CIES e-Working Paper N.º 147/2013 Da educação permanente à aprendizagem ao longo da vida e à Validação das aprendizagens informais e não formais: recomendações e práticas Alexandra Aníbal CIES e-Working Papers (ISSN 1647-0893) Av. das Forças Armadas, Edifício ISCTE, 1649-026 LISBOA, PORTUGAL, [email protected]
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CIES e-Working Paper N.º 147/2013
Da educação permanente à aprendizagem ao longo da
vida e à Validação das aprendizagens informais e não
formais: recomendações e práticas
Alexandra Aníbal
CIES e-Working Papers (ISSN 1647-0893)
Av. das Forças Armadas, Edifício ISCTE, 1649-026 LISBOA, PORTUGAL, [email protected]
para a coesão social. A estratégia de desenvolvimento da aprendizagem ao longo da vida
para todos, do berço à cova, foi acordada em 1996 pelos ministros da Educação, Trabalho e
Assuntos Sociais dos países que compõem a OCDE, tendo ficado expressa no relatório
Lifelong Learning for All (OCDE, 1996). Recentemente, considerando o reconhecimento da
aprendizagem não formal e informal um importante meio de concretizar a agenda Lifelong
Learning for All e de “remodelar a aprendizagem de forma a ir ao encontro das necessidades
das economias do conhecimento e das sociedades abertas do século XXI” (OCDE, 2010a), a
OCDE levou a cabo um estudo sobre a implementação de dispositivos de reconhecimento e
validação de aprendizagens não formais e informais em 23 países.5 Como resultado desse
estudo, foi publicado o relatório Recognising Non-Formal and Informal Learning: Outcomes,
Policies and Practices (OCDE, 2010a), que explora as vantagens do reconhecimento destas
aprendizagens, dá conta das políticas e práticas existentes nesta matéria nos países
participantes e fornece recomendações sobre como organizar estes sistemas. É de destacar
que o incentivo dado pela OCDE à integração do reconhecimento da aprendizagem não
formal e informal nas agendas políticas assenta, de facto, num discurso que denuncia
claramente uma visão funcionalista, adaptativa, promotora da individualidade, da
competitividade económica e da empregabilidade. É que a validação destas aprendizagens é
apresentada pragmaticamente como uma fonte de capital humano, tornado mais visível e
valorizado pela sociedade em geral, como uma forma “mais rápida, eficiente e barata de as
pessoas completarem a educação formal, sem terem de se envolver em cursos relativamente
aos quais já dominam os conteúdos” (OCDE, 2010a).
Mas não só de preocupações economicistas é feito o discurso da OCDE. Segundo a
organização, os dispositivos de reconhecimento e validação da aprendizagem não formal e
informal revestem-se de importantes benefícios: i) de natureza económica, ao reduzirem os
custos diretos da aprendizagem formal e permitindo a utilização mais produtiva do capital
humano; mas também ii) de natureza educativa, pois podem sustentar a aprendizagem ao
longo da vida e o desenvolvimento de carreiras; iii) de natureza social, aumentando a
equidade e fortalecendo tanto o acesso a níveis superiores de educação como ao mercado de
trabalho para grupos em desvantagem, jovens em dificuldades e trabalhadores mais velhos; e
iv) de natureza psicológica, ao tornar os indivíduos mais conscientes das suas capacidades e
validando o seu valor (OCDE, 2010b).
A OCDE alerta para os custos destes processos, que sugere deverem ser
rigorosamente medidos e comparados com os dos sistemas formais, parecendo evidente uma
5 Os tópicos em análise nesse estudo foram o papel do governo e governança, custos e
financiamento, articulação com as qualificações, sistemas e quadros de qualificações, articulação
com a acumulação e transferência de créditos, métodos de avaliação para os resultados da
aprendizagem não formal e informal, articulação com o mercado de trabalho, desenvolvimento
pessoal e profissional (OCDE, 2010a).
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priorização das preocupações de ordem económica. Sugere-se aos Estados que, tendo em
vista uma minimização dos custos e a sustentabilidade dos processos, a sua implementação se
centre “nos resultados da aprendizagem que são altamente valorizados no mercado de
trabalho, gerando maiores benefícios que compensam o custo de um processo de
reconhecimento mais extensivo e formalizado”. E aconselha-se que assegurem a elevada
qualidade dos procedimentos e práticas de reconhecimento, assim como a sua consistência, de
modo a “evitar informação enganosa sobre as competências dos indivíduos que possa gerar
custos económicos adicionais” (Idem).
Entretanto, a Comissão Europeia tem vindo a trilhar um percurso de crescente
reconhecimento das aprendizagens realizadas pelos indivíduos em contextos não escolares,
claramente associado à cada vez maior importância atribuída à questão da aprendizagem ao
longo da vida.
O ano de 1996 é particularmente importante no reconhecimento da existência e
relevância destas outras aprendizagens, tendo sido designado Ano Europeu da Educação e
Formação ao Longo da Vida e dando continuidade a iniciativas anteriores como o Livro
Branco sobre a Educação e a Formação. Ensinar e Aprender. Rumo à Sociedade Cognitiva
(Comissão Europeia, 1995). No Livro Branco (Idem), a validação de aprendizagens realizadas
fora do sistema de ensino é uma das respostas preconizadas em matéria de
educação/formação para fazer face aos três “choques-motores” com os quais se vê
confrontada a sociedade europeia: i) o advento da sociedade da informação (entendida como
uma nova revolução industrial cuja incidência se faz sentir tanto na esfera produtiva como na
educativa, tanto a nível económico como social); ii) a mundialização da economia e o
aumento da competitividade a nível mundial (bem como os riscos de fratura social que lhe
estão associados); iii) a rápida evolução científica e tecnológica, e a cultura da inovação daí
decorrente, que vem reforçar a necessidade de desenvolvimento de uma cultura científica e
técnica (Idem). As respostas preconizadas no Livro Branco passam pela diversificação de
ofertas educativas e de saídas profissionais, pela promoção de oportunidades para adquirir
experiência profissional e mobilidade, capacidades consideradas decisivas para os indivíduos
na sociedade atual e que “podem ser adquiridas pela via tradicional – o diploma, adquirido
nos contextos formais de educação/formação” – ou “através do reconhecimento e da
acreditação de competências parciais detidas pelos indivíduos, a partir de um sistema de
acreditação fiável” (Pires, 2002: 52).
Canário (1997), na linha do posicionamento crítico sobre as estratégias europeias em
matéria de educação e formação, aponta os limites da abordagem instrumental presente no
Livro Branco, que, segundo ele,
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traduz uma sobredeterminação dos problemas da educação por uma lógica económica, e
tendencialmente reduz a formação de adultos à formação profissional, tendendo a
subordinar a formação profissional à lógica económica, em particular à lógica do mercado
(Canário, 1997: 52).
São, de facto, também em grande parte, objetivos de ordem económica e de coesão
social muito semelhantes aos identificados no discurso produzido pela OCDE, que levam, na
sequência do Conselho Europeu de Lisboa, à publicação do Memorando sobre Aprendizagem
ao longo da Vida, em que os Estados subscritores se propõem, através da aprendizagem,
“alcançar um crescimento económico dinâmico, reforçando simultaneamente a coesão social”
(Comissão Europeia, 2000: 6). Reconhecendo que o Memorando6 se focaliza em tornar a
Europa mais competitiva, consideramos que promove mecanismos promotores de justiça
social e equidade fundamentais no quadro das atuais sociedades do conhecimento, como os
dispositivos de validação de aprendizagens não formais e informais que surgem então como
aspeto inovador do documento. Efetivamente, o Memorando estabelece como medida
necessária e fundamental a criação, por parte dos Estados, de sistemas credíveis e de
qualidade para validar aprendizagens. “Estes sistemas avaliam e reconhecem no indivíduo os
conhecimentos, as competências e a experiência adquirida durante longos períodos e em
diversos contextos, incluindo situações de aprendizagem não formal e informal” (Idem: 18).7
Como refere Pires (2002: 66), é com este Memorando que “a aprendizagem deixa de
pertencer ao monopólio da educação/formação formal, alarga-se e expande-se para além das
fronteiras tradicionais”.
No mesmo caminho do reconhecimento destas aprendizagens a nível europeu, segue-
se a Declaração de Copenhaga sobre o reforço da cooperação europeia em matéria de
educação e formação vocacionais (Comissão Europeia, 2002), que estabelecerá como
prioritário “o desenvolvimento de um conjunto de princípios comuns para a validação da
aprendizagem não formal e informal, com o objetivo de assegurar maior compatibilidade
entre abordagens de diferentes países e diferentes níveis.” (Idem). Nesse sentido começou
efetivamente a ser desenvolvida uma série de iniciativas para definição de ferramentas e
instrumentos a utilizar em matéria de reconhecimento e validação de competências e de
6 No Memorando, a aprendizagem ao longo da vida é definida como “toda e qualquer atividade de
aprendizagem, com um objetivo, empreendida numa base contínua e visando melhorar conhecimentos,
aptidões e competências” (Comissão Europeia, 2000: 3). 7 O memorando constituiu um marco importante na ênfase atribuída às aprendizagens construídas fora
da escola, em situações profissionais e de vida, e na necessidade da sua validação, tendo sido
elaborados, na sequência da sua publicação e do processo de consulta que se seguiu, respetivamente, o
relatório The Concrete Future Objetives of Education Systems (Comissão Europeia, 2001a) e a
comunicação da Comissão “Tornar o Espaço Europeu de Aprendizagem ao longo da Vida Uma
Realidade” (Comissão Europeia, 2001b), que visam reforçar e especificar os objetivos anteriormente
definidos.
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uniformização de quadros de referências europeus. Em 2004, são aprovados, pelo Conselho
Europeu, os Princípios Comuns Europeus na
Identificação e Validação das Aprendizagens não Formal e Informal (Comissão Europeia,
2004), que visam encorajar e orientar o desenvolvimento de abordagens e sistemas
comparáveis, fornecendo aos Estados-membros alguns princípios-chave para a
implementação da validação. Nesse mesmo ano é também implementado o Europass.8
Um passo importante no sentido da consolidação desta abordagem foi dado em 2008,
com a aprovação do Quadro Europeu de Qualificações para a Aprendizagem ao longo da
Vida (European Qualifications Framework for Lifelong Learning),9 quadro de referência de
níveis de qualificação definidos a partir de competências/resultados de aprendizagem. É a
partir desta matriz que todos os Estados-membros têm vindo a trabalhar no sentido de
estabelecerem os seus próprios sistemas nacionais de qualificação, com níveis de
aprendizagem medidos em termos de competências/resultados da aprendizagem e
equivalentes aos de todos os outros países europeus, tornando-se as qualificações mais
comparáveis e fáceis de perceber por parte de todos os intervenientes no processo
(empregadores, estabelecimentos de ensino, trabalhadores e aprendentes. (Comissão
Europeia, 2008).
A publicação das European Guidelines on Validation (CEDEFOP, 2009) é, por seu
turno, um momento decisivo na consolidação da validação da aprendizagem não formal e
informal na Europa, pois , pela primeira vez, é disponibilizado aos Estados-membros um
instrumento prático de apoio aos processos de validação. Organizado em quatro perspetivas
diferentes (individual, organizacional, nacional e europeia), este manual prático apresenta
uma série de princípios, metodologias e instrumentos que podem ser aplicados pelos Estados-
membros, numa base voluntária, disponibilizando, desta forma, informação objetiva para
políticos e técnicos, no sentido de lidarem com os principais desafios associados aos sistemas
de validação (Idem).10
8 Incluindo o CV Europass e um portefólio de documentos que os cidadãos podem usar para melhor
apresentarem as suas qualificações e competências na Europa. 9 A expansão dos sistemas que validam este tipo de competências e conhecimentos deve-se, em parte,
ao rápido desenvolvimento, por toda a Europa, de Quadros Nacionais de Qualificações. Esta será a
principal conclusão de um relatório recentemente publicado pelo CEDEFOP (2011). O relatório
considera que os padrões em que assenta um qualquer sistema bem-sucedido de validação devem estar
sempre definidos como “resultados de aprendizagem”, isto é, o que as pessoas sabem, compreendem e
são capazes de fazer, e não onde e como se concretizaram essas aprendizagens. Os resultados de
aprendizagem são, de facto, o conceito-chave sobre o qual assentam os quadros nacionais, ou o
europeu, de qualificações. 10 De entre outras iniciativas importantes, identifica-se aqui o trabalho do cluster europeu de
Reconhecimento de Resultados da Aprendizagem (Recognition of Learning Outcomes), que promoveu
discussões à volta de questões-chave relacionadas com a validação, incluindo, por exemplo, “custos e
benefícios” e “garantia de qualidade”; a publicação do Plano de Ação para a Educação de Adultos
(Action Plan on Adult Learning), que identificou várias atividades na área da validação a serem
promovidas pela Comissão no período 2008-2010; a publicação do Sistema Europeu de Créditos para a
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A validação de aprendizagens não formais e informais faz parte do conjunto de
medidas estratégicas definidas para o próximo decénio na Europa. Corresponde a uma das
Integrated Guidelines for the Economic and Employment Policies of the Member States
(Integrated Guidelines 2020). Na Guideline 9 recomenda-se que:
[Os Estados-membros, com o objetivo de] assegurar a aquisição das competências-chave de que
cada indivíduo precisa para ter sucesso numa economia baseada no conhecimento,
nomeadamente em termos de empregabilidade, continuidade na aprendizagem ou competências
de TIC, [invistam em] (…) todos os setores (desde a infância e escolas até ao ensino superior,
educação e formação vocacional, assim como na educação e formação de adultos) [e que]
tomem em conta a aprendizagem realizada em contextos informais e não formais” (Comissão
Europeia, 2010: 22).
A validação de experiências de aprendizagem não formal e informal nos Estados-
membros da União Europeia continua, pois, a ser encarada como fundamental para se atingir
um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, objetivo da União Europeia na Estratégia
Europa 2020 :
(…) O seu impacto pode ser significativo no funcionamento do mercado de trabalho: os
mecanismos de validação permitem maior transparência na identificação das competências
disponíveis na força de trabalho e facilitam a articulação entre competências e ofertas de
trabalho, promovem uma melhor transferibilidade de competências entre empresas e setores e
facilitam a mobilidade no mercado de trabalho europeu. (…) Em tempos de envelhecimento da
população e diminuição da força de trabalho, a validação das experiências de aprendizagem não
formais e informais pode ajudar a Europa a proporcionar novas aprendizagens e novas
oportunidades de trabalho àqueles que se encontram mais afastados do mercado de trabalho e
canalizar todo o capital humano para combater o desemprego, impulsionar a produtividade e a
competitividade. Em particular, a validação pode apoiar os jovens desempregados à procura do
primeiro emprego ou com muito pouca experiência profissional a demonstrarem e a criarem o
valor de mercado das suas capacidades e competências adquiridas em diferentes contextos.
Numa perspetiva individual, a validação abre perspetivas de melhor empregabilidade, melhores
salários e movimentos de carreira, transferibilidade de competências entre países, segundas
oportunidades para aqueles que deixaram a escola prematuramente, acesso melhorado à
educação formal e à formação profissional, maior motivação e aumento da autoconfiança. De
forma global, a validação de experiências de aprendizagem não formais e informais contribui
também para o cumprimento das metas europeias de 2020 relativas ao abandono escolar
precoce, à proporção de indivíduos entre os 30-34 anos que completaram a educação de nível
Educação e Formação (ECVET), sistema de créditos que requer um sistema de validação de modo a
reconhecer as competências adquiridas através de meios não formais e informais; e o Quadro de
Referência Europeu de Qualidade na Educação e Formação (European Quality Assurance Reference
Framework for VET), que também inclui a validação.
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terciário (ou equivalente), a taxa geral de emprego, de pobreza e de exclusão (Comissão
Europeia, 2010: 22).
Muito recentemente, a Recomendação sobre a Validação de Aprendizagem não
Formal e Informal (Comissão Europeia, 2012), em que a Comissão Europeia estabelece um
conjunto de iniciativas que convida os Estados-membros a subscrever, evidencia a
preocupação permanente com a situação dos sistemas europeus de validação. Reconhecendo a
sua importância fulcral , a Comissão pretende acompanhar o progresso global da validação da
aprendizagem informal e não formal nos Estados-membros, no âmbito das reformas
estruturais globais dos sistemas de ensino e formação, através do semestre europeu e do
método aberto de coordenação previsto no programa “Educação e Formação 2020”.
Na perspetiva da aprendizagem ao longo da vida, da ênfase dada a medidas concretas
e inovadoras, os dispositivos de validação de aprendizagens não formais e informais
cumprem vários desígnios. Por um lado, tornam visível a “fragmentação e dispersão das
experiências educativas, (…) [assim como o] possível desajustamento entre as certificações
formalmente atingidas e as competências efetivamente detidas” (Ávila, 2005: 329). Esses
dispositivos de reconhecimento de aprendizagens anteriores permitem uma gestão da
complexidade e da diversidade inerente às modalidades e tempos de aprendizagem nas
sociedades atuais, contribuindo para facilitar a transição entre vários contextos e modalidades
de aprendizagem. Por outro lado, são mobilizadores do envolvimento dos indivíduos em
processos educativos, seja qual for o tipo de processo em causa (formal, não formal ou
informal), permitindo um encurtamento e uma adequação dos percursos formais às
competências entretanto validadas. Outro efeito dos processos de reconhecimento e validação,
com consequências ao nível do envolvimento em novas aprendizagens, é o facto de poderem
constituir, em si mesmos, processos formativos, processos de desenvolvimento e de aquisição
de competências que decorrem paralelamente aos processos de reconhecimento de
aprendizagens anteriormente realizadas, efeito a que se junta o incremento da autoestima e da
capacitação individual. Em síntese, como refere Ávila (Idem: 330), “quando se fala em
sistemas de reconhecimento de competências estão em jogo múltiplos efeitos. O que está em
causa não é “apenas” a correção de um desajustamento entre os diplomas ou graus alcançados
e os conhecimentos e competências efetivamente detidos, mas também os efeitos que daí
decorrem para a mobilização da população para o desenvolvimento dos mais diversos
processos de aprendizagem”.
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4. O espaço europeu como cenário de dispositivos pioneiros de validação
Assim, é na Europa que se inicia um processo de conceção e implementação de
dispositivos de reconhecimento, validação e certificação de aprendizagens previamente
adquiridas em contextos não formais e informais. Progressivamente vão sendo
implementados vários destes sistemas em vários países europeus. Embora possuindo
denominadores comuns, os sistemas nacionais diferem substancialmente uns dos outros, tanto
a nível da sua organização interna como do seu grau de desenvolvimento e abrangência.
Também a nível metodológico e dos instrumentos utilizados, as diferenças podem ser
significativas. Em 2007, Pires constatava que a generalidade dos sistemas implementados
utilizava abordagens e metodologias diversificadas, consoante a natureza do processo em
causa, o sistema ou as instituições envolvidas, existindo uma ampla variedade de
instrumentos de suporte, parecendo-lhe, por conseguinte, não ser possível nem desejável
identificar uma metodologia ou procedimentos únicos.11
De facto, a diversidade é evidente
nos sistemas de validação europeus, mas a grande maioria privilegia o diálogo e a utilização
de técnicas que implicam a pessoa no processo a realizar, tomando o seu testemunho como
peça central do processo (devendo ser feita a triangulação com outros elementos), através da
realização de entrevistas, elaboração de dossiers e portefólios e da reflexão individual sobre
as experiências e aprendizagens realizadas. As principais tendência dos diversos sistemas
parecem ser a diversidade e a complementaridade de abordagens e de metodologias. No
sentido de promover um patamar mínimo de uniformização de perspetivas e práticas entre os
vários Estados-membros, as European Guidelines on Validation (CEDEFOP, 2009), a que
nos referimos no ponto anterior, identificam os seguintes princípios que devem sustentar
qualquer sistema de validação: i) a validação deve ser voluntária; ii) a vida privada dos
indivíduos deve ser respeitada; iii) a igualdade de acesso e um tratamento equitativo devem
ser garantidos; iv) as partes interessadas devem participar na concretização dos sistemas de
validação; v) os sistemas de validação devem conter mecanismos de orientação e de
aconselhamento dos candidatos; vi) os sistemas devem possuir garantia de qualidade,
certificada por entidade competente; vii) os procedimentos de validação devem ser
transparentes e ter garantias de qualidade; viii) os sistemas devem respeitar os interesses
legítimos das partes interessadas e aspirar a uma participação equilibrada; ix) o processo de
11 Inventariando as técnicas e instrumentos encontrados, Pires refere:
A elaboração de dossiers pessoais/portfolios de competências, e as entrevistas; também podem
ser utilizados testes (de aptidões, de conhecimentos, etc.), as provas escritas ou orais,
simulações, exercícios práticos, e ainda situações de avaliação em contexto de trabalho
(principalmente nos casos em que os referenciais são construídos com base em competências de
âmbito profissional (Pires, 2007: 14).
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validação deve ser imparcial e evitar todo o tipo de conflitos de interesses; x) as competências
profissionais das pessoas que levam a cabo as avaliações devem estar garantidas (Idem).
Sendo os sistemas de validação europeus o resultado de uma construção social,
articulada com a especificidade histórica de cada sociedade, existe, de facto, uma grande
diversidade de práticas, bem visível no Inventário Europeu da Validação de Aprendizagens
não Formais e Informais, base de dados organizada pelo CEDEFOP.
Mas são identificados denominadores comuns entre os países: independentemente do
grau de consolidação dos sistemas nacionais de validação, as experiências integrantes do
Inventário permitem concluir que “os países encaram a formação ao longo da vida muito a
sério. Praticamente nenhum deles contesta a importância e a necessidade de valorizar o maior
número possível de resultados da aprendizagem”(CEDEFOP, 2007: 39). Nos países europeus
incluídos no Inventário, ”a validação é considerada como uma ponte entre as diferentes
formas de resultados e de ambientes de aprendizagem, como uma ferramenta que permite
reforçar a permeabilidade dos sistemas de certificação e dos percursos individuais coerentes
de aprendizagem”(Idem). A validação aparece já, assim, como um valor assumido, sendo que
“muito poucos países (ou mesmo nenhum) contestam explicitamente a pertinência da
validação da aprendizagem não formal e informal” (Idem).
No Inventário Europeu da Validação de Aprendizagens não Formais e Informais,
podem ser consultados pontos de situação periódicos do desenvolvimento dos dispositivos de
validação em cada um dos Estados-membros.12
O último destes pontos de situação
(CEDEFOP, 2010) evidencia que o progresso na sua concretização tem sido lento e irregular
na Europa: apenas quatro Estados têm sistemas altamente desenvolvidos, e só sete outros têm
ou um sistema em fase inicial ou um sistema bem estabelecido mas parcial, num ou mais
setores. Isto significa que “a maioria dos Estados-membros da União Europeia não tem um
sistema de validação claramente estabelecido e compreensível” (Idem). De acordo com o
relatório, os países com sistemas bem desenvolvidos têm uma abordagem generalista à
validação integrada nos seus sistemas de aprendizagem ao longo da vida (ou seja, ancorada
legalmente), uma infraestrutura de suporte à validação, um forte envolvimento de entidades
(em particular, os parceiros sociais) e um processo de validação que é financeiramente
suportável para os candidatos. Alguns países tomaram recentemente iniciativas no que
concerne à validação, integradas no desenvolvimento dos seus quadros nacionais de
qualificações. Noutros países, “decorreram apenas desenvolvimentos limitados, refletindo
uma ausência de estratégias nacionais, uma falta de conhecimento sobre como levar a cabo a
12 O Inventário Europeu é um projeto em progressão, tendo a ideia original sido apresentada na
Comunicação da Comissão Europeia sobre Aprendizagem ao longo da Vida em 2001. Até agora foram
feitas quatro atualizações: em 2004, 2005, 2007 e 2010. O Inventário resulta de uma cooperação entre
a Comissão Europeia e o CEDEFOP.
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validação, na prática, e – nalguns casos – uma falta de confiança na validação por parte dos
indivíduos e dos empregadores, assim como a existência de barreiras culturais e
comportamentais.” (Idem).
Em 2010,13
os países eram agrupados no referido Inventário, da seguinte forma:
Grupo 1: países que estabeleceram práticas de validação, abarcando todos ou a maior
parte dos setores de aprendizagem e que demonstram já um nível significativo de
certificações por esta via. Nesta categoria, os países estabeleceram um quadro
legislativo ou uma política nacional, que pode ser uma política nacional relativa à
validação em todos os setores ou um conjunto de políticas/leis relativas a diferentes
setores que, em conjunto, formam um enquadramento geral. Encontram-se nesta
categoria 3 países: França, Noruega e Portugal;
Grupo 2: países com um sistema nacional, mas ainda com fraca implementação ou que
têm um sistema altamente desenvolvido num determinado setor, mas não um
enquadramento nacional – Dinamarca, Alemanha, Roménia, Espanha, Suécia, Reino
Unido (Inglaterra, Gales, Irlanda do Norte, Escócia);
Grupo 3: países com sistemas de validação num ou mais setores, mas com
sustentabilidade limitada – Áustria, Bélgica (Flandres, Valónia), República Checa,