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TEMAS LIVRES FREE THEMES 1791 1 Grupo de Estudos Corpo e Diversidade Humana (CNPq), Faculdade de Educação Física e Desportos, Universidade Federal de Juiz de Fora. R. José Lourenço Kelmer, Campus Universitário, São Pedro. 36.037-000 Juiz de Fora MG Brasil. [email protected] 2 Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 3 Laboratório de Informações Geo-referenciadas (LINGE), Instituto de Ciências Exatas, Departamento de Estatística, Universidade Federal de Juiz de Fora. 4 Laboratório de Nutrição e Comportamento, Departamento de Psicologia, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Imagem corporal de adolescentes de cidades rurais Body image of adolescents in rural cities Resumo O objetivo deste artigo é avaliar a ima- gem corporal de adolescentes de cidades rurais e suas relações com o estado nutricional, sexo e pe- ríodo da adolescência. Estudo transversal com adolescentes de ambos os sexos. A imagem corpo- ral foi avaliada pelo Body Shape Questionnaire (BSQ) e pela Escala de Silhuetas para Adolescen- tes (ESA). O peso e a estatura foram aferidos para o cálculo do índice de massa corporal. O período da adolescência foi classificado de acordo com a idade. Foram realizadas análises estatísticas des- critivas e inferenciais. A amostra foi composta por 445 adolescentes (190 meninos e 255 meni- nas) com idade média de 16,44 anos. Maior risco de insatisfação corporal foi encontrado entre os participantes com sobrepeso e obesidade (BSQ: OR = 3,359 p < 0,001; ESA: OR = 1,572 p = 0,387) e sexo feminino (BSQ: OR = 3,694 p < 0,001; ESA: OR = 0,922, p = 0,840). Os participantes nos pe- ríodos intermediário e final da adolescência apre- sentaram menores riscos de insatisfação quando comparados àqueles no período inicial. A insatis- fação corporal relacionou-se com sobrepeso, com sexo feminino e com período inicial da adolescên- cia. Pesquisas de intervenção são necessárias para controlar os fatores que influenciam a insatisfa- ção corporal excessiva dos adolescentes. Palavras-chave Imagem corporal, Adolescente, Estudantes, Estado nutricional, Sexo, Análise de regressão Abstract The scope of this article is to evaluate the body image of adolescents from rural cities and its relationship with nutritional status, sex and the adolescent phase. Adolescents of both sex- es participated in the cross-sectional study. Body image was evaluated through the Body Shape Questionnaire (BSQ) and the Figure Rating Scale (FRS) for adolescents. Weight and height were measured for the evaluation of body mass index (BMI). Stages of adolescence were classified by age. Descriptive and inferential statistical analy- ses were conducted. Four hundred and forty-five adolescents (190 boys and 255 girls), with a mean age of 16.44 comprised the sample. Higher risk of body dissatisfaction was found among overweight and obese participants (BSQ: OR = 3.359 p < 0.001; ESA: OR = 1.572 p = 0.387) and the female sex (BSQ: OR = 3.694 p < 0.001; ESA: OR = 0.922, p = 0.840). Participants from the intermediary and final stages of adolescence revealed a lesser risk of dissatisfaction compared to those from the initial phase. Body dissatisfaction was related to overweight and obesity, to the female sex and to the initial period of adolescence. Intervention re- search is required to control the factors that in- fluence excessive adolescent body dissatisfaction. Key words Body image, Adolescent, Students, Nutritional status, Sex, Regression analysis Valter Paulo Neves Miranda 1 Maria Aparecida Conti 2 Ronaldo Rocha Bastos 3 Maria Fernanda Laus 4 Sebastião de Sousa Almeida 4 Maria Elisa Caputo Ferreira 1 DOI: 10.1590/1413-81232014196.14082013
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Imagem corporal de adolescentes de cidades rurais

May 17, 2023

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1 Grupo de Estudos Corpo eDiversidade Humana(CNPq), Faculdade deEducação Física eDesportos, UniversidadeFederal de Juiz de Fora. R.José Lourenço Kelmer,Campus Universitário, SãoPedro. 36.037-000 Juiz deFora MG [email protected] Programa de TranstornosAlimentares do Instituto dePsiquiatria do Hospital dasClínicas, Faculdade deMedicina da Universidadede São Paulo.3 Laboratório deInformaçõesGeo-referenciadas(LINGE), Instituto deCiências Exatas,Departamento deEstatística, UniversidadeFederal de Juiz de Fora.4 Laboratório de Nutrição eComportamento,Departamento dePsicologia, Faculdade deFilosofia, Ciências e Letrasde Ribeirão Preto,Universidade de São Paulo.

Imagem corporal de adolescentes de cidades rurais

Body image of adolescents in rural cities

Resumo O objetivo deste artigo é avaliar a ima-

gem corporal de adolescentes de cidades rurais e

suas relações com o estado nutricional, sexo e pe-

ríodo da adolescência. Estudo transversal com

adolescentes de ambos os sexos. A imagem corpo-

ral foi avaliada pelo Body Shape Questionnaire(BSQ) e pela Escala de Silhuetas para Adolescen-

tes (ESA). O peso e a estatura foram aferidos para

o cálculo do índice de massa corporal. O período

da adolescência foi classificado de acordo com a

idade. Foram realizadas análises estatísticas des-

critivas e inferenciais. A amostra foi composta

por 445 adolescentes (190 meninos e 255 meni-

nas) com idade média de 16,44 anos. Maior risco

de insatisfação corporal foi encontrado entre os

participantes com sobrepeso e obesidade (BSQ: OR

= 3,359 p < 0,001; ESA: OR = 1,572 p = 0,387) e

sexo feminino (BSQ: OR = 3,694 p < 0,001; ESA:

OR = 0,922, p = 0,840). Os participantes nos pe-

ríodos intermediário e final da adolescência apre-

sentaram menores riscos de insatisfação quando

comparados àqueles no período inicial. A insatis-

fação corporal relacionou-se com sobrepeso, com

sexo feminino e com período inicial da adolescên-

cia. Pesquisas de intervenção são necessárias para

controlar os fatores que influenciam a insatisfa-

ção corporal excessiva dos adolescentes.

Palavras-chave Imagem corporal, Adolescente,

Estudantes, Estado nutricional, Sexo, Análise de

regressão

Abstract The scope of this article is to evaluate

the body image of adolescents from rural cities

and its relationship with nutritional status, sex

and the adolescent phase. Adolescents of both sex-

es participated in the cross-sectional study. Body

image was evaluated through the Body Shape

Questionnaire (BSQ) and the Figure Rating Scale

(FRS) for adolescents. Weight and height were

measured for the evaluation of body mass index

(BMI). Stages of adolescence were classified by

age. Descriptive and inferential statistical analy-

ses were conducted. Four hundred and forty-five

adolescents (190 boys and 255 girls), with a mean

age of 16.44 comprised the sample. Higher risk of

body dissatisfaction was found among overweight

and obese participants (BSQ: OR = 3.359 p <

0.001; ESA: OR = 1.572 p = 0.387) and the female

sex (BSQ: OR = 3.694 p < 0.001; ESA: OR = 0.922,

p = 0.840). Participants from the intermediary

and final stages of adolescence revealed a lesser

risk of dissatisfaction compared to those from the

initial phase. Body dissatisfaction was related to

overweight and obesity, to the female sex and to

the initial period of adolescence. Intervention re-

search is required to control the factors that in-

fluence excessive adolescent body dissatisfaction.

Key words Body image, Adolescent, Students,

Nutritional status, Sex, Regression analysis

Valter Paulo Neves Miranda 1

Maria Aparecida Conti 2

Ronaldo Rocha Bastos 3

Maria Fernanda Laus 4

Sebastião de Sousa Almeida 4

Maria Elisa Caputo Ferreira 1

DOI: 10.1590/1413-81232014196.14082013

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Introdução

A imagem corporal pode ser definida como umconstruto multidimensional, que envolve a acu-rácia perceptiva em relação ao tamanho e for-mas corporais, juntamente com os sentimentosque essa representação pode ocasionar1. Trata-se de um fenômeno multidimensional e proces-sual associado aos fatores biológicos e ambien-tais, envolvendo aspectos perceptuais, afetivos,cognitivos e comportamentais2. A insatisfaçãocom a imagem corporal pode ser comum na ado-lescência pelo fato do adolescente julgar sua apa-rência física diferente de como ele percebe. O sexo,o índice de massa corporal (IMC) e o nível eco-nômico podem interferir na avaliação negativada imagem corporal dos adolescentes3.

A adolescência é período de transição para aidade adulta, repleta de alterações morfológicase psicossociais4. Cronologicamente esta fase cor-responde ao período dos 10 aos 19 anos de ida-de, podendo ser classificada em três períodos:inicial (Pin), intermediário (Pinter) e final (Pfin)5.Nesta fase da vida acontecem alterações na com-posição corporal, incluindo aumento da suamassa. Pesquisas mostram que adolescentes comsobrepeso e obesidade têm mais chances de setornarem insatisfeitos com sua imagem corpo-ral e risco de transtornos alimentares que pesso-as com IMC adequado6,7. Este aspecto é de parti-cular importância para os estudos relativos àimagem corporal, uma vez que o adolescente aci-ma do peso é mais propício a desenvolver insa-tisfação com sua aparência física7.

A preocupação com a aparência física esti-mula o adolescente em busca de um padrão debeleza veiculado pela mídia com a excessiva valo-rização do corpo magro, esbelto e atlético8. Mui-tas vezes esse padrão de forma física atrativa di-ficilmente é alcançado com êxito, com isso, atitu-des de risco à saúde podem ser tomadas comintuito de atingi-lo. Dentre essas pode-se obser-var comportamentos alimentares não saudáveise práticas inadequadas de controle de peso, comoo uso abusivo de diuréticos, laxantes, autoindu-ção de vômitos e realização de atividade físicaextenuante9. Ademais o adolescente insatisfeito émais susceptível a comportamentos alimentaresinadequados3.

Pesquisas comprovam que a prevalência deinsatisfação corporal em meninas adolescentes émaior quando comparada aos meninos4. A rela-ção que o menino possui com sua aparência físi-ca é um pouco diferente, pois enquanto as meni-nas desejam, em sua maioria, uma silhueta me-

nor, muitos meninos desejam adquirir maiorvolume de massa muscular10. Esse fenômeno ain-da vem sendo estudado para que novas hipóte-ses sejam traçadas8.

Para avaliar esse sentimento negativo em re-lação à imagem corporal é usual a aplicação deinstrumentos adaptados transculturalmente.Questionários e escalas autoaplicáveis são os maisadequados para a avaliação dos diferentes com-ponentes da imagem corporal11.

Segundo Packard e Krogstrand12 problemascom a imagem corporal podem ter relação coma localização geográfica e, caso esse fator não sejaexplorado, muitos adolescentes podem ser negli-genciados em termos de intervenções relaciona-das à imagem corporal. São escassas as pesqui-sas no Brasil que avaliam a relação do adoles-cente morador de cidades pequenas com suaimagem corporal.

Atualmente o Brasil possui 5.564 municípios,sendo 43% destes com populações de até 5 milhabitantes13. Sendo assim, o objetivo desta pes-quisa foi avaliar a insatisfação com a imagemcorporal de adolescentes de cidades rurais do es-tado de Minas Gerais, Brasil.

Métodos

O estudo realizado é do tipo epidemiológico trans-versal de base escolar, desenvolvido com apoiodo Laboratório de Estudos do Corpo (LABESC)da Faculdade de Educação Física e Desportos (FA-EFID/UFJF) e do Laboratório de Informações doDepartamento de Estatística (LINGE), ambos daUniversidade Federal de Juiz de Fora.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Éticade Pesquisa com seres humanos da UniversidadeFederal de Juiz de Fora e sua execução está deacordo com as normas da Resolução nº. 466/12do Conselho Nacional de Saúde14.

A população foi constituída por adolescentesde ambos os sexos, regularmente matriculadosem escolas da rede pública de cidades rurais15, ouseja, municípios da Zona da Mata mineira (Mi-nas Gerais) com densidade populacional menorque 150 habitantes por km2. Primeiramente fo-ram observados nove municípios com as carac-terísticas demográficas descritas13. A partir daírealizou-se uma amostra por conglomerados,tendo como universo 9 escolas (conglomerados)e uma população finita de 1015 alunos divididospor série e sexo.

Para o cálculo do tamanho da amostra ado-tou-se nível de significância de 5% e precisão ab-

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soluta de 5,5 pontos para mais ou para menos navariável resposta de referência – o escore do Body

Shape Questionnaire (BSQ)16. A variabilidademáxima desse escore observada na literatura cor-responde ao desvio-padrão do sexo feminino (SD= 34,3 pontos)16. Desta forma, chegou-se ao ta-manho mínimo de amostra igual a 129, já sendofeita a correção para populações finitas.

Para permitir inferências independentes dostrês períodos da adolescência (considerando cadaum como um estrato) o tamanho amostral inici-al obtido foi multiplicado por três, o que resultouem um tamanho amostral mínimo de 387 estu-dantes. A partir desse novo valor pôde-se chegarao número necessário de quatro escolas para quepor meio de um censo realizado em cada umadelas pudesse ser alcançado tamanho amostralnecessário. Selecionou-se por amostragem alea-tória simples as seguintes cidades rurais: Goianá(164 alunos), Tabuleiro (182 alunos), BelmiroBraga (102 alunos) e Pequeri (97 alunos). O nú-mero final de alunos pesquisados correspondeua 545 adolescentes. Vale ressaltar que em cada umadas quatro cidades selecionadas havia apenas umaescola pública que oferecia o ensino médio.

Para participar da pesquisa o adolescente de-veria aceitar voluntariamente, trazer assinado peloresponsável o Termo de Consentimento Livre eEsclarecido (TCLE) e estar na faixa etária estabe-lecida (10 a 19 anos). Foram perdidos 100 parti-cipantes durante o procedimento de coleta dosdados, dentre eles: 8 alunos que moravam emoutra cidade, 2 que faziam uso de remédio con-trolado, 22 que alegaram não ter a permissão doresponsável, 38 que não entregaram o TCLE de-vidamente assinado pelo responsável e 30 jovensque estiveram presentes apenas em um dos diasda coleta de dados. Desses 100 alunos, 52 erammeninos e 58 meninas, sendo 29 do período ini-cial, 39 do período intermediário e 32 do períodofinal da adolescência. Ao final, a pesquisa contoucom a participação de 445 alunos. Foi verificadaa influência de tais perdas na amostra por meiodo teste de hipóteses de homogeneidade de pro-porções, em que as proporções por sexo e sériena população total foram comparadas às pro-porções de perdas pelos mesmos fatores. O re-sultado não apresentou diferença significativa(X2

(α = 0,05; γ = 5) = 6,835; p = 0,233). Portanto, con-

cluiu-se que as perdas observadas seguiram asmesmas proporções pelos fatores sexo e sérieescolar do que as observadas na população paraos mesmos fatores.

Os instrumentos selecionados para a avalia-ção da imagem corporal foram o Body Shape

Questionnaire16 e a Escala de Silhueta para ado-lescentes (ESA)17, ambos validados para a popu-lação de adolescentes brasileiros.

O BSQ é um questionário constituído por 34questões, de autopreenchimento – na forma deescala Likert de pontos, com seis opções de res-postas (1: nunca a 6: sempre). Após a somatóriados pontos das questões realizou-se a classifica-ção dos níveis de insatisfação corporal, seguindoo modelo proposto por Cordás e Castilho18: au-sência de insatisfação corporal – abaixo de 80pontos; leve insatisfação – de 80 a 110 pontos;moderada insatisfação – de 110 a 140 pontos;grave insatisfação corporal – pontuação igual ouacima de 140 pontos. A avaliação é feita em rela-ção à forma e preocupação corporais que ex-pressa nas últimas quatro semanas da data aoqual a coleta fora realizada.

A ESA consta de 9 figuras de cada sexo comaumento gradativo do tamanho e forma corpo-rais, sendo a Figura 1 extremamente magra e afigura 9 extremamente obesa. Para o preenchi-mento da escala solicitou-se ao adolescente querespondesse duas questões: 1- “Escolha uma úni-ca figura que melhor lhe representa no momen-to” e 2- “Escolha uma única figura que melhorrepresenta a forma que gostaria de ter/ser”. O es-core da escala é calculado pela diferença entre ovalor que o adolescente gostaria de ter/ser e o va-lor que o representa no momento. Este escorevaria de – 8 a + 8 e quanto maior a diferença,maior a discrepância corporal e, consequentemen-te, mais insatisfeito está o adolescente. A categori-zação da satisfação corporal foi realizada pela di-ferença da escolha da silhueta ideal (SI) e silhuetaatual (SA). Foram classificados como satisfeitosaqueles adolescentes cuja diferença entre a SA e aSI tenha sido igual a zero, e insatisfeitos, aquelescuja diferença das escolhas tenha sido diferente dezero. Neste caso, valores positivos indicavam de-sejo de aumentar sua silhueta e valores negativoso desejo de uma silhueta mais magra.

A idade e o sexo foram obtidos pela informa-ção preenchida pelo respondente no cabeçalhodos instrumentos e a classificação do IMC pormeio da relação entre peso (kg)/estatura² (m). Jáo estado nutricional foi avaliado por meio doIMC, tendo como critério os valores dos percen-

tis em relação à idade e sexo para o cálculo doestado nutricional (EN): baixo peso - P < 3; eu-trofia - 3 < P < 85; sobrepeso - 85 < P < 97; eobesidade - P > 9719.

O período da adolescência foi categorizadode acordo com a idade, segundo critério de clas-sificação proposto pela OMS5: período inicial

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(PIn - 10 a 13 anos), período intermediário (PIn-ter - idade entre 14 a 16 anos) e período final(PFin - idade entre 17 a 19 anos).

Os dados foram coletados entre os meses deoutubro e dezembro de 2009, com o mínimo detrês etapas em cada escola. No primeiro momen-

to, realizou-se uma visita à escola para confir-mar e esclarecer informações com a direção e comos alunos sobre a realização e a participação vo-luntária na pesquisa e a entrega do TCLE.

No segundo momento, em sala de aula, apósa entrega do TCLE devidamente assinado pelos

Figura 1. Insatisfação corporal dos adolescentes. Juiz de Fora, 2011.

Média (EPM) da pontuação do BSQ por (A) estado nutricional – *p < 0,001 em relação aos grupos baixo peso e eutrofia (Mann-

Whitney), (B) sexo – *p < 0,001 em relação ao sexo feminino (Mann-Whitney) e (C) período da adolescência - *p < 0,05 emrelação aos períodos intermediário e final (Mann-Whitney). Percentual de insatisfação pela ESA por (D) estado nutricional, (E)sexo e (F) período da adolescência.

Baixo peso Eutrofia Sobrepeso Obesidade

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Período da adolescência

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responsáveis, o aluno respondeu individualmenteo BSQ com um cabeçalho de identificação con-tendo nome (opcional), sexo, idade e data denascimento. Com a entrega do questionário, oaluno foi encaminhado para uma sala cedida pelaescola para a avaliação do peso e estatura corpo-rais, trajando uniforme para a aula de educaçãofísica e descalço. Cada adolescente foi direciona-do até uma balança eletrônica do tipo platafor-ma, com capacidade para 150 kg e graduação em100 g da marca G-Tech® e posicionado no meioda plataforma para que duas medidas fossemaferidas20. Posteriormente os alunos se dirigiamao estadiômetro fixado, posicionando-se de for-ma ereta, encostado com o dorso na parede,olhando para frente e os pés juntos com os calca-nhares encostados. Novamente, duas medidasforam aferidas da estatura e considerou-se amédia desses valores.

No terceiro momento os alunos preenche-ram o cabeçalho de identificação e posteriormen-te responderam o segundo instrumento de avali-ação da imagem corporal, a ESA. Nesse dia, tam-bém foi permitida a inclusão de alunos que qui-sessem participar da pesquisa por terem faltadoem algum procedimento anterior.

Análise estatística

Realizou-se uma análise descritiva (frequên-cia, valores médios e os desvios-padrão). Os 4estratos da classificação do estado nutricionalforam analisados separadamente de acordo como sexo.

Pelo teste de Kolmogorov-Smirnov confirmou-se a ausência de normalidade para os dados eassim optou-se pela aplicação dos testes não pa-ramétricos. Primeiramente foi realizado um testede correlação entre os instrumentos usados.

O teste qui-quadrado para associação linear eo teste exato de Fisher foram aplicados para ana-lisar as associações do estado nutricional e sexocom a frequência de sujeitos classificados comosatisfeitos e insatisfeitos pela ESA e pelo BSQ.

A variação dos escores da insatisfação com aimagem corporal entre os grupos do estado nu-tricional foi avaliada por meio do teste deKruskall-Wallis e o teste post hoc de Bonferroni.Para a comparação das médias dos escores dosinstrumentos entre ambos os sexos e entre osdois grupos relacionados ao estado nutricionalutilizou-se o teste de Mann-Whitney.

Por fim, realizou-se análise de correspondên-cia múltipla como método de análise explorató-ria multivariada e regressão logística binária e

interpretação dos valores de Odds ratios (OR)como métodos de análise confirmatória. Taisanálises foram utilizadas para verificar quais dasvariáveis independentes consideradas apresenta-ram associações (razão de chances) significati-vas com as classificações de insatisfação corpo-ral da ESA e do BSQ. Para tanto, o BSQ foi reor-ganizado em duas categorias: satisfeito – aquelesclassificados como livres de insatisfação corpo-ral; e insatisfeito – aqueles que foram classifica-dos com algum nível de insatisfação corporal(leve, moderada ou grave). O estado nutricionaltambém teve suas quatro categorias originaisagrupadas em duas: baixo peso + eutrofia; e so-brepeso + obesidade. Estas análises tiveram asseguintes categorias de referência para os fato-res: sexo (masculino), período (Pin), estado nu-tricional (baixo peso e eutrofia).

O software estatístico SPSS versão 17.0 foiusado com nível de significância adotado de 5%(α = 0,05) para as respectivas análises.

Resultados

Participaram do estudo 445 adolescentes do en-sino médio, com média de idade de 16,44 (± 1,49)anos, sendo 190 (42,7%) meninos e 255 (57,3%)meninas. Desse total, 52 (11,7%) encontravam-se no período inicial da adolescência, 290 (52%)no período intermediário e 103 (23,1%) no perí-odo final. A maioria dos adolescentes apresen-tou IMC normal (84,9%), de acordo com a Ta-bela 1.

O escore médio de insatisfação corporal peloBSQ e sua classificação encontra-se na Tabela 2.Observou-se que a média geral esteve abaixo doponto de corte para a classificação de leve insa-tisfação (80 pontos) e 27,8% dos adolescentesmanifestaram algum nível de insatisfação corpo-ral. Já pela avaliação da ESA, 339 (76,2%) adoles-centes mostraram-se insatisfeitos (ESA ≠ 0), ouseja, desejaram uma silhueta diferente da atual(Tabela 2). Destes, 44,4% selecionaram uma si-lhueta menor do que sua silhueta atual e 29,7%uma silhueta maior que a silhueta atual.

Constatou-se, por meio das análises do BSQ,que houve variação nos escores de insatisfaçãocorporal entre os grupos de classificação do esta-do nutricional (Tabela 2), sendo os adolescentescom sobrepeso e obesidade os com maiores índi-ces de insatisfação em relação àqueles com baixopeso e eutrofia (p < 0,001). Pela análise da ESAnão houve variação significativa de insatisfaçãocorporal entre os grupos de classificação do EN,

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sendo os participantes com IMC elevado os maisinsatisfeitos (p = 0,430) (Figura 1 – A e D).

Em relação ao sexo, constatou-se que as me-ninas foram significativamente mais insatisfeitasque os meninos (p < 0,001) apenas pela análise

do BSQ (Figura 1 – B e E). Além disso, tambémapenas pelo BSQ (Figura 1 – C e F), os adoles-centes no período inicial (14 anos) foram signifi-cativamente mais insatisfeitos em relação àque-les no período final da adolescência (p = 0,05).

Variáveis

Períodos adolescênciaPeríodo inicialPeríodo intermediárioPeríodo final

Variáveis antropométricasPeso (kg)Estatura (m)IMC (Kg/m2)

a ENBaixo PesoEutróficoSobrepesoObesidade

Masculino

N (%)

19 (4,3)125 (28,1)46 (10,3)

Média ± DP

65,35 (13,7) 1,70 (0,07)21,74 (3,9)

N (%)

7 (3,7)162 (85,3)

14 (7,4)7 (3,7)

Tabela 1. Média e desvio-padrão do peso, estatura, IMC e frequências relativa e absoluta da classificação doEN. Juiz de Fora, 2011.

DP: Desvio-Padrão; EN: estado nutricional; N: número de sujeitos; kg: quilograma; m: metro; IMC: índice de massa corporal.a variação significativa pelo teste Qui-quadrado de Pearson.

Feminino

N (%)

33 (7,4)165 (37,1)57 (12,8)

Média ± DP

56,40 (10,4)1,59 (0,6)

22,03 (3,7)N (%)

3 (1,2)216 (84,7)33 (12,9)

3 (1,2)

Total

N (%)

52 (11,7)290 (65,2)103 (23,1)

Média ± DP

60,22 (12,7)1,65 (0,9)

21,91 (3,6)N (%)

10 (2,2)378 (84,9)47 (10,6)10 (2,2)

Insatisfação corporal

a BSQ (DP)a BSQ - Meninosa BSQ - Meninas

e Classificação BSQ - N (%)LivreLeveModeradaGrave

ESA - N (%)SatisfeitosInsatisfeitos

*ESA Masculino - N (%)SatisfeitoInsatisfeito

ESA Feminino - N (%)SatisfeitoInsatisfeito

Baixo peso

59,40 (13,6)b,c

64,85 (12,7b,c

46,66 (3,0)b,c

9 (90,0)1 (10,0)

0 (0)0 (0)

1 (10,0)9 (90,0)

1 (14,3)6 (85,7)

0 (0)3 (100)

Tabela 2. Valores de insatisfação corporal de acordo com a classificação do estado nutricional. Juiz de Fora,2011.

DP: desvio-padrão, N: número de adolescentes, EN: estado nutricional, %: porcentagem.a variação significativa dos escore de insatisfação corporal entre os grupos de classificação do EN pelo teste de Kruskall-Wallis:

total p < 0,001; masculino p = 0,029; feminino p < 0,001. b diferença significativa pelo teste post hoc Bonferroni entre Baixo Pesox Sobrepeso e Eutrofia x Sobrepeso (Mann-Whitney - p < 0,016). c diferença significativa pelo teste post hoc Bonferroni entreBaixo Peso x Obesidade e Eutrofia x Obesidade (Mann-Whitney - p < 0,016). d diferença significativa pelo teste Mann-Whitney

entre a média do BSQ masculino x BSQ feminino - p < 0,001. e variação significativa da classificação da insatisfação corporal doBSQ entre os grupos de classificação do EN pelo teste Qui-quadrado de associação linear de Pearson - p < 0,001. * valor do testeQui-quadrado de Fisher não significativo p = 0,430.

Sobrepeso

85,53 (34,6)b

70,64 (38,3)b

91,84 (31,5)b

24 (51,1)11 (23,4)8 (17,0)4 (8,5)

4 (8,5)43 (91,5)

1 (7,1)13 (92,9)

3 (9,1)30 (90,9)

Obesidade

96,4 (46,47)c

79,14 (43,9)c

136,6 (42,1)c

4 (40)1 (10,0)3 (30,0)2 (20,0)

1 (10,0)9 (90)

1 (14,3)6 (85,7)

0(0)3 (100)

Eutrofia

64,46 (28,7)b,c

54,80 (23,1)b,c

71,70 (30,4) b,c

284 (75,1)65 (17,2)17 (4,5)12 (3,2)

100 (26,5)278 (73,5)

52 (32,1)110 (67,9)

48 (22,2)168 (77,8)

Total

67,29 (49,5)57,24 (25,6)d

74,78 (31,4)d

321 (72,1)78 (17,5)28 (6,3)18 (4,0)

106 (23,8)339 (76,2)

55 (28,9)135 (71,1)

51 (20,0)204 (80,0)

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As meninas no Pin foram as que apresentarammaior prevalência de insatisfação (p < 0,001). Jáentre os meninos, a variação de insatisfação cor-poral não foi significativa entre os períodos daadolescência.

Na análise de correspondência múltipla, oplano principal (dimensões 1 e 2) explicou 68,5%da variabilidade dos dados (38,2 e 30,3%, res-pectivamente). A primeira dimensão apresentouα de Cronbach igual a 0,461, o que é consideradoum poder discriminatório satisfatório. Esta di-mensão é caracterizada pelos extremos: (1) obe-sidade/sobrepeso e IMC normal/baixo, (2) insa-tisfeito (BSQ dicotomizado) e livre de insatisfa-ção (BSQ) / satisfeito (BSQ dicotomizado) e (3)masculino e feminino. Já a dimensão dois discri-mina bem os extremos dos estados nutricionais.Portanto, ao analisarmos o mapa resultante daanálise (Gráfico 1) observa-se associação entremeninos, participantes eutróficos e de baixo pesoassociados à ausência de insatisfação corporalpelo BSQ. Por outro lado, meninas e indivíduoscom sobrepeso apresentam associação com leveinsatisfação corporal pelo BSQ.

Os modelos de regressão logística para a ESAe BSQ mostraram que os adolescentes com so-brepeso e obesidade (ESA OR = 1,572 p = 0,387;BSQ OR = 3,359 p = 0,01) e as meninas (ESA OR= 0,922 p = 0,840; BSQ OR = 3,694 p < 0,001)tiveram mais chances de serem insatisfeitos, sen-do significativo apenas pela análise do BSQ. PelaESA os adolescentes do Pinter e Pfin tiveram apro-ximadamente 56% (OR = 0,444 p = 0,085) e 88%(OR = 0,125 p = 0,012), respectivamente, de re-dução de chance de apresentarem insatisfaçãocorporal quando comparados aos adolescentesdo período inicial (Tabela 3).

Pelo BSQ, os adolescentes no Pinter e Pfinmostraram 54% (OR = 0,467; p = 0,021) e 69%

(OR = 0,311 p = 0,003) respectivamente, menorchance de se sentirem insatisfeitos que adoles-centes no período inicial da adolescência.

Discussão

Os adolescentes de cidades rurais de Minas Ge-rais que participaram deste estudo apresentarambaixa prevalência de insatisfação corporal. So-

Variáveis explicativas

MeninasPinPinterPfinSobrepeso + Obesidade

ESA

-0,081-

-0,813-2,0780,452

BSQ

1,307-

-0,761-1,1671,212

E.P: Erro Padrão; GL: grau de liberdade, p: significância, OR: odds ratio. *valores significativos (p < 0,05).

ESA

0,400-

0,4720,8230,523

BSQ

0,251-

0,3300,3940,310

ESA

0,0416,8662,9606,3700,748

BSQ

27,0798,9045,3238,77015,317

ESA

12111

BSQ

12111

ESA

0,8400,032*

0,0850,0120,387

BSQ

0,000*

0,012*

0,021*

0,000*

0,000*

ESA

0,922-

0,4440,1251,572

BSQ

3,694-

0,4670,3113,359

Tabela 3. Modelo de regressão logística binária dos fatores que se relacionaram com a classificação de insatisfaçãocorporal (ESA e BSQ). Juiz de Fora, 2011.

β E.PEstatística

de Wald GL pa OR

Gráfico 1. Análise de correspondência múltiplaentre as classificações da insatisfação corporal doBSQ, com os grupos de classificação do EN e dosexo. Juiz de Fora, 2011.

* α de Conbrach da dimensão 1 = 0,461. EN: EstadoNutricional; Class. BSQ: classificação BSQ; IMC: índice demassa corporal; Insat: insatisfação.

Baixo IMC

-2

2

4

6

8

0

* Dimensão 1 = 38,2%-2 -1 10

Livre Insat

SatisfeitoNormal IMC

Leve Insat

Insatisfeito

Moderada Insat

Grave Insat

Masculino

Feminino

Sobrepeso

Obesidade

Dim

ensã

o 2

= 3

0,3

%

Class BSQClass NIEst nutricionalSexo

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brepeso ou obesidade, ser do sexo feminino eencontrar-se no período inicial da adolescênciaforam fatores que se associaram significativa-mente à insatisfação corporal.

Dos estudantes pesquisados, 27,8% apresen-taram algum nível de insatisfação corporal, sen-do que 4% apresentaram grave insatisfação cor-poral. Uma prevalência baixa em relação a ou-tras regiões com maior concentração populacio-nal15,21-23. Porém, estas comparações devem serobservadas com cuidado, uma vez que as meto-dologias aplicadas nos estudos citados diferemdo método escolhido para o presente estudo.Além disso, é importante considerar que algu-mas destas pesquisas foram conduzidas com ins-trumentos não validados para a população ado-lescente brasileira.

Dos 18 (4%) escolares com grave insatisfa-ção corporal, 14 (77,77%) eram do sexo femini-no. Esse resultado pode ser considerado preocu-pante visto que a prevalência de comportamen-tos alimentares inadequados sinalizam risco parao desenvolvimento dos transtornos alimentares,em especial para o sexo feminino, oscilando en-tre 4,9% e 25% e variando conforme grupo étni-co, idade, atividade ocupacional e fatores socio-demográficos das cidades ou do ambiente ondeo adolescente vive9,24,25. Conforme já menciona-do, geralmente os adolescentes insatisfeitos coma imagem corporal adotam práticas alimentaresinadequadas visando controle de peso como: usode diuréticos, laxantes, autoindução de vômitose realização de atividade física extenuante26. As-sim, esses adolescentes podem apresentar maiorrisco para o desenvolvimento de transtornos ali-mentares quando comparados àqueles satisfei-tos com sua imagem corporal24.26,27. Em umaamostra de 641 adolescentes, de 11 a 17 anos,Petroski et al.23 verificaram que a estética, a auto-estima e a saúde são os motivos que mais influ-enciaram a insatisfação com a imagem corporal.

Corroborando os resultados desta pesquisa,o estudo de Triches e Giugliani26 demonstrou quea prevalência de insatisfação corporal foi maiornas áreas urbanas em dois municípios de médioporte da região Sul e que além desse fator, a insa-tisfação corporal apresentou associação de riscocom obesidade e também com a forma com quea mãe percebia o estado nutricional de seu filho.Já Petroski et al.22, em área rural e urbana de San-ta Maria (RS), confirmaram elevada prevalênciade insatisfação corporal, assim como inadequa-ção ao estado nutricional e adiposidade corporalcomo fatores determinantes para o aumento dasprobabilidades desta insatisfação.

As cidades rurais da zona da mata de MinasGerais analisadas neste estudo possuem caracte-rísticas socioculturais em comum, além da baixaconcentração populacional14 (menor que 150habitantes por km2). Todas possuem uma áreaurbana central mais concentrada, onde a maio-ria das pessoas realizam suas atividades diárias.Também foi observado em todas as cidades pou-cos espaços para lazer e entretenimento. É im-portante ressaltar que nenhuma das quatro ci-dades rurais investigadas possuía academia deginástica, shoppings, cinemas ou teatros. Assim,é plausível supor que o estilo de vida dos jovensdessas cidades de menor concentração populaci-onal pode não sofrer influências diretas acercada valorização da aparência física, protegendoos adolescentes das mensagens veiculadas sobreo modelo ideal de corpo feminino e masculino.Muitos adolescentes dessas cidades rurais come-çam a trabalhar muito cedo, assumindo de for-ma precoce responsabilidades da vida adulta.Com isso, muitas atitudes que são de interessepara os adolescentes, como a valorização da apa-rência física, podem deixar de serem vivenciadas.

Mesmo assim sabe-se que o acesso à mídiatelevisiva, jornais, revistas e internet fazem partedo cotidiano destes adolescentes. Esses veículosde comunicação podem influenciar na relaçãodeste adolescente com sua aparência física, re-forçando imagens de corpos esbeltos, sem acú-mulo de gordura e com delineamento muscu-lar1,4. Percebe-se a necessidade de se trabalharquestões relacionadas à imagem corporal de ado-lescentes de diferentes regiões sociodemográficasvisto que 18 (4%) adolescentes moradores de ci-dades rurais de Minas Gerais pesquisados mani-festaram insatisfação corporal excessiva. Cons-tatou-se que o sexo, a fase da adolescência e oestado influenciaram no nível de insatisfação cor-poral dos adolescentes pesquisados.

Os fatores biológicos (EN e sexo) avaliadostiveram relação significativa com a insatisfaçãocorporal (Gráfico 1). Esses dados estão de acor-do com o pressuposto sugerido por White eHalliwell8, no qual fatores socioculturais e bioló-gicos relacionam-se aos sentimentos negativosno tocante à imagem corporal, os quais, por suavez, são preditores para a manifestação de com-portamentos alimentares de risco e de controlede peso.

Para os jovens pesquisados estar com sobre-peso e obesidade apontou para prevalência deinsatisfação significativamente maior e repercu-tiu em 3 vezes mais chances de relatar insatisfa-ção corporal (Tabela 3). Na pesquisa de Pelegrini

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e Petroski23, meninas de Florianópolis (SC), comsobrepeso tiveram até 11 vezes mais chance deapresentar insatisfação corporal em relação àseutróficas ou com baixo peso. Avaliando adoles-centes de uma cidade urbana do sul do Brasil,Martins et al.24 também constataram que a insa-tisfação corporal apresentou associação com oestado nutricional, sendo as adolescentes comexcesso de peso as mais insatisfeitas.

A variação da insatisfação corporal entre osgrupos de classificação do estado nutricional foiobservada em ambos os sexos (Tabela 2). Entreas meninas os resultados mostraram que a asso-ciação entre a classificação do estado nutricional eos índices de insatisfação corporal foi linear (Grá-fico A – Figura 1), ou seja, quanto mais alto oIMC maior a prevalência de insatisfação corpo-ral. Outras pesquisas confirmaram igualmenteesses achados3,4,6,12,28. Já entre os meninos foi ve-rificada uma associação não linear entre o estadonutricional e os índices de insatisfação corporal(Gráfico D – Figura 1) corroborando assim osdados encontrados por Presnell et al.10, ou seja,que meninos abaixo do peso ou acima do pesodemonstraram maior insatisfação corporal.

Em relação ao sexo percebeu-se que as meni-nas apresentaram aproximadamente 3 vezes maischances de serem insatisfeitas em relação aosmeninos (Tabela 3). Jones27 adverte que as meni-nas, mesmo quando no peso adequado ou abai-xo do peso ideal, costumam se sentir gordas oudesproporcionais, levando-as possivelmente auma insatisfação com sua aparência física. Já paraos meninos, essas constatações precisam sermelhor investigadas, porém neste estudo, meni-nos com baixo peso ou acima do peso estiverammais insatisfeitos que meninos eutróficos. Mes-mo assim, parece que a insatisfação corporal dosmeninos está mais atrelada à massa musculardo que necessariamente ao peso corporal6,11,27.Vale et al.28 ressaltaram que a preocupação como peso e a forma do corpo estabelecidos entre asadolescentes aparentemente está gerando umquadro de adoecimento comportamental e so-mático com sérias repercussões.

Observou-se ainda que os adolescentes noperíodo inicial relatarem mais insatisfação quan-do comparados àqueles no período final (Tabela3). Essa insatisfação pode se manifestar commaior intensidade neste período, provavelmentepela dificuldade que os mesmos possuem em cri-ar uma identidade com a sua imagem corporal,em decorrência das alterações morfológicas e bi-opsicossociais em que são lançados. Assim, comofoi constatado nesta pesquisa, outros estudos

também mostraram que nas meninas esse efeitopode ser ainda mais intenso, pelo fato delas esta-rem mais susceptíveis às pressões socioculturaise almejarem uma forma física idealizada9,23, sen-tindo-se mais infelizes caso sua aparência físicanão corresponda à imagem corporal desejada29.

Mesmo apresentando resultados significati-vos o estudo apresentou algumas limitaçõesmetodológicas que merecem ser consideradas. Odesenho do tipo transversal não permitiu a reali-zação de inferência de causalidade, o que reper-cutiu na impossibilidade da avaliação do grau deintensidade e da direção das associações encon-tradas entre a insatisfação corporal, o sexo e oestado nutricional e o período da adolescência.Outro aspecto a ser citado diz respeito ao fato denão ter sido incluído protocolo de questões refe-rentes aos aspectos socioculturais29. Embora es-sas informações fossem pertinentes e esclarece-doras não contemplavam o objetivo da presentepesquisa. Mesmo assim, foi relevante verificar aassociação que o EN, o sexo e o período da ado-lescência tiveram com a insatisfação corporal deadolescentes de cidades rurais.

Muito embora a insatisfação corporal tenhasido registrada, estudos de base populacional nãoacessam dados que são relevantes para a com-preensão deste complexo cenário. Já é consensoque fatores individuais, biológicos e/ou antro-pométricos atrelados aos fatores socioculturaisinterferem no sentimento do jovem em relação àsua aparência física8. A pressão sociocultural paraa perda de peso, o ganho muscular e a constru-ção de um modelo de corpo pela mídia está pre-sente no dia-a-dia dos adolescentes. Faz-se ne-cessário analisar criticamente os resultados dosestudos referentes à avaliação da imagem corpo-ral de adolescentes, visando a compreender ossentimentos e as atitudes que estão sendo toma-das para se alcançar uma aparência física deseja-da a todo custo pela população mais jovem dediferentes contextos sociodemográficos.

Conclusão

A prevalência de insatisfação corporal foi baixaentre os adolescentes de cidades rurais de MinasGerais que participaram deste estudo. Entretan-to, adolescentes das cidades rurais com excessode peso, do sexo feminino e no período inicial daadolescência, apresentaram maior insatisfaçãoem relação à sua imagem corporal.

Assim, o desenvolvimento de estratégias edu-cacionais para estimular a conscientização dos

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adolescentes acerca das mudanças naturais ocor-ridas com sua aparência física é essencial, comotambém informações acerca da massificação domundo contemporâneo na idealização de um su-posto corpo ideal, o que na maioria das vezes éimpossível de ser atingido. Com isso, a escola e osprofissionais da área da educação e saúde podem

colaborar diretamente para a contenção dos avan-ços de práticas deletérias à saúde em relação àalimentação e aos cuidados corporais. Pesquisasde intervenção são necessárias para controlar osfatores que influenciam de forma direta ou indi-reta a insatisfação corporal excessiva dos adoles-centes de diferentes regiões sociodemográficas.

Colaboradores

VPN Miranda, MA Conti, RR Bastos, MF Laus,SS Almeida e MEC Ferreira participaram igual-mente de todas as etapas de elaboração do artigo.

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Artigo apresentado em 12/08/2013Aprovado em 23/01/2014Versão final apresentada em 30/01/2014

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