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intergeracionais
Sociedade e Estado, Braslia, v. 21, n. 2, p. 367-390, maio/ago.
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IDOSOS TRABALHADORES: perdas e ganhos nas relaes
intergeracionais
Rosa Maria da Exaltao Coutrim*
Resumo: Este artigo fruto de uma pesquisa qualitativa realizada
com idosos de baixa renda que trabalham informalmente nas ruas de
Belo Horizonte. As condies de escassez material fazem com que a
coabitao seja recorrente entre estes indivduos, contudo, esta
estratgia para diminuir o impacto da pobreza permite s famlias
estabelecer tambm trocas intergeracionais. Se, de um lado, existe o
conito devido intensa convivncia entre vrias geraes, de outro,
existe a solidariedade e o amparo mtuo dos familiares. Os idosos
trabalhadores ocupam papel econmico central na vida das famlias em
que os mais jovens esto desempregados ou subempregados, e,
assumindo o papel de provedores do domiclio, os idosos mantm o
poder de negociao com as demais geraes com que convivem.
Palavras-chave: idosos, trabalho, famlia, relaes intergera-
cionais.
Introduo
A cada dia novas pesquisas revelam que uma parcela considervel
dos idosos e idosas1 possui condies de trabalhar e efetivamente o
fazem. Os idosos aposentados representam um dos segmentos sociais
com maior estabilidade, e cresce o nmero de casos
* Doutora em Sociologia e Poltica, professora do Departamento de
Educao da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e da Faculdade
de Administrao de Itabirito (FAI/UNIPAC).
Artigo baseado na tese de doutoramento intitulada A velhice
invisvel: o cotidiano de idosos que trabalham nas ruas de Belo
Horizonte, defendida em 2004 na FAFICH/UFMG, e apresentado no XII
Congresso Brasileiro de Sociologia GT Geraes e Sociabilidades,
realizado em 2005.
Artigo recebido em 5 set 2005; aprovado em 3 maio 2006.
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em que estes se responsabilizam pela manuteno de suas famlias.
Mantendo-se com boa sade at idades mais avanadas, os pobres
recorrem ao trabalho informal, que, apesar dos baixos rendimentos,
tambm proporciona ganhos imensurveis, como amizades, poder dentro
do domiclio e certa liberdade nanceira. Alm disso, sua identidade
predominante no a de aposentado, mas de trabalhador, o que lhes
confere o poder e o status de provedor, estando totalmente
inseridos na vida familiar e, portanto, longe da segregao.
A aposentadoria possibilitou ao idoso uma segurana maior de
renda. Embora sujeita a gastos imprevistos com remdios e demais
tratamentos de sade, esta parcela da populao possui hoje melhores
condies nanceiras do que os mais jovens. Barros, Mendona e Santos
(1999) concluem que, embora a renda do indivduo decaia aps os 60
anos (quando ocorre a aposentadoria), a pobreza entre esta parcela
da populao diminuiu (50% entre 1983 e 1998).2 Houve uma
redistribuio intergeracional da renda do idoso. Assim, possvel
observar que famlias pobres ou que se aproximam da linha de pobreza
que convivem com seus idosos, dependem diretamente da renda destes
para obterem melhores condies econmicas.
Devido aos altos ndices de desemprego, nascimento de lhos fora
do casamento, divrcios, etc., os lhos tm permanecido ou retornado
para a casa dos pais, mantendo-se assim o idoso ou a idosa como
chefe de famlia e com novos encargos que at duas dcadas atrs no
eram to expressivos.
Esta necessidade econmica de coabitao, mesmo sem condies de
cuidado adequado do idoso ou relao satisfatria de afetividade entre
os familiares, apontada pelo relatrio da ONU como um fenmeno
regional:
Dado que la gran mayoria de los hogares multigeneracionales de
Amrica Latina y el Caribe se ubica en los estratos socioeconmicos
bajos, es probable que muchas modalidades de corresidencia no sean
una consecuencia del afecto familiar sino de una necesidad
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econmica. Los escasos estudios existentes sealan que, a raz de
las iniquidades sociales imperantes en la regin, la mayora de las
personas de edad que residen en hogares multigeneracionales viven
en situacin de pobreza.3 (ONU, 1997a, p. 21)
Assim, percebe-se que, permanecendo como chefe de domiclio, seja
devido ao desemprego dos lhos ou insucincia da penso ou
aposentadoria para arcar com o oramento domstico, os idosos tm
buscado no mercado informal (porque enquanto aposentados raramente
so admitidos no mercado formal) uma forma de complementar os
ganhos.4
Os apontamentos ora apresentados so fruto de uma pesquisa
qualitativa sobre o cotidiano de trabalhadores informais com idades
que variaram entre 60 e 78 anos. Em Belo Horizonte, no universo
constitudo por engraxates, catadores de material reciclvel,
vendedores de bilhete de loteria, camels, entre outros, foram
selecionados 23 informantes. Homens e mulheres idosos deram seus
depoimentos a respeito de sua relao com o trabalho, a famlia e os
amigos.
Vivendo em uma realidade de pobreza, estas pessoas constituem-se
em importantes, quando no os nicos, colaboradores do oramento
domstico; alm disso, na maioria absoluta dos casos, os
entrevistados so os proprietrios das residncias em que vivem e
cedem espao na moradia ou no lote para seus lhos e netos. O maior
poder econmico dos idosos no domiclio reete-se nas relaes
intergeracionais e isto ca claro nas falas dos entrevistados.
Independentemente de sua situao previdenciria, o idoso
trabalhador assume uma identidade diferente da de aposentado e
possui poder de deciso no domiclio. Os entrevistados tm orgulho do
trabalho e fazem questo de se autodenominar chefes do domiclio.
Conseqentemente, fazem questo de no serem excludos das decises
familiares. Os lhos, por sua vez, reconhecem que os idosos so
referncia para os mais jovens que coabitam a mesma residncia.
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O idoso provedor
O idoso trabalhador das ruas reconhece-se excludo duplamente do
mercado formal de trabalho: devido idade, j est aposentado em
muitos casos (portanto, aposentadoria tambm funcionando como
elemento de excluso) e por no ter qualicao para o atual mercado de
trabalho.
A pesquisa de campo desenvolvida nas ruas de Belo Horizonte
demonstrou que o trabalho tem se congurado para os idosos enquanto
fonte de renda, de distrao e de poder domstico. O trabalho tambm
foi considerado fonte de orgulho:
Pra te ser franco eu no gosto, eu adoro (...) s vezes chove em
cima de mim, eu quero trabalhar aqui. Eu sou engraxate com o maior
orgulho, eu tenho o maior orgulho de chegar e falar: eu sou
en-gra-xa-te. Igual no dia da reunio, os caras falaram assim: Eu
sou engraxate h 40 anos. Eu falei: Voc no engraxate h 40 anos, eu
sou engraxate h 48 anos. Engraxate aquele que s engraxa, eu no
vendo cadaro, no tenho salto e no fao nada, eu s engraxo. A pessoa
chega, deso o sapato, engraxo e pronto, entendeu? (Maluco,
engraxate, 75 anos, 48 anos nas ruas).
Neste estudo limitado aos trabalhadores informais, no foi
possvel perceber a grande oposio trabalhador/no-trabalhador que
Zaluar (1994) assinalou em sua pesquisa sobre a periferia do Rio de
Janeiro. Segundo a autora, a identidade de trabalhador surge na
fala dos entrevistados do sexo masculino e feminino com respeito e
valor moral elevado e sempre em oposio ao vagabundo, bbado,
malandro e bandido. Esta valorizao moral do trabalho esteve
presente nos discursos, assim como a importncia do papel de
provedor de sua famlia; contudo, esta exaltao do valor moral do
trabalho se distancia do valor dado pelos puritanos no surgimento
do capitalismo.5 Zaluar ressalta que os trabalhadores percebem sua
atividade de forma ambgua. Se por um lado existe a concepo de
trabalho como valor moral, mantido pelos pais e mes, por outro
lado, o labor percebido como atividade escravizadora do indivduo.
Sem o valor moral religioso que aponta o trabalho asctico
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como caminho para a salvao do esprito, a atividade laborativa
remunerada associa-se fortemente moral terrena e objetiva de ser o
ganha-po do grupo domstico. Importante para o esprito, porm mais
importante ainda para a manuteno da famlia. Em sntese, no a tica do
trabalho, mas sim a tica do provedor que faz com que o empregado
pobre acredite em sua redeno moral (Zaluar, 1994, p. 121).
Sarti (1996), que, tal como Zaluar, investiga famlias pobres,
tambm aponta a moral do trabalho como grande fora estruturadora da
identidade do trabalhador. Salienta que so os atributos morais,
como disposio para o trabalho e honestidade, que auxiliaro os
trabalhadores a vencer na vida, o que no signica necessariamente
ascender socialmente, mas se armar seguindo o valor positivo do
trabalho. A respeito do valor moral positivo que o trabalho traz s
camadas populares, a autora analisa que, mesmo se percebendo como
pobre no mundo social, o trabalhador no se considera pobre de
esprito porque se julga possuidor dos valores morais que o auxiliam
a levantar-se quando ocorrem as crises, e o trabalho que
possibilita tanto a fora como tambm a disposio para superar os maus
momentos: dessa forma, o valor moral atribudo ao trabalho que
compensa as desigualdades socialmente dadas, na medida em que
construdo dentro de outro referencial simblico, diferente daquele
que o desqualica socialmente (Sarti, 1996, p. 67).
Contudo, Sarti discorda de Zaluar quanto contraposio das ticas
do provedor e do trabalho. Segundo a autora, ambas so uma coisa s e
a tica do provedor no est restrita valorizao do labor puramente
enquanto ganha-po. Para ela, h uma articulao entre os valores
morais e econmicos pautados no na tica protestante, mas na catlica
que prega Deus como o absoluto provedor do mundo, o maior
trabalhador do universo, que no apenas operou para criar as
criaturas, mas continua seu esforo incansvel na renovao da natureza
e das aes humanas. Conseqentemente, o trabalho torna-se a grande
obrigao moral de todos. Dessa forma, o sentido do trabalho de
viabilizar a existncia dos pobres provendo as famlias, caminha
juntamente com o sentido moral do exerccio da atividade e,
portanto, da tica do trabalho.
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Este valor dado atividade laborativa, mencionado por ambas as
autoras, foi encontrado na fala dos entrevistados, que mantm a
identidade de trabalhadores e no a de aposentados e que, como bem
colocou Guedes (1997), esto cansados de trabalhar. A alegao
recorrente de que o trabalho fonte de prazer, em muitos casos
demonstrou o desejo de se conservar em atividade e, apesar do
cansao que proporciona, o trabalho compensa porque o que confere
poder:
Se eu car em casa eu adoeo. Eu j no t bem de sade, mas se eu car
em casa, eu adoeo. Porque isso aqui pra mim... eu t conversando com
a senhora, t distraindo. Chega uma pessoa conversa, fala, s vezes
vem um e faz raiva, s vezes vem dez me d alegria. E o homem nasceu
pra trabalhar. A casa mais feita pra mulher. Que minha mulher nunca
trabalhou, no deixava ela trabalhar. Nem no nosso tempo de casado
eu no deixava ela trabalhar, num deixava no. O trabalho dela era
olh os meninos, zel da casa e zel da me dela doente, j era um
compromisso que passava alm do limite. Eu falava com ela, v faz o
seguinte, se voc for trabalhar, vou ca a dobr a carga do meu
horrio. Ao invs de eu trabalhar s de dia, v passar a trabalhar de
noite. Oc num precisa trabalhar em servio nenhum. O seu servio, a
casa j demais. Pra mim, pensei, o dom do homem o trabalho. O homem
tem que trabalhar, a casa do homem o trabalho... (Delvi, camel, 64
anos, 39 anos nas ruas).
O depoimento acima deixa claro o entendimento do informante
sobre os diferentes papis dos cnjuges. Ao homem reservado o esforo
cotidiano para obter em troca o dinheiro para sustentar a famlia.
Sua importncia est em trazer o sustento. Para a mulher reservado o
papel da dona-de-casa cuidadora das crianas. O espao da casa o
santurio privado ocupado pela mulher e distinto da vida pblica. J o
espao do trabalho pblico. Nota-se que a identidade de homem
confunde-se com a de trabalhador, tornando clara a observao de
Guedes (1997) de que, para as camadas populares, ser homem ser
trabalhador. Por isso, o trabalho da mulher pode constituir-se, no
mximo, em ajuda em tempos de crise (Zaluar, 1994; Sarti, 1996;
Guedes, 1997). Compreendendo a lgica do papel de provedor, torna-se
mais fcil interpretar o recado
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ameaador do senhor Delvi sua esposa quando a mesma se diz
disposta a trabalhar, isto , ao sair de casa para o trabalho, a
mulher no poderia mais contar com o marido, que buscaria no
trabalho extra uma forma de continuar sendo o principal provedor,
alm de priv-la da sua companhia e da diviso dos afazeres
domsticos.
De todos os entrevistados, apenas trs alegaram que as
responsabilidades nanceiras e organizacionais da casa (mas no dos
servios domsticos) so divididas com o companheiro(a) e/ou lhos. Os
demais intitularam-se os chefes do domiclio. No caso das mulheres,
muitas so vivas, separadas ou tm o marido doente. Apesar de apenas
uma informante no viver com os lhos, todas so as principais
provedoras do lar, conforme coloca dona Maria Jos reportando-se
imagem masculina para designar-se o provedor principal.
Eu sou o chefo da famlia, sou o chefo da famlia, graas a Deus,
sou o chefo. (Maria Jos, camel, 68 anos, 42 anos trabalhando nas
ruas).
O papel de provedor se intensica na infncia dos lhos. nesta fase
da vida familiar que a esposa luta para que seu companheiro
mantenha-se longe dos apelos que podem desvi-lo do caminho, ou
seja, da responsabilidade para com a mulher e seus lhos ainda
pequenos, para buscar o prprio sustento. Estes apelos negativos so
os vcios e a vida de bandido. durante a formao da famlia que, o
homem precisa sair do conito entre a bebida e as obrigaes
familiares (Zaluar, 1994, p.122). A idia de que o trabalho um
sacrifcio necessrio, mas que s vale a pena se tem como propsito o
sustento da famlia, tambm foi compreendida por Sarti (1996, p. 72)
como um ponto de fortalecimento da identidade e auto-estima do
trabalhador, pois, na moral masculina, ser forte para trabalhar
representa uma condio necessria, mas no suciente para a armao de
sua virilidade: um homem, para ser homem, precisa tambm de uma
famlia. A categoria pai de famlia complementa a auto-imagem
masculina.
Percebe-se, ento, que o trabalho signica mais do que fazer e
mais do que lutar diariamente. Ele representa o provimento
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das necessidades de outros indivduos, considerados incapazes ou
detentores de outros papis distintos, porm importantes para o
equilbrio da famlia (como o caso das donas-de-casa). O dinheiro
ganho com o trabalho honesto deve, portanto, ser destinado ao seu m
que no outro seno a famlia. Da o valor que as esposas e mes do aos
homens que no bebem e no jogam.
No caso especco dos avs que trabalham para auxiliar na manuteno
de seus dependentes, a situao difere pouco. A moral de provedor se
faz presente quando homens e mulheres idosos falam de seus netos,
que representam os lhos pequenos indefesos e que no tm culpa se
seus pais no conseguem manter-se como provedores de seus lares. No
por culpa deles, mas de alguma fora maior que provoca o desemprego
e penaliza os pobres. Em ltima instncia, por culpa do governo. Os
netos ocupam um lugar importante nos discursos masculino e
feminino, e o desejo maior destes idosos provedores fazer por eles
o que no puderam fazer pelos seus lhos, enquanto eram crianas.
Se me pedir no ca sem ganhar mesmo no, s se no tiver, porque se
eu tiver eu dou um jeitinho e arrumo. Num tem jeito no. Porque
quando eu criei os meus, eu num tive oportunidade de d nada do que
eles pediam, sabe. s vezes saa com eles pra levar no mdico nessa
poca meu marido ainda tava vivo e eu lavava roupa para os outros,
mas era uma trouxa, duas, num dava pra interar saa com eles, eu
falava com eles em casa: meu o, num precisa pedir nada que eu num
tenho dinheiro no. Eles iam e voltavam sem chupar uma bala. Agora,
hoje em dia eu posso ajudar. Eu tenho condies, eu no vou? (Zilda,
torera, 60 anos, 12 anos trabalhando nas ruas).
Os avs atuam neste contexto como aqueles que oferecem s crianas
e aos jovens netos oportunidades de estudo, de passeios ou mesmo de
aquisio de bens, como roupas, doces e demais alimentos que os pais
esto impossibilitados de oferecer. a ajuda que complementa o salrio
dos pais ou mesmo o supre em situaes crticas, como, por exemplo, se
esto desempregados.
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Todos reconhecem a responsabilidade que tm e mesmo quando alegam
cansao das atividades dirias, gostam do que fazem. Este o caso da
dona Luzia, que trabalha desde jovem na informalidade e tambm
trabalhou com registro em carteira em uma fbrica. Hoje, com o
marido doente e acamado, continua nas ruas do hipercentro de Belo
Horizonte.
Nossa! Eu adoro! Adoro! Quando eu venho pra c, pra mim... eu l
vou pra fazer um passeio maravilhoso! (risos). Eu gosto muito de
vir pra c, que aqui eu convivo com o povo, eu brinco, eu cao. Se o
rdio toca, eu t cantando, t lidando, vou brincando. Eu s feliz
aqui, muito feliz. (Luzia, camel, 68 anos, mais de 30 anos nas
ruas).
Os discursos dos informantes e dos autores utilizados na confeco
deste trabalho apontaram para uma realidade diferente da dos idosos
aposentados que gozam o perodo do no-trabalho em suas vidas. Apesar
de toda a diculdade que enfrentam no seu dia-a-dia, os
entrevistados so testemunhas e atores no contexto de transformao
por que passa a sociedade brasileira, na qual o desemprego assume
propores nunca antes observadas.
Estes idosos e idosas experimentam em seus domiclios situaes
difceis no convvio dirio com lhos e netos adultos que vivenciam a
instabilidade do mercado do trabalho. Falando dos netos com
carinho, estas pessoas usufruem um perodo da vida contrrio situao
de isolamento, porm se confrontam no dia-a-dia com o cansao, as
preocupaes, os afazeres de casa e o cuidado da famlia. O trabalho
neste contexto torna-se uma distrao e at mesmo uma fuga de uma
realidade de diculdades de vrias ordens, constituindo-se em uma
forma bastante peculiar de passar o tempo.
A diviso do espao da moradia: uma tendncia mundial?
A grande maioria dos entrevistados mora em casa prpria. O padro
das moradias varia. A maior parte constituda de casas pequenas de
bairros da periferia ou mesmo em favelas e muitos se
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referem sua casa como barraco. Outros possuem casas maiores com
varanda e terrao e h ainda uma camel que tem duas casas, sendo uma
destinada ao aluguel.
Conforme mencionado, quase a totalidade dos entrevistados possui
lhos e netos vivendo na mesma moradia e/ou lote e os arranjos so
variados, porm o que prevalece o de lhas ou lhos com netos (sem o
cnjuge) vivendo na mesma casa, e, na maioria dos casos, so as lhas
solteiras ou separadas que vivem com seus lhos e sem o companheiro
na casa dos pais.
Um recurso muito utilizado pelos entrevistados a construo de
outros barraces no mesmo lote para a instalao das famlias de seus
lhos. No muito raro, os idosos entrevistados criam netos cujos pais
no vivem com eles, e mais de uma vez foi encontrada a situao em que
os netos casam-se e mantm-se no mesmo lote dos avs com suas
famlias.
A realidade destes idosos no foge congurao da famlia pobre.6
Assim, no se pode deixar de reforar o que j foi revelado por outros
pesquisadores de que a idia da dependncia do idoso, na maioria dos
casos, uma falcia. Estudos estatsticos com base na PNAD revelam que
famlias com idosos esto em melhores condies econmicas do que as que
no possuem idosos (Camarano, 2002). Conforme mencionado
anteriormente, os idosos trabalhadores possuem moradia prpria e, na
maioria dos casos, uma renda assegurada oriunda da previdncia
social. Alm disso, os rendimentos provenientes do trabalho tambm
auxiliam na manuteno da famlia em momentos de diculdades dos lhos,
quando se encontram em situao de desemprego ou quando no possuem
recursos sucientes para pagar aluguel ou construir sua prpria
casa.
Ao ressaltar a alterao de papis nas famlias, Goldani (2002)
revela que estas vm se mostrando como novos atores na sociedade e
que continuam subsistindo, embora com conguraes bastante diferentes
daquelas predominantes h dcadas atrs (casal com lhos e o homem como
provedor e chefe). Alm das mulheres,
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idosos e crianas tm tido um crescente papel no oramento
familiar. A participao dos idosos vai alm da renda direta e, ao
cederem espao na sua moradia para lhos e netos com os respectivos
cnjuges, diminuem os encargos das famlias mais jovens. Esta
constatao indica que, para as famlias de baixa renda, pelo menos em
momentos de depresso no mercado de trabalho, no se pode armar que a
crise do ninho vazio comum.
Camarano e El Ghaouri (2003) realizaram estudos com base nos
dados das PNADs e do censo demogrco brasileiro e descobriram
mudanas ao longo do tempo nas famlias com idosos e nas famlias
cheadas por idosos.7 Ao comparar tais resultados a outros oriundos
de diversas partes do mundo, as autoras descobriram que lanar mo de
arranjos familiares que possibilitem atravessar crises econmicas no
uma caracterstica unicamente brasileira. No Brasil nota-se que
houve mudanas signicativas no grupo de famlias com idosos e de
famlias cheadas por idosos com o passar do tempo. Os idosos
pertencentes s famlias com idosos so mais velhos e da dcada de 80
para a dcada de 90 ocorreu o aumento da idade mdia destes. Este
dado, embora seja reexo da maior expectativa de vida do brasileiro,
signica que os idosos que vivem na casa de algum membro da famlia
tm maior probabilidade de apresentar j algum tipo de limitao fsica
e/ou psicolgica. Infelizmente no possvel descobrir nesta pesquisa
feita pelas autoras quais os fatores que levam os idosos a morarem
com seus lhos, como, por exemplo, problemas de sade fsica e mental,
falta de recursos materiais, solido ou outros.
importante ressaltar tambm que tem havido o aumento do nmero de
mulheres idosas cheando o domiclio (o que ocorre tambm com as no
idosas), demonstrando que as mulheres, tradicionalmente levadas a
viver com os lhos, principalmente em situaes de viuvez e separao,
tm se mantido em sua prpria residncia, e mais, consideram-se chefes
de domiclio.
Outro dado importante revelado pelas pesquisadoras foi a distino
da renda per capita entre os dois grupos de famlias.
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As famlias de idosos possuem renda per capita maior do que as
famlias com idosos. A renda familiar que depende do idoso subiu de
59,1% para 65,7% de 1981 para 1999.
O signicativo aumento destes percentuais dos anos 80 para os
anos 90 demonstra que a dependncia da famlia em relao ao idoso
sofreu inuncia de diversos fatores, entre eles esto as crises
econmicas que assolaram o pas na poca e impossibilitaram os mais
jovens de conquistar sua independncia nanceira. Tal observao tem
sido feita por diversos autores nacionais e estrangeiros (Debert,
1992; Giddens, 2000; Hareven, Vinovskis 1978; Cabral, 1998, entre
outros) que apontam a exibilizao das conguraes familiares como
fruto do aumento da expectativa de vida, do poder decisrio dos
idosos, da situao socioeconmica e das modicaes das relaes
familiares.
Em uma reviso da literatura das ltimas dcadas sobre
envelhecimento, Debert (1992) demonstra a tendncia dos idosos a
viverem sozinhos em seus domiclios, em pases como Estados Unidos,
Dinamarca e outros pases europeus. Segundo as pesquisas mencionadas
pela autora, a tendncia decrescente de se encontrar idosos vivendo
na casa dos lhos no revela necessariamente o enfraquecimento das
relaes familiares, mas uma escolha individual destes idosos que, em
muitos casos, vivem em residncias prximas de seus descendentes.
Estes estudos demonstram que o bem-estar na velhice no est
diretamente relacionado com a intensidade das relaes familiares,
principalmente se os idosos e seus lhos possuem um grau de
autonomia fsica e econmica que possibilite a manuteno da
privacidade de ambos os lados.
O crescimento da individualizao da sociedade contem- pornea tem
relao direta com este ideal de liberdade para fazer escolhas. o
processo que Elias (1987) classica como mudana da identidade ns-eu.
Na medida em que o ns vai sendo reduzido e o eu se sobrepe,
marcando a predominncia da individualizao na sociedade, os laos
familiares vo se tornando mais permeveis mudana.
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Certamente as negociaes e acordos que garantem a convivncia
tambm tornam-se mais exveis nesta sociedade, porm, Goldani (1989,
apud Bilac, 2000) aponta para um fator importante a ser
considerado, que a desigualdade de poder individual existente
dentro do domiclio. O poder de escolha e negociao do idoso, da
criana e da mulher no so igualitrios, bem como o do homem adulto
considerado o chefe do domiclio. Assim, tal liberdade limitada pela
capacidade de negociao que cada papel domstico representa.
Com a insero da mulher no mercado de trabalho, bem como o
trabalho dos jovens e mesmo dos idosos, as relaes de poder nas
famlias tornam-se mais sujeitas a transformaes. Tal idia da
liberdade de escolha na famlia pode ser compreendida com base na
obra de Giddens (2000) que, ao observar as relaes familiares
contemporneas luz de estudos sobre a democracia, reetiu a respeito
da ampliao do dilogo, da igualdade de direitos e da aceitao das
diferenas presentes nas famlias.
Supondo que houvesse uma nica famlia tradicional (e sabemos que
no havia), esta era patriarcal, baseada na discriminao afetiva
entre a sexualidade masculina e a sexualidade feminina, bem como
num sistema de autoridade no qual as crianas tinham poucos
direitos. As mudanas ocorridas nessas reas so parte essencial dos
processos de democratizao na vida pessoal pela primeira vez, homens
e mulheres em princpio se tratam como iguais, e as crianas tm seus
direitos. (Giddens, 2000, p.90)
O autor v a famlia como um reduto da tradio. Contudo, pode-se
perceber no texto exposto acima que, para Giddens, esta instituio
no est estagnada, pelo contrrio, est aberta s mudanas da sociedade
globalizada. Embora ele no se rera diretamente aos idosos, possvel
aplicar sua proposio terica de ampliao da democracia e do dilogo ao
que Debert (1992) denominou de liberdade de escolha dos mais velhos
que optam por viverem sozinhos, com os lhos ou mesmo em grupos
geracionais.
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A ampliao do dilogo na famlia implica o questionamento a
respeito dos papis exercidos no grupo. Segundo Hareven (1987), no
apenas a famlia que est mudando, mas os parmetros de anlise dos
pesquisadores esto mais voltados para o processo decisrio na famlia
e a imposio das decises a seus membros. A idia de que a famlia
moderna predominantemente nuclear j no hegemnica entre os
pesquisadores porque gradualmente est sendo demonstrado que a
organizao familiar no uma unidade monoltica. Por isso, necessrio
observar que existem diversos papis e posies dos diferentes membros
que fazem parte dela.
Certamente a organizao familiar interfere na sociedade, bem como
sofre inuncias diretas de seu tempo; contudo, os autores referidos
demonstram que existe a criao de um esteretipo de famlia para cada
poca. A extensa famlia patriarcal ainda tem sido vista como o nico
modelo existente no perodo pr-capitalista, assim como a famlia
nuclear ainda tem sido associada sociedade industrial moderna. O
que as pesquisas mostram que tm havido modicaes nos arranjos
familiares, pois estes esto inseridos em um processo de exibilizao
do modelo tradicional e idealizado de famlia. Tais conguraes
contemporneas da organizao familiar expressam, em ltima instncia,
as rpidas mudanas sofridas nos modos de vida da sociedade moderna.
Alm disso, o aumento da expectativa de vida possibilitou a
convivncia maior entre pais, lhos e netos (Cabral, 1998, p.
52).
A coabitao como estratgia de sobrevivncia e apoio mtuo entre
geraes no caracterstica unicamente da sociedade industrial. Segundo
Quadagno (1987, p. 53), quando as condies socioeconmicas eram
instveis na sociedade europia pr-industrial, os membros das famlias
lanavam mo de recursos para sobreviver e nem sempre os idosos eram
acolhidos na casa de seus lhos. Entre os vrios arranjos familiares,
era comum encontrar netos morando com avs, lhas que retornaram com
seus lhos ilegtimos para a casa dos pais e at lhos vivos com suas
crianas que foram acolhidos pelos avs. Dessa forma, o gerenciamento
da casa e dos gastos era dividido entre vrias geraes e os idosos
tinham companhia em momentos de maior debilidade fsica.
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Hareven e Vinovskis (1978) tambm realizaram estudos histricos
sobre a famlia e encontraram diversas formaes familiares. Os
autores armam que, apesar dos limites dos censos realizados nas
sociedades pr-capitalistas, as famlias nucleares e monoparentais no
so conseqncia do capitalismo, pois registros histricos provam que
este tipo de arranjo familiar existe h pelo menos 300 anos nos
Estados Unidos. A famlia nuclear estava presente nos meados do
sculo XIX na maioria dos domiclios norte-americanos (entre 75% e
80%). Mesmo nessa poca, era comum a pessoa mais velha morar s ou
oferecer penso a migrantes, pois esta atividade constitua-se em uma
fonte de renda. Fennell, Phillipson e Evers (1989, p. 30), bem como
Laslett (1977), compactuam com as autoras ao relatar dados de
pesquisas inglesas em sociologia histrica que comprovam o interesse
dos idosos em manter uma intimidade distncia com seus lhos j no
sculo XVII.
Na investigao sobre os idosos trabalhadores informais,
percebe-se que a presena dos lhos na residncia de seus pais tem uma
forte conotao econmica, pois se constitui na alternativa mais
concreta para aqueles jovens que no conseguem emprego ou esto
sujeitos instabilidade do mercado de trabalho. Contudo, ao comparar
a vida dos entrevistados com a de seus pais que tambm tiveram
histrias marcadas pela pobreza, nota-se que o m da vida dos
antepassados foi na casa dos lhos e no vice-versa. Uma hiptese para
este fenmeno de que ao atingir idades mais avanadas estes idosos
tenham sado de seus domiclios para a casa de seus lhos
(principalmente lhas) que, j adultos, conseguiram construir seus
imveis.
A terceira gerao, por seu turno, tem adiado a sada da casa dos
pais, ou mesmo retornado a esta aps enfrentarem problemas como a
gravidez precoce, o m do casamento ou o desemprego, como o caso do
senhor Bruno que tem sete lhos e quase todos vivem ou j viveram em
construes erguidas em seu lote. Este pipoqueiro quase octogenrio no
lamenta a situao e acha que obrigao moral dos pais auxiliar seus
lhos nos momentos difceis.
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C tambm deve ter famlia, c tem que ajudar sua famlia! Que as
condies tambm no so boas, no, mas tem que ajudar, u! O que ganha
tem que ajudar... Tenho sete lhos. Todos eles vo pra l e eu aceito.
Porque no interesse meu deix-los a na rua, se eles no tm condies de
pagar. Quando melhora, torna voltar pr trs, pros aluguel pra onde
que eles quiserem, mas se estiverem endividados no papel deles, no
que eu puder eu ajudo.
Ento vrios lhos j tiveram que voltar pra sua casa ou seu
lote?
Pra voc ver como que , n? T difcil pra dan. (Bruno, pipoqueiro,
62 anos, 40 anos trabalhando nas ruas).
Percebe-se, ento, que ao ceder o espao de sua moradia ou lote
para os lhos, os pais idosos lanam mo de uma estratgia de
sobrevivncia e manuteno das geraes mais novas. Estes arranjos
familiares utilizados pelos chefes de domiclio de baixa renda
exigem negociao e dilogo entre as vrias geraes que convivem no
mesmo espao.
Analisando a realidade encontrada entre os idosos trabalha-
dores de Belo Horizonte, com base nos autores referidos, pode-se
dizer que os arranjos familiares adotados por essas famlias so
fruto da escassez de condies materiais de vida, mas s se tornam
possveis devido ao exerccio de uma forma mais democrtica de
organizao familiar.
A condio de trabalho dos lhos
raro encontrar, entre os entrevistados, os que no possuem lhos
e/ou lhas desempregados(as) morando na mesma casa ou lote dos pais.
Dos 23 entrevistados, cinco no se enquadram nesse perl. Nos
depoimentos cou claro que o desemprego algo que preocupa as famlias
e aumenta a responsabilidade do idoso provedor. No caso do senhor
Sodr, a preocupao est no futuro de seus lhos quando no houver
ningum que exera este papel:
Seus lhos esto trabalhando tambm?
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No, no to, no. Esto desempregados e isso que est me incomodando,
porque amanh eu posso no estar vivo e eles vo passar mais
diculdades que j passam hoje.
Os trs lhos?
So duas mulheres e um rapaz de dezessete anos. Esse eu no estou
apelando com ele, ainda no. (Sodr, 60 anos, engraxate, 42 anos
trabalhando nas ruas).
Nota-se na fala do informante que a maior preocupao com o
trabalho recai sobre as lhas, que j so maiores de idade, j tm lhos
e vivem com os pais. Estas no possuem um provedor para suas famlias
e no cumprem o dever tico/moral de substituir o homem neste papel
sendo, por isso, cobradas. Quanto ao rapaz, a presso ainda no to
grande porque o mesmo no atingiu a maioridade. Nota-se nas falas
dos entrevistados, que os lhos e lhas menores de 18 anos no sofrem
muita cobrana para iniciar sua vida de trabalhador, porque so
considerados em idade escolar.8
Isto ca claro quando dona Lurdes, ao ser questionada se deixaria
seu trabalho por um emprego com registro em carteira, aproveita a
oportunidade para pedir pelas lhas e neto. Para ela a proposta no
boa, porque no trocaria o trabalho de catadora de material
reciclvel exercido durante dcadas por nenhum outro, mas caria feliz
se este emprego fosse oferecido s suas lhas ou a seu neto que, aos
18 anos, precisa de um servicinho e, por mrito prprio (e no por
presso dos familiares), tirou carteira de motorista aos 18
anos.
No aceitaria outro trabalho. S se eu arrumasse pras minhas
meninas. Porque minhas meninas, s falar assim, eu vou, e no meu
lugar car com minhas meninas e um neto de 18 anos que t doido pra
arrumar um servicinho, tadinho, chega at chorar: me, arruma um
servio pr mim! Ele tirou at carteira de motorista com 18 anos
(Lurdes, 66 anos, catadora de reciclvel, mais de 40 anos
trabalhando nas ruas).
No caso das jovens sem lhos, a cobrana familiar pela procura do
emprego menor porque as mesmas exercem papis estratgicos no cuidado
da casa e das crianas menores.
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Com exceo de uma informante que possui uma lha universitria, o
nvel de escolaridade dos demais , no mximo, o segundo grau. Chama a
ateno a incidncia de vrios casos em que as lhas dos depoentes fazem
o curso tcnico em enfermagem, mas nem todas exercem a prosso. No
foi encontrado nenhum homem com esta habilitao e pouqussimos
possuem outro curso tcnico. Com baixos nveis de instruo, os lhos
dos entrevistados esto mais sujeitos instabilidade do mercado e so
levados a exercer trabalhos temporrios, os to comuns bicos.
Vo quando tm servio, agora eles to trabalhando, n. Quando arruma
um servio trabalha, quando no tem tambm ca parado. Agora to todos
dois trabalhando, graas a Deus, mas caram muito tempo em casa, mas
agora to trabalhando todos dois. Ela trabalha de faxineira n, chada
na faxina e ele trabalha de armador. Todos dois to trabalhando,
graas a Deus (Nair, torera, 75 anos, 36 anos trabalhando nas
ruas).
Uma rede de solidariedade tecida entre estas famlias que
enfrentam juntas as diculdades causadas por problemas familiares
caractersticos da sociedade contempornea, como a gravidez das
jovens solteiras, as separaes, o desemprego, os baixos salrios e
outros. Estes problemas se agravam quando h escassez de recursos
materiais que garantam a estabilidade nanceira e a independncia das
famlias. Certamente estes fatores impossibilitam ao idoso a escolha
de viver como e com quem quiser, como apontaram os autores
mencionados. Alm disso, lhos, pais e netos convivem em um mesmo
espao (ou como preferem assegurar os entrevistados, em casas
separadas no mesmo lote) e, aparentemente, demonstram uma relao de
mo-nica, na qual o idoso que possui uma estabilidade nanceira maior
que os lhos, cede seu espao e oferece o suporte nanceiro para os
perodos de carncia econmica das famlias de seus lhos.
Contudo, observando-se esta realidade por um outro ngulo,
possvel perceber que a coabitao representa no apenas uma forma de
poupana ou estratgia de sobrevivncia das geraes mais novas. Ela
signica uma troca intergeracional que s ca mais
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visvel medida que os seres humanos tornam-se mais longevos. H
nesta relao uma troca de apoios mtuos e o convvio mais ou menos
harmnico entre trs ou quatro geraes, que oferecem uns aos outros
segurana e amparo em momentos de crise (incluindo-se a o apoio
durante a debilidade causada pelo envelhecimento do corpo).
Situaes de conito so constantes. A ocupao de um nico espao por
diversas geraes, a proximidade das residncias e as carncias
materiais fazem com que ocorram momentos de tenso, porm, a grande
maioria destes problemas so resolvidos a curto prazo, e, na grande
maioria dos casos, no so sucientes para provocar rupturas nos
relacionamentos.
Concluso
Os idosos entrevistados nesta pesquisa revelaram uma realidade
bastante distinta daquela mostrada pela mdia na qual a condio de
abandono se contrape s novidades da terceira idade, sob a qual os
indivduos desfrutam o tempo livre por meio do lazer e demais
atividades criadas pelo mercado especialmente para este
segmento.
Os idosos trabalhadores informais se mantm na ativa executando
trabalhos estafantes durante seis dias na semana e jor- nadas que
variam de 8 a 12 horas dirias. So catadores de reciclveis,
engraxates, camels, entre outros que passam despercebidos pelos
transeuntes, mas que carregam histrias de vida que se misturam com
a histria da cidade. So pessoas pobres, mas que trabalham para
ajudar, e mesmo manter, o oramento de geraes que surgem ainda mais
pobres: seus lhos e netos.
Donos da prpria moradia, os idosos entrevistados possuem
autonomia fsica e nanceira e cedem espao para a famlia que cresce
ao invs de diminuir em casos de separaes, mes solteiras, desemprego
ou mesmo para diminuir a despesa do aluguel.
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A coabitao no uma idia original dos pases em desenvolvimento,
pois j na Europa e Estados Unidos, no perodo colonial, as famlias
se uniam em momentos de crise e os mais velhos ofereciam suporte
aos mais jovens em momentos de depresso econmica. No Brasil
percebe-se que as famlias pobres vo encontrando a cada dia novas
estratgias de sobrevivncia e lanando mo de outros modelos mais
antigos de famlias extensas.
Os arranjos familiares, portanto, no so novidade e muito menos
tm previso para acabar. Se coabitao traz perda da privacidade,
aumento dos gastos e momentos de desentendimento para os membros da
famlia, traz tambm apoio, solidariedade e segurana para aqueles que
no possuem recursos para gerir sua famlia e/ou sua velhice.
Se, por um lado, os idosos encontram motivao para viver e
continuar em atividade, pois sabem que algum depende deles, a
famlia, por seu turno, encontra no idoso o apoio para os momentos
de crise, que podem durar anos. As lhas solteiras e as que tiveram
lhos fora do casamento encontram na casa paterna e/ou materna o
apoio necessrio para a criao das crianas, assim como os lhos e lhas
separados ou que assumiram uma nova unio e deixaram os lhos do
primeiro casamento com os avs.
Certamente estes homens e mulheres que j passaram dos 60 possuem
um status familiar muito maior do que o do idoso que contribui com
o oramento familiar, mas que no o principal provedor. Lutando
contra o isolamento, esto perfeitamente integrados na vida familiar
e conquistaram respeito e aceitao por parte dos mais jovens, que
prevem um futuro de muito trabalho para alcanarem o que seus avs
conquistaram, qui, uma aposentadoria.
Dessa forma, este artigo pretendeu mostrar que os idosos
pesquisados encontraram nas ruas mais do que um rendimento
complementar aposentadoria ou penso, encontraram uma forma de
socializao e de manter o poder familiar em uma relao de troca
intergeracional. Contudo, esta situao no esconde a precarizao
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da vida do idoso que, em muitos casos, busca no trabalho o apoio
e a aceitao que no recebe em casa. No esconde tambm a situao de
empobrecimento destas famlias que tm do ganho dos mais velhos um
recurso indispensvel para a reproduo de suas vidas.
Notas
1 A denio etria de idoso imprecisa e est se modicando
constantemente, porm para efeito de pesquisas defronta-se com dois
marcos. A Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG),
seguindo os parmetros internacionais, estabelece o limite mnimo de
65 anos para a classicao do indivduo como idoso. Nesta pesquisa foi
adotada a idade mnima de 60 anos, seguindo os modelos classicatrios
das Naes Unidas para pases em desenvolvimento, do Estatuto do Idoso
e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio (PNAD).
2 considerado pobre todo aquele que possui renda domiciliar per
capita inferior da linha de pobreza. No caso desta pesquisa,
utilizou-se o valor de R$ 62,00 para a Regio Sudeste baseado nos
dados do IBGE constantes na PNAD de 1997, conforme relatado por
Barros, Mendona e Santos (1999).
3 Chudacoff e Hareven (1978) apontam em uma outra direo. Segundo
os autores, o papel dos idosos era importante nos laos de
solidariedade intergeracional na Amrica Colonial. Os idosos
permaneciam como chefes de famlia e nas situaes de crise a casa dos
pais ainda representava segurana para os lhos casados.
4 Em 1997, quase a metade dos homens idosos trabalhadores
exerciam atividades rurais. Para as mulheres, os servios pessoais
eram predominantes. Hoje, o trabalho por conta prpria est
aumentando. Entre os idosos do grupo de 60-64 anos esta atividade
exercida por cerca de 50% dos homens trabalhadores. Com o aumento
da idade, cresce o percentual dos que exercem esta atividade. Entre
o grupo de 75-79 anos, o trabalho por conta prpria exercido por
mais de 60% dos idosos trabalhadores (Wajnman; Oliveira; Oliveira,
1999, p. 190).
5 A respeito da tica protestante e do valor divino do trabalho,
consultar Weber (1981).
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6 Segundo Albuquerque (1993, p. 74), a pobreza est associada
fortemente estagnao econmica e existem oito caractersticas comuns
mais relevantes das famlias pobres: elas tendem a ser mais
numerosas; as rendas familiares dependem mais dos ganhos dos chefes
de famlia; os chefes de famlia so mais jovens (51,3% tm menos de 40
anos); h maior proporo de famlias cheadas por mulheres; os chefes
de famlia se declaram de cor preta; estes so mais submetidos a
relaes de trabalho informais; as suas atividades econmicas se
concentram nos setores de baixa produtividade; seus nveis
educacionais so baixos.
7 A respeito dos diversos arranjos familiares brasileiros
consultar Berqu, Oliveira e Canevaghi (1990); e sobre a
interferncia da vida urbana na coeso familiar, consultar Guimares
(1998).
8 Guedes (1997) faz um estudo interessante a respeito das
diferentes fases de cobrana dos pais operrios sobre os lhos para
que estes arranjem emprego. Segundo a autora, o servio militar para
os rapazes o rito de passagem que delimita o m da infncia, cujo
maior compromisso com o estudo, e o incio da fase adulta que traz
maiores responsabilidades e, portanto, a assuno da identidade de
trabalhador.
The elderly workers: prots and losses in intergenerational
relationships
Abstract: This article is a result of a qualitative research
conducted with low-income elderlies who work informally on the
streets of Belo Horizonte. Material scarcity leads them to a
recurrent practice, the cohabitation. This strategy used to
diminish the poverty impact also establishes intergenerational
exchanges. On the one hand, there is a conict due to intensive
companionship among generations; on the other hand, there is
sympathy and mutual help from the family. The elderly workers play
a central economic role in the life of their families, in which
youths are unemployed or underemployed, and, as home providers,
elder people maintain the power of negotiation with the generations
that live with them.
Key words: elderly people, job, family, intergenerational
relationships.
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