I CONACSO - Congresso Nacional de Ciências Sociais: desafios da inserção em contextos contemporâneos. 23 a 25 de setembro de 2015, UFES, Vitória-ES. Povo de axé: memórias e identidades em casas de candomblé (ES) Milena Xibile Batista Mestra em Ciências Sociais Universidade Federal do Espírito Santo Resumo: Em terras americanas e brasileiras trouxeram mais que seus corpos, os africanos reconstruíram e transmitiram no Novo Mundo uma bagagem e herança cultural extremamente rica, implantando dialetos, memórias, crenças e um panteão de Orixás, Inquices e Vóduns. Entender a autodefinição de membros de “comunidades de terreiro” enquanto pertencentes às nações de candomblé nos remete a retomar parte de fragmentos da história dos africanos antes da sua chegada ao Brasil e compreender como ocorreram as primeiras manifestações em terras brasileiras. Como ponto de partida a presente etnografia e a literatura sobre o assunto, requer adentrar em análises de categorias nativas do povo de santo, e, em seguida, passar a questões teóricas sobre esses temas. Na cidade de Serra encontram-se as quatro casas de santo onde a pesquisa de campo foi realizada com sacerdotes, que dividem suas memórias e experiências religiosas compondo um exercício teórico sobre a história e a formação do candomblé no estado. Suas preocupações são de transformar parte das tradições orais em produção escrita. Reconstrói uma ligação com uma comunidade imaginada que remonta a África e desenvolve relações de parentesco ficcional entre os membros das comunidades de terreiro e forma uma família de santo e de axé. Palavras-chaves: candomblé; memória; identidade INTRODUÇÃO Em terras americanas e brasileiras trouxeram mais que seus corpos, os africanos reconstruíram e transmitiram no Novo Mundo uma bagagem e herança cultural extremamente rica, implantando dialetos, memórias, crenças e um panteão de Orixás, Inquices e Vóduns
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I CONACSO - Congresso Nacional de Ciências Sociais: desafios da
inserção em contextos contemporâneos. 23 a 25 de setembro de 2015,
UFES, Vitória-ES.
Povo de axé: memórias e identidades em casas de candomblé (ES)
Milena Xibile Batista
Mestra em Ciências Sociais
Universidade Federal do Espírito Santo
Resumo:
Em terras americanas e brasileiras trouxeram mais que seus corpos, os africanos
reconstruíram e transmitiram no Novo Mundo uma bagagem e herança cultural
extremamente rica, implantando dialetos, memórias, crenças e um panteão de Orixás,
Inquices e Vóduns. Entender a autodefinição de membros de “comunidades de
terreiro” enquanto pertencentes às nações de candomblé nos remete a retomar parte
de fragmentos da história dos africanos antes da sua chegada ao Brasil e
compreender como ocorreram as primeiras manifestações em terras brasileiras. Como
ponto de partida a presente etnografia e a literatura sobre o assunto, requer adentrar
em análises de categorias nativas do povo de santo, e, em seguida, passar a questões
teóricas sobre esses temas. Na cidade de Serra encontram-se as quatro casas de
santo onde a pesquisa de campo foi realizada com sacerdotes, que dividem suas
memórias e experiências religiosas compondo um exercício teórico sobre a história e a
formação do candomblé no estado. Suas preocupações são de transformar parte das
tradições orais em produção escrita. Reconstrói uma ligação com uma comunidade
imaginada que remonta a África e desenvolve relações de parentesco ficcional entre
os membros das comunidades de terreiro e forma uma família de santo e de axé.
Palavras-chaves: candomblé; memória; identidade
INTRODUÇÃO
Em terras americanas e brasileiras trouxeram mais que seus corpos, os africanos
reconstruíram e transmitiram no Novo Mundo uma bagagem e herança cultural
extremamente rica, implantando dialetos, memórias, crenças e um panteão de Orixás,
Inquices e Vóduns
Analisar memórias e identidades das casas de santo, comunidades e nações de
candomblé capixaba foi o cenário de uma pesquisa maior, que parte da mesma
desdobrou-se nesse ensaio sobre uma religião de matriz africana. Um dialógo com
pessoas que são referências religiosas no candomblé e sobre essa religião de matriz
africana no contexto externo a esse universo religioso e ainda mais, pessoas e
comunidades que se definem a partir da fé, isto é, tomam a fé como símbolo delimitador
de suas identidades. A partir da análise das histórias de vida dos entrevistados1. foi
possível entender como, apesar de todos os desafios, se dedicam há mais de vinte anos a
defender o que acreditam ser uma herança dos seus ancestrais religiosos, pois entendem
que o candomblé é uma religião que, para realizar suas celebrações, remonta sempre às
suas origens africanas.
O período colonial brasileiro foi marcado pela escravização de africanos. Os “filhos da
diáspora africana” trazidos para cá eram de distintas regiões da África, o que nos
permite entender a diversidade cultural que marca esses grupos. As religiões de matriz
africana, por exemplo, existem de norte a sul do país, em meio a diferentes processos de
hibridização entre elas próprias e o cristianismo (religião dominante), bem como entre
elas e as doutrinas espiritualistas. Estas hibridizações de crenças e rituais são tão
evidentes que já não dizemos no Brasil religiões africanas e sim religiões afro-
brasileiras.
O continente africano pode ser dividido em duas partes, cortando-o com uma linha
demarcatória à altura do Golfo da Guiné. Dessa linha para cima, as tradições culturais
negras são chamadas sudanesas e desse paralelo para baixo, chamadas de bantos2. Dos
1 Os iniciados no candomblé costumam chamar os sacerdotes de: zeladores, mãe e pai-de-
santo, baba, ya, babalorixá (bàbálórìṣà) sacerdote de culto às divindades denominadas Òrìṣàs (orixás),nesse trabalho foi entrevitado o senhor Rogério de Iansã o único babalorixá e iyalorixá (iyálórìṣà) sacerdotisa do culto aos Òrìṣàs (mãe que tem conhecimento de orixá), nessa pesquissa foram entrevistadas a senhora Edinéa de Iemanjá, Dezinha da Oxum e Rita de Oxum. 2 Bantu: compreende Angola e Congo, é uma das maiores nações do Candomblé, uma
religião Afro-Brasileira. Desenvolveu-se entre escravizados que falavam língua kimbundo e língua kikongo. No panteão dos povos de língua kimbundu, originários do Norte de Angola, O Deus supremo e Criador é Nzambi ou Nzambi Mpungu; abaixo dele estão os Minkisi (do kimbundu Nkisi ou (plural) Minkisi ou Mikisi receptáculos), divindades da mitologia Bantu.O Deus supremo e Criador é Nzambi ou Nzambi Mpungu; os Jinkisi/Minkisi, divindades da Mitologia Bantu. Essas divindades se assemelham a Olorum (deus supremo) e correspondem aos Orixás da Mitologia Yorubá, e Olorum e Orixá do Candomblé Ketu. Na hierarquia de Angola o cargo de maior importância e responsabilidade são: é mais freqüente se dizer Tata Nkisi (homem) ou Mametu Nkisi (mulher). LOPES, Nei. Novo Dicionário de Banto do Brasil. São Paulo: Pallas, 1999, p. 23.
negros sudaneses, as culturas que mais influenciaram no Brasil foram a nagô (nàgó)3 e
a jeje4, provenientes da Nigéria e do Daomé respectivamente.
Desta maneira, realizei um estudo etnográfico, a fim de entender a autodefinição dos
integrantes das comunidades de terreiro ou casas de santo5. Retomei parte da história
dos africanos antes da sua chegada ao Brasil para compreender como ocorreram as
primeiras manifestações em terras brasileiras.
Tendo a memória social dos integrantes das casas de santo como ponto de partida, a
reconstrução da história do candomblé no Espírito Santo, não deve ser analisada como
uma narrativa homogênea. Como sabemos, a memória e as narrativas orais são
múltiplas e marcadas por versões variadas (POLLAK, 1989 e 1992). Além do mais, os
saberes a respeito dos orixás, até a década de oitenta do século XX eram revestido do
maior sigilo, pois, apesar das perseguições, muito preconceito e a pouca liberdade (para
todos os cidadãos), os dados estatísticos demonstram que nos anos 1970 a umbanda foi
uma das religiões que mais cresceu no país e o candomblé não sofreu com o fechamento
significativo de casas, diferente de outros períodos, sendo a Constituição Federal
Brasileira de 1988 o marco legal para liberdade religiosa, estabelecida por lei, para os
integrantes das religiões de matriz africana.
Os dados apurados relativos à memória e ao processo de construção da identidade dos
integrantes das comunidades de terreiro no Espírito Santo remontam, em suas
genealogias imaginadas, ao surgimento do candomblé no Brasil, sobretudo na Bahia. As
diversas narrativas afirmam que após a libertação dos escravizados, começaram então a
surgir às primeiras casas de candomblé, se tornando um fato que esse segmento
3 Nàgó – uma forma de definir o povo yorubá. Ànágó. Todas as palavras em yorubá foram
retiradas do dicionário de BENISTE, José. Dicionário de yorubá-português. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011, p. 538.
4 jejes: os jejes ou daomeanos são um povo africano que habita o Togo, Gana, Benin
3 e
regiões vizinhas, representado, no contingente de escravos trazidos para o Brasil, pelos povos denominados fon, éwé, mina, fanti e ashanti. O apogeu desse tráfico foi durante o século XVIII, durando até 1815, no chamado "Ciclo da Costa da Mina" ou "Ciclo de Benin e Daomé". Candomblé Jeje, é o candomblé que cultua os Voduns do Reino de Daomé levados para o Brasil pelos africanos escravizados em várias regiões da África Ocidental e África Central. Essas divindades são da rica, complexa e elevada Mitologia Fon. Introduziram o seu culto em Salvador, Cachoeira e São Felix, na Bahia. E em São Luís, no Maranhão, e, posteriormente, em vários outros estados do Brasil.
5 Durante todo o texto foram utilizadas as categorias nativas em itálico. Para designar os
templos de culto de candomblé podem aparecer durante o texto como: casas de santo, casas de axé, terreiro, roça de candomblé, ile, barracão de candomblé.