1 II Encontro Ibero-Americano de Estudos Mayas II Congresso Brasileiro de Estudos Mayas Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Campus Pampulha Belo Horizonte, 12 a 14 de novembro de 2018 Simpósio Temático Histórias e historiografias: entre mayas e mayanistas Dia 1, 12 de novembro, 13:30 horas; Auditório da FAFICH Um (Verdadeiro) Jogo de Tronos: Guerra e Paz entre os Reinos Mayas do Período Clássico Carlos Federico Domínguez Avila 1 Ah, com certeza, há muitas coisas que ainda não compreendemos. Os anos passam às centenas e aos milhares, e o que vê qualquer homem vivo além de alguns Verões e alguns Invernos? Olhamos as montanhas e dizemos que são eternas, e é o que parecem ser... Mas, no correr do tempo, montanhas erguem-se e ruem, rios mudam de curso, estrelas caem do céu, e grandes cidades afundam-se no mar. Pensamos que até os deuses morrem. Tudo muda. Talvez a magia um dia tenha sido uma força poderosa no mundo mas já não é. O pouco que resta não é mais do que um fiapo de fumaça que permanece no ar depois de um grande incêndio se extinguir, e até isso está se desvanecendo. Valíria foi a última brasa, e ela desapareceu. Meistre Luwin ao Bran George R. R. Martin, A Fúria dos Reis, As Crônicas de Gelo e Fogo, Livro Dois, São Paulo: Leya, p. 531. 1 Doutor em História das Relações Internacionais. Docente e pesquisador do Mestrado em Direitos Humanos, Cidadania e Violência/Ciência Política do Centro Universitário Unieuro (Brasília, DF).
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II Encontro Ibero-Americano de Estudos Mayas
II Congresso Brasileiro de Estudos Mayas
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Campus Pampulha
Belo Horizonte, 12 a 14 de novembro de 2018
Simpósio Temático Histórias e historiografias: entre mayas e mayanistas
Dia 1, 12 de novembro, 13:30 horas; Auditório da FAFICH
Um (Verdadeiro) Jogo de Tronos: Guerra e Paz entre os Reinos Mayas do Período
Clássico
Carlos Federico Domínguez Avila1
Ah, com certeza, há muitas coisas que ainda não compreendemos. Os anos passam às
centenas e aos milhares, e o que vê qualquer homem vivo além de alguns Verões e
alguns Invernos? Olhamos as montanhas e dizemos que são eternas, e é o que parecem
ser... Mas, no correr do tempo, montanhas erguem-se e ruem, rios mudam de curso,
estrelas caem do céu, e grandes cidades afundam-se no mar. Pensamos que até os
deuses morrem. Tudo muda. Talvez a magia um dia tenha sido uma força poderosa no
mundo mas já não é. O pouco que resta não é mais do que um fiapo de fumaça que
permanece no ar depois de um grande incêndio se extinguir, e até isso está se
desvanecendo. Valíria foi a última brasa, e ela desapareceu.
Meistre Luwin ao Bran
George R. R. Martin, A Fúria dos Reis, As Crônicas de Gelo e Fogo, Livro Dois, São
Paulo: Leya, p. 531.
1 Doutor em História das Relações Internacionais. Docente e pesquisador do Mestrado em Direitos
Humanos, Cidadania e Violência/Ciência Política do Centro Universitário Unieuro (Brasília, DF).
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Resumo: A comunicação explora o sistema de relações políticas entre os cinco principais
reinos mayas do período clássico: Tikal, Calakmul, Palenque, Copán e Piedras Negras.
Em termos teórico-metodológicos, o estudo é feito sob a perspectiva da história e da teoria
de relações internacionais, particularmente desde a perspectiva do conceito de sistema
internacional. Nesse contexto, o pêndulo constituído entre os hipotéticos vértices de
anarquia e império é fundamental. Observa-se que a política intraterritorial dos mayas foi
muito dinâmica e consistente. Tikal e Calakmul chegaram a constituir um sistema bipolar
bastante complexo. Outros reinos, como Copán e Palenque, complementavam e
enriqueciam o sistema mediante a construção de alianças sucessivas. Igualmente, é
analisada a relação do conjunto dos reinos mayas com outras potências da época
(Teotihuacán) e com povos não-mayas (chefias e senhorios tributários). Em termos mais
abrangentes, a comunicação pretende inserir a experiência maya nas principais correntes
de estudos e pesquisas sobre a evolução da sociedade internacional no continente e no
mundo. Bem como contribuir ao estudo da origem e evolução do Estado, do Governo e
da Sociedade na América Latina.
Palavras-chave: História das Relações Internacionais; Teoria das Relações Internacionais;
Sistema Internacional; América antiga; Mesoamérica; Civilização Maya.
Introdução
A civilização maya possui um lugar de destaque na história antiga do continente
americano e do mundo. Trata-se, afinal, de uma das mais importantes e sofisticadas
civilizações do planeta, que legou enormes avanços para a matemática, a astronomia e a
arquitetura.2 Isolada da Europa, da África e da Ásia, construiu cidades, centros
cerimoniais, estruturas piramidais, fortalezas e monumentos. É também uma das
pouquíssimas culturas da América antiga com sistema de escrita próprio. Essa
peculiaridade tem permitido aos arqueólogos, aos epigrafistas, historiadores e outros
cientistas iniciarem um “diálogo” transcendental com os autores de códices –
equivalentes a livros e revistas da atualidade –, construções monumentais e outras
inscrições (Navarra, 2008).
2 O sistema de numeração maya era vigesimal, e consistia em uma peculiar combinação de pontos e barras.
Esse sistema de numeração também utilizou a noção de zero. As contas mayas permitiram significativos
avanços em matemática, astronomia e engenharia. Sabe-se que somente dois povos antigos lograram,
independentemente, descobrir o sistema posicional e a abstração do zero: os mayas e os indianos. Sendo
que os mayas anteciparam em séculos seus homólogos asiáticos.
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Segundo o calendário maya, o mundo teria sido criado no ano de 3114 antes da
nossa era. Sua cultura, no entanto, surgiu a partir de migrações realizadas no chamado
período formativo, e se estabeleceu no atual território da Guatemala por volta do ano 600
antes da nossa era. Daí em diante, até a chegada dos conquistadores europeus e a queda
de seu último reino, no ano de 1690, os mayas passaram por ciclos de auge e de declínio,
momentos de resplendor e decadência.
Os mayas ocuparam um território de aproximadamente 500 mil quilômetros
quadrados, incluindo boa parte do sudeste mexicano, a Guatemala, o Belize e zonas
ocidentais dos atuais El Salvador e Honduras. Na América Central e México viviam
também outros povos mesoamericanos, como os teotihuacanos, zapotecas, toltecas,
astecas, lencas e chorotegas, que compartilhavam com os mayas numerosos
conhecimentos, crenças religiosas, hábitos, formas de organização política, ideologias,
técnicas construtivas e agrícolas, além do famoso calendário.3 Os mesoamericanos viviam
sob sistemas jurídicos unificados e religiões politeístas.4 Com as despesas dos governos
financiadas por impostos e tributos, houve desenvolvimento urbano e a constituição de
cidades cerimoniais. A política se organizava em capitais provinciais e, em alguns casos,
governos locais administrados de forma colegiada. Esses povos se reconheciam como
herdeiros e descendentes da ainda mais antiga civilização Olmeca, que floresceu entre
1200 e 400 antes de Cristo. Em consequência disso, reinava um certo ar de família entre
esses povos mesoamericanos. O que não impedia, porém, a eclosão de muitos conflitos
(Gendrop, 2005; Keegan, 2006; Buzan e Hansen, 2012).
Geograficamente a região maya tem altas montanhas e zonas tropicais, e é
banhada pelo Mar do Caribe e pelo Oceano Pacífico. Essa disposição geográfica resultou
em uma variedade de nichos ecológicos e permitiu grande diversidade agrícola (milho,
cacau, feijão, abóbora).5 Com os excedentes que a agricultura gerou durante vários
séculos, foi possível aos mayas construir uma rápida diferenciação política, econômica e
3 O calendário “civil” dos mayas tinha uma duração de 365,2420 dias, bem perto da duração do ano
comprovado pela astronomia moderna em 365,2422 dias. Destarte, dois mil anos atrás, uma civilização que
habitava as florestas mesoamericanas trabalhava com um calendário mais preciso que o calendário
gregoriano utilizado na atualidade!
4 As principais divindades mayas eram: Itzamnaaj (Deus da Criação e do Ceu), K'inich Ajaw (Deus do Sol),
Ix Chel (Deusa da Lua), Ah Mun (Deus do Milho), Chaak (Deus da Chuva), e Kimi (Deus da Morte).
5 O cacau, de origem amazônica, foi "domesticado" pelos mayas e outros povos mesoamericanos. Eis a
origem do chocolate, bebida muito apreciado pelos mayas. Após a conquista e colonização espanhola, o
chocolate passou a ser consumido no mundo todo.
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sociocultural. A partir do ano 600 a.C. distinguiam-se construções, cerâmicas e
iconografia política tipicamente mayas.
Especialistas sugerem a existência de três períodos mais ou menos claros da antiga
civilização maya: o pré-clássico (600 a.C. a 250 d.C.), o clássico (250 a 900) e o pós-
clássico (900 a 1550). No primeiro houve uma gradual sedentarização, crescente
relevância da produção de milho, a formação de vilas autônomas e a constituição de
sociedades estratificadas. Entre os vários sítios pré-clássicos mayas já descobertos, El
Mirador é especialmente significativo pela sua antiguidade e pelo grande porte e
imponência das suas construções públicas e privadas. Nesse local – situado na região de
Petén, extremo norte da Guatemala – arqueólogos descobriram uma estrutura piramidal
que é a mais volumosa do continente americano e talvez do mundo. Com efeito, trata-se
de uma estrutura piramidal gigantesca, que inclui uma plataforma de 320 x 600 metros, e
uma altura: 170,40 metros, comparáveis as famosas pirâmides egípcias – lembrando-se
que a pirâmide de Quéops tem altura de 146,60 metros. Cumpre acrescentar que as
estruturas piramidais mayas – e mesoamericanas, em geral – tinham uma evidente
conotação religiosa, inclusive com um templo no topo (Longhena, 2006).
O período clássico é o mais conhecido – e particularmente relevante para os fins
deste artigo. O volume e a qualidade das informações arqueológicas e históricas desse
período se devem a um peculiar sistema de escrita. Denominado de logográfico, ele
combina aproximadamente 800 hieróglifos ou signos, entre fonéticos e ideográficos.
Mesmo a virtual extinção da escrita maya por imposição do poder colonial espanhol,
arqueólogos, epigrafistas, historiadores e outros cientistas conseguiram decodificar e
entender mais de 80% dos antigos glifos. Foi no período clássico que os mayas
alcançaram seus mais espetaculares projetos arquitetônicos, técnicos e artísticos. O reino
de Copán, por exemplo, acabou sendo chamado pelos especialistas de Atenas do Novo
Mundo. A alcunha se deu pelas maravilhosas esculturas tridimensionais, por suas
construções cerimoniais e político-administrativas, pelos comprovados avanços
intelectuais – especialmente em astronomia – e pela continuidade e harmonia do conjunto
urbanístico. Explorado desde o século XIX, Copán é provavelmente o sítio arqueológico
maya melhor conhecido. Está comprovado que a mais bem-sucedida dinastia copaneca
reinou entre 426 e 822, tendo o auge de seu desenvolvimento econômico, político e social
no século VIII. Seja como for, Copán foi abandonado no século seguinte, junto com
muitos outros reinos mayas, especialmente do centro e do sul, por motivos que ainda estão
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sendo apurados pelos arqueólogos, e que seguramente incluíram o esgotamento dos
recursos naturais e uma severíssima e prolongada crise hídrica (Diamond, 2007).
Com efeito, as causas e conseqüências desse colapso no período clássico ainda
provocam discussão entre os pesquisadores. As principais hipóteses são o excesso de
população, a degradação ambiental – com prolongados períodos de seca –, a turbulência
sociopolítica dentro dos próprios reinos e os numerosos conflitos intra-mayas – e
possivelmente com outros povos não-mayas. Somente na região de Yucatán conseguiram
manter-se reinos, como Chichen Itza e Uxmal (Demarest, 2013).
O período pós-clássico (900-1550) foi uma época menos esplendorosa, mais
belicosa e conturbada. Boa parte dessa fase teve domínio da cultura tolteca – um povo
procedente do centro do atual território mexicano que conseguiu penetrar militarmente na
região de Yucatán, subordinando os mayas e impondo sua economia e ideologia. Ainda
que tenham sido construídas algumas cidades durante o período, a maioria dos
especialistas concorda que a época mais gloriosa da civilização maya tinha ficado para
trás.
Quando os conquistadores espanhóis apareceram em Yucatán e na Guatemala, foi
necessário conquistar individualmente cada reino, até a queda do último, por volta de
1690. Além disso, a ordem colonial no continente americano foi dura. No século XVI,
as chamas da Inquisição espanhola dizimaram o que ainda restava daquela civilização.
Nessa época, perdeu-se o conhecimento do antigo sistema de escrita, mantendo-se
somente uma tradição oral. Outras expressões culturais, ideológicas, políticas,
econômicas e sociais tradicionais do povo maya também foram redefinidas pela ordem
colonial, que predominou até o início do século XIX.
O advento das independências e da ordem republicana no México e na Guatemala,
em 1821, não representaram grandes melhorias no modo de vida dos povos indígenas
americanos. Sendo que, na década de 1980, o governo guatemalteco chegou a ser
denunciado internacionalmente por praticar um virtual genocídio contra as comunidades
mayas do país. Acredita-se que mais de 100 mil guatemaltecos de origem maya tenham
sido assassinados. Na época, as vítimas foram acusadas pelos autoritários governantes do
país de compactuar com ideias revolucionárias.
A luta pelos direitos indígenas – e pelos direitos mayas – acabou sendo expressa
no Prêmio Nobel da Paz de 1992, recebido pela guatemalteca Rigoberta Menchú Tum.
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Dois anos depois, um levante armado tornou conhecidas as reivindicações dos mayas-
lacandones na região de Chiapas, no México. A batalha continua. Ameaçados hoje pelas
políticas de colonialismo interno, pelo racismo e por faraônicas obras de infraestrutura,
atualmente cerca de 10 milhões de mayas e descendentes seguem resistindo, em prol dos
direitos humanos, pelo respeito à sua cultura e pela memória de uma civilização que por
séculos se destacou na América e do mundo.6
Sob a perspectiva da história e da teoria das relações internacionais, que é o que
interessa para os fins do presente manuscrito, a civilização maya foi exitosa na
constituição de suas organizações político-administrativas – quase sempre de natureza
dinástico-hereditária e teocrática. Passaram de tribos sem governantes (ou bandos de
caçadores e coletores) para tribos com governantes (ou chefias) e alcançaram a forma de
cidades-Estado ou reinos, com governos complexos e instituições relativamente
sofisticadas. Nessa última fase, era possível constatar a divisão de classes sociais: nobreza
(príncipes, escrivãs, sacerdotes e guerreiros), artesãos, camponeses e escravos
(Florescano, 2009).
Por outro lado, os mayas nunca estabeleceram um império unificado. Sua
organização política era claramente desconcentrada. Havia numerosos reinos com seus
respectivos glifos emblema – equivalentes aos brasões estaduais na atualidade –,
conhecidos como ahawlel – com coletivo ahawelob’ –, mais ou menos independentes
entre si, ainda que diferenciados hierarquicamente entre grandes potências (Tikal,
Calakmul), potências médias (Palenque, Copán, Caracol, Yaxchilán e Pedras Negras), e
pequenas potências (Naranjo, Cancuén, Dos Pilas, Motul de San José). Situação
semelhante à das cidades livres que existiam na Grécia antiga ou em certas regiões da
África meridional. Surgem, assim, as condições de possibilidade para o estudo e a
pesquisa de um sistema internacional pré-westfaliano praticamente desconhecido sob a
perspectiva da história e da teoria das relações internacionais. O referido sistema
internacional incluía o ahawelob’, e também unidades políticas não-mayas – como
Teotihuacán, verdadeira superpotência da época, e povos vizinhos fronteiriços de origem
6 Nos primeiros anos do século XXI, existe em países mesoamericanos – Guatemala, México, Honduras,
Belize, e El Salvador – interesse em resgatar e valorizar a cultura, a ciência e a matemática dos mayas.
Segundo reformas curriculares impulsionadas nos últimos tempos, tanto os estudantes de origem maya,
quanto os outros estudantes daqueles países, deverão ter competências básicas em aritmética maya. E o
sistema de numeração maya gradualmente alcançará nos currículos escolares, igual relevância que o sistema
de numeração romana.
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mesoamericana e, eventualmente, até não-mesoamericanos. Nesse diapasão, agora
sabemos que os mayas foram tão violentos quanto seus vizinhos de Mesoamérica ou
outros povos da antiguidade, em geral. Com efeito, eram persistentes os conflitos, a
violência social e política. Relações de poder se estabeleciam não só ao interior de cada
reino, mas também dali para fora: entre potências com vínculos e interesses específicos,
diferenciados e contraditórios (Lacadena e Ciudad, 1998; Chase e Chase, 1998).
Parece importante insistir que a presente comunicação avança no estudo do
sistema internacional maya clássico sob a perspectiva dos estudos em história e teoria das
relações internacionais. Daí que os principais conceitos que são explorados nesta
comunicação sejam, por exemplo, o equilíbrio do poder, diplomacia, cooperação e
conflito, prestígio, língua franca, acordos, fronteiras, segurança, soberania. Esses
pressupostos teórico-metodológicos são sumamente importantes, já que se trata de
confrontar mitos, preconceitos e lacunas – especialmente de parte dos teóricos das
relações internacionais, ou internacionalistas –, dentre eles: a) a irrelevância de estudar
as sociedades pré-westfalianas, em geral, e da América antiga, em particular; b) um
marcado eurocentrismo e estatocentrismo, c) um superdimensionado e paroquial
presentismo ou imediatismo, e d) a persistência de um negativo e paralisante diálogo de
surdos entre historiadores e teóricos das relações internacionais.
A pergunta central que orienta e percorre este ensaio de interpretação é a seguinte:
quais as principais contribuições que podem ser auferidas em benefício da história e da
teoria das relações internacionais – inclusive no concernente ao estudo da evolução da
sociedade internacional – a partir da observação e reflexão da experiencia maya clássica?
A nossa hipótese de trabalho sustenta que durante o período maya clássico teriam
coexistido em cooperação e conflito hierárquico um conjunto de 60 reinos mayas – ou
ahawelob’ –, e destes com outros povos vizinhos mesoamericanos e até não-
mesoamericanos; dessa interdependência e das correspondentes trocas simbólicas e
materiais teria resultado a constituição de um sistema internacional específico e pré-
westfaliano.
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Estruturas elementares e constituição de um sistema internacional maya clássico: o
encontro da história com a teoria das relações internacionais
O conceito de sistema internacional é sumamente importante para o estudo e a pesquisa
convergente da história e da teoria das relações internacionais. Hedley Bull, Adam
Watson, Barry Buzan, Richard Little e outros reconhecidos autores – especialmente os
vinculados à assim chamada Escola Inglesa das relações internacionais – têm identificado
a existência de sistemas internacionais específicos desde a época da antiga civilização
Suméria, passando pela Grécia, Egito, Roma, China, Índia, Europa Medieval, dentre
outras – todas elas preexistentes ao sistema internacional integrado pelos Estados-
nacionais, prevalecente desde a denominada paz de Westfália, vigente desde 1648.
Nessa mesma linha, o pesquisador Alex Aissaoui (2013; 2009) é particularmente
interessante para os fins deste estudo, em função de suas excelentes contribuições ao
estudo do denominado sistema de Amarna, vigente nos séculos XIV e XIII antes de
Cristo, e que congregou em complexa interdependência política, econômica e estratégica
a cinco grandes potências – bem como a potências médias e pequenas potências – de
Oriente Médio: Egito, Mitanni, Assíria, Babilônia e o Império Hittita. Para Aissaoui, o
sistema de Amarna foi verdadeiramente internacional pelo exercício prático de conceitos
e estratégias claramente inspiradas nas noções de equilíbrio de poder, diplomacia, língua