade das regras, grau de simulao, cenrios disponveis, entre
muitos outros. No caso de se utilizar o RPG como ferramenta para
vastas narrativas as consideraes so outras, como por exemplo,
utilizar um mesmo sistema de regras mantm a coeso e escolher o mais
adequado para adaptao da narrativa de suma importncia. nesse
contexto que se encaixa a importncia dos sistemas de regras
genricos que permitem basicamente que qualquer narrativa possa ser
adaptada e simulada atravs de suas regras. O ReOPS um exemplo de um
sistema de regras genrico que permite basicamente que qualquer
cenrio seja adaptado sua mecnica de jogo. Ele foi projetado
analisando outros sistemas de regras de modo que as experincias
anteriores fossem consideradas e caminhando no sentido de criar um
sistema que engloba qualquer criatura, heri, ser mitolgico de forma
que esses possam coexistir e interagir de forma equilibrada. Este
sistema se utiliza principalmente de uma separao tradica (Fsico e
Psquico, e nos cenrios pertinentes, Magia), regras que definem a
psicologia dos personagens e regras que permitem ajustar a
aleatoriedade. Sendo assim, pode-se ter desde uma abordagem
realista at a herica, passando por diversas etapas intermedirias,
tudo para garantir que o estilo de jogo seja absorvido pelo sistema
de regras. Alguns dos cenrios adaptados para o ReOPS so6: O Mais
Longo dos Dias, baseado na Segunda Guerra Mundial, mais
especificamente na Operao Overlord (o desembarque das tropas
aliadas na Normandia para a libertao da Frana); StarCraft, cenrios
baseado em um jogo eletrnico de mesmo nome; e Saint Seiya, baseado
na srie animada Cavaleiros do Zodaco. Estes so exemplos de como
esse sistema de RPG consegue de forma satisfatria adaptar para sua
mecnica de jogo as mais variadas narrativas, seja ela provinda de
jogos, filmes, literatura, quadrinhos, como exemplos.
3.2. WARGAME Quando batalhas que envolvem um grande nmero de
personagens so necessrias para a narrativa, a mecnica de jogo do
RPG pode se mostrar um pouco falha, nesse momento o Wargame se
torna uma resoluo melhor, pois trabalha em sua essncia com batalhas
de mltiplos personagens, com batalhes, exrcitos, entre outros e tem
ligao direta com os RPGs. Entre os principais Wargames citaremos a
mecnica de jogo de trs deles, o Chainmail, o D&D Miniatures e o
Jogo de miniaturas de Terras de Shiang. A capa do manual de regras
do D&D Miniatures pode ser vista na Figura 11.
6 Os cenrios citados e muitos outros podem ser obtidos em
, na seo downloads/cenrios.
Figura 11: Capa do manual de regras do Wargame D&D
Miniatures.
Os Wargames de forma geral se utilizam de um tabuleiro (terreno
onde se desenvolver a batalha), miniaturas que representaro os
combatentes e regras para regular o combate. A Figura 12 mostra uma
ficha de personagem e uma miniatura do D&D Miniatures.
A B Figura 12: Ficha de personagem (A) e miniatura do Wargame
D&D
Miniatures (B).
O Chainmail o primeiro Wargame de fantasia medieval e traz
consigo inmeras inovaes como: cada miniatura representa um nmero de
combatentes, ao invs de apenas um (vinte combatentes em geral), se
utiliza de fita mtrica para calcular a distncia entre as unidades e
o dado de seis faces para garantir a aleatoriedade. Como precursor,
o Chainmail tem vital importncia sendo base para a evoluo do
Wargame de fantasia medieval, possuindo uma aleatoriedade
balanceada, porm com alguns problemas em sua mecnica de jogo.
Concomitante com o lanamento do D&D 3.5 foi lanado o Wargame
D&D Miniatures trazendo uma grande evoluo em relao aos seus
antecessores. Ele se utiliza de quadrados em detrimento da fita
mtrica para calcular distncias, otimizando o tempo de jogo, mas
criando problemas, uma vez que o quadrado tem apenas quatro faces e
no satisfaz a liberdade de movimentao que mais tarde a utilizao do
hexgono ir contemplar. o primeiro a aplicar a individualizao de
cada miniatura inclusive com o uso de fichas para descrever suas
especificidades, fazendo uma ligao direta entre o RPG D&D e
o
-
Wargame. Alm de contribuir instaurando novidades em sua mecnica
de jogo, o D&D Miniatures tambm contribuiu para a popularizao
do Wargame de forma direta. Nesse contexto nasce o Jogo de
Miniaturas Terras de Shiang, que se apoia no sistema de regras
ReOPS para sua construo. Em sua concepo, o jogo de miniaturas foi
pensado de forma que sua mecnica de jogo fosse mais simples, rpido
e de fcil entendimento. Sua aleatoriedade menor do que seus
similares, primeiro devido ao uso de dois dados de seis faces ao
invs de um dado com vinte faces (utilizado no D&D Miniatures),
e tambm por que seu sistema de regras que privilegia a estratgia. O
uso do hexgono uma vantagem por si s, pois possibilita que efeitos
como magias e exploses se propaguem de forma prxima a circular,
algo que o quadrado no satisfaz, alm de que cada face do hexgono
representa melhor a orientao da miniatura que pode estar de frente
para qualquer uma das seis direes. O uso correto do sistema de
regras essencial para o sucesso ou o desastre de uma vasta
narrativa que se utilize de sua mecnica como apoio, uma vez que tal
sistema deve trazer coeso e balanceamento a narrativa e no
interferir em sua progresso. Uma escolha acertada trar uma segurana
para a criao de basicamente qualquer cenrio imaginado.
4. EXPLORAES TRANSMIDITICAS NAS TERRAS DE SHIANG 4.1. CRIAO COM
USO DO RPG E NARRATIVA LITERRIA O cenrio Terras de Shiang comeou a
ser desenvolvido como parte de um mundo de RPG, mas foi
desvinculado dele (ganhando sua prpria histria literria) e evoluiu
dentro de campanhas, iniciadas em 1994 at a atualidade. O cenrio
teve inicio como uma ilha presente em um mundo de fantasia medieval
clssico, habitada pelas raas dos smios e tireses (humanides
evoludos dos macacos e dos tigres, respectivamente), contudo com
isolamento do contato com as outras raas presentes no mundo. Dentre
as classes possveis na sua primeira verso de 1993 com o sistema
AD&D, podiam-se escolher para personagens tireses: os
guerreiros Arma Sagradas, os magos-guerreiros Viajantes ou ladinos.
Para os smios, as classes possveis eram de Guerreiro, Arqueiro ou
Monge dos Elementos. Em particular a ilha chamou tanto a ateno do
criador, que ele resolveu separ-la do resto do mundo e ampli-la
para um continente, dando um novo histrico. Em 1994 o sistema OPERA
RPG comeou a ser desenvolvido, e passou a ser utilizado para
ambientar os jogos narrados no cenrio Terras de Shiang. Esse novo
mundo foi definido tendo uma gravidade pouco menor do que a da
Terra, banhado por um Sol Vermelho e com ausncia de estaes do ano.
Um mundo onde as plantas podem atingir dezenas de metros, assim
como insetos e aracndeos gigantes. Lagartos gigantes e mamferos
muito fortes coexistem nesse mundo hostil, fazendo com que os
humanides se agrupassem para aumentar as chances de sobrevivncia. A
histria literria das Terras de Shiang foi desenvolvida desde 4000
anos antes do marco zero7, passa pela Grande Guerra que
7 Como o calendrio vigente do cenrio foi criado pelos tireses, o
marco
zero a construo de uma ponte gigantesca feita em madeira, uma
obra arquitetnica que uniu dois povoados anteriormente separados
por um largo rio, o que deu origem cidade tiresa do Meio.
envolveu todas as raas habitantes do grande continente, e avanou
at cerca de 700 anos depois, quando a grande maioria dos tireses e
cerca de metade dos smios se encontravam habitando cidades e sob um
governo geral. Outras raas foram adicionadas com o cenrio, como os
lantros (povo lagarto humanide, mais evoludo em tecnologia do que
os smios e tireses) e os banques (povo humanide anfbio). Os lantros
com sua poltica expansionista de territrios entraram em conflito
por volta do ano 70 com os tireses que habitavam as plancies e com
os smios que habitavam a floresta. Depois de vrias derrotas pelas
armas, mgicas e tticas, smios e tireses resolveram se unir contra o
inimigo comum. A Grande Guerra foi deflagrada durante mais de uma
dcada, com muitas reviravoltas que envolveram a magia. Por fim,
magos lantros desesperados cometeram um grande erro utilizando a
magia, o que trouxe um ser poderoso e maligno para as Terras de
Shiang. O drago Drask acabou realizando um acordo com os lantros,
mas teve seu fim pelas mos de smios e tireses. Sua morte na dimenso
terrestre aconteceu, mas o esprito do ser ressentido passou a
habitar uma dimenso, que de forma indireta tem contato com a
dimenso terreste. Depois da derrota de Drask, os lantros ficaram
acuados, e smios e tireses acreditam que outro erro mgico levou os
lantros embora da dimenso terrestre. Aps a guerra, smios passaram a
habitar fortalezas e os tireses cidades. Enquanto os smios
realizavam o comrcio a base de troca, os tireses comearam a
utilizar metal como moeda. Por volta do ano 400 uma guilda
comercial dominou as guildas das outras cidades e os tireses
passaram a ser organizados em um reino. Infelizmente os governantes
tireses eram ambiciosos demais, e as intrigas e mau uso do poder
fizeram com que o povo tirs se enfraquecesse como nao. Enquanto
isso o esprito de Drask unido a espritos de magos lantros que
queriam vingana contra os smios e tireses, conseguiram atravessar a
dimenso intermediria entre seu habitat e a dimenso terrestre, e
criaram uma praga mgica que afetou as guas do Rio da Vida, extenso
rio que cruza a floresta e as plancies. Cada raa desconfiou da
outra, e quase teve incio uma guerra entre os dois povos, mas a
interveno de uma entidade que se julgava extinta (composta por
smios e tireses) mostrou a verdade para os governantes dos dois
povos. A Cpula, entidade responsvel pela expulso dos lantros,
mostrou com sua magia a interveno dos inimigos que existiam em
outras dimenses. Apesar da verdade no ser informada a populao, a
guerra foi esquecida. Partes das tribos smias acabaram habitando as
fortalezas, unindo suas culturas em torno dos elementos. Outras
tribos menos evoludas moralmente e com cultos voltados aos Deuses e
Divindades malignas, continuaram com hbitos nmades dentro da grande
floresta que ocupa cerca de do territrio do maior continente. Na
dcada de 560 uma magia realizada por espritos de magos lantros,
criou a partir de uma massa de cadveres um corpo para um ser
abissal, habitado por espritos malignos. A besta deformada ficou
conhecida como Aberrao, e aterrorizou a cidade tiresa do Meio. Oito
dcadas depois, uma Aberrao assusta a populao da fortaleza smia da
Alvorada. Ambas as monstruosidades foram destrudas por heris
locais. Os tireses passaram a cultuar as tempestades aps um grande
perodo de secas, e o Deus-Trovo passou a atuar na dimenso terrestre
atravs de seus arautos, os Viajantes, que muitas vezes se
posicionaram contra os governantes.
-
Nesse ponto a histria literria do cenrio termina. Os prximos 200
anos da histria do mundo passa a ter no RPG uma ferramenta de apoio
criao e coeso, a exemplo do RPG Pendragon citado no tpico 2.
4.2. EVOLUO DAS REGRAS EM CONJUNTO COM A NARRATIVA A narrativa
literria das Terras de Shiang foi finalizada em 1995, quando os
primeiros jogos comearam a ser realizados, j com o sistema OPERA
RPG. Nessa poca o sistema se encontrava em sua segunda verso com a
mecnica bsica e de magia definidas, e permitia aos jogadores
campanhas com personagens smios e tireses, sendo permitidas as
classes citadas na subseo 4.1. Dentro da mecnica de jogo do OPERA
RPG, as classes passaram a ser denominados arqutipos. A capa do
OPERA RPG pode ser visualizada na Figura 13.
Figura 13: Capa do mdulo bsico do OPERA RPG.
Antes de a primeira campanha acontecer, cerca de quinze
aventuras de RPG foram realizadas com personagens smios e tireses,
mas de forma independente. Os heris smios enfrentaram insetos e
serpentes gigantes, enquanto os heris tireses lutaram contra
gladiadores (lutadores treinados e pagos pelo reino dos Sombras). A
primeira campanha do RPG foi realizada na cidade tiresa de Pedras,
capital do reino dos Sombras, no ano tirs de 690 e envolveu um
personagem Arma Sagrada, dois personagens Viajantes e um ladino
contra uma famlia tiresa de grande poder na cidade, que utilizava
conhecimentos mgicos aprendidos em pergaminhos lantros da Grande
Guerra. Utilizando a magia do fogo, a famlia Yamada controlava um
grande nmero de personagens gladiadores e almejava capturar smios
para colocar na arena da cidade de Vento. A poltica visava entreter
o povo tirs e promover o mercado de apostas. Promovendo a interao
entre um heri guerreiro smio e os tireses, diversos combates foram
travados com os gladiadores e magos sombra. O fechamento da
campanha contou com dois personagens jogadores mortos (um Viajante
e o ladino), mas a ao impediu um desentendimento com os smios,
busca desenvolvida para esta campanha. Em 1997, o OPERA RPG em sua
terceira verso incorporou regras para definio de perfis
psicolgicos, poderes psquicos e a primeira verso de artes marciais.
Isso tornou os arqutipos de personagens com delimitaes de conduta,
com implicaes dentro da mecnica de jogo, o que permitiu definir
cdigos de
honra para os personagens seguirem. Alm disso, a incluso dos
poderes psquicos trouxe a possibilidade de definir personagens
espritos. Por fim, seguindo a sugesto dos prprios jogadores da
primeira campanha, foram criadas artes marciais no cenrio, baseadas
em animais pertencentes fauna do mundo. A serpente negra, rptil
gigante e traioeiro e o godo, mamfero bpede dcil, muito forte e com
um coice poderoso, foram escolhidos como os estilos iniciais de
artes marciais para personagens tireses. Outro novo arqutipo de
personagem tirs foi criado, o de Guardio do Templo Sagrado, podendo
se especializar em guerreiro ou arqueiro. Para introduzir esse
arqutipo, foi criada uma mini campanha de trs aventuras com
personagens habitantes de um templo construdo com pedras na cidade
de guas. Durante a maior tempestade conhecida das Terras de Shiang,
os personagens que eram treinados com a lana naginata e com o arco,
ajudaram a populao mais jovem e mais velha e se abrigar no templo,
que de forma mstica, resistiu s aes da natureza. Como uma espcie de
divindade, os Templos Sagrados passaram a ser adorados pela populao
local, e logo comearam a ser replicados em outras cidades tiresas.
Para os personagens smios, foram criados dois novos arqutipos, os
batedores, especializados em rastreamento e viglia, e os lanceiros,
um tipo especial de soldado muito importante no combates contra as
bestas que habitam as florestas. Para diferenciar esses dois
arqutipos do Guerreiro, este arqutipo passou a ser tratado como um
soldado de foras especiais, enquanto o batedor e o lanceiro seriam
soldados com treinamento mais bsico. A segunda grande campanha das
Terras de Shiang aconteceu no ano de 720, com dois arcos de
campanhas (um com smios e outro com tireses) tendo interligaes
narrativas. Todos os arqutipos foram explorados e a campanha teve
como foco uma ao promovida pelos habitantes das dimenses
inferiores, em especial magos lantros que estavam tramando a criao
da maior Aberrao j invocada. Esse jogo teve magos da Cpula (criados
narrativamente e com ficha de personagem), sendo que um deles foi
entregue a um jogador experiente, o que mostrou os limites do
sistema de magia. O primeiro grupo de personagens, composto por
smios, tinha como misso impedir tal invocao do monstro. Os smios
tiveram contato com espritos que os alertaram sobre o caos que iria
ser promovido pela criatura, mas os jogadores desse foco narrativo
no conseguiram impedir a invocao. O segundo grupo de jogadores, que
investigava o misterioso sumio de animais e criaturas na cidade do
Vale acabaram se unindo aos sobreviventes smios contra um monstro
gigantesco, Aberrao conhecida como o Horror de Dez Olhos. O
monstro, uma esfera flutuante e tentacular, chacinou a maioria dos
heris smios e tireses envolvidos, inclusive o mago da Cpula. O nico
sobrevivente foi um heri smio guerreiro que lutava com uma arma
mgica emprestada pela Cpula. Esse personagem, no futuro deu origem
ao arqutipo Mercenrio (um tirs ou smio treinado em combate, que com
ajuda de artefatos mgicos ou mgicas lutam em nome da Cpula).
Analisando a experincia da segunda campanha, foram criados
personagens muito diferentes dos humanos, que tinham alguns
problemas para sua representao dentro do sistema OPERA RPG (exemplo
da Aberrao), problema tambm encontrado em outros gneros explorados
em campanhas com cenrios diferentes (em especial envolvendo super
seres). Isso promoveu a primeira
-
verso das regras para super seres e personagens no humanos na
quarta verso do sistema OPERA RPG em 1998. A prxima mudana na
histria do cenrio a introduo do Imperador Shiang, uma divindade que
encarna na dimenso terrestre para impedir uma guerra contra os
smios e se opor aos sombras. At ento, o RPG era chamado por
Aventuras Orientais e passou a se chamar Terras de Shiang com a
introduo desse fato em sua histria. No arco de histrias seguinte,
houve profundas modificaes no cenrio. Uma nova raa, vinda de outra
dimenso e com grandes poderes mgicos, passou a habitar as Terras de
Shiang. Os ciclopes, seres mais evoludos moralmente e com uma
estranha aparncia, entraram em contato com os smios e tireses. Os
ex-governantes sombras fizeram um acordo no qual trocaram gemas
mgicas por conhecimento, que foi mal utilizado pelos novos magos
provocando enlouquecimento e destruio de alguns dos prprios
sombras. Foram criados nessa poca mais estilos de arte marcial para
personagens tireses (Pssaro Noturno e Abrao de Krondai). Para
personagens smios, foi acrescentado o arqutipo Artilheiro, um smio
que utiliza a balestra, arma de origem smia disparada por gatilho.
Com uma dezena de jogos, a terceira campanha colocou heris tireses
e smios em contato com alguns dos reis sombras que aprenderam
magias de manipulao do corpo, da mente, e de contato com espritos.
As regras de magia foram revisadas, e os magos sombra, pela
primeira vez portavam itens mgicos, o que causou resultados
inesperados (como morte de vrios personagens). Nessa poca surgiu a
ideia de fazer com que personagens que no concluram suas misses,
representarem espritos na campanha (at que seus objetivos fossem
cumpridos). Dentro dos arqutipos possveis, foram includos os
Guardies Eclesisticos (magos), que adoram o Templo Sagrado. A
terceira campanha teve incio em 793 (ano da vinda do Imperador),
onde diversos heris lutaram contra os reis sombra, em combates
envolvendo sombras lutadores, magos e alguns dos reis sombra. Isso
resultou em combates de personagens presentes na dimenso terrestre
que interagiram com personagens com o poder psquico projeo astral e
espritos. No incio da campanha, haviam seis reis-sombra com
conhecimento mgico, sendo que cada um deles havia criado um item
capaz de abrir portais entre uma mesma dimenso. Os heris
conseguiram eliminar trs deles e os outros escaparam. Essa campanha
contou novamente com magos da cpula interpretados por jogadores
experientes, experincia essa que permitiu testar com sucesso o
sistema de magia. Como os sino-portais se mostraram muito
perigosos, campanhas posteriores acabaram envolvendo os detentores
desses temveis itens. A quinta verso do sistema OPERA RPG de 2000,
permitia a criao dos mais variados tipos de personagens. Isso
possibilitou uma quarta campanha realizada no ano tirs 72, durante
a grande guerra. Nessa poca, as regras j diferenciavam as raas com
caractersticas fsicas e psquicas de smios, tireses, lantros,
banques e ciclopes, alm dos arqutipos de personagem. Nesta campanha
os inimigos dos jogadores eram o exrcito lantro, e os personagens
heris smios e tireses (com armorial inferior, mas em maior nmero).
Esta campanha trouxe a necessidade de um novo arqutipo, o Xam, tipo
de mago que tem poderes espirituais e sobre animais. O arqutipo foi
incorporado ao histrico do mundo, e passou a existir apenas para
personagens smios. Historicamente, os tireses perderam sua ligao
com os animais e com espritos depois da Grande Guerra. Os xams
foram criados
com mgicas que afetavam os animais, fator que desequilibrou
vrios combates a favor dos smios e tireses. A quinta campanha foi
jogada exclusivamente com personagens smios, onde estes enfrentaram
os banques aliados a insetos gigantes. Narrada no ano de 791 (pouco
antes da vinda de Shiang), nesta campanha os banques utilizaram seu
conhecimento mgico xamanstico combinado com artefatos e armas dos
lantros e com a fora dos insetos gigantes. Durante a campanha houve
o aparecimento do primeiro Deus Animal que trouxe conselho e tticas
para os smios (tratava-se de um lagarto imenso, de nome Rorag).
Esta campanha foi a primeira na qual miniaturas foram utilizadas em
mapa hexagonal para determinar posies em combate, mas utilizava as
regras do RPG. O prximo arco de histrias contou com as primeiras
verses de fichas do Imperador Shiang (que possui sete cpias na
dimenso terrestre e outra como Deus), sendo que os personagens
jogaram com heris experientes com grande habilidade em batalha, a
fim de destruir os reis sombra. Iniciada no ano de 800, o destaque
ficou com os personagens Arma Sagrada, que haviam recebido o poder
de voltar a arma para suas mos de Shiang. O sucesso do arqutipo foi
tamanho, que por insistncia de alguns jogadores, tireses comearam a
treinar smios para poderem ter acesso a ele. Numa aventura em que
jogadores interpretavam os tireses Arma Sagrada e os smios em
treinamento, ouve um desentendimento (baseado em causas culturais
os smios so herbvoros, e se recusaram a se alimentar de carne).
Esse fato trouxe o fim da ligao do cl Arma Sagrada com o Imperador
(anteriormente, o cdigo de honra dos Arma Sagradas tinha devoo para
com o Imperador, e passaram a dirigir sua adorao ao povo tirs).
Isso acarretou no surgimento de uma nova classe de personagens, os
Lminas Mortais. Treinados pelo Imperador Shiang ao longo de seis
anos, os guerreiros se formaram tendo como presente uma lmina
mgica, para lutar contra os sombras. Iniciada em 814 e finalizada
em 818, a sexta campanha foi bastante longa. Um dos reis sombra que
havia deformado seu corpo de forma a se tornar uma monstruosidade,
fez uso indevido de um sino-portal e acabou preso em outra dimenso.
Esse fato fez com que fosse feito um mapa de todas as dimenses
inferiores e superiores dimenso terrestre, e de magias que podem
ligar essas dimenses. Ficaram estabelecidas trs dimenses
inferiores: Tormentos (lar de Drask e de magos lantros), Escurido
(lar dos reis sombra e magos sombra) e Cinzas (lar de velhos Deuses
malignos e espritos que no cumpriram sua misso em vida), e uma
superior (onde vivem os Deuses e Divindades de boa ndole). Uma
corrida para obteno de gemas mgicas teve incio (o Imperador, a
Cpula e os sombras necessitavam delas para itens mgicos), o que fez
com que os limites do territrio fossem explorados. As primeiras
fichas de smios cultistas como inimigos foram criadas nessa
campanha. No final dela, os trs sino-portais haviam sido destrudos,
mas os reis sombra conseguiram plantar uma herana maldita em tomos
onde so descritas mgicas na lngua dos lantros, para controle do
corpo, causar dor, alm de rituais para criao de itens mgicos e
invocao de Aberraes. Em uma aventura na qual os jogadores deveriam
recuperar um item mgico roubado, acabaram se deparando com um
poderoso ritual mgico que foi interrompido de forma desesperada e
acarretou na vinda de um dos reis-sombra para a dimenso terrestre.
De maneira surpreendente, o nico personagem que no ficou
aterrorizado com a viso do monstro conseguiu com um golpe incrvel
(ocasionado por sorte na aleatoriedade dos dados),
-
conseguiu eliminar a criatura. Esse personagem aps aventura
passou a ser figurante, assumindo o posto de xogum. Ainda nesta
campanha, magos sombras utilizando o conhecimento dos tomos criaram
mais dois sino-portais, capazes de abrir portais entre a mesma
dimenso e entre as dimenses. Em particular podemos citar uma
aventura com um sino-portal, na qual cinco heris e uma das Lminas
mgicas ficaram presos dimenso das Cinzas, um final inusitado at
mesmo para o Mestre de Jogo. A primeira publicao do OPERA RPG
aconteceu em 2004 (Andrade & Godoy, 2004), em sua sexta verso
do sistema. Ajustes finos de custos e de poderes haviam sido
realizados em relao verso anterior, e as regras de magia foram
otimizadas para o cenrio. As primeiras fichas de Deuses Animais
foram feitas nesse perodo. A oitava campanha teve incio no ano 901,
com a introduo de dois arqutipos de personagem tireses, sendo o
primeiro o Servidor, um tipo de sacerdote que lida com espritos, e
o segundo o lutador Garra de Tigre, estilo de luta criado pelo
Imperador Shiang. Essa campanha foi a mais longa at o momento,
contando com cerca de 30 aventuras. Sua trama se passou em uma poca
de transio, pois quando Shiang assumiu como imperador, permitiu que
por trs geraes as famlias de grande poder nas cidades governassem
como daimios e xoguns. No ano de 901, na cidade de Pedras, o xogum
se mostrou como mago sombra e detentor de um dos sino-portais. Seu
plano era trazer de volta seu mestre, Daichega Kabin, um dos reis
sombra destrudos pelo Imperador e por heris e agora residente da
dimenso da Escurido. Nessa campanha foram criados os primeiros
personagens de jogadores com a alcunha de Discpulos Divinos, heris
de grande estima do Imperador, e foi definida toda a hierarquia da
Cpula (com ficha para os principais personagens sendo que o lder
smio Hoack Krush foi interpretado por um jogador dentro da
campanha). A campanha teve grandes reviravoltas, e nas batalhas
finais (que envolviam muitos participantes), foi criada a primeira
verso das regras de miniaturas. No final, o sino foi recuperado e
ficou em posse da Cpula. Em 2010 foi lanada a oitava verso do OPERA
RPG, sobre a alcunha de ReOPS (Andrade & Godoy, 2010), onde
foram realizadas vrias otimizaes no sistema de habilidade blicas,
poderes e caractersticas raciais.. Isso acarretou em uma reviso de
todas as raas e arqutipos de personagem, aumentando a jogabilidade
do RPG e estendendo ainda mais as possibilidades de representao.
Com a nova verso otimizada das regras para o cenrio, todos os
personagens principais tiveram elaboradas suas fichas de
personagem, incluindo os Deuses e Divindades. A compilao das regras
com a descrio do cenrio foram publicadas em um e-book8 (Andrade,
2011b) e um livro (Andrade, 2011a).
4.3. EXPERINCIAS TRANSMIDITICAS COM O CENRIO A primeira
experincia transmiditica com o Terras de Shiang foi uma histria em
quadrinhos planejada para oito pginas, para ser colocada na
abertura do livro de RPG. Utilizando o RPG como ferramenta de
criao, foram elaborados seis personagens (dois smios e quatro
tireses), para enfrentar uma Aberrao no vale do Observador (onde
ocorreu anteriormente a batalha contra o Horror de Dez Olhos). Os
pontos de personagem foram equilibrados e o
8
combate foi muito duro para os personagens (houve somente um
sobrevivente). Esta histria em quadrinhos est presente em branco e
preto na abertura do e-book e em verso colorida no livro, como
mostrado na Figura 14.
A B Figura 14: Primeira pgina da histria em quadrinhos Dia
Chuvoso, em verso branco e preto (A) e colorida (B).
A ltima campanha criada se passa no ano tirs de 903, e envolve
uma trama complexa com vrios envolvidos. Dentro do cenrio, foram
construdos dois personagens:
Arma Sagrada Lmina Voadora: heri tirs que vive na parte baixa (e
mais pobre) da cidade de Pedras. Lmina Voadora tem uma ndole herica
e serve ao povo tirs com devoo;
Hong Po: jovem tirs de pelagem rara, que lhe garante habilidades
com tipos especiais de mgicas. Separado dos pais no nascimento,
Hong Po foi educado nas letras e na msica. Aos seis anos seu av o
encontrou e o libertou da tutela dos Sombras. Atualmente, av e
menino vivem na periferia da cidade de Pedras (na regio de proteo
do heri Lmina Voadora).
Alm desses personagens, outros pr-existentes possuem participao
na trama:
Vishir: Deusa Animal cujo corpo foi destrudo na dimenso
terrestre, conhecida como a Vigilante Dourada desde a antiguidade.
Vishir protege ainda hoje, habitando a dimenso das Almas Eternas,
as Terras de Shiang das foras malignas. Ela possui adoradores
smios, que so tratados como Xam dentro dos arqutipos do cenrio;
Kor-Tur: personagem da raa ciclope, uma raa mais evoluda
moralmente, com grandes poderes mgicos, e combatente das foras
malignas. Kor-Tur tambm conhece todas as Terras de Shiang e possui
um antigo artefato mgico, um sino-portal;
Dargon: Deus Animal Lagarto morto h muitos sculos por outro Deus
Animal ainda vivo Rorag. H cerca de 150 anos atrs, Dargon quase
voltou para a dimenso terrestre com a ajuda de um tirs com as
caractersticas de Hong Po e um sino-portal;
Sombras: conhecedores de Hong Po, os Sombras passam a tem-lo ao
saber que Dargon deseja voltar
-
dimenso terrestre com sua ajuda. Por isso, querem mat-lo.
Para criar o jogo inicial da campanha, foi criado um plot bsico,
centrado no pedido de ajuda de Kor-Tur para que Lmina Voadorapara
cuidasse de Hong-Po e de um sino-portal, pedindo para que o heri
garanta que o jovem nunca o utilize. Assim como em diversas tramas
criadas com RPG com objetivo transmiditico, a campanha serviu como
fora de criao coletiva para situaes e falas. Em especial nesse
caso, a narrativa desenvolvida durante a campanha foi, com poucas
ressalvas, utilizada na totalidade para o roteiro de um piloto de
animao com durao de quatro minutos. A Figura 15 mostra dois quadros
desse piloto de animao, intitulado Um Estranho Pedido.
A
B Figura 15: Quadros da animao estereoscpica Um Estranho Pedido.
A Vo da Deusa Animal Vishir. B Cidade tiresa de
Pedras.
Aps Kor-Tur unir o destino de Hong Po e Lmina Voadora, estes
procuraram ajuda do xogum e do sumo-sacerdote do Templo Sagrado. Em
conversas reservadas, Lmina Voadora e Hong tomaram conscincia do
poder ligado ao sino-portal. Aps um pequeno tempo recolhidos dentro
da morada do xogum, os personagens decidem viajar para a cidade de
Sol Nascente (antiga cidade do Meio e agora capital do imprio
tirs). Essa segunda trama, foi desenvolvida com auxlio do RPG. No
incio da viagem, Hong Po e o Arma Sagrada foram surpreendidos por
serpentes gigantes, e contaram com auxlio de soldados imperiais e
alguns heris para enfrentar o real inimigo: smios cultistas,
liderados pelo Xam Molgur e pelo Guerreiro Gurok, que ao lado de
vrios adoradores do Deus maligno Dargon, planejavam o rapto de Hong
Po.
Essa parte da trama contou com o uso das regras do Wargame Jogo
de Miniaturas das Terras de Shiang (Andrade, 2011c), descritas no
tpico 3 para coordenar uma batalha pica com mais de vinte
personagens envolvidos, como mostrado na Figura 16. As
possibilidades estratgicas e tticas do jogo se mostraram eficientes
para conduo do conflito, que teve como vitoriosos os smios
cultistas, que raptaram Hong Po. O Arma Sagrada Lmina Voadora,
ferido gravemente durante o combate, perdeu a posse do sino,
trazendo um futuro sombrio para as Terras de Shiang.
Figura 16: Foto do tabuleiro onde ocorreu a batalha pica.
importante salientar que durante a elaborao das regras do
Wargame, os soldados imperiais se mostraram como um novo arqutipo.
Menos poderosos que os heris, mas em maior nmero, os soldados
imperiais tiveram seu arqutipo acrescido ao RPG, mostrando que a
transmdia com coeso narrativa dessa experincia contribui para
expanso da vasta narrativa presente no cenrio. A campanha, ainda no
concluda, utilizar o RPG como ferramenta de coeso e, se no futuro
se desenvolver outra grande batalha, tambm o Wargame como apoio
narrativa.
5. CONCLUSES Ao analisarmos as campanhas desenvolvidas no cenrio
Terras de Shiang podemos observar que o RPG uma ferramenta
importante tanto para a coeso da narrativa em si, como apoio para
expanso de sua vasta narrativa. A sinergia entre a mecnica e a
narrativa com um sistema de regras conciso, permitiu a explorao
controlada do cenrio, aumentando de forma realista sua complexidade
e contribuindo para sua evoluo. Em relao criao, o RPG se mostra
como um instrumento coletivo poderoso, j que cada jogador pode
contribuir com suas idias para a narrativa. As experincias da mesa
de RPG, filtradas pelo Mestre de Jogo, acarretam histrias mais
detalhadas e criativas do que as narrativas individuais
convencionais. Diferente da explorao narrativa centrada em um
personagem, como no cinema, literatura e teatro, o processo de
criao utilizando o RPG permite mltiplos focos narrativos, e at
mesmo simultneos. Dentro do gnero de fantasia medieval, o papel dos
combates em massa possui grande importncia, e o combate descrito
nas regras do RPG no o mais adequado para esse gerenciamento
narrativo. A partir da dcada de 2000, com o surgimento de mecnicas
de jogo para Wargame ligadas ao RPG, foi estabelecida uma nova
forma conjunta de se jogar RPG e Wargames, que proporcionou uma
experincia nova, verossmil e
-
ainda tornando mais visual a experincia, uma vez que com o
auxlio de miniaturas, os jogadores tem uma noo melhor do ambiente
em que esto e dos personagens com os quais interagem naquele
cenrio. Isso contribui para a construo transmiditica de forma
direta, como romances, quadrinhos, animaes e jogos eletrnicos.
REFERNCIAS (Andrade & Godoy, 2004)
Andrade, L.; Godoy, R. M. OPERA RPG. Editora Comic Store, 2004.
ISBN: 978-85-891610-5-3.
(Andrade & Godoy, 2010)
Andrade, L.; Godoy, R. M. ReOPS. Edio do Autor, 2010.
(Andrade, 2011a) Andrade, L. RPG Terras de Shiang. Edio do
Autor. ISBN 978-85-911802-0-2. So Carlos, 2011.
(Andrade, 2011b) Andrade, L. Netbook RPG Terras de Shiang. Edio
do Autor. ISBN 978-85-911802-1-9. So Carlos, 2011.
(Andrade, 2011c) Andrade, L. Jogo de Miniaturas das Terras de
Shiang. Edio do Autor. ISBN 978-85-911802-2-6. So Carlos, 2011.
(Andre & Perrin, 1981)
Andre, K. S.; Perrin, S. Stormbringer. Chaosium, 1981.
(Arneson & Gygax, 1974)
Arneson, D.; Gygax, G. Dungeons & Dragons. Primeira Edio.
TSR, 1974.
(Barker ,1950) Barker, M. A. R. (1950). A Useful Grammar of
Tsolyni (por Messliu Badrian). Seattle. Pp. 113
(Barker, 1975) Barker, M. A. R. Empire of the Petal Throne. TSR,
Inc, 1975.
(Barker, 1983) Barker, M. A. R. Swords and Glory. Gamescience,
1983-1984.
(Blume & Gygax, 1975)
Blume, B.; Gygax, G. Boot Hill. TSR, Inc. 1975.
(Brady et al., 2005) Brady, P.; Saul, J.; Voskamp, E. Tkumel:
Empire of the Petal Throne. Guardians of Order, 2005.
(Callois, 1958) Caillois, R. Os Jogos e os Homens. Editora
Cotovia. Lisboa, Edio de 1990.
(Campbell, 1990) Campbell, J. O Heri de Mil Faces. So Paulo:
Cultrix, 1992.
(Cook, 1989) Cook, D. Advanced Dungeons & Dragons. Segunda
Edio. TSR, Inc, 1989. ISBN: 0-88038-716.
(Cook et al., 2003) Cook, M.; Tweet, J. Willians, S. Dungeons
&
Dragons, Version 3.5. Reviso por David Noonan e Rich Redman.
Wizardsof the Coast, 2003.
(Greenwood & Grubb, 1987)
Greenwood, E.; Grubb, J. Forgotten Realms Campaign Set. TSR Inc,
1987. ISBN 0-88038-472-7.
(Gygax, 1979) Gygax, G. Advanced Dungeouns & Dragons.
Primeira Edio. TSR, Inc. 1977-1979.
(Gygax & Perren, 1973)
Gygax, G.; Perren, J. Chainmail: Rules for Medieval Miniatures.
Guidon Games, 1973.
(Hanny & Chadwick, 1975)
Hanny, D.; Chadwick, F. En Garde! Game Designers Workshop.
1975.
(Harrigan & Wardrip-Fruin, 2009)
Harrigan, P.; Wardrip-Fruin, N. Third Person: Authoring and
Exploring Vast Narratives. The MIT Press. Cambridge/Londres,
2009.
(Jackson, 2004) Jackson, S.; Punch, S.; Pulver, D. GURPS Basic
Set: Campaings. Quarta Edio. Steve Jackson Games, 2004.
(MacDonald et al, 1990)
MacDonald, G.; Peterson, S.; Bell; R. Hero System. Primeira
Edio. Hero Games/Iron Crown Enterprises, 1990.ISBN:
1-55806-094-4.
(Maranci, 2001) Maranci, P. The History of RuneQuest. Dsponvel
em: http://www.maranci.net/rqpast.htm em 10 de outubro de 2011.
(Masters, 1994) Masters, P. On the Vocabulary of Role-Playing.
Interactive Fantasy 2:57-74. Disponvel em:
http://www.philm.demon.co.uk/Miscellaneous/Vocabulary.html em 20 de
julho de 2011.
(Perrin & Stanfford, 1978)
Perrin, S.; Stanfford, G. RuneQuest. Chaosium, 1978.
(Pettersen, 1999) Pettersen, S. Call of Cthulhu. Quarta Edio.
Chaosium, 1999. ISBN: 1-56882-148-4.
(Rosson, 2011) Rosson, L. Looking Back on Dungeons &
Dragons. Disponvel em:
http://lorenrosson.blogspot.com/2011/09/looking-back-on-dungeons-and-dragons.html
em 10 de outubro de 2011.
(Stanfford, 1985) Stanfford, G. King Arthur Pendragon. Chaosium,
1985.
(Tolkien, 1954) Tolkien, J. R. R. - O Senhor dos Anis. Editora
Europa-Amrica. Edio de 2002. Vol. 1 3.