Carolina Baía de Freitas Impacto socioeconómico nos cuidadores informais de doentes de Alzheimer Dissertação de Mestrado em Gestão e Economia da Saúde, orientada pela Professora Doutora Maria Suzete dos Santos Gonçalves e Professora Doutora Maria Isabel Jacinto Santana apresentada à Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra Janeiro / 2019
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Carolina Baía de Freitas
Impacto socioeconómico nos cuidadores informais de doentes de Alzheimer
Dissertação de Mestrado em Gestão e Economia da Saúde, orientada pela Professora Doutora Maria Suzete dos Santos Gonçalves e
Professora Doutora Maria Isabel Jacinto Santana apresentada à Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
Janeiro / 2019
Carolina Baía de Freitas
Impacto socioeconómico nos cuidadores informais de doentes de
Alzheimer
Dissertação de Mestrado em Gestão e Economia da Saúde, apresentada
à Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra para obtenção
do grau de Mestre
Orientadoras: Professora Doutora Maria Suzete dos Santos Gonçalves e Professora Doutora Maria Isabel Jacinto Santana
Coimbra, Janeiro / 2019
Fonte da Imagem: http://revistareviver.blogspot.com/2016/07/cuidar-de-pais-idosos-as-15-melhores.html
(tabela 3) (Lowe et al., 2012; Simões e Santana, 2015).
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Tabela 3
Sintomas comuns de pessoas com demência
Nenhum Défice Cognitivo
Ligeiro
(0)
Fase Ligeira
(1)
Fase Moderada
(2)
Fase Severa
(3)
Memória Sem perda de memória ou ligeiro esquecimento inconsistente
Esquecimento ligeiro consistente; Lembrança parcial de eventos; Esquecimento "benigno"
Perda moderada de memória, mais marcado para eventos recentes; Defeito interfere nas atividades quotidianas
Perda de memória grave; Somente conteúdo aprendido significativamente é retido; Novo material é rapidamente perdido
Perda de memória grave; Apenas fragmentos permanecem
Orientação Totalmente orientado
Totalmente orientado, exceto por ligeira dificuldade com relações de tempo
Dificuldade moderada com relações de tempo; Pode ter desorientação geográfica em determinados lugares
Dificuldade severa com relações de tempo;
Geralmente, desorientado no tempo e no espaço
Orientado apenas para pessoa
Julgamento e Resolução de problemas
Resolve problemas do quotidiano e cuida bem de negócios e assuntos financeiros; Julgamento bom em relação ao desempenho passado
Deficiência leve na resolução de problemas, semelhanças e diferenças
Dificuldade moderada no tratamento de problemas, semelhanças e diferenças; Julgamento social geralmente mantido
Gravemente prejudicado em lidar com problemas, semelhanças e diferenças; Julgamento social geralmente prejudicado
Incapaz de fazer julgamentos ou resolver problemas
Assuntos Comunitários
Função independente ao nível habitual no trabalho, compras e grupos sociais
Deficiência leve nestas atividades
Incapaz de desempenhar de forma independente estas atividades, embora ainda possa estar envolvido em algumas delas; Parece normal em avaliações casuais
Nenhuma pretensão de função independente fora de casa;
Parece bem o suficiente para ser levado a atividades fora da sua habitação familiar
Nenhuma pretensão de função independente fora de casa;
Parece muito doente para ser levado a atividades fora da sua habitação familiar
Casa e Hobbies
Vida em casa, hobbies e interesses intelectuais bem
Vida em casa, hobbies e interesses intelectuais levemente
Comprometimento leve, mas definido, da função em casa; Abandono das
Apenas tarefas simples preservadas; Interesses muito restritos e mal
Nenhuma função significativa em casa
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conservados prejudicados tarefas mais difíceis; Abandono dos hobbies e interesses mais complicados
conservados
Cuidado Pessoal
Totalmente capaz de cuidar de si
Totalmente capaz de cuidar de si
Precisa de apoio pontual
Requer assistência em vestir, higiene, guardar objetos pessoais
Requer muita ajuda com cuidados pessoais; Incontinência frequente
Fonte: (Simões e Santana, 2015)
3.1. A doença de Alzheimer
A doença de Alzheimer (DA) é a doença neurodegenerativa progressiva mais prevalente e
a principal causa de demência em todo o mundo. Representa cerca de 60% a 70% de todos
os casos de demência, eventualmente em associação com patologia vascular (Cerquera-
Jaramillo et al., 2018).
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), existem em todo o mundo 47,5 milhões
de pessoas com demência, podendo atingir os 75,6 milhões em 2030 e quase triplicar para
os 135,5 milhões em 2050 (Associação Alzheimer Portugal). O World Alzheimer Report
2016 estima que apenas 40 a 50 % dos casos de demência estão identificados nos países
mais desenvolvidos, o que sugere que os números reais podem ser muito superiores (Prince
et al., 2016). Em Portugal, existem cerca de 182 mil pessoas com demência e 130 mil com
Alzheimer (Santana et al., 2015). No entanto, de acordo com o relatório “Health at a Glance
2017”, da OCDE, publicado a 10 de novembro de 2017, o número de casos com demência
para Portugal sobe para 205 mil pessoas, podendo este aumentar para 322 mil casos até
2037. Ainda segundo este relatório, Portugal ocupa a quarta posição com mais casos por
mil habitantes, 19,9 casos por cada mil habitantes (Associação Alzheimer Portugal). A idade
constitui o fator de risco mais significativo para a doença de Alzheimer, consequentemente,
após os 65 anos de idade, a prevalência de DA duplica a cada 5 anos (Lane, Hardy e Schott,
2018).
Para além da idade, confirmam-se vários fatores de risco modificáveis e não modificáveis,
nomeadamente a hereditariedade e fatores genéticas (mutações patogénicas e genes de
suscetibilidade como o polimorfismo APOE-e4); fatores de risco vasculares (diabetes,
hipertensão, tabagismo, dislipidemia, obesidade); influências culturais e hábitos de vida
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(escolaridade, estimulação social e cognitiva, sedentarismo vs. exercício físico); depressão
e traumatismo cerebral (Alzheimer’s Association, 2018).
A DA é em termos patológicos uma doença degenerativa (em que existe morte neuronal
progressiva) com dois marcadores histológicos: a acumulação extracelular do péptido beta
amilóide (Aβ), placas senis; e depósitos intraneuronais da proteína Tau hiperfosforilada,
constituindo as tranças neurofibrilares (NFT). O cérebro dos indivíduos com DA degenera e
o seu volume diminui, muito devido à morte de neurónios corticais em áreas chave como
os hipocampos, responsáveis pela memória (Sousa, 2017).
Na fisiopatologia da DA existem dois mecanismos fulcrais (Figura 7) (Sousa, 2017):
a) Aumento da produção do péptido beta amilóide (Aβ42), que se acumula e tende a
formar placas senis;
b) Hiperfosforilação da proteína Tau, que afeta a estabilização dos microtúbulos.
Desta forma, a organização do citoesqueleto axonal é perturbada e os filamentos
da proteína Tau defeituosos reúnem-se para formar agregados no neurónio. Esta
acumulação anormal cria tranças neurofibrilares (NFT), muito relacionados com a
morte neuronal.
A cascata de eventos bioquímicos, que conduz à clivagem da Proteína Precursora da
Amilóide (APP), tem como produto final a beta amilóide (Aβ) (Karch, Cruchaga e Goate,
2014). A Aβ é um péptido que está presente no cérebro e no líquido cefalorraquidiano
(LCR), quer sob a forma do fragmento Aβ40 e do fragmento Aβ42, sendo que este último
tem uma maior tendência para formar agregados tóxicos, como verificado na doença de
Alzheimer (Sousa, 2017).
Outra cascata patológica importante é a hiperfosforilação da proteína Tau que origina a
formação de tranças neurofibrilares (NFT) e pode conduzir, por si só, à patologia e
sintomatologia associadas à DA (Sousa, 2017).
As funções das proteínas Tau no seu estado normal incluem a regulação dinâmica de
microtúbulos, que dependem do estado de fosforilação. A hiperfosforilação da proteína
Tau conduz à perda de estabilidade dos microtúbulos, alterando o transporte axonal e
comprometendo a viabilidade neuronal, com consequente impacto a nível cognitivo
(Domise et al., 2016).
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Diversos estudos têm examinado a dinâmica de biomarcadores do plasma e do LCR,
estando o grande foco na proteína Aβ e na proteína Tau, como possíveis biomarcadores da
doença de Alzheimer (Karch, Cruchaga e Goate, 2014). A acumulação cerebral de
fragmentos de Aβ e de proteína Tau antecede os sintomas cerca de 10 anos (fase pré-clínica
de DA) e pode ser detetada através da análise do líquido cefalorraquidiano, do plasma e/ou
através de neuroimagem (Wang et al., 2014).
3.1.1. O diagnóstico
Em 1984, o National Institute of Neurological and Communicative Disorders and Stroke
(NINCDS) e a Alzheimer’s Disease and Related Disorders Association (ADRDA)
estabeleceram critérios e descreveram o diagnóstico clínico da DA, baseando-se em
histórias médicas, exames clínicos, testes neuropsicológicos e avaliações laboratoriais.
Estes critérios, comumente referidos como os critérios NINCDS-ADRDA, foram bem-
Figura 7. “Hipótese da Cascata de Amilóide” e potenciais biomarcadores da DA. A clivagem
proteolítica da APP, primeiro pela β-secretase seguida pela γ-secretase, pode produzir Aβ42 e
outros fragmentos Aβ mais curtos. A agregação subsequente de Aβ42 resulta em oligómeros e
fibrilas amilóides. As fibrilas amilóides são eventualmente depositadas como placas senis, como
mostrado. A toxicidade dos oligómeros e das fibrilas amilóides pode levar à cascata de
hiperfosforilação da proteína Tau, que é de outra forma ligada aos microtúbulos, proporcionando
estabilidade aos microtúbulos. Após a hiperfosforilação, a proteína Tau dissocia-se dos
microtúbulos e agrega-se em NFT, o que, eventualmente, causa aumento da flexibilidade do
citoesqueleto e morte neuronal. Fonte: Anoop et al., 2010
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sucedidos, tendo sido amplamente aplicados no diagnóstico e investigação clínica em
Alzheimer por mais de 27 anos. Em 2011, procedeu-se uma revisão que se impunha face à
evolução do conhecimento, dos quais se destacam (McKhann et al., 2011):
1. A patologia histológica da DA (que passou a ser entendida como uma entidade
biológica) pode ser encontrada num amplo espectro clínico, que inclui indivíduos
que ainda são cognitivamente normais (pré-sintomáticos), os que já apresentam
algum défice - Défice Cognitivo Ligeiro (DCL) e doentes com demência (Figura 8);
2. A demência devida a DA, uma fase clínica do referido espectro biológico, refere-se
à síndrome clínica que surge como consequência do processo fisiopatológico da DA;
3. Falta de reconhecimento das características distintivas relativamente a condições
de demência associada ao envelhecimento, que não foram completamente
reconhecidas anteriormente;
4. A implicação de que o comprometimento da memória é sempre o défice cognitivo
primário em todos os pacientes com demência de DA;
5. Necessidade de incorporar biomarcadores no diagnóstico de demência de DA e
DCL, como sejam a Ressonância Magnética (RM), Tomografia por Emissão de
Positrões (PET) e exames do Líquido Cefalorraquidiano (LCR);
6. Falta de informação sobre a genética da DA;
7. Limitações ao diagnóstico de demência por DA em idades mais avançadas;
8. Extrema heterogeneidade da categoria “possível” de demência da DA, incluindo um
grupo de pacientes que agora seriam diagnosticados como DCL.
O interesse atual de investigação tem-se focado nas fases mais iniciais da doença, uma vez
que a evidência científica sugere que o processo fisiopatológico da doença de Alzheimer
(DA) começa anos antes do diagnóstico de demência clínica, já sendo possível identificar
biologicamente a doença cerca de 20 anos antes de a pessoa desenvolver sintomas
(Sperling et al., 2011). Os novos critérios definem não apenas a demência por DA (McKhann
et al., 2011), mas também uma fase pré-clínica de DA (Sperling et al., 2011) e uma fase
intermédia de Défice Cognitivo Ligeiro (DCL), que precede a demência (Albert et al., 2011).
Este período pré-demencial por ser revelado pode ser detetado in vivo em indivíduos
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assintomáticos anos antes do início do declínio cognitivo através de biomarcadores, como
sejam a proteína beta amilóide e proteína Tau, no líquido cefalorraquidiano (Weintraub,
Wicklund e Salmon, 2012).
A deteção pré-sintomática da DA é crucial, pois facilitaria o desenvolvimento de uma
terapêutica preventiva ou estabilizadora precoce. Os biomarcadores passaram assim a ser
valorizados como indicadores do processo patológico. Como tal, são essenciais para a
deteção precoce da doença, diagnóstico, monitorização da progressão da doença e da
resposta terapêutica (Aluise, Sowell e Butterfield, 2008). As técnicas de neuroimagem
avaliam a morfologia e função do cérebro. Os fluidos corporais, como o líquido
cefalorraquidiano (LCR), o plasma e a urina, são considerados fontes importantes para o
desenvolvimento dos biomarcadores da DA (tabela 4). Destes, o LCR apresenta o maior
potencial para o desenvolvimento de biomarcadores, pois está em contato direto com o
parênquima cerebral, refletindo mudanças bioquímicas que aí ocorrem (Maji et al., 2010).
Tabela 4
Biomarcadores promissores para DA.
Categoria Marcadores Vantagens Limitações
Avaliação imagiológica TAC, RM, PET, PIB-PET 1 – Não invasivo;
2 – Detalhes estruturais e funcionais do cérebro;
3 – Revela progressão da doença.
1 – Dispendioso;
2 – Requere pessoal especializado;
3 – A sensibilidade e especificidade para DA não são satisfatórias, nalguns casos.
Nascimento
10
20
30
40
50
60
70
100
90
80
Preventiva
Em modificação
Sintomática
DA Provável
DCL
Figura 8. Dos sintomas para a doença. Fonte: Shaw et al., 2007
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Plasma Α-Macroglobina, fator H do Complemento, Aβ42
1 – Não invasivo;
2 – Amostras facilmente acessíveis.
1 - Menor correlação com DA;
2 – Menor sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de DA.
LCR Aβ42, t-tau, p-tau p-tau / Aβ42, t-tau/ Aβ42
1 – Correlação direta com DA;
2 – Elevada sensibilidade e especificidade.
1 – Invasivo – amostra recolhida por punção lombar;
2 – Resultados pouco standardizados e reprodutíveis, devido ao armazenamento e transporte da amostra.
Fonte: Anoop, 2010
Infelizmente, ainda não existe um teste único específico para o diagnóstico da Doença de
Alzheimer. Em vez disso, uma equipa multidisciplinar, neurologistas, psiquiatras, geriatras,
psicólogos e enfermeiros, aplicam diversas abordagens e ferramentas, auxiliando assim o
processo de diagnóstico (Alzheimer’s Association, 2018; Norma nº 053/2011 de 27 de
Dezembro):
• Obtenção da história pessoal, incluindo um histórico médico individual e familiar;
• Avaliação cognitiva ou neuropsicológica para deteção, caracterização e controlo da
evolução do défice cognitivo, através da aplicação de instrumentos como o Exame
Neuropsicológico, o Mini-Mental State Examination (MMSE) e o Montreal Cognitive
Assessment (MOCA);
• Avaliação das atividades da vida diária para caracterização do prejuízo funcional do
processo demencial, controlo da evolução da doença e avaliação da eficácia da
terapêutica farmacológica e não farmacológica aplicadas, através da aplicação de
escalas funcionais;
• Avaliação das alterações psicológicas e comportamentais;
• Exame físico e testes laboratoriais, tais como análises ao sangue e à urina;
• Avaliação imagiológica para exclusão de lesões cerebrais e quantificação
volumétrica de atrofia em áreas cerebrais relevantes, através da Tomografia
Computorizada (TAC) crânio-encefálica e da Ressonância Magnética (RM);
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• Outras análises e exames incluem: Punção Lombar para análise do líquido
cefalorraquidiano; Tomografia Computorizada por emissão de fotão único (SPECT)
cerebral; Tomografia por Emissão de Positrões (PET);
• Realização de Estudo Genético para pesquisa de mutações em genes implicados em
demências, em casos de história familiar sugestiva de doença autossómica
dominante ou um fenótipo sugestivo.
Défice Cognitivo Ligeiro
É importante salientar que, a doença de Alzheimer (DA) é uma doença lenta e progressiva,
sem eventos específicos que definem o seu início e progressão, dificultando o diagnóstico
e a definição das diferentes fases clínicas da doença (Albert et al., 2011). Existe, no entanto,
um crescente consenso de que a doença se manifesta inicialmente por um prejuízo da
memória (designado por Défice Cognitivo Ligeiro (DCL)) que não envolve outras funções
cognitivas e na qual o indivíduo tem a sua autonomia preservada. Quando o declínio
cognitivo interfere com as atividades diárias considera-se a fase demência por DA. (Albert
et al., 2011).
Os critérios para o diagnóstico da síndrome clínica e cognitiva de DCL incluem (Albert et al.,
2011):
• Queixas subjetivas de declínio da memória, comparativamente ao nível prévio da
pessoa. Preferivelmente se forem corroboradas por um informador;
• Comprometimento objetivo em um ou mais domínios cognitivos, tendo em conta a
idade e a escolaridade do paciente;
• Preservação da função cognitiva geral;
• Preservação da independência nas atividades da vida diária;
• Não demente, ou seja, as mudanças cognitivas devem ser suficientemente leves, de
modo que não haja evidência de um prejuízo significativo no funcionamento social
ou ocupacional
Estima-se que cerca de 15% a 20% por cento das pessoas com 65 anos ou mais sofrem de
DCL (Roberts e Knopman, 2013), sendo que estes doentes têm uma elevada probabilidade
de desenvolver Alzheimer com uma taxa de conversão de cerca de 15% por ano
24
(Alzheimer’s Association, 2018). Em doentes que, além da síndrome clínico apresentam
marcadores biológicos, pode considerar-se o diagnóstico de uma fase inicial de Alzheimer
(chamado DCL devido à doença de Alzheimer). No entanto, o DCL pode sinalizar outras
demências degenerativas e nalguns casos permanece estável ou reverte para a cognição
normal (Alzheimer’s Association, 2018).
3.1.2. A abordagem terapêutica
O percurso da investigação na área do tratamento da Doença de Alzheimer (DA) é muito
longo, com muitos sucessos, mas, também com muitas frustrações. Nenhum dos
tratamentos farmacológicos atualmente disponíveis têm capacidade de prevenir, reparar
ou retardar o dano e a destruição celular, o que torna esta doença fatal (Alzheimer’s
Association, 2018).
Desde 2003 que não é aprovado um novo medicamento (o último foi a Memantina), mas
continua a trabalhar-se afincadamente para identificar fármacos inovadores. A doença de
Alzheimer é a segunda área de investigação com o maior número de ensaios clínicos.
Existem, de momento, cerca de 3 milhões de artigos na área do cancro e 250 000 na área
do Alzheimer, o que sugere que aos poucos o trabalho nesta área vai acompanhando e
marcando presença (Patterson, 2018).
Uma vez que ainda não é possível impedir o progresso da doença, as terapêuticas
existentes apenas aliviam os sintomas, temporariamente (Sousa, 2017). Os fármacos
utilizados como primeira linha no tratamento da DA, da fase ligeira à severa são: o
donepezilo, a rivastigmina, a galantamina e a memantina (tabela 5) (Müller, 2007).
Tabela 5
Medicamentos utilizados para o tratamento da DA.
Mecanismo Indicação FDA
Donepezilo Inibidor das colinesterases DA Ligeira a Severa
Rivastigmina DCLewy ligeira a severa
Demência associada à doença de Parkinson ligeira a moderada
Galantamina DA Ligeira a Moderada
Memantina Modelador dos recetores NMDA DA Moderada a Severa
Memantina + Donepezilo Inibidor das colinesterases + antagonista NMDA
DA Ligeira a Severa
Fonte: Sousa, 2017
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O donepezilo, a rivastigmina e a galantamina são fármacos procolinérgicos. A acetilcolina é
um neurotransmissor importante para a memória. A morte neuronal em regiões chave para
a sua produção conduz à redução deste mediador e a forma que se encontrou de aumentar
os seus níveis a nível da sinapse é reduzir o seu metabolismo por fármacos que inibem as
enzimas que a degradam – acetilcolinesterase e a butirilcolinesterase. Assim, uma possível
abordagem terapêutica passa pela inibição das colinesterases cerebrais, levando a um
aumento da concentração de acetilcolina na fenda sináptica e a uma melhoria da memória
(Müller, 2007).
Pertencem a esta classe de fármacos o donepezilo, um inibidor reversível da
acetilcolinesterase (Sousa, 2017), a rivastigmina, que inibe a acetilcolinesterase e a
butirilcolinesterase de forma irreversível (Müller, 2007) e a galantamina, que é um inibidor
seletivo, competitivo e reversível da acetilcolinesterase (Sousa, 2017).
A memantina é um modelador do recetor N-metil-D-Aspartato (NMDA) (Hager et al., 2016).
Os doentes de Alzheimer apresentam um aumento das concentrações de glutamato, que
tem um efeito tóxico através de mecanismos de neuroinflamação e neurodegenerescência
(Bading, 2017). A combinação da memantina com inibidores da acetilcolinesterase tem um
efeito eventualmente aditivo na cognição e pode ser utilizada no tratamento da DA (Hager
et al., 2016).
Para além da terapia farmacológica, na DA são também utilizadas terapias não
farmacológicas com o objetivo de manter ou melhorar a função cognitiva, a capacidade de
realizar atividades da vida diária ou ainda a qualidade de vida geral. Alguns dos exemplos
incluem: estimulação da memória por técnicas clássicas ou computadorizada (terapia
cognitiva), musicoterapia, a prática de exercício físico, etc. Infelizmente, tal como acontece
com as terapias farmacológicas, as terapias não farmacológicas não retardam ou impedem
a destruição neuronal progressiva que está na origem dos sintomas de Alzheimer e que
tornam a doença fatal (Alzheimer’s Association, 2018).
4. O ato de Cuidar
O envelhecimento populacional, associado ao aumento significativo de pessoas com
doenças crónicas, levanta desafios gritantes nos domínios da saúde e da prestação de
26
cuidados, uma vez que constitui uma das principais causas de incapacidade e dependência
física, criando cenários de necessidade de apoio por parte de terceiros (Sequeira, 2010).
Entende-se por pessoa em situação de dependência (Teixeira et al., 2017):
A pessoa que, por falta ou perda de autonomia física, psíquica ou intelectual, resultante ou agravada por doença crónica, demência, sequelas pós-traumáticas, deficiência, doença severa e ou incurável em fase avançada, ausência ou escassez de apoio familiar ou de outra natureza, não consegue, por si só, realizar as atividades da vida diária (Decreto-Lei n.º 101/2006, de 6 de junho). Por forma a avaliar o grau de dependência, deverá ser utilizado o método de avaliação funcional, pois este revela-se um indicador sensível e relevante para avaliar necessidades e determinar a utilização de recursos. A “funcionalidade” é a capacidade que uma pessoa possui, em cada momento, para realizar tarefas de subsistência, para se relacionar com o meio envolvente e para participar socialmente (Decreto-Lei n.º 101/2006, de 6 de junho).
É relevante distinguir os conceitos de independência e autonomia, pois são conceitos
díspares. Na visão de Sequeira (2010), a autonomia refere-se à capacidade de uma pessoa
gerir e controlar a sua vida tomando decisões no dia-a-dia, de acordo com os seus valores,
padrões, preferências e regras. Já a independência, segundo o mesmo autor, diz respeito à
capacidade de desempenhar atividades da vida diária e tarefas de autocuidado sem ajuda
de terceiros (Ferreira, 2017). Por conseguinte, um maior índice de dependência implica a
necessidade de recorrer a prestadores de cuidado (Sequeira, 2010; Fernandes, 2014).
Prestar e receber cuidados são componentes centrais da vida social, na medida em que se
manifestam pelos seus valores, atitudes e comportamentos (Sequeira, 2010). São, hoje, o
cerne de uma questão política candente em todas as sociedades (Kröger, 2009). O número
de cuidadores será insuficiente para atender às necessidades de um número crescente de
pessoas dependentes (Tronto, 2013).
A literatura sobre cuidados evoluiu significativamente nos últimos anos. O conceito de
cuidado tem sido sucessivamente modificado, de forma a torná-lo mais abrangente,
explicando a dinâmica dos seus atores, e das condições em que é prestado (São José, De,
2016). Sequeira (2010:159) reitera que cuidar “não é apenas mais uma função ou uma
tarefa, mas sim uma forma de estar no mundo, um ato solidário que envolve respeito,
reciprocidade e complementaridade. Assim, o cuidar está presente em todas as culturas e
apenas difere na sua forma de expressão e de realização.” Segundo Pimentel (2013), o ato
de cuidar inclui cuidados pessoais diretos e da vida prática, suporte emocional e assistência
pessoal, de acordo com as necessidades sentidas. A mesma autora defende que o cuidado
27
é fundamental para a promoção da qualidade de vida e bem-estar geral da pessoa
dependente (Ferreira, 2017). São José (2016) avança com uma definição inovadora do ato
de cuidar numa tentativa de incluir a maioria das relacionadas com este conceito:
Care is both a disposition and na activity, materialised in a process involving at least one caregiver and one care-receiver, both having their own social identities. Care is intrinsically relational, as it is na action oriented to the other, usually with the ultimate purpose of promoting his/her well-being. The care relationship is based on interconnectedness and interdependence, can be anchored in kinship and/or other kinds of social relations, can take place in the state domain and/or other social domains and in different locations or settings. Care can be founded in love, duty or other rationales and, as na activity, may include diferente kinds of tasks, which are carried out under certain working conditions and by using a certain approach. The activity of care, as well as the caregiver and the care-receiver, are embedded in contexts of diferente nature and diferente level of proximity, which shape the care process, the care practices and the meaning of care for all the actors involved. The consequences of care, for both the Caregiver and care-receiver, can be positive or negative (São José, 2016: 68).
A prestação de cuidados assume dois âmbitos distintos - o cuidado formal, que se direciona
para uma atividade profissional, ou o cuidado informal (Pimentel, 2013).
No âmbito do cuidado formal, este pode ser desenvolvido tanto pelo setor público como
pelo privado e é realizado por profissionais remunerados com a devida qualificação
(médicos, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, técnicos sociais, entre outros) que se
transformam em cuidadores formais, pelo facto de possuírem competências específicas
para assumirem essa função (Sequeira, 2010). Estes cuidadores estão, normalmente,
integrados em instituições sociais ou de saúde onde desenvolvem a sua atividade (Ferreira,
2017). Atualmente, Estruturas Residenciais para Idosos (ERPI), Centros de Dia, Centros de
Noites, Centros de Convívio, Apoio Domiciliário Integrado (ADI), Unidade de Apoio
Integrado (UAI) e Serviços de Apoio Domiciliário (SAD) são as principais respostas de
prestação de cuidados à população idosa e dependente (Ferreira, 2017).
Já no âmbito do cuidado informal, este carateriza-se por uma prestação de cuidados, não
remunerada e não planeada, preferencialmente no domicílio e, por norma, desenvolvida
por familiares, amigos ou vizinhos (Sequeira, 2010).
Um cenário de necessidade implica a tomada de decisão por cuidados formais e/ou
informais. O preço, a qualidade, disponibilidade dos cuidados formais e o compromisso dos
familiares ou de outros em assumir esse papel são fatores que influenciam a escolha (Pires,
2015). Por norma a prestação de cuidados é assumida num primeiro momento por atores
do cuidado informal, que recorrem, posteriormente, aos cuidados formais quando já não
28
conseguem satisfazer as necessidades do recetor de cuidados (Ferreira, 2017). No entanto,
o cuidado informal é uma condição preferencial para os recetores de cuidado e os
formuladores de políticas, devido aos custos elevados associados ao cuidado formal
(European Commission, 2018). Em Portugal, as políticas motivam a permanência da pessoa
dependente no domicílio e desencorajam a institucionalização. Assim, os cuidadores
informais ocupam a primeira linha de apoio dos cuidados continuados prestados a pessoas
dependentes. O seu trabalho tem um valor económico inquestionável e constitui um fator
de sustentabilidade dos sistemas sociais e de saúde (Teixeira et al., 2017). Segundo
Fonseca, Mira e Gato (2008), a prestação de cuidados em contexto domiciliário pode trazer
benefícios para a pessoa com demência e para o cuidador. Não implica horários e o cuidado
é prestado no momento mais adequado, permitindo a proximidade da pessoa com
demência com aquilo que são as suas rotinas diárias, o seu espaço e as suas recordações,
possibilitando assim ao cuidador a manutenção do seu papel familiar e social e uma melhor
gestão do seu tempo permitindo , igualmente, que o cuidador e o recetor de cuidados
mantenham a intimidade que tinham antes do cenário de dependência (Monteiro, 2016).
4.1. O Cuidado Informal
O cuidado informal é uma comodidade heterogénea, variando no tempo investido, na
duração da prestação e no número de tarefas de cuidado prestado. Constitui um processo
dinâmico e está intimamente ligado às necessidades do recetor de cuidados que, por sua
vez, dependem de outros fatores, como o estado de saúde (Berg, van den et al., 2005).
Segundo Martín (2005), o cuidador informal é considerado o elemento da rede social do
indivíduo (familiar, amigo, vizinho) que presta cuidados regulares a uma pessoa de modo
não remunerado e sem vínculo profissional. Podem ser principais ou secundários, tendo
em conta o grau de envolvimento na prestação de cuidados, podendo viver junto ou
separado da pessoa a quem presta os cuidados. São os primeiros responsáveis pela saúde
dos dependentes, tornando-se parceiros quase invisíveis para os serviços de saúde
(Monteiro, 2016).
Segundo Alves e Teixeira (2016), os cuidadores informais são pessoas que cuidam de outra,
fora do âmbito profissional, numa situação de necessidade, sendo que o cuidador informal
principal é aquele que se assume como o responsável pela prestação de cuidados. Os
29
cuidadores desenvolvem múltiplas tarefas, exclusivas ou complementares do cuidado
formal, e caracterizam-se por: não terem competências específicas no domínio do cuidado;
não terem um vínculo contratual; não serem remunerados; executarem múltiplas
atividades; investirem um tempo ilimitado no ato de cuidar (Teixeira et al., 2017).
A frequência e o tipo de cuidados prestados pelos cuidadores informais variam consoante
fatores não estáticos, que se desenvolvem ao longo do tempo, introduzindo novos aspetos,
tarefas e sentimentos. Tais fatores incluem a fase da doença, o tipo de dependência (física,
mental ou ambas), a proximidade geográfica entre o cuidador e a pessoa cuidada, a
situação socioeconómica de ambos, entre outros (Paúl, 1997). As tarefas desempenhadas
pelo cuidador caracterizam-se como: antecipatórias (antevisão de necessidades futuras),
preventivas (evitar, prevenir ou retardar a doença), de supervisão (ações diretas de
resolução de problemas), instrumentais (realização das atividades básicas e instrumentais
da vida diária) e protetoras (proteção contra as ameaças à autoimagem, identidade e bem-
estar emocional da pessoa dependente) (Monteiro, 2016). Os cuidadores informais atuam
em três domínios: Atividades Básicas da Vida Diária (ABVD); Atividades Instrumentais da
Vida Diária (AIVD); Apoio emocional (Teixeira et al., 2017).
As ABVD estão normalmente relacionadas com o autocuidado e a mobilidade e são
definidas como um conjunto de atividades primárias que permitem ao individuo viver com
autonomia e independência, incluindo atividades como: comer, uso da casa de banho,
da Segurança Social é o Complemento por Dependência, com um valor monetário
que varia entre 94,64€ e 189,29€ mensais. Este valor é atribuído à pessoa com
dependência e com base nos seus rendimentos, sendo que este não pode receber
mais de 600€ mensais no total de todas as pensões recebidas (Pires, 2015);
• Criação de leis de proteção laboral para as pessoas cuidadoras, de forma a que estas
possam conciliar a prestação de cuidados e a sua atividade profissional. Promoção
de licenças sem vencimento por questões de emergência relacionadas com o
cuidado, atribuição de horários de trabalho flexíveis, adoção de planos de saúde
dos cuidadores trabalhadores em empresas, a atribuição de benefícios fiscais para
as empresas amigas dos cuidadores trabalhadores.
Em Portugal, como referido anteriormente, o trabalho no domínio do cuidado informal é
ainda escasso. Contudo é possível realçar marcos importantes no enquadramento
normativo desta matéria (Teixeira et al., 2017):
• Criação da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) e a sua
constante expansão e melhoria. Esta rede tem como objetivo a prestação de
cuidados de saúde e de apoio social de forma continuada e integrada a pessoas que,
independentemente da idade, se encontrem em situação de dependência. A RNCCI
também reconhece e apoia os cuidadores informais;
• Recomendações ao Governo para a criação do estatuto do Cuidador informal e de
medidas de apoio aos cuidadores informais por Múltiplas Resoluções de 2016. Uma
comissão liderada por Maria de Belém sugeriu um projeto que previa a
contemplação do estatuto dos cuidadores informais e do reconhecimento da
importância do papel dos mesmos na nova Lei de Bases da Saúde, contudo o mesmo
não se verificou na lei que foi aprovada a 13 de dezembro de 2018. A atual Ministra
da Saúde, Marta Temido, defende que não faz sentido detalhar o estatuto na nova
Lei de Bases da Saúde, uma vez que não é apenas da tutela da saúde;
• Implementação e definição das condições de organização e funcionamento das
diferentes estruturas e medidas de proteção social: Apoio Domiciliário Integrado
(ADI), Unidade de Apoio Integrado (UAI), SAD, Centro de Noite, Centro de Dia,
Acolhimento Familiar para Pessoas Idosas, Estrutura Residencial para Pessoas
36
Idosas (ERPI) e apoios financeiros como o Complemento Solidário para Idosos, o
Complemento por Dependência e o Complemento por Cônjuge a Cargo;
• Dinamização de respostas comunitárias gratuitas ou a preços sociais. São exemplo
o Gabinete de Apoio da Alzheimer Portugal e o Café Memória, específicos para a
doença de Alzheimer e outras demências, grupos de suporte para cuidadores e
projetos desenvolvidos regionalmente. Em estudos recentes, foram contabilizados
cerca de 47 projetos a nível nacional.
5. O impacto económico da doença de Alzheimer no Cuidador Informal
O impacto da demência afeta três níveis inter-relacionados (Ferri et al., 2009):
• A pessoa com demência, dependente, com a qualidade de vida afetada e a
esperança de vida reduzida;
• A família e os amigos que assumem o papel de cuidadores informais e funcionam
como pilares de suporte dos sistemas de saúde;
• A sociedade, que, direta ou indiretamente através dos gastos do Governo, incorre
nos custos sociais e da prestação de cuidados de saúde e no custo de oportunidade
da perda de produtividade.
Os estudos de Custo da Doença (CdD) descrevem e estimam o impacto económico de uma
doença na sociedade. Para isso, é necessário identificar e medir todos os custos diretos,
indiretos e de oportunidade associados à mesma. Os custos diretos, médicos ou não
médicos, medem os recursos utilizados para tratar uma doença e podem ser estimados por
gastos per capita, tarifas nacionais, preços de mercado e estudos publicados. Os custos
indiretos medem a perda de produtividade, o efeito da doença no paciente ou a capacidade
de o cuidador conciliar a sua atividade profissional com o ato de cuidar. Os custos de
oportunidade correspondem ao valor monetário da oportunidade perdida de utilizar de
forma diferente os recursos que são aplicados na doença (Costa et al., 2012).
Os estudos CdD são utilizados pelos formuladores de políticas como ferramenta de tomada
de decisão, educação, informação e esclarecimento. Estes estudos são particularmente
37
relevantes em doenças crónicas, devido ao seu peso no orçamento da saúde (Costa et al.,
2012).
No caso da demência, os custos resultam, essencialmente, dos recursos utilizados na
prevenção, diagnóstico, tratamento e gestão da doença (O'Shea e O'Reilly, 2000). Estes
custos são repartidos pelo setor público e privado e a sua análise é uma área sobre a qual
o investimento e a investigação têm aumentado nos últimos anos (Pires, 2015). Segundo o
World Alzheimer Report de 2015, os custos globais da demência aumentaram de 530,03
bilhões de euros em 2010 para 717,82 bilhões de euros em 2015. Excluindo os custos
indiretos, os custos diretos totais representam cerca de 0,65% do PIB mundial (Prince et
al., 2015).
Um estudo sobre os custos da doença de Alzheimer na Europa27 concluiu que 60% dos
custos se referem ao cuidado informal (Gervès, Chauvin e Bellanger, 2014), sendo que, um
estudo na Irlanda mostrou mesmo que 50% do custo total da demência é suportado pelos
cuidadores informais (O'Shea e O'Reilly, 2000). Em Portugal, infelizmente, são escassos os
estudos que se debruçam sobre o impacto económico desta condição quer na sociedade,
quer nos agregados familiares, onde ocorrem os cuidados informais (Pires, 2015).
De acordo com os valores referidos, conclui-se que o impacto da doença nos cuidadores
informais é profundo, sendo de enorme interesse e importância a sua consideração nos
estudos de avaliação económica da doença (Hoefman, Exel, Van e Brouwer, 2013).
A prestação de cuidados informais caracteriza-se pelo sacrifício dos cuidadores informais.
Estes agentes do cuidado incorrem em perdas de saúde e qualidade de vida e investem a
maioria da sua energia, tempo e dinheiro no ato de cuidar. Todos estes parâmetros são
muito difíceis de calcular, uma vez que variam muito entre os diferentes prestadores de
cuidado (Pires, 2015)
Em termos económicos, Van Den Berg (2005) entende o cuidado informal como uma
comodidade não transacionável, e considera que um cuidador informal pode auferir um
valor monetário pela prestação dos cuidados, desde que este seja inferior ao valor
praticado no mercado dos cuidados formais. Defende também que só se trata de cuidado
informal quando o cuidador recusa cuidar de alguém fora do seu ambiente social,
38
concluindo-se, assim, que um cuidador informal é voluntário e não deve receber
pagamento, ao contrário do cuidador formal (Pires, 2015).
Como os cuidados informais não são um produto comercial, não existe um preço de
mercado para os mesmos. Logo, de forma a expressar o valor do cuidado informal em
termos monetários, são aplicados métodos de avaliação e valorização monetária. Esse
valor é posteriormente multiplicado pelo número de horas de cuidado e incluído na
totalidade dos custos de uma avaliação económica (Hoefman, Exel, Van e Brouwer, 2013).
Alguns dos métodos de avaliação e valorização monetária em saúde utilizados na avaliação
económica dos cuidados informais são o método do bem substituto (proxy-good), o
método do custo de oportunidade e o método da valoração do bem-estar, que consistem
em métodos de preferência revelada. Por norma, estes são os métodos mais utilizados,
uma vez que se baseiam no comportamento e escolhas dos indivíduos em estudo. Os
métodos de preferência declarada, que se baseiam em cenários hipotéticos, incluem os
métodos de avaliação conjunta e de avaliação contingente (Hoefman, Exel, Van e Brouwer,
2013).
Os métodos referidos diferem na forma de cálculo dos valores (Hoefman, Exel, Van e
Brouwer, 2013). O método do bem substituto avalia o tempo investido pelo cuidador
informal através do preço de mercado de um substituto próximo. Este método é dos mais
aceites e aplicados pela comunidade científica, uma vez que é atribuída de forma “simples”
um valor monetário à hora de cuidado prestado pelos cuidadores informais. O método do
custo de oportunidade considera o valor da realização de uma atividade que o cuidador
informal sacrificou para cuidar de um indivíduo dependente. Ou seja, valoriza os benefícios
perdidos, devido ao tempo gasto na prestação de cuidados (Paraponaris e Davin, 2015).
Estes dois métodos fornecem apenas uma avaliação parcial do cuidado informal, uma vez
que se focam no aspeto financeiro do cuidado e no valor do tempo sacrificado, não
considerando os aspetos psicossociais e de saúde, e a heterogeneidade do ato de cuidar,
em termos de horas investidas e atividades realizadas (Hoefman, Exel, Van e Brouwer,
2013). O método da valoração do bem-estar, para além dos aspetos financeiros, considera
também as perdas do bem-estar do cuidador informal, pretendendo calcular o valor
necessário (valor de compensação) para manter o mesmo nível de bem-estar do cuidador
informal depois de sacrificar uma hora adicional de cuidados informais (Pires, 2015).
39
Os cuidadores informais investem o seu tempo em três domínios básicos: apoio nas ABVD;
apoio nas AIVD; supervisão, que pressupõe a prevenção de eventos perigosos (acidentes
com fogo, trânsito, água quente, quedas, etc.) e gestão de distúrbios de comportamento
(desinibição, agressividade, gritos, etc) (Wimo A et al., 2002). Para quantificar o tempo
investido pelo cuidador informal na prestação de cuidados, os investigadores recorrem a
um conjunto de ferramentas, que inclui o método do diário e o método de recordação. O
método do diário implica que os prestadores de cuidado registem o tempo que investem
em todas as atividades que realizam no âmbito do cuidado. É um método muito demorado
e pressupõe paciência por parte do indivíduo em estudo, o que nem sempre é fácil,
resultando no enviesamento dos resultados. No método de recordação, os investigadores
questionam o cuidador sobre o número de vezes e horas que dispensam na realização de
determinadas tarefas, num período de tempo específico. É mais rápido, contudo os
resultados são facilmente sobrevalorizados (Hoefman, Exel, Van e Brouwer, 2013).
O registo exato do tempo investido no cuidado informal é muito problemático, resultando
normalmente num número sobrevalorizado de horas. Este facto deve-se à dificuldade dos
cuidadores informais de diferenciar as atividades da vida normal daquelas que estão
associadas ao ato de cuidar e da realização de várias atividades em conjunto (Hoefman,
Exel, Van e Brouwer, 2013). Também o efeito da sobrecarga psicológica provoca
enviesamentos (Pires, 2015). Muitos cuidadores tendem a indicar que prestam cuidados
durante 24 horas por dia, 7 dias por semana. Contudo, este cenário não é realista, uma vez
que os próprios necessitam de cuidados pessoais e tempo de sono, que, por vezes, é muito
reduzido. Alguns estudos na área estabelecem limites de 16 a 18 horas por dia para o
número total de horas de cuidado, presumindo-se que o cuidador passa a maioria do seu
tempo a realizar atividades de cuidado (Hoefman, Exel, Van e Brouwer, 2013).
Moore et al. (2001) e Gervès, Chauvin e Bellanger (2014) a partir de estudos de avaliação
de custos do cuidado na doença de Alzheimer, concluíram que o número de horas de
cuidado e, consequentemente, o custo do cuidado informal dependem do grau de
severidade da doença, do recurso a cuidados formais e da coabitação do prestador de
cuidados com o recetor de cuidados.
40
5.1. Impacto socioeconómico nos cuidadores informais na DA. Revisão da literatura.
Os estudos de avaliação económica no domínio dos custos do cuidado informal constituem
uma área de investigação e investimento crescentes, no entanto ainda é recorrente a
exclusão desta componente nos estudos de custo da doença (Hoefman, Exel, Van e
Brouwer, 2013).
Em Portugal, segundo um estudo da Associação Cuidadores Portugal, o trabalho realizado
pelos cuidadores informais vale 3 951 223 008 euros por ano. Este valor foi calculado com
base no salário mínimo nacional (Teixeira et al., 2017).
Na tabela 6, são apresentados outros estudos sobre os custos do cuidado informal,
conduzidos em diferentes países e, especificamente, na doença de Alzheimer.
Tabela 6
Estudos em retrospetiva – o custo do cuidado informal
Estudo País, Ano Instrumento de recolha de dados
Método(s) de avaliação económica
Unidade de valoração/hora
Custo do cuidado informal (€/ano)
(O'Shea e O'Reilly, 2000)
Irlanda, 2000
RUD Método do custo de oportunidade
1,89€ 7 570,16€
(Moore et al., 2001)
Estados Unidos, 2001
RUD Método do bem substituto
7,38€: média do vencimento de auxiliar no domicílio;
6,50€: empregada doméstica;
10,30€: profissional de ocupação/animação.
2080€ a 12 532€, dependendo da severidade da doença
custo total: 16 432€
(Wang et al., 2010)
China, 2010
RUD Método do custo de oportunidade
2,05€: média do rendimento anual nacional
17 611€
(Wimo et al., 2016)
Suécia, 2012
RUD Método do custo de oportunidade
15,20€: média do custo do trabalho perdido e do tempo de lazer perdido
953 400 000€
(Wimo et al., 2013)
Alemanha, França, Reino Unido, 2013
RUD Método do custo de oportunidade
Reino Unido
18,25€: custo do trabalho perdido
6,39€: custo do tempo de lazer
Reino Unido: 45 948€
França: 33 456€
Alemanha: 52 176€
41
perdido
França
24,27€: custo do trabalho perdido
8,50€: custo do tempo de lazer perdido
Alemanha
24,09: custo do trabalho perdido
8,43€: custo do tempo de lazer perdido
(Gervès, Chauvin e Bellanger, 2014)
França, 2014
RUD a) Método do bem substituto
b) Método do custo de oportunidade
a) 11,49: média do vencimento de auxiliar no domicílio
b) trabalhadores: valor médio do mercado do cuidador
reformados: valor médio da pensão da categoria do cuidador
a) 127 400€
b) 161 304€
(Paraponaris e Davin, 2015)
França, 2015
RUD a) Método do bem substituto
b) Método do custo de oportunidade
a) 12,42€: média do salário mínimo bruto
b) 13,74€: mulheres novas
21,41€: mulheres próximas da reforma
14,92€: homens novos
28,70€: homens próximos da reforma
12,42€: cuidadores reformados
a) 4 864 000 000€
b) 6 461 000 000€
(Peña-Longobardo e Oliva-Moreno, 2015)
Espanha 2015
Survey on Disabilities, Autonomy and Dependency
a) Método do bem substituto
b) Método do custo de oportunidade
c) Método de avaliação
a) 12,71: média do vencimento de auxiliar no domicílio
b) trabalhadores: salário médio nacional, por género e região;
a) 31 824€ a 52 780€
b) 20 072€
c) 18 668€ a 29 068€
42
contingente não trabalhadores: média do salário de empregada doméstica
Através da revisão da literatura, é possível observar a preferência dos investigadores pela
utilização dos métodos de preferência revelada, o método do bem substituto e o método
do custo de oportunidade. Na aplicação do método do bem substituto, é visível a diferença
na unidade de valoração por hora utilizada para calcular o custo do cuidado informal nos
diferentes estudos, uma vez que este número varia consoante o mercado no qual se aplica
o estudo e consoante o vencimento médio do profissional mais próximo escolhido pelos
investigadores. A recolha de dados é feita, essencialmente, com recurso ao instrumento
Resource Utilization in Dementia (RUD), a partir do qual se obtém informação sobre
cuidados formais e informais do cuidador e do doente, com especificidade para a condição
de demência (Wimo et al., 2013).
43
PARTE II: ESTUDO EMPÍRICO
44
6. Percurso metodológico
6.1. Instrumento e processo de recolha de dados
Em Portugal, o número de pessoas com doença de Alzheimer e, consequentemente, com
necessidade de apoio de terceiros é tendencialmente crescente. Assim, o papel do
cuidador informal é hoje um tema de discussão pública e parlamentar. (WHO, 2012)
O desenvolvimento deste estudo pretende contribuir para esta discussão, conduzindo uma
análise do quadro da doença de Alzheimer e do cuidado informal nesta condição, na
Consulta de Demência do Serviço de Neurologia do Centro Hospitalar e Universitário de
Coimbra.
Na literatura é possível identificar vários instrumentos de recolha de informação, que
permitem a realização de estudos de avaliação económica do cuidado informal de forma
integrada. Alguns desses instrumentos são: o Caregiver Activity Survey (CAS), desenvolvido
para medir o tempo do cuidador e alguns aspetos da sobrecarga no cuidador; o Caregiver
Activities Time Survey (CATS), desenvolvido para medir o tempo de cuidado formal e
informal investido em determinadas atividades e tarefas; o Client Service Receipt Inventory
(CSRI), desenvolvido para estimar custos com base em informação detalhada sobre a
utilização de serviços e apoios às famílias; o Resource Use Inventory (RUI), desenvolvido
para a análise da utilização de recursos e da situação profissional do doente, mas não do
cuidador (Wimo et al., 2013). Contudo, o instrumento mais utilizado para a recolha de
informação sobre o uso de recursos na demência é o Resource Utilization in Dementia
(RUD), que pode ser aplicado em diferentes condições de cuidado e sistemas de saúde,
permitindo a comparação entre os diferentes países (Wimo et al., 2013).
O RUD é específico para as demências e tem como principais objetivos medir a utilização
de recursos na prestação de cuidados aos doentes e aos seus cuidadores informais e
calcular o tempo investido no cuidado formal e informal (Wimo et al., 2013).
A sua aplicação permite a recolha de informação relativa às pessoas com demência,
nomeadamente sobre as condições de alojamento e o consumo de cuidados de saúde das
mesmas, e relativa aos cuidadores informais, sobre as características sociodemográficas, o
45
consumo de cuidados de saúde, a situação profissional e o tempo e atividades de cuidado
informal que os mesmos realizam (Wimo et al., 2013).
Por norma, o RUD é administrado sob a forma de entrevista pelo investigador ao cuidador
informal, que assume o papel de informador. São utilizados dois questionários diferentes:
o questionário base, aplicado na primeira vez que o RUD é administrado, e o questionário
de acompanhamento, aplicado nas visitas subsequentes. No primeiro questionário, as
questões remetem para os últimos 30 dias, enquanto que, no questionário de
acompanhamento, remetem para o período desde a última administração (Wimo et al.,
2013).
Assim, para atingir os objetivos do estudo, foi desenvolvido um questionário com base no
instrumento RUD, constituindo uma adaptação da versão inglesa do mesmo. O referido
questionário tem uma única versão e foi administrado apenas uma vez, em forma de
entrevista, a cada cuidador informal. As suas questões remetem para os últimos 6 meses,
período que foi definido com base na frequência com que os doentes de Alzheimer fazem
a Consulta de Demência.
O questionário é constituído por 3 áreas de análise referentes ao doente (caracterização
sociodemográfica, caracterização do estado de saúde e apoios recebidos) e 5 áreas de
análise referentes ao cuidador informal (caracterização sociodemográfica, caracterização
do estado de saúde, apoios recebidos, situação profissional e atividades e tempo de
cuidado informal). Cada área de análise é constituída por várias questões de resposta
aberta, as quais dão origem a variáveis quantitativas e qualitativas (nominais e ordinais),
que foram, posteriormente, estatisticamente analisadas para obter os resultados
necessários aos objetivos do estudo (tabela 7).
Tabela 7
Estrutura do instrumento de recolha de dados
Questionário
Áreas Número de Questões Variáveis
Doente
Caracterização Sociodemográfica 10
“Idade”, “sexo”, “estado civil”, “grau de escolaridade”, “concelho”, “tipo de alojamento”, “com quem vive”, “origem do rendimento”, “valor do rendimento” e “despesas
46
gerais mensais”.
Estado de Saúde 9
“Fase da doença”, “condições de saúde adicionais”, “episódios de internamento”, “custos de internamento”, “episódios de urgência”, “custos de urgência”, “consultas realizadas”, “custos de consultas”, “exames realizados”, “custos de exames”, “custos de medicação”, “dispositivos de apoio adquiridos”, “custos de dispositivos de apoio”, “utilização de acessórios de cuidado”, “custos de acessórios de cuidado”, “adaptações físicas no domicílio”, “custos de adaptações”, “serviços de apoio” e “custos de serviços de apoio”.
Apoios Recebidos 2 “Isenção de taxas”, “subsistema de saúde”, “apoios financeiros” e “valor dos apoios financeiros”.
Cuidadores Informais
Caracterização Sociodemográfica 11
“Idade”, “sexo”, “estado civil”, “grau de escolaridade”, “concelho”, “viver com o doente”, “relação com o doente”, “número de cuidadores envolvidos”, “percentagem de envolvimento no cuidado” e “tempo de cuidador”.
Estado de Saúde 9
“Condições de saúde”, “episódios de internamento”, “custos de internamento”, “episódios de urgência”, “custos de urgência”, “consultas realizadas”, “custos de consultas”, “exames realizados”, “custos de exames” e “custos de medicação”.
Situação Profissional 11
“Atividade profissional”, “motivo para não trabalhar”, “origem do rendimento”, “valor do rendimento”, “horas semanais de trabalho”, “horas de trabalho perdidas”, “dias de trabalho perdidos”, “justificação de faltas”, “prejuízo por falta” e “efeito no desempenho”.
Apoios Recebidos 3
“Isenção de taxas”, “subsistema de saúde”, “apoios financeiros”, “valor dos apoios financeiros” e “apoios não financeiros”.
Tempo e Atividades de Cuidado 7 “ABVD realizadas”, “número de
47
Informal ABVD realizadas”, “AIVD realizadas”, “número de AIVD realizadas”, “dias semanais de cuidado”, “horas diárias de cuidado”, “horas de ABVD”, “horas de AIVD” e “horas de supervisão”.
Legenda: ABVD – incluem o apoio pessoal e na mobilidade; AIVD – incluem a realização de tarefas domésticas, controlo da medicação, gestão das finanças, utilização do telefone, compras, utilização de transportes públicos, ir a consultas e realização de atividades de lazer.
O desenvolvimento do presente estudo teve o parecer favorável da Comissão de Ética para
a Saúde do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), tendo cumprido todos os
requisitos impostos pela mesma. O questionário foi administrado durante 5 meses aos
cuidadores informais de doentes de Alzheimer da Consulta de Demência do Serviço de
Neurologia do CHUC, que, para participarem, assinaram um consentimento informado,
esclarecido e livre, após serem clarificados os objetivos do estudo, as condições de
participação e o direito ao anonimato e confidencialidade da informação prestada.
6.2. Construção da base de dados e análise dos dados
As informações obtidas a partir do questionário foram, numa primeira fase, organizadas
numa base de dados, na qual foram, posteriormente, aplicados os critérios de inclusão.
Assim, foram considerados todos os doentes acompanhados na Consulta de Demência,
com diagnóstico clínico de DCL (CDR=0) ou de doença de Alzheimer em fase ligeira (CDR=1),
moderada (CDR=2) ou severa (CDR=3) e acompanhados por pelo menos um cuidador
informal. No que diz respeito aos cuidadores informais, foram considerados todos os que
aceitaram participar voluntariamente no estudo, por assinatura do consentimento
informado, contudo, para o cálculo do tempo e do custo do cuidado informal, foram apenas
incluídos os dados daqueles que prestam cuidados a doentes não institucionalizados. O
método de amostragem utilizado foi o de conveniência, uma vez que os doentes e
cuidadores informais foram escolhidos de acordo com as características de conveniência
para o estudo.
A análise dos dados foi desenvolvida com base numa metodologia quantitativa, tendo sido
seguidos os seguintes passos:
48
1. Análise de estatística descritiva das variáveis relativas às características
sociodemográficas dos doentes e cuidadores informais;
2. Estimação da utilização, consumo e valor dos cuidados de saúde dos doentes e
cuidadores informais;
3. Caracterização da tipologia de cuidado informal na doença de Alzheimer, através
da análise de estatística descritiva das variáveis relativas às atividades realizadas e
ao tempo investido no ato de cuidar, pelos cuidadores informais;
4. Valorização monetária do cuidado informal e análise de estatística descritiva das
variáveis relativas à situação profissional dos cuidadores informais e aos apoios
prestados aos mesmos;
5. Análise explicativa do número de horas de cuidado despendido pelos cuidadores
informais.
Para cada variável foi realizada uma análise de estatística descritiva, determinando-se a
frequência absoluta e relativa para as variáveis qualitativas (nominais e ordinais) e, no caso
das variáveis quantitativas, foi determinada a média. De forma a caracterizar a amostra de
participantes, para além da análise das variáveis em cada fase da doença, foi também feita
uma análise global das mesmas.
De seguida, são detalhados os passos da análise de dados:
1. Análise de estatística descritiva das variáveis relativas às características
sociodemográficas dos doentes e cuidadores informais
No sentido de caracterizar os doentes em termos sociodemográficos foi feita a análise
descritiva das variáveis “idade”, “sexo”, “estado civil”, “grau de escolaridade”, “concelho”,
“tipo de alojamento”, “com quem vive”, “origem do rendimento”, “valor do rendimento”,
“despesas gerais mensais”, “isenção de taxas”, “subsistema de saúde”, “apoios financeiros”
e “valor dos apoios financeiros”. Na caracterização dos cuidadores informais foram
consideradas as variáveis: “idade”, “sexo”, “estado civil”, “grau de escolaridade”,
“concelho”, “viver com o doente”, “relação com o doente”, “número de cuidadores
envolvidos”, “percentagem de envolvimento no cuidado” e “tempo de cuidador”.
49
2. Estimação da utilização, consumo e valor dos cuidados de saúde dos doentes e
cuidadores informais
Foi possível estimar a utilização, consumo e valor dos cuidados de saúde de ambos os
grupos de participantes, através do estudo descritivo das variáveis que caracterizam o
estado de saúde dos doentes e cuidadores informais. No caso dos doentes, as variáveis
analisadas foram: “fase da doença”, “condições de saúde adicionais”, “episódios de
internamento”, “custos de internamento”, “episódios de urgência”, “custos de urgência”,
“consultas realizadas”, “custos de consultas”, “exames realizados”, “custos de exames”,
“custos de medicação”, “dispositivos de apoio adquiridos”, “custos de dispositivos de
apoio”, “utilização de acessórios de cuidado”, “custos de acessórios de cuidado”,
“adaptações físicas no domicílio”, “custos de adaptações”, “serviços de apoio” e “custos de
serviços de apoio”. Para os cuidadores informais foram analisadas as mesmas variáveis, à
exceção da “fase da doença”, “dispositivos de apoio adquiridos”, “custos de dispositivos de
apoio”, “utilização de acessórios de cuidado”, “custos de acessórios de cuidado”,
“adaptações físicas no domicílio”, “custos de adaptações”, “serviços de apoio” e “custos de
serviços de apoio”, uma vez que apenas se pretendia uma análise detalhada das mesmas
para o DCL e para a doença de Alzheimer.
Relativamente aos custos associados aos cuidados de saúde, existem três tipos principais
de custos considerados num estudo Custo da Doença: diretos, indiretos e intangíveis
(França, 2014). Nesta análise foram considerados apenas os custos diretos, médicos e não
médicos, que medem a utilização de recursos para o tratamento de uma doença, e os
custos indiretos que medem as perdas de produtividade e o efeito da doença na
capacidade do doente e do seu cuidador manterem uma atividade profissional (tabela 8)
(França, 2014). Foram considerados os custos diretos quer dos doentes, quer dos
cuidadores informais, no entanto a avaliação dos custos indiretos foi conduzida apenas nos
cuidadores informais. O cálculo do custo indireto é explicado mais à frente neste capítulo.
Relativamente aos custos diretos, foram calculadas as médias dos custos de internamento,
urgências, consultas, exames, medicação, dispositivos de apoio, acessórios de cuidado,
serviços de apoio e de transporte reportados pelos cuidadores informais, relativamente a
Percentagem de cuidado 0.071 0.035 2.01 0.045 0.002 – 0.140
Na tabela 18, são apresentados os resultados da análise de regressão de Poisson, a partir
dos quais é possível concluir que todos os fatores, à exceção do “número de ABVD
realizadas”, têm uma associação estatisticamente significativa (valor p < 0,05) com o
número de horas de cuidado.
A interpretação dos coeficientes permite descrever a forma como os diferentes fatores
influenciam a variável dependente do estudo. Assim, como os coeficientes para a
“severidade da doença” (-0,107) e “situação profissional” (-0.29) são negativos, quando a
severidade aumenta e os cuidadores informais exercem uma atividade profissional, o
número de horas de cuidado e, consequentemente, o custo do cuidado informal diminui.
Por outro lado, uma vez que os coeficientes para o “número de AIVD realizadas” (0.095),
“viver com o doente” (0.761), “tempo de cuidador” (0.079) e “percentagem de
envolvimento no cuidado” (0.071) são positivos, quando o número de AIVD realizadas
aumenta e os cuidadores vivem com o doente, prestam cuidados há mais tempo e
reportam uma maior percentagem de envolvimento no cuidado, o número de horas de
cuidado prestado e, consequentemente, o custo do cuidado informal aumenta.
Através da comparação da dimensão dos coeficientes, é possível concluir que a variável
que mais contribui para mais horas de cuidado é “viver com o doente”, uma vez que tem
81
um coeficiente de maior dimensão (0.761). Pelo contrário, a variável que mais explica
menos horas de cuidado é a “situação profissional” (-0.29).
8. Análise e discussão dos resultados
Neste capítulo é feita a análise e reflexão dos resultados obtidos, comparando os mesmos
com as conclusões retiradas ao longo da revisão da literatura.
O presente estudo foi realizado com o objetivo de analisar o impacto socioeconómico nos
cuidadores informais de doentes de Alzheimer. Numa primeira fase, foram exploradas as
características sociodemográficas e do estado de saúde da amostra total e por fases da
doença dos doentes e cuidadores informais.
Relativamente aos recetores de cuidados, de um modo geral, não houve surpresas, sendo
que o perfil encontrado corrobora com aquele que é definido noutros estudos similares
(Coduras et al., 2010; Jönsson et al., 2006; Reese et al., 2011; Zhu et al., 2015). A maioria
dos doentes são mulheres, encontram-se na faixa etária dos 71 aos 80 anos e têm um grau
de escolaridade e estatuto socioeconómico baixos, reportando rendimentos mensais
inferiores a 500€. Estes factos confirmam alguns dos fatores de risco identificados para a
doença de Alzheimer. O envelhecimento é o fator de risco mais significativo nas condições
demenciais, cuja prevalência aumenta drasticamente com a idade (Alzheimer’s
Association, 2018; Daviglus et al., 2011). O número de casos e o risco de desenvolver
Alzheimer é também maior no sexo feminino (Nebel et al., 2018). Algumas justificações
para este fenómeno incluem a maior esperança de vida das mulheres, existindo um maior
número de mulheres em idade avançada e, portanto, mais sujeitas ao desenvolvimento de
demência (Nebel et al., 2018). Menos anos de educação, que implicam menos reservas
cognitivas, e o baixo estatuto socioeconómico, associado a uma vida social e cultural mais
pobre, também aumentam o risco de desenvolvimento de Alzheimer (Alzheimer’s
Association, 2018; Nebel et al., 2018). Ainda assim, 15% dos doentes deste estudo
completaram o ensino superior, mostrando que uma educação de mais anos não elimina o
risco. A maioria dos doentes vive em casa própria, normalmente, com o cônjuge e/ou com
os filhos, à semelhança do que é verificado noutros estudos de avaliação económica na
área do Alzheimer (Coduras et al., 2010; Jönsson et al., 2006; Reese et al., 2011). Ainda
82
assim foram registados 11 doentes institucionalizados, sendo que 8 deles se encontram já
em fase severa, comprovando o recurso a cuidados formais quando o comprometimento
funcional do doente e o desgaste do cuidador informal são mais significativos, não
conseguindo satisfazer sozinho as necessidades complexas do doente (Ferreira, 2017;
Reese et al., 2011).
Como esperado, dada a média de idades, grande parte da amostra de doentes estão já
reformados, sendo que apenas 5 indivíduos, com um início de doença precoce, foram
obrigados pela condição a deixar de trabalhar. Os rendimentos mensais registados
assumem um valor médio de 680,47€, que embora seja superior ao valor médio mensal
das pensões de velhice pagas pela Segurança Social, que, em 2016, segundo o PORDATA,
já era de 427,62€, continua a ser baixo e insuficiente, tendo em conta as necessidades dos
doentes. Verificou-se também que, no geral, as despesas médias mensais (despesas
domiciliárias gerais e alimentação), que assumem um valor médio de 810,81€, aumentam
com a severidade da doença e são superiores ao valor dos rendimentos mensais, sendo
esta diferença mais significativa na fase severa onde se regista o valor mais baixo de
rendimentos e mais alto de despesas. Todas estas conclusões comprovam as condições
precárias em que muitos doentes vivem, com a agravante de que lidam com uma doença,
cujo impacto económico é enorme e crescente ao longo das fases de severidade (Costa et
al., 2012; Reese et al., 2011). Assim, é compreensível que se identifiquem na fase mais
avançada, mais indivíduos isentos do pagamento de taxas moderadores e beneficiários de
apoios financeiros. Contudo, de uma forma geral, os doentes de Alzheimer não são isentos,
sendo as queixas mais recorrentes a falta de informação sobre o procedimento e
documentação necessária ao pedido de isenção e a dificuldade no reconhecimento do grau
de incapacidade igual ou superior a 60%.
Relativamente ao estado de saúde dos doentes, as comorbilidades mais frequentes
incluem as doenças cardíacas, de entre as quais a hipertensão e hipercolesterolemia, a
diabetes e os transtornos mentais, que são identificados em diversos estudos como
condições que aumentam o risco de desenvolvimento de Alzheimer (Alzheimer’s
Association, 2018; Daviglus et al., 2011). Como consequência destas condições, as
especialidades das consultas e episódios de internamento mais registadas foram a
Neurologia, Cardiologia e Medicina Geral e Familiar. O número de consultas e exames
83
realizados diminui com a severidade da doença, uma vez que nas fases mais avançadas, a
mobilidade é gravemente afetada e o doente fica limitado, tornando-se a sua deslocação
muito complicada (Reese et al., 2011). Assim, são feitas menos marcações de
acompanhamento, sendo que as que se realizam são, por norma, não presenciais,
deslocando-se apenas o cuidador informal. Por outro lado, a frequência de episódios de
urgência e internamentos, bem como a necessidade de dispositivos médicos, acessórios de
cuidado e de recurso a serviços de cuidado formal aumentam com a severidade,
confirmando o agravamento das condições de saúde com o avançar da doença, descrito
em diversos estudos (Barreto, 2005; Monteiro, 2016; Reese et al., 2011; Zhu et al., 2015).
Relativamente aos resultados da análise exploratória das características sociodemográficas
dos cuidadores informais, o perfil traçado coincide com o que é descrito em diversos
estudos da área. Os prestadores de cuidados são, na sua maioria, do sexo feminino, sendo
por norma, a esposa e/ou, na ausência desta, a filha do doente, corroborando com a ideia
de que a mulher, por ampliação do seu papel maternal, tem mais tendência para cuidar
(Andrade, 2009; Barbosa e Matos, 2014; Gervès, Chauvin e Bellanger, 2014; Lemos, 2012;
Nebel et al., 2018; Reese et al., 2011; Zhu et al., 2015). A idade, varia muito, no entanto a
maior parte encontra-se na faixa etária dos 51 aos 60 anos, sendo que, como verificado na
literatura, o cuidador é tanto mais velho quanto mais idade tiver o doente (Andrade, 2009;
Figueiredo, 2007). Assim, a maior parte dos cuidadores está ainda em idade ativa e mantém
uma ocupação remunerada em simultâneo com o ato de cuidar (Figueiredo, 2007). Por
norma, os prestadores apresentam baixas habilitações académicas (Teixeira et al., 2017),
contudo, neste estudo a maior percentagem de indivíduos completou o ensino superior.
Tal facto pode ser explicado pelo meio onde se inseriu o questionário, no Centro Hospitalar
e Universitário de Coimbra, em Coimbra, uma cidade universitária.
Como verificado na literatura, a maior parte dos cuidadores entrevistados é o cuidador
principal e vive com o doente (Gervès, Chauvin e Bellanger, 2014; Lemos, 2012; Nebel et
al., 2018; Zhu et al., 2015). No entanto, com o aumento da severidade da doença, o número
de cuidadores por doente aumenta, a percentagem de envolvimento no cuidado diminui,
o recurso a serviços de cuidado formal e a institucionalização aumentam, devido ao
agravamento da condição de saúde do doente e da sobrecarga dos prestadores de
cuidados, como foi anteriormente discutido (Ferreira, 2017; Reese et al., 2011).
84
Relativamente ao estado de saúde, a maior parte dos cuidadores sofre de pelo menos uma
condição física, sendo que as mais registadas incluem: as doenças cardíacas, a diabetes, os
transtornos mentais e problemas de ossos e articulações. Dado que grande parte destas
condições são desenvolvidas como consequência do ato de cuidar, estes resultados
confirmam o que é defendido em muitos estudos na área: a prestação de cuidados tem
efeitos negativos na saúde dos cuidadores informais (Nebel et al., 2018; Sousa et al., 2017;
Zhu et al., 2015). Os prestadores percecionam perturbações na sua saúde física e mental,
nomeadamente alterações do sono, cansaço físico e desgaste emocional, sentindo a
necessidade de melhorar a sua qualidade de vida (Sousa et al., 2017). Uma vez que as
mulheres têm duas vezes mais probabilidade de desenvolver depressões do que os homens
e a maioria dos cuidadores são mulheres, o desgaste do cuidado informal é por norma
maior nas cuidadoras informais (Nebel et al., 2018).
Infelizmente, a investigação sobre o consumo de cuidados de saúde pelos próprios
cuidadores é ainda escassa. Este é um tema muitas vezes esquecido, ainda mais porque,
no ato de cuidar, o prestador sacrifica a sua saúde em detrimento do cuidado do doente,
mobilizando todos os recursos nesse sentido (Zhu et al., 2015). Segundo a revisão literária,
o esperado seria que, com o agravamento do estado clínico da pessoa com demência,
ocorresse uma deterioração gradual do estado de saúde dos cuidadores, conduzindo a um
maior consumo de recursos de saúde pelos mesmos (Zhu et al., 2015). Contudo neste
estudo, embora os cuidadores reportem efeitos negativos na sua saúde, o consumo de
cuidados pelos mesmos é baixo, baseando-se em consultas e medicação, e chega mesmo
a reduzir nas fases mais avançadas. Tal acontece porque, como referido pelos próprios, não
há tempo, dinheiro ou força de vontade para cuidar da própria saúde.
Numa segunda fase do estudo, foram calculados os custos de saúde suportados pelos
doentes e cuidadores. No que diz respeito aos doentes, os principais resultados indicam
um gasto médio mensal em saúde de 677,07€, que perfaz um valor anual de 8 124,84€ e
que, como esperado, aumenta com a severidade (Jönsson et al., 2006; Reese et al., 2011;
Wimo et al., 2013). Este valor inclui os custos diretos médicos (internamento, urgências,
exames, consultas e medicação) e não médicos (transporte, acessórios de cuidado e
serviços de cuidado formal), calculados a partir do questionamento direto dos cuidadores
e das taxas aplicadas nos serviços públicos de saúde, tal como é feito noutros estudos
85
relacionados (Jönsson et al., 2006; Reese et al., 2011; Uribe et al., 2017; Wimo et al., 2016).
Verificou-se que os custos médicos aumentam com a severidade (Jönsson et al., 2006;
Reese et al., 2011; Wimo et al., 2013) e que a variação dos custos neste grupo de valores é
consistente com o consumo de cuidados, à exceção dos custos de internamento que
diminuem na fase severa, na qual deviam aumentar. Tal acontece, porque a maioria dos
doentes em fase severa são isentos. A despesa de medicação é a que mais contribui para o
total de custos médicos. A rivastigmina, medicamento não comparticipado, foi muitas
vezes referido pelos cuidadores como excessivamente caro, ao contrário do donepezilo ou
memantina, corroborando com estudos que demonstraram uma despesa total em saúde
mais baixo, aquando da administração da memantina (Reese et al., 2011). No caso dos
custos não médicos, os serviços de cuidado formal são os que mais contribuem para os
custos totais, indo ao encontro dos resultados de estudos que concluem que a despesa
total em saúde aumenta quando se recorre a este tipo de serviços (Jönsson et al., 2006;
Reese et al., 2011). Neste estudo, este tipo de custos aumenta com a severidade, no
entanto, foi registada uma diminuição na fase moderada. Tal pode ser explicado pelo tipo
de serviços utilizados, que podem ter custos associados mais baixos, e pelo estatuto
socioeconómico dos doentes que os utilizam, que pode implicar pagamentos mais
reduzidos.
Relativamente aos custos de saúde dos cuidadores informais, verificou-se que estes gastam
um valor médio de 48,87€ por mês, perfazendo 586,44€ anuais. Foram apenas avaliados
os custos de internamento, urgência, exames, consultas e medicação, sendo que a variação
destes foi concordante com o consumo registado. Assim a medicação e consultas são os
que mais contribuem para a despesa total, diminuindo na fase severa, na qual os
cuidadores reportam menor atenção à sua saúde (Wimo et al., 2013).
O cuidado informal foi, posteriormente, caracterizado segundo o tempo investido e as
atividades realizadas. No cálculo do tempo, foi somado o número de horas investidas na
realização de Atividades Básicas da Vida Diária (ABVD) e Atividades Instrumentais da Vida
Diária (AIVD) e na supervisão, tal como é feito noutros estudos da área (Gervès, Chauvin e
Bellanger, 2014; Peña-Longobardo e Oliva-Moreno, 2015; Wang et al., 2010; Wimo A et al.,
2002; Wimo et al., 2013, 2016). Verificou -se que a supervisão é o que ocupa maior tempo
ao cuidador (Wang et al., 2010; Wimo et al., 2013). Quantificar o número de horas de
86
prestação de cuidados é problemático, uma vez que a realização conjunta de atividades
pessoais e de cuidado resulta na sobrevalorização do tempo de cuidado (Hoefman, Exel,
Van e Brouwer, 2013). Assim, nalguns estudos ou foi imposto um limite de horas ou o
cuidador foi questionado sobre o número de horas de sono ou inatividade para evitar
respostas de 24 horas diárias de cuidado (Gervès, Chauvin e Bellanger, 2014; Peña-
Longobardo e Oliva-Moreno, 2015). No presente estudo, foi incluída uma questão sobre o
número de horas de sono para contornar a sobrevalorização, mas, ainda assim, 9
prestadores reportaram noites agitadas, devido à desregulação do ciclo sono-vigília do
doente, referindo 24 horas diárias de cuidado. De uma forma geral, os resultados indicam
uma média de 10,8 horas diárias de cuidado, durante 6 dias por semana, aumentando com
a severidade da doença, tal como verificado na literatura (Gervès, Chauvin e Bellanger,
2014; Peña-Longobardo e Oliva-Moreno, 2015; Wang et al., 2010; Wimo et al., 2013, 2016).
Apurou-se também que em média os prestadores realizam 1 ABVD e 4 AIVD, realizando um
maior número de tarefas à medida que a doença avança, corroborando com a
manifestação gradual da agnosia, apraxia, atrofia muscular e agravamento das condições
de saúde ao longo das fases de severidade (Barreto, 2005; Monteiro, 2016). De uma forma
geral, o tempo de cuidado e o número de atividades realizadas aumenta com a severidade,
ainda assim, verificou-se uma ligeira diminuição na fase severa, que se justifica pela maior
utilização de serviços de cuidado formal, sendo o tempo de cuidado repartido pelas
vertentes formal e informal.
Posteriormente, de forma a avaliar o impacto socioeconómico nos cuidadores informais, o
cuidado informal foi valorizado monetariamente e foi feita uma análise aos apoios
recebidos pelos prestadores e à sua capacidade de conciliar o ato de cuidar com uma
atividade profissional. No que diz respeito à situação profissional, seria de esperar que a
maioria dos cuidadores mantivesse uma ocupação remunerada (Figueiredo, 2007), no
entanto os resultados indicam que a percentagem de trabalhadores não atinge os 50%. É
importante salientar que 2 indivíduos nunca exerceram uma profissão, 1 foi despedido e 5
abandonaram a profissão para se dedicar totalmente ao cuidado informal. Os
trabalhadores que prestam cuidados, perdem em média 27 horas de trabalho por ano.
Apesar de 83% das entidades patronais compreenderem e aceitarem o cuidado como
justificação válida, mostrando valorização e proteção laboral dos cuidadores por parte das
87
mesmas (Teixeira et al., 2017), cerca de 72% dos cuidadores são, ainda assim, prejudicados,
por redução de salário, perda de dias de férias e reposição de horas, confirmando que o
cuidado conduz a perdas físicas, emocionais e de rendimento, que obrigam muitas vezes à
redução ou abandono do trabalho e à reorganização do contexto familiar (Teixeira et al.,
2017; Wimo et al., 2013).
No que diz respeito aos apoios prestados aos cuidadores, os resultados refletem uma infeliz
realidade. Apenas 7% dos cuidadores confirmaram a receção de apoios de natureza
informativa, formativa, psicológica, material ou de grupos de outros cuidadores, não tendo
sido registados quaisquer apoios financeiros num contexto económico tão devastador.
Assim, confirma-se que, em Portugal, o trabalho neste domínio é escasso, cuidar de quem
cuida ainda não é uma prioridade e os apoios existentes são na sua maioria dinamizados
por pessoas individuais ou associações, dentro das próprias comunidades (Teixeira et al.,
2017).
Para a valorização monetária do cuidado informal foi utilizado o método do bem substituto
à semelhança de outros estudos (Gervès, Chauvin e Bellanger, 2014; Moore et al., 2001;
Paraponaris e Davin, 2015; Peña-Longobardo e Oliva-Moreno, 2015). Segundo os
resultados, o cuidado informal tem um valor diário de 45,36€, que perfaz um custo semanal
de 272,16€ e anual de 14 152,32€. Estes valores aumentam com a severidade da doença,
tal como foi verificado na revisão da literatura (Gervès, Chauvin e Bellanger, 2014; Peña-
Longobardo e Oliva-Moreno, 2015; Wang et al., 2010; Wimo et al., 2013, 2016). Contudo,
como consequência da diminuição do número de horas de cuidado na fase severa,
discutida anteriormente, o custo do cuidado informal também assume um valor menor na
fase severa relativamente à fase moderada, refletindo uma maior utilização de serviços de
cuidado formal. Assim, na fase mais avançada da doença, os custos dos cuidados são
repartidos pela vertente formal e informal.
Por último, foi proposta a identificação de fatores que influenciam o valor monetário do
cuidado informal. Como este é calculado com base no número de horas de cuidado, foi
conduzida uma análise explicativa do número de horas de cuidado despendidas. As
variáveis independentes estudadas incluem: “severidade da doença”, “número de ABVD e
de AIVD realizadas”, “viver com o doente”, “situação profissional”, “tempo de cuidador” e
“percentagem de envolvimento no cuidado”, tendo sido escolhidas com base na literatura
88
(Gervès, Chauvin e Bellanger, 2014; Moore et al., 2001; Paraponaris e Davin, 2015; Wang
et al., 2010; Wimo et al., 2013). Segundo os resultados, a situação profissional e a
severidade da doença têm uma associação negativa com o número de horas de cuidado,
as quais diminuem quando se verificam as duas variáveis. Relativamente à situação
profissional, as conclusões coincidiram com a literatura (Pires, 2015; Wimo et al., 2013).
Contudo, relativamente à severidade, seria de esperar que, ao longo das fases da doença,
o número de horas de cuidado aumentasse (Gervès, Chauvin e Bellanger, 2014; Paraponaris
e Davin, 2015; Wang et al., 2010; Wimo et al., 2013). O mesmo não se verificou, tal que na
fase severa o tempo de cuidado diminuiu relativamente à fase moderada, devido ao
recurso mais frequente a cuidados formais. O número de AIVD, viver com o doente, o
tempo de cuidador e a percentagem de envolvimento no cuidado têm uma associação
positiva, sendo que quando se verificam provocam um aumento no tempo e,
consequentemente, no custo do cuidado (Peña-Longobardo e Oliva-Moreno, 2015; Wimo
et al., 2013).
Limitações do estudo
A administração única do questionário sob a forma de entrevista aos cuidadores informais
sujeita os resultados à influência do enviesamento da recordação na informação reportada
acerca do valor das remunerações, despesas e apoios recebidos, do consumo de cuidados
de saúde e dos custos a estes associados e do número de horas de cuidados prestados por
dia.
Na revisão da literatura sobre o cálculo do valor monetário do cuidado informal, foi
identificada uma grande variedade de metodologias e variáveis consideradas, dificultando
as comparações diretas entre o significado dos custos obtidos e dos verificados na
literatura. Neste estudo foi aplicado o método do bem substituto, contudo a escolha do
método do custo oportunidade teria sido uma mais-valia, pois seria atribuído um valor
diferente às horas de cuidado prestado pelos cuidadores que trabalham e por aqueles que
não trabalham. No entanto, este método não permite um cálculo direto e apenas existem
preços de mercado para os trabalhadores.
89
A escolha do Técnico(a) de Apoio Familiar e de Apoio à Comunidade, enquanto profissional
próximo, foi baseada na literatura, mas não é comum a todos os estudos, nem o valor por
hora é igual em todos os países, constituindo, igualmente, uma barreira à comparação
direta entre os custos do cuidado informal obtidos e os da literatura.
Na valorização monetária do cuidado informal, foi considerado o valor global de horas de
prestação de cuidados. Contudo, uma vez que o questionário foi desenvolvido com base
no Resource Utilization in Dementia (RUD), o mesmo incluía questões que permitiram o
detalhe do número de horas para as ABVD, AIVD e supervisão. Assim, seria desejável que,
ao invés de utilizar um único preço, aplicado ao número de horas global, deveriam ter sido
identificados preços no mercado para cada tipo de atividades realizadas, que seriam
posteriormente aplicados ao número de horas de ABVD, AIVD e supervisão,
respetivamente, permitindo um cálculo mais detalhado do custo do cuidado informal.
Na análise explicativa do número de horas de cuidado, só foram estudadas 7 variáveis
independentes. Os resultados teriam sido mais ricos se tivessem sido considerados mais
fatores, tais como o sexo dos cuidadores, as suas comorbilidades, o recurso ao cuidado
formal, os apoios recebidos, entre outros.
90
CONCLUSÕES
Nas últimas décadas, os progressos da medicina, a qualidade de saúde pública, a
transformação digital e a melhoria das condições sociais e económicas têm contribuído
significativamente para o envelhecimento demográfico (WHO, 2015). Infelizmente, a par
do benefício de uma maior esperança de vida, é visível a dificuldade em viver mais anos de
forma saudável, com melhor qualidade de vida e uma autonomia que possibilite, numa
idade avançada, a satisfação de todas as necessidades básicas e fundamentais sem o apoio
de terceiros (Teixeira et al., 2017).
A evidência científica mostra que as transformações demográficas têm reflexos negativos
na saúde das populações, destacando-se o aumento significativo de doenças crónicas
(WHO, 2015). A demência, cuja principal causa é a doença de Alzheimer, exige uma
complexidade de cuidados inquestionável e caracteriza-se pelo enorme impacto pessoal,
social e económico, levando a um aumento dos custos de cuidados a longo prazo para os
governos, comunidades, famílias e os próprios indivíduos, constituindo hoje um dos
principais desafios de saúde dos países desenvolvidos (WHO, 2012). Cria cenários de
incapacidade e dependência que pressupõem a necessidade de cuidados quer formais,
quer informais (Sequeira, 2010).
Em Portugal, os decisores políticos e os próprios agregados familiares privilegiam a
permanência da pessoa dependente no domicílio, definindo o cuidado informal como a
primeira linha de cuidados e um fator de sustentabilidade do sistema de saúde (Teixeira et
al., 2017).
Segundo a literatura, o cuidador informal é o elemento da rede social do indivíduo (familiar,
amigo, vizinho) que presta cuidados regulares a uma pessoa em situação de necessidade,
de modo não remunerado, sem vínculo profissional e sem competências específicas no
domínio do cuidado. É um compromisso de grande nobreza, que se suporta no amor,
satisfação e aprendizagem, mas, essencialmente, no sacrifício do tempo e da identidade
pessoal do cuidador, enquanto indivíduo ativo, produtivo e social (Martín, 2005).
Infelizmente a prestação de cuidados a longo prazo está associada a um enorme desgaste
físico, emocional, social e económico, estando os cuidadores informais sujeitos a um maior
91
risco de pobreza, isolamento e problemas de saúde, e em Portugal, o apoio do Estado ao
cuidado informal é ainda uma realidade muito aquém do que seria desejável (Teixeira et
al., 2017).
Assim, o presente estudo foi desenvolvido com o objetivo de avaliar o impacto
socioeconómico nos cuidadores informais de doentes de Alzheimer. Nesse âmbito, os
principais resultados indicam que, os cuidadores informais, na sua maioria mulheres, por
norma, esposas ou filhas dos doentes, prestam uma média de 11 horas diárias de cuidado,
durante cerca de 6 dias por semana. Como consequência do ato de cuidar, os prestadores
que exercem uma atividade profissional faltam uma média de 27 horas por ano, sendo que
72% desses profissionais são prejudicados com reduções de salário, perda de dias de férias
ou reposição de horas. Ou seja, foi demonstrada a perda de rendimentos e produtividade
e a consequente dificuldade ou mesmo incapacidade de conciliação de uma atividade
profissional com a prestação de cuidados. O cuidado informal foi valorizado em 45,36€ por
dia, que perfaz um valor mensal de 272,16€ e anual de 14 152,32€. Estes valores aumentam
quando o cuidador vive com o doente e quando o número de Atividades Instrumentais da
Vida Diária (AIVD) realizadas, o tempo de cuidador e a percentagem de envolvimento no
cuidado aumentam. Por outro lado, diminuem com a severidade da doença e quando o
cuidador tem uma ocupação remunerada. Infelizmente, apenas 7% dos prestadores de
cuidados reportaram que usufruem de apoios de cariz formativo, informativo, psicológico,
material ou de grupos de outros cuidadores.
A partir destes resultados, conclui-se que Portugal está ainda muito longe na longa
caminhada de resposta à demência, enquanto prioridade de saúde pública. O impacto
económico desta condição é devastador para a sociedade, para os próprios doentes, mas
acima de tudo para os cuidadores informais, e alia-se a barreiras já antigas como a falta de
voz das pessoas com demência, o estigma, a discriminação, a perspetiva negativa de que
nada pode ser feito e as falhas recorrentes do sistema social e de saúde.
Os cuidadores informais assumem uma função do Estado e, como tal, devem ser apoiados
e dignificados. Acima de tudo, deve sempre reconhecer-se a relação que já existia entre o
cuidador e o doente antes da prestação de cuidados. Não é só o cuidador, é o filho, o
marido, o sobrinho, etc. As comunidades devem saber responder corretamente aos
prestadores de cuidados.
92
É urgente que a sociedade tome consciência do significado do impacto do cuidado informal
e o utilize como linha orientadora de decisões políticas e serviços que se adequem à nova
realidade portuguesa. Mais do que nunca, é urgente olhar para quem cuida e reconhecer
a importância do papel dos cuidadores informais enquanto atores insubstituíveis no
sistema de saúde português. Os prestadores de cuidados precisam de não se sentir
sozinhos no processo de cuidar. Necessitam de benefícios, apoios e estruturas que lhes
permitam encontrar um equilíbrio entre o ato de cuidar e a sua vida familiar, profissional e
social. (Teixeira et al., 2017). Precisam que as suas necessidades sejam identificadas e
respondidas.
O diagnóstico das necessidades dos cuidadores informais é essencial para: os profissionais
de saúde poderem adequar as intervenções, visando a melhoria da qualidade de vida, a
melhoria dos cuidados prestados e a permanência do doente no domicílio; para os próprios
cuidadores desempenharem melhor o seu papel; para as instituições de cuidado formal
adequarem a prestação de serviços (Sousa et al., 2017). Mas acima de tudo é essencial para
os formuladores de políticas orientarem as decisões no sentido de assegurar o bem-estar
e qualidade de vida dos doentes e cuidadores.
Os cuidadores informais de pessoas com doença de Alzheimer manifestam
maioritariamente necessidades relacionadas com a gestão de sintomatologia, informação,
formação, gestão das relações familiares e sociais e falta de apoio do Estado. Assim, as
medidas de intervenção têm que abranger as áreas de saúde, social, laboral e financeira e
devem incluir: apoios sociais, de saúde, benefícios fiscais, formação e aconselhamento,
medidas de proteção e flexibilidade profissional, melhoria da rede de serviços de cuidado
formal e medidas de promoção do descanso do cuidador (Sousa et al., 2017). Deve também
incentivar-se a investigação sobre a intervenção do cuidador, o contexto da prestação de
cuidados e todos os agentes e estruturas de suporte ao cuidado informal. Devem
promover-se estudos nacionais, que são escassos nesta área.
Os cuidadores informais serão os atores dos sistemas de saúde de maior relevância num
futuro muito próximo. Ser cuidador é um ato nobre, que deve ser incentivado e enaltecido.
Cuidar de alguém que nos é querido deve ser uma escolha e não uma imposição. Todos
devíamos poder cuidar de alguém.
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99
ANEXOS
100
Anexo I – Instrumento de recolha dos dados.
Página 1 de 17
QUESTIONÁRIO SOBRE O IMPACTO SOCIOECONÓMICO NOS CUIDADORES
INFORMAIS DE DOENTES DE ALZHEIMER
Este questionário é sobre o impacto socioeconómico nos cuidadores informais de doentes de Alzheimer. Pode ter sido cuidador informal de outros doentes com a
mesma doença ou com uma doença diferente, mas, ao responder a este questionário, pense no doente de Alzheimer a quem presta cuidado informal no momento atual.
Por favor, demore o tempo que entender e responda de forma completa às perguntas colocadas.
Sendo este questionário anónimo, garantimos a completa confidencialidade dos dados que nos fornecer. Nunca ninguém poderá ser identificado a partir dos resultados deste
inquérito. Assim, muito agradecemos que responda às perguntas abaixo da forma que considerar
a mais correta. Agradecemos desde já a sua disponibilidade e participação.
Nº do questionário: _____ Data de preenchimento: _____________
Estudo “Impacto socioeconómico nos cuidadores informais de doentes de Alzheimer”
no âmbito da dissertação de mestrado em Gestão e Economia da Saúde.
Página 2 de 17
1. Doente
1.1. Caracterização socioeconómica do doente de Alzheimer
Qual é a sua idade? _______ Anos
Qual é o seu sexo?
___ Feminino
___ Masculino
Qual é o seu estado civil?
__ Casado/a com registo
__ União de facto
__ Divorciado/a
__ Separado/a
__ Viúvo/a
__ Solteiro/a
Que grau de ensino é que completou?
___ Sem escolaridade
___ Sabe assinar
___ Sabe ler e escrever
___ 1º Ciclo do Ensino Básico (1º - 4º ano) / Antiga 4ª classe
___ 2º Ciclo do Ensino Básico (5º - 6º ano) / Antiga 6ª classe / Ciclo Preparatório
___ 3º Ciclo do Ensino Básico (7º - 9º ano) / Curso Geral dos Liceus