www.penalemfoco.com.br HOMICÍDIO, NO ENTENDIMENTO DO STF Princípio da consunção: homicídio e posse ilegal de arma A 1ª Turma, por maioria, julgou extinto “habeas corpus” em que se discutia a aplicabilidade do princípio da consunção em hipótese de prática de homicídio com o uso de arma de fogo de numeração raspada. No caso, o paciente fora absolvido sumariamente em relação ao delito de homicídio, uma vez sua conduta haver caracterizado legítima defesa. Não obstante, remanescia a persecução penal no tocante ao crime de posse e porte de arma de fogo. A Turma reputou que os tipos penais seriam diversos, e que a excludente de ilicitude reconhecida quanto ao homicídio não alcançaria a posse ilegal de arma de fogo com numeração raspada. Vencido o Ministro Luiz Fux (relator), que concedia a ordem de ofício, por entender incidir o princípio da consunção. HC 120678/PR, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 24.2.2015. RHC N. 116.950-ES RELATORA: MIN. ROSA WEBER EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. DOLO EVENTUAL. CULPA CONSCIENTE. PRONÚNCIA. TRIBUNAL DO JÚRI. 1. Admissível, em crimes de homicídio na direção de veículo automotor, o reconhecimento do dolo eventual, a depender das circunstâncias concretas da conduta. Precedentes. 2. Mesmo em crimes de trânsito, definir se os fatos, as provas e as circunstâncias do caso autorizam a condenação do paciente por homicídio doloso ou se, em realidade, trata-se de hipótese de homicídio culposo ou mesmo de inocorrência de crime é questão que cabe ao Conselho de Sentença do Tribunal do Júri. 3. Não cabe na pronúncia analisar e valorar profundamente as provas, pena inclusive de influenciar de forma indevida os jurados, de todo suficiente a indicação, fundamentada, da existência de provas da materialidade e autoria de crime de competência do Tribunal do Júri. 4. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento..Julgado em 17.02.2014. Racha” e dolo eventual A 1ª Turma, por maioria, denegou habeas corpus em que alegado constrangimento ilegal decorrente de: a) falta de fundamentação da sentença de pronúncia, porquanto genérica; b) substituição indevida de relatores na ocasião do segundo julgamento de recurso em sentido estrito, uma vez que a mesma desembargadora — que anteriormente proferira voto prevalecente pelo provimento do apelo — mudara sua convicção; c) excesso de linguagem no acórdão confirmatório da decisão que pronunciara o réu; e d) contradição neste decisum, haja vista que o conselho de sentença entendera que o co-réu não participara da disputa dolosamente, mas culposamente. No mérito, a defesa sustentava que a conduta objeto da denúncia não caracterizaria dolo eventual, mas culpa consciente, pelo que pugnava pelo deferimento da ordem, a fim de que fosse determinada a competência do juízo singular, e não do tribunal do júri, para julgar o paciente. De início, assinalou-se que o juízo pronunciante teria cumprido seu dever de fundamentação, de modo a não incidir em excesso de linguagem, tendo em vista que ele apenas teria demonstrado seu convencimento acerca da materialidade do crime e dos indícios de autoria. Outrossim, ressaltou-se que a fundamentação do voto condutor do acórdão que confirmara a pronúncia também teria observado os limites inerentes à espécie de provimento jurisdicional, ao assentar a comprovação da materialidade do fato e dos indícios suficientes de autoria, consoante a norma vigente à época (CPP, art. 408: “Se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, pronunciá-lo-á, dando os motivos do seu
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HOMICÍDIO, NO ENTENDIMENTO DO STF Princípio da consunção: homicídio e posse ilegal de arma A 1ª Turma, por maioria, julgou extinto “habeas corpus” em que se discutia a aplicabilidade do princípio da consunção em hipótese de prática de homicídio com o uso de arma de fogo de numeração raspada. No caso, o paciente fora absolvido sumariamente em relação ao delito de homicídio, uma vez sua conduta haver caracterizado legítima defesa. Não obstante, remanescia a persecução penal no tocante ao crime de posse e porte de arma de fogo. A Turma reputou que os tipos penais seriam diversos, e que a excludente de ilicitude reconhecida quanto ao homicídio não alcançaria a posse ilegal de arma de fogo com numeração raspada. Vencido o Ministro Luiz Fux (relator), que concedia a ordem de ofício, por entender incidir o princípio da consunção. HC 120678/PR, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 24.2.2015. RHC N. 116.950-ES RELATORA: MIN. ROSA WEBER EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. DOLO EVENTUAL. CULPA CONSCIENTE. PRONÚNCIA. TRIBUNAL DO JÚRI. 1. Admissível, em crimes de homicídio na direção de veículo automotor, o reconhecimento do dolo eventual, a depender das circunstâncias concretas da conduta. Precedentes. 2. Mesmo em crimes de trânsito, definir se os fatos, as provas e as circunstâncias do caso autorizam a condenação do paciente por homicídio doloso ou se, em realidade, trata-se de hipótese de homicídio culposo ou mesmo de inocorrência de crime é
questão que cabe ao Conselho de Sentença do Tribunal do Júri. 3. Não cabe na pronúncia analisar e valorar profundamente as provas, pena inclusive de influenciar de forma indevida os jurados, de todo suficiente a indicação, fundamentada, da existência de provas da materialidade e autoria de crime de competência do Tribunal do Júri. 4. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento..Julgado em 17.02.2014. Racha” e dolo eventual A 1ª Turma, por maioria, denegou habeas corpus em que alegado constrangimento ilegal decorrente de: a) falta de fundamentação da sentença de pronúncia, porquanto genérica; b) substituição indevida de relatores na ocasião do segundo julgamento de recurso em sentido estrito, uma vez que a mesma desembargadora — que anteriormente proferira voto prevalecente pelo provimento do apelo — mudara sua convicção; c) excesso de linguagem no acórdão confirmatório da decisão que pronunciara o réu; e d) contradição neste decisum, haja vista que o conselho de sentença entendera que o co-réu não participara da disputa dolosamente, mas culposamente. No mérito, a defesa sustentava que a conduta objeto da denúncia não caracterizaria dolo eventual, mas culpa consciente, pelo que pugnava pelo deferimento da ordem, a fim de que fosse determinada a competência do juízo singular, e não do tribunal do júri, para julgar o paciente. De início, assinalou-se que o juízo pronunciante teria cumprido seu dever de fundamentação, de modo a não incidir em excesso de linguagem, tendo em vista que ele apenas teria demonstrado seu convencimento acerca da materialidade do crime e dos indícios de autoria. Outrossim, ressaltou-se que a fundamentação do voto condutor do acórdão que confirmara a pronúncia também teria observado os limites inerentes à espécie de provimento jurisdicional, ao assentar a comprovação da materialidade do fato e dos indícios suficientes de autoria, consoante a norma vigente à época (CPP, art. 408: “Se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, pronunciá-lo-á, dando os motivos do seu
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convencimento”). Ademais, consignou-se que nada impediria que o mesmo magistrado, ao participar de nova apreciação de recurso, revelasse convencimento diverso, desde que devidamente motivado. No ponto, asseverou-se que, verificada a anulação do primeiro julgamento, este não condicionaria a manifestação do órgão julgador no segundo. Quanto ao mérito, distinguiu-se o caso dos autos daquele versado no HC 107801/SP (DJe de 13.10.2011), que cuidara de homicídio na direção de veículo automotor cometido por agente sob o efeito de bebidas alcoólicas. Rememorou-se que o Colegiado limitara a aplicação da teoria da actio libera in causa aos casos de embriaguez preordenada. Sublinhou-se, entretanto, que não se deveria generalizar a compreensão de que qualquer homicídio praticado na direção de veículo automotor seria culposo, desde que tratasse de embriaguez preordenada. Elucidou-se que a diferença entre dolo eventual e culpa consciente encontrar-se-ia no elemento volitivo do tipo penal. Todavia, ante a impossibilidade de se adentrar a psique do agente, essa análise exigiria a observação de todas as circunstâncias objetivas do caso concreto. Nesse sentido, dessumiu-se, da descrição dos fatos realizada pelas instâncias ordinárias, que o réu, ao lançar-se em prática de altíssima periculosidade em via pública e mediante alta velocidade, teria consentido com que o resultado se produzisse, de sorte a incidir em dolo eventual (CP, art. 18, I: “Diz-se o crime: I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”). No ponto, assentou-se que o Supremo firmara jurisprudência no sentido de que o homicídio cometido na direção de veículo automotor em virtude de “pega” seria doloso. Desta feita, aludiu-se que a prática de competições automobilísticas em vias públicas seria crime autônomo, doloso e de perigo concreto (CTB, art. 308: “Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, desde que resulte dano potencial à
incolumidade pública ou privada”). Enfatizou-se que este tipo penal, se resultar em lesão corporal ou homicídio, progrediria para os delitos dispostos nos artigos 129 ou 121 do CP, em sua forma dolosa, visto que seria contra-senso transmudá-lo para a modalidade culposa em razão do advento de resultado mais grave. Assim, reconheceu-se presente o elemento volitivo do dolo eventual. Por fim, explicou-se tanto haver hipótese de “racha” entre dois condutores, assim como de apenas um motorista, que poderia perseguir outro veículo, o que denotaria um único imputável para a prática. Vencido o Min. Marco Aurélio, que concedia a ordem, para que os 2 réus respondessem criminalmente pelo fato tendo em conta o art. 302 do CTB (“Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor”). HC 101698/RJ, rel. Min. Luiz Fux, 18.10.2011.
HC N. 111.442-RS
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES Habeas corpus. 2. Homicídio de trânsito. Embriaguez. Alta velocidade. Sinal vermelho. 3. Pronúncia. Homicídio simples. 4. Dolo eventual não se compatibiliza com a qualificadora do art. 121, § 2º, IV (traição, emboscada, dissimulação). 4. Ordem concedida para determinar o restabelecimento da sentença de pronúncia, com exclusão da qualificadora. Julgado em 28.08.2012. Dolo eventual e qualificadora da surpresa: incompatibilidade São incompatíveis o dolo eventual e a qualificadora da surpresa prevista no inciso IV do § 2º do art. 121 do CP (“§ 2° Se o homicídio é cometido: ... IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido”). Com base nesse entendimento, a 2ª Turma concedeu habeas corpus para determinar o restabelecimento da sentença de pronúncia, com exclusão da mencionada qualificadora. Na espécie, o paciente fora denunciado pela suposta
prática dos crimes previstos no art. 121, § 2º, IV, c/c o art. 18, I, ambos do CP, e no art. 306 da Lei 9.503/97 porque, ao conduzir veículo em alta velocidade e em estado de embriaguez, ultrapassara sinal vermelho e colidira com outro carro, cujo condutor viera a falecer. No STJ, dera-se provimento a recurso especial, interposto pelos assistentes de acusação, e submetera-se a qualificadora da surpresa (art. 121, § 2º, IV) ao tribunal do júri. Considerou-se que, em se tratando de crime de trânsito, cujo elemento subjetivo teria sido classificado como dolo eventual, não se poderia, ao menos na hipótese sob análise, concluir que tivesse o paciente deliberadamente agido de surpresa, de maneira a dificultar ou impossibilitar a defesa da vítima. HC 111442/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 28.8.2012. HC N. 106.605-MG RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO JÚRI – QUALIFICADORA – EXCLUSÃO. A exclusão de qualificadora pressupõe quadro a torná-la imprópria, o que não ocorre quando simplesmente se aponta que a vítima saberia das ameaças perpetradas pelo agente. Examina-se, sob o ângulo de recurso a impossibilitar a defesa da vítima, o mecanismo adotado no evento, sendo neutras as ameaças. Julgado em 03.04.2012. Ementa: PENAL E PROCESSO PENAL. CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. HOMICÍDIO. “PEGA” OU “RACHA” EM VIA MOVIMENTADA. DOLO EVENTUAL. PRONÚNCIA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO DE DESEMBARGADORA NO SEGUNDO JULGAMENTO DO MESMO RECURSO, ANTE A ANULAÇÃO DO PRIMEIRO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. EXCESSO DE LINGUAGEM NO ACÓRDÃO CONFIRMATÓRIO DA PRONÚNCIA NÃO CONFIGURADO. DOLO EVENTUAL X CULPA CONSCIENTE. PARTICIPAÇÃO EM COMPETIÇÃO NÃO AUTORIZADA EM VIA PÚBLICA MOVIMENTADA. FATOS ASSENTADOS NA ORIGEM.
ASSENTIMENTO QUE SE DESSUME DAS CIRCUNSTÂNCIAS. DOLO EVENTUAL CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. REVALORAÇÃO DOS FATOS. ORDEM DENEGADA. 1. O habeas corpus impetrado como substitutivo de recurso ordinário revela sua utilização promíscua e deve ser combatido, sob pena de banalização da garantia constitucional, tanto mais quando não há teratologia a eliminar, como no caso sub judice. I - DA ALEGADA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA PRONÚNCIA 2. A fundamentação da sentença de pronúncia deve observar os limites inerentes ao juízo de admissibilidade da acusação, restringindo-se a declinar as razões para o convencimento acerca da materialidade do fato e de indícios suficientes de autoria. Precedentes: HC 94274/SP, rel. Min. Carlos Britto, 1ª Turma, DJ de 4/2/2010; AI 458072-ED/CE rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, DJ de 15/10/2009; RE 521813/PB, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ªTurma, DJ de 19/3/2009. 3. A fórmula ideal para a fundamentação da sentença de pronúncia encontra-se no art. 413, § 1º do CPP, na redação da Lei nº 11.689/2008, que aperfeiçoou a redação outrora disposta no art. 408 do CPP, atentando para o problema do excesso de linguagem discutido amplamente na doutrina e para os julgados do Supremo e do STJ acolhendo a tese. 4. In casu, o Juízo pronunciante acautelou-se o quanto possível para não incidir em excesso de linguagem, e indicou os elementos que motivaram o seu convencimento acerca da materialidade do crime e dos indícios de autoria, apontando peças, declarações e testemunhos, por isso que a fundamentação declinada mostrou-se robusta e harmônica com a jurisprudência desta Corte. II - NULIDADES APONTADAS NO SEGUNDO JULGAMENTO QUANTO À ALTERAÇÃO DO VOTO DE DESEMBARGADORA 5. O sistema do livre convencimento motivado ou da persuasão racional permite ao magistrado revelar o seu convencimento sobre as provas dos autos livremente, desde que demonstre o raciocínio desenvolvido. 6. Verificada a anulação do primeiro julgamento, nada impede que o mesmo magistrado, participando de nova apreciação do recurso, revele convencimento diverso, desde que
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devidamente motivado, até porque o primeiro, ante a anulação, não surte qualquer efeito – muito menos o de condicionar a manifestação do Órgão Julgador. 7. Utile per inutile non vitiatur, por isso que ainda que a Desembargadora tivesse mantido o seu voto anterior, isto não implicaria em qualquer benefício para o paciente, porquanto já estava formada a maioria desprovendo o recurso. Vale dizer: se a declaração da nulidade pretendida não trará qualquer benefício à defesa, é de se concluir que o suposto vício não importou em prejuízo ao paciente, atraindo a incidência do art. 563 do CPP: “Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.” III - EXCESSO DE LINGUAGEM NO ACÓRDÃO CONFIRMATÓRIO DA PRONÚNCIA 8. A Lei nº 11.689/08, conferindo nova redação ao art. 478, inciso I, do CPP, vedou a alusão à sentença de pronúncia ou à decisão que a confirme em Plenário do Júri, justamente a fim de evitar a influência no ânimo dos jurados, fragilizando sobremaneira a tese do excesso de linguagem da pronúncia, uma vez que a referência a tais atos, na sessão do Júri, gera nulidade que pode ser alegada oportunamente pela defesa. Precedentes: HC 94274/SP, rel. Min. Carlos Britto, 1ª Turma, DJ de 4/2/2010; HC 86414/PE, rel. Min. Marco Aurélio, 1ª Turma, DJ de 5/2/2009. 9. In casu, a fundamentação do voto condutor do acórdão confirmatório da pronúncia observou os limites inerentes à espécie de provimento jurisdicional, assentando a comprovação da materialidade do fato e dos indícios suficientes de autoria, conforme dispunha o art. 408 do CPP, então em vigor. 10. O aprofundamento maior no exame das provas, no afã de demonstrar que havia elementos no sentido de tratar-se de delito praticado com dolo eventual, dada a relevância da tese então levantada pela defesa e a sua inegável repercussão sobre o status libertatis do paciente cumpre o postulado constitucional da motivação das decisões judiciais. É que, para afastar a competência do Tribunal do Júri, faz-se mister um juízo de certeza acerca da ausência de dolo. Nesse sentido a doutrina de Eugênio Pacelli de Oliveira: “O que se espera dele [juiz] é o exame do material probatório ali produzido, especialmente para a comprovação da
inexistência de quaisquer das possibilidades legais de afastamento da competência do Tribunal do Júri. E esse afastamento, como visto, somente é possível por meio de convencimento judicial pleno, ou seja, por meio de juízo de certeza, sempre excepcional nessa fase.” (Curso de Processo Penal, 10. ed., Lumen Juris, Rio de Janeiro: 2008, pp. 575-576) IV – ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO 11. O caso sub judice distingue-se daquele revelado no julgamento do HC nº 107801 (rel. min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJ de 13/10/2011), que cuidou de paciente sob o efeito de bebidas alcoólicas, hipótese na qual gravitava o tema da imputabilidade, superada tradicionalmente na doutrina e na jurisprudência com a aplicação da teoria da actio libera in causa, viabilizando a responsabilidade penal de agentes alcoolizados em virtude de ficção que, levada às últimas consequências, acabou por implicar em submissão automática ao Júri em se tratando de homicídio na direção de veículo automotor. 12. A banalização do crime de homicídio doloso, decorrente da sistemática aplicação da teoria da “ação livre na causa” mereceu, por esta Turma, uma reflexão maior naquele julgado, oportunidade em que se limitou a aplicação da mencionada teoria aos casos de embriaguez preordenada, na esteira da doutrina clássica. 13. A precompreensão no sentido de que todo e qualquer homicídio praticado na direção de veículo automotor é culposo, desde não se trate de embriaguez preordenada, é assertiva que não se depreende do julgado no HC nº 107801. 14. A diferença entre o dolo eventual e a culpa consciente encontra-se no elemento volitivo que, ante a impossibilidade de penetrar-se na psique do agente, exige a observação de todas as circunstâncias objetivas do caso concreto, sendo certo que, em ambas as situações, ocorre a representação do resultado pelo agente. 15. Deveras, tratando-se de culpa consciente, o agente pratica o fato ciente de que o resultado lesivo, embora previsto por ele, não ocorrerá. Doutrina de Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, v. 1., p. 116-117); Heleno
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Cláudio Fragoso (Lições de Direito Penal – parte geral, Rio de Janeiro: Forense, 2006, 17. ed., p. 173 – grifo adicionado) e Zaffaroni e Pierangelli (Manual de Direito Penal, Parte Geral, v. 1, 9. ed – São Paulo: RT, 2011, pp. 434-435 – grifos adicionados). 16. A cognição empreendida nas instâncias originárias demonstrou que o paciente, ao lançar-se em práticas de expressiva periculosidade, em via pública, mediante alta velocidade, consentiu em que o resultado se produzisse, incidindo no dolo eventual previsto no art. 18, inciso I, segunda parte, verbis: (“Diz-se o crime: I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo” - grifei). 17. A notória periculosidade dessas práticas de competições automobilísticas em vias públicas gerou a edição de legislação especial prevendo-as como crime autônomo, no art. 308 do CTB, in verbis: “Art. 308. Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, desde que resulte dano potencial à incolumidade pública ou privada:”. 18. O art. 308 do CTB é crime doloso de perigo concreto que, se concretizado em lesão corporal ou homicídio, progride para os crimes dos artigos 129 ou 121, em sua forma dolosa, porquanto seria um contra-senso transmudar um delito doloso em culposo, em razão do advento de um resultado mais grave. Doutrina de José Marcos Marrone (Delitos de Trânsito Brasileiro: Lei n. 9.503/97. São Paulo: Atlas, 1998, p. 76). 19. É cediço na Corte que, em se tratando de homicídio praticado na direção de veículo automotor em decorrência do chamado “racha”, a conduta configura homicídio doloso. Precedentes: HC 91159/MG, rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJ de 24/10/2008; HC 71800/RS, rel. Min. Celso de Mello, 1ªTurma, DJ de 3/5/1996. 20. A conclusão externada nas instâncias originárias no sentido de que o paciente participava de “pega” ou “racha”, empregando alta velocidade, momento em que veio a colher a vítima em motocicleta, impõe reconhecer a presença do elemento volitivo, vale dizer, do dolo eventual no caso
concreto. 21. A valoração jurídica do fato distingue-se da aferição do mesmo, por isso que o exame da presente questão não se situa no âmbito do revolvimento do conjunto fático-probatório, mas importa em mera revaloração dos fatos postos nas instâncias inferiores, o que viabiliza o conhecimento do habeas corpus. Precedentes: HC 96.820/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 28/6/2011; RE 99.590, Rel. Min. Alfredo Buzaid, DJ de 6/4/1984; RE 122.011, relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 17/8/1990. 22. Assente-se, por fim, que a alegação de que o Conselho de Sentença teria rechaçado a participação do corréu em “racha” ou “pega” não procede, porquanto o que o Tribunal do Júri afastou com relação àquele foi o dolo ao responder negativamente ao quesito: “Assim agindo, o acusado assumiu o risco de produzir o resultado morte na vítima?”, concluindo por prejudicado o quesito alusivo à participação em manobras perigosas. 23. Parecer do MPF pelo indeferimento da ordem. 24. Ordem denegada. (HC 101698, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 18/10/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-227 DIVULG 29-11-2011 PUBLIC 30-11-2011) Desclassificação de homicídio doloso para culposo na direção de veículo automotor Em conclusão, a 1ª Turma deferiu, por maioria, habeas corpus para desclassificar o delito de homicídio doloso para culposo na direção de veículo automotor, descrito na revogada redação do art. 302, parágrafo único, V, da Lei 9.503/97 – CTB (“Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: … Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente: … V – estiver sob a influência de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos”) — v. Informativo 629. Inicialmente, ressaltou-se que o exame da questão não demandaria revolvimento do conjunto fático-probatório, mas apenas revaloração jurídica do que descrito nas instâncias inferiores. Em seguida, consignou-se que a aplicação da teoria da actio libera in causa somente seria
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admissível para justificar a imputação de crime doloso no caso de embriaguez preordenada quando ficasse comprovado que o agente teria se inebriado com o intuito de praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo, o que não ocorrera na espécie dos autos. Asseverou-se que, nas hipóteses em que o fato considerado doloso decorresse de mera presunção em virtude de embriaguez alcoólica eventual, prevaleceria a capitulação do homicídio como culposo na direção de veículo automotor em detrimento daquela descrita no art. 121 do CP. O Min. Marco Aurélio acrescentou que haveria norma especial a reger a matéria, com a peculiaridade da causa de aumento decorrente da embriaguez ao volante. Sublinhou que seria contraditória a prática generalizada de se vislumbrar o dolo eventual em qualquer desastre de veículo automotor com o resultado morte, porquanto se compreenderia que o autor do crime também submeteria a própria vida a risco. Vencida a Min. Cármen Lúcia, relatora, que denegava a ordem por reputar que a análise de ocorrência de culpa consciente ou de dolo eventual em processos de competência do tribunal do júri demandaria aprofundado revolvimento da prova produzida no âmbito da ação penal. HC 107801/SP, rel. orig. Min. Cármen Lúcia, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 6.9.2011. Ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. JÚRI. HOMICÍDIO CONSUMADO E TENTADO DUPLAMENTE QUALIFICADO, RECEPTAÇÃO, ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR E FORMAÇÃO DE QUADRILHA OU BANDO (CPB, ARTS. 121, § 2º, IV E ; 121, § 2º, IV E V, C/C ART. 14, II; 180, 288 E 311). CONDENAÇÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS, QUANTO AOS CRIMES DE HOMICÍDIO CONSUMADO E TENTADO E AUSÊNCIA DE AUTORIA NO QUE TANGE AOS DEMAIS. TEMAS QUE DEMANDAM APROFUNDADO REEXAME DE FATOS. INVIABILIDADE EM HABEAS CORPUS. PENA. INDEVIDA EXACERBAÇÃO. INOCORRÊNCIA. PERSONALIDADE VOLTADA AO CRIME
E MAUS ANTECEDENTES COMPROVADOS POR ANTERIOR SENTENÇA CONDENATDÓRIA TRANSITADA EM JULGADO. BASE EMPÍRICA. PRESENÇA. 1. O Habeas corpus não é o instrumento processual adequado ao reexame de fatos e provas no que se visa a demonstrar a ausência do animus necandi e, em consequência, condenação contrária a prova dos autos, nem a ausência de autoria em relação a outros crimes conexos com o homicídio (HC 62.321, Rel. Min. Néri da Silveira, 1ª Turma, DJ de 08/03/85; HC 86.033, Rel. Min. Carlos Britto, 1ª Turma, DJ de 03/02/06; HC 72.555, Rel. Min. Néri da Silveira, 2ª Turma, DJ de 28/04/00; HC 72.378, Rel. Min. Celso de Mello, 1ª Turma, DJ de 06/11/2006, e HC 69.489, Rel. Min. Celso de Mello, 1ª Turma, DJ de 06/11/2006). 2. In casu, não há como acolher, sem aprofundado reexame de fatos e provas, a tese de condenação do Tribunal do Júri contrária à prova dos autos e, desse modo, afastar o animus necandi, quando evidenciado que o paciente implementou as condições logísticas para a ocorrência do evento delituoso, ao providenciar crachás e uniformes médicos e veículo para que ele e seus comparsas adentrassem hospital público, armados, para resgatar preso que estava sob escolta de policiais civis, resultando as condutas em um homicídio consumado e outro tentado, resultados previsíveis. 3. O art. 29 do Código Penal estabelece que "quem, de qualquer modo concorre para o crime incide nas penas a ele cominadas, na medida da sua culpabilidade". Por isso que, comprovada a relevância da conduta do paciente na consumação e tentativa de homicídio, descabe afastar sua responsabilidade penal por tais crimes. 4. A negativa de autoria quanto aos crimes subjacentes ao homicídio e submetidos ao Júri por conexão, consistentes na receptação, adulteração de sinal identificador de veículo e formação de quadrilha é insuscetível em habeas corpus. 5. A associação eventual para o crime de homicídio, como tese de defesa, visando a afastar o delito de formação de quadrilha, esbarra na prova inequívoca de que o paciente e os
demais eram componentes da societas sceleris para a prática de outros delitos. 6. A dosimetria da pena, com a exacerbação da pena-base à consideração da personalidade do paciente voltada para o crime e de seus maus antecedentes, circunstâncias devidamente vinculadas à base empírica, porquanto demonstrada a propensão ao crime e anterior condenação penal transitada em julgado, resta imune de error in judicando. Consectariamente, resta impossível de reforma o acórdão que assentou: "HABEAS CORPUS. HOMICÍDIOS QUALIFICADOS, TENTADO E CONSUMADO, FORMAÇÃO DE QUADRILHA, RECEPTAÇÃO E ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULOS. PACIENTE CONDENADO À PENA DE 36 ANOS DE RECLUSÃO EM REGIME INICIAL FECHADO E MULTA. INEXISTÊNCIA DE DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. SOBERANIA DOS VEREDICTOS. IMPROPRIEDADE DO MANDAMUS PARA AFERIR A INOCÊNCIA DO ACUSADO. PRECEDENTES. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. PERSONALIDADE VOLTADA PARA A PRÁTICA DELITUOSA. ANTECEDENTES CRIMINAIS (DIVERSAS CONDENAÇÕES TRANSITADAS EM JULGADO). CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA. Não há que falar em decisão manifestamente contrária à prova dos autos quando se constata que, diante das versões apresentadas pela acusação e pela defesa, concluiu o Tribunal do Júri por afastar a tese de desclassificação do homicídio, reconhecendo a conduta do paciente da forma expressada na denúncia e sustentada pela acusação. 2. O Habeas Corpus não é o meio adequado para se rever decisão soberana tomada pelo Júri Popular, pois não se comporta dilação probatória; por isso, infirmar os fundamentos consignados no acórdão impugnado com o objetivo de reconhecer que o julgamento foi contrário à prova dos
autos é medida que não cabe em sede de Habeas Corpus, marcado por cognição sumária e rito célere, motivo pelo qual não comporta o exame de questões que, para seu deslinde, demandem aprofundado exame do conjunto fático-probatório dos autos, peculiar ao processo de conhecimento (HC 69.567/DF, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJU 06.08.07). 3. Inexiste constrangimento ilegal a ser sanado em Habeas Corpus, se a majoração da pena-base acima do mínimo legal restou devidamente motivada pelo Julgador, na forma do art. 59 do CPB, em vista do reconhecimento de circunstâncias judiciais desfavoráveis ao paciente, tais como maus antecedentes, conduta social e personalidade desajusta e voltada para a prática de ilícitos e consequências do crime. 4. Ordem denegada, em consonância com o parecer ministerial." 7. Recurso ordinário em habeas corpus a se nega provimento. (RHC 103542, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 06/09/2011, DJe-185 DIVULG 26-09-2011 PUBLIC 27-09-2011 EMENT VOL-02595-01 PP-00065) ED: dosimetria e circunstância judicial Em conclusão, a 1ª Turma rejeitou embargos declaratórios opostos de acórdão denegatório de habeas corpus impetrado em favor de pronuniciado por homicídio simples entretanto, por maioria, concedeu a ordem de ofício — v. Informativo 631. No caso, a juíza-presidente do tribunal do júri evocara na primeira fase da dosimetria, a título de circunstâncias judiciais, dados que consubstanciariam qualificadoras como o motivo fútil, a premeditação e a surpresa da vítima. Ressaltou-se que a sentença não aludira a qualquer outra circunstância judicial. Concluiu-se que aqueles aspectos não poderiam ser considerados à luz do art. 59 do CP, porquanto não seria possível a magistrada substituir o Ministério Público, tampouco o corpo de jurados, já que o paciente não fora denunciado, pronunciado e julgado por homicídio qualificado. Vencidos os Ministros Cármen Lúcia, relatora, e Luiz Fux, que consignavam que a alteração da pena
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exigiria o revolvimento de prova, atividade incompatível com os limites do habeas. HC 107501 ED/GO, rel. orig. Min. Cármen Lúcia, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 2.8.2011. Dolo eventual e qualificadora: incompatibilidade São incompatíveis o dolo eventual e a qualificadora prevista no inciso IV do § 2º do art. 121 do CP (“§ 2º Se o homicídio é cometido: … IV – à traição, de emboscada ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido”). Com base nesse entendimento, a 2ª Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de condenado à pena de reclusão em regime integralmente fechado pela prática de homicídio qualificado descrito no artigo referido. Na espécie, o paciente fora pronunciado por dirigir veículo, em alta velocidade, e, ao avançar sobre a calçada, atropelara casal de transeuntes, evadindo-se sem prestar socorro às vítimas. Concluiu-se pela ausência do dolo específico, imprescindível à configuração da citada qualificadora e, em conseqüência, determinou-se sua exclusão da sentença condenatória. Precedente citado: HC 86163/SP (DJU de 3.2.2006). HC 95136/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 1º.3.2011. Portador do Vírus HIV e Tentativa de Homicídio – Em conclusão de julgamento, a Turma deferiu habeas corpus para imprimir a desclassificação do delito e determinar o envio do processo para distribuição a uma das varas criminais comuns estaduais. Tratava-se de writ em que se discutia se o portador do vírus HIV, tendo ciência da doença e deliberadamente a ocultando de seus parceiros, teria praticado tentativa de homicídio ao manter relações sexuais sem preservativo. A defesa pretendia a desclassificação do delito para o de perigo de contágio de moléstia grave (CP: “Art. 131 Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio: …”) — v.
Informativo 584. Entendeu-se que não seria clara a intenção do agente, de modo que a desclassificação do delito far-se-ia necessária, sem, entretanto, vinculá-lo a um tipo penal específico. Tendo em conta que o Min. Marco Aurélio, relator, desclassificava a conduta para o crime de perigo de contágio de moléstia grave (CP, art. 131) e o Min. Ayres Britto, para o de lesão corporal qualificada pela enfermidade incurável (CP, art. 129, § 2º, II), chegou-se a um consenso, apenas para afastar a imputação de tentativa de homicídio. Salientou-se, nesse sentido, que o Juiz de Direito, competente para julgar o caso, não estaria sujeito sequer à classificação apontada pelo Ministério Público. HC 98712/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 5.10.2010. Homicídio: Compatibilidade entre Dolo Eventual e Qualificadora da Torpeza O dolo eventual pode coexistir com a qualificadora do motivo torpe do crime de homicídio. Com base nesse entendimento, a Turma desproveu recurso ordinário em habeas corpus interposto em favor de médico pronunciado pela prática dos delitos de homicídio qualificado e de exercício ilegal da medicina (artigos 121, § 2º, I e 288, parágrafo único, ambos c/c o art. 69, do CP, respectivamente), em decorrência do fato de, mesmo inabilitado temporariamente para o exercício da atividade, havê-la exercido e, nesta condição, ter realizado várias cirurgias plásticas — as quais cominaram na morte de algumas pacientes —, sendo motivado por intuito econômico. A impetração sustentava a incompatibilidade da qualificadora do motivo torpe com o dolo eventual, bem como a inadequação da linguagem utilizada na sentença de pronúncia pela magistrada de primeiro grau. Concluiu-se pela mencionada compossibilidade, porquanto nada impediria que o paciente — médico —, embora prevendo o resultado e assumindo o risco de levar os seus pacientes à morte, praticasse a conduta motivado por outras razões, tais como torpeza ou futilidade. Afastou-se, também, a alegação de excesso de linguagem, ao fundamento de que a decisão de pronúncia estaria bem
motivada, na medida em que a juíza pronunciante — reconhecendo a existência de indícios suficientes de autoria e materialidade do fato delituoso — tivera a cautela, a cada passo, de enfatizar que não estaria antecipando qualquer juízo condenatório, asseverando que esta seria uma competência que assistiria unicamente ao Tribunal do Júri. RHC 92571/DF, rel. Min. Celso de Mello, 30.6.2009. Enquadramento Jurídico e Latrocínio Tentado A Turma indeferiu habeas corpus no qual pronunciado por tentativa de latrocínio alegava que a não apreciação das teses da defesa, apresentadas antes da sentença monocrática, configuraria nulidade insanável, na medida em que, se essas tivessem sido examinadas, ele poderia ser responsabilizado apenas por lesões corporais. No caso, o paciente fora denunciado pela suposta prática do crime de tentativa de homicídio qualificado em concurso material com roubo circunstanciado (CP, art. 121, § 2º, V, c/c o art. 14, II e o art. 157, § 2º, I, II e V), mas sua defesa requerera a impronúncia tanto por homicídio quanto por latrocínio tentado ou, alternativamente, a desclassificação para lesões corporais. Ocorre que o juízo sentenciante o impronunciara somente das imputações contidas na denúncia, o que ensejara a interposição, pela defesa, de recurso em sentido estrito, ao argumento de ofensa ao princípio da ampla defesa, já que não examinados seus argumentos. Não provido esse recurso, foram impetrados habeas corpus perante as demais instâncias, também denegados. Daí a presente impetração, sob idêntico fundamento. Aduziu-se que, reconhecido, pela sentença condenatória, o dolo de matar, ficara suficientemente respondida a preliminar da defesa. Entretanto, por considerar que a referida sentença não enquadrara corretamente os fatos, concedeu-se a ordem, de ofício, para anular a sentença condenatória, a fim de que o paciente seja submetido ao Tribunal do Júri. Asseverou-se que os fatos por ele praticados ocorreram em 2 momentos. Iniciado o roubo, os agentes, diante da reação inesperada das vítimas, teriam desistido da empreitada, saindo do veículo
e liberando-as. No segundo momento, a vítima que estava na direção decidira perseguir os assaltantes em fuga, ocasião em que o paciente, temendo ser preso, atirara contra ela, causando-lhe ferimentos. Assim, tendo em conta que a cadeia causal relativa ao delito de roubo rompera-se quando o paciente desistira da sua prática, concluiu-se restar caracterizado o crime de constrangimento ilegal consumado (CP, art. 146) em concurso material com a tentativa de homicídio qualificado (“V – para assegurar … a impunidade … de outro crime;”). Observou-se, ao final, que, em caso de nova condenação, a pena aplicada não poderá superar aquela fixada na sentença anulada. HC 97104/SP, rel. Min. Eros Grau, 26.5.2009. Homicídio Culposo: Inobservância de Regra Técnica e Bis in Idem Por reputar configurado bis in idem, a Turma deferiu habeas corpus para afastar a causa de aumento de pena decorrente da inobservância de regra técnica de profissão (CP, art. 121, § 4º, primeira parte). Na espécie, as pacientes foram acusadas de homicídio culposo agravado pela “inobservância da boa técnica da profissão médica” no pós-operatório da vítima, a qual teria falecido em conseqüência de infecção, cujos sintomas não foram observados pelas pacientes que, dessa forma, teriam deixado de adotar as medidas cabíveis, dentre elas, a realização de exame específico. A impetração alegava em síntese: a) que a peça acusatória não indicaria a norma técnica que deveria ter sido observada, impossibilitando a ampla defesa; b) que o fato — a suposta inobservância da regra técnica de profissão — seria apresentada na denúncia como núcleo da culpa (na modalidade negligência) e, ao mesmo tempo, como causa especial de aumento de pena, contrariando o princípio do ne bis in idem e c) que a desconsideração da agravante tornaria possível a suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95, art. 89). Esclareceu-se, inicialmente, não ter a legislação penal previsto a figura de homicídio culposo qualificado por inobservância de regra técnica. Asseverou-se, entretanto, que isso não significaria que a causa de aumento de
pena fosse inaplicável, mas apenas que seria mister a concorrência de duas condutas distintas: uma para fundamentar a culpa, e outra para configurar a majorante. Ressaltou-se ser impróprio atribuir-se, a priori, maior reprovabilidade penal à omissão negligente, que ofende dever fundado em norma regulamentar, que à violação das pautas sociais de cuidado. Observou-se haver, na denúncia, a descrição de uma sucessão de atos que, em tese, indicariam a negligência das médicas em ignorar os sintomas da doença que, diante das circunstâncias, não lhes era permitido desconhecer. Salientou-se, contudo, que, no caso, se as médicas ignoraram a presença dos sintomas, seria natural que tivessem procedido como se não houvesse doença por tratar. Daí a não realização do exame — que, segundo a peça exordial acusatória, teria diagnosticado o problema — ser mera decorrência da primeira omissão, e não nova conduta. Desse modo, patenteou-se ter a mesma conduta servido à denúncia como fundamento da culpa e da causa de aumento da pena. Por fim, determinou-se que fosse dada vista dos autos ao Ministério Público para manifestação a respeito do disposto no art. 89 da Lei 9.099/95. HC 95078/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 10.3.2009.
Sexta Turma HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO E ABORTO PROVOCADO POR TERCEIRO. CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO VERSUS CONCURSO FORMAL PRÓPRIO. DESÍGNIOS AUTÔNOMOS. EXPRESSÃO QUE ABRANGE TANTO O DOLO DIRETO QUANTO O EVENTUAL. DELAÇÃO PREMIADA. PRETENDIDO RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE COLABORAÇÃO EFETIVA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 1. O concurso formal perfeito caracteriza-se quando o agente pratica duas ou mais infrações penais mediante uma única ação ou omissão; já o concurso formal imperfeito evidencia-se quando a conduta única (ação ou omissão) é dolosa e os delitos concorrentes resultam de desígnios autônomos. Ou seja, a distinção fundamental entre os dois tipos de concurso formal varia de acordo com o elemento subjetivo que animou o agente ao iniciar a sua conduta. 2. A expressão "desígnios autônomos" refere-se a qualquer forma de dolo, seja ele direto ou eventual. Vale dizer, o dolo eventual também representa o endereçamento da vontade do agente, pois ele, embora vislumbrando a possibilidade de ocorrência de um segundo resultado, não o desejando diretamente, mas admitindo-o, aceita-o. 3. No caso dos autos, os delitos concorrentes - falecimento da mãe e da criança que estava em seu ventre -, oriundos de uma só conduta - facadas na nuca da mãe -, resultaram de desígnios autônomos. Em consequência dessa caracterização, vale dizer, do reconhecimento da independência das intenções do paciente, as penas devem ser aplicadas cumulativamente, conforme a regra do concurso material,
exatamente como realizado pelo Tribunal de origem. 4. Constatando-se que não houve efetiva colaboração do paciente com a investigação policial e o processo criminal, tampouco fornecimento de informações eficazes para a descoberta da trama delituosa, não há como reconhecer o benefício da delação premiada. 5. Ordem denegada. (HC 191.490/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 27/09/2012, DJe 09/10/2012)