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Comit Cientfico Internacional da UNESCO para Redao da Histria
Geral da frica
HISTRIA GERAL DA FRICA VIIfrica sob
dominaocolonial,1880-1935
UNESCO Representao no BRASILMinistrio da Educao do
BRASILUniversidade Federal de So Carlos
EDITOR ALBERT ADU BOAHEN
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HISTRIA GERAL DA FRICA VIIfrica sob dominao colonial,
1880-1935
Comit Cientfico Internacional da UNESCO para Redao da Histria
Geral da frica
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Coleo Histria Geral da frica da UNESCO
Volume I Metodologia e pr-histria da frica (Editor J.
Ki-Zerbo)
Volume II frica antiga (Editor G. Mokhtar)
Volume III frica do sculo VII ao XI (Editor M. El Fasi) (Editor
Assistente I. Hrbek)
Volume IV frica do sculo XII ao XVI (Editor D. T. Niane)
Volume V frica do sculo XVI ao XVIII (Editor B. A. Ogot)
Volume VI frica do sculo XIX dcada de 1880 (Editor J. F. A.
Ajayi)
Volume VII frica sob dominao colonial, 1880-1935 (Editor A. A.
Boahen)
Volume VIII frica desde 1935 (Editor A. A. Mazrui) (Editor
Assistente C. Wondji)
Os autores so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos
contidos neste livro, bem como pelas opinies nele expressas, que no
so necessariamente as da UNESCO, nem comprometem a Organizao. As
indicaes de nomes e apresentao do material ao longo deste livro no
implicam a manifestao de qualquer opinio por parte da UNESCO a
respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade,
regio ou de suas autoridades, tampouco da delimitao de suas
fronteiras ou limites.
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Comit Cientfico Internacional da UNESCO para Redao da Histria
Geral da frica
HISTRIA GERAL DA FRICA VIIfrica sob dominao colonial,
1880-1935EDITOR AlbERT ADu bOAhEn
Organizaodas Naes Unidas
para a Educao,a Cincia e a Cultura
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Histria geral da frica, VII: frica sob dominao colonial,
1880-1935 / editado por Albert Adu Boahen. 2.ed. rev. Braslia :
UNESCO, 2010.
1040 p.
ISBN: 978-85-7652-129-7
1. Histria 2. Histria contempornea 3. Histria africana 4.
Culturas africanas 5. Colonialismo 6. Resistncia opresso 7.
Nacionalismo 8. frica I. Adu Boahen, Albert II. UNESCO III. Brasil.
Ministrio da Educao IV. Universidade Federal de So Carlos
Esta verso em portugus fruto de uma parceria entre a Representao
da UNESCO no Brasil, a Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao
e Diversidade do Ministrio da Educao do Brasil (Secad/MEC) e a
Universidade Federal de So Carlos (UFSCar).
Ttulo original: General History of Africa, VII: Africa under
colonial domination, 1880-1935. Paris: UNESCO; Berkley, CA:
University of California Press; London: Heinemann Educational
Publishers Ltd., 1985. (Primeira edio publicada em ingls).
UNESCO 2010 (verso em portugus com reviso ortogrfica e reviso
tcnica)
Coordenao geral da edio e atualizao: Valter Roberto
SilvrioReviso tcnica: Kabengele MunangaPreparao de texto: Eduardo
Roque dos Reis FalcoReviso e atualizao ortogrfica: M. Corina
RochaProjeto grfico e diagramao: Marcia Marques / Casa de Ideias;
Edson Fogaa e Paulo Selveira / UNESCO no Brasil
Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura
(UNESCO)Representao no BrasilSAUS, Quadra 5, Bloco H, Lote 6, Ed.
CNPq/IBICT/UNESCO, 9 andar70070-912 Braslia DF BrasilTel.: (55 61)
2106-3500Fax: (55 61) 3322-4261Site: www.unesco.org/brasiliaE-mail:
[email protected]
Ministrio da Educao (MEC)Secretaria de Educao Continuada,
Alfabetizao e Diversidade (Secad/MEC) Esplanada dos Ministrios, Bl.
L, 2 andar70047-900 Braslia DF BrasilTel.: (55 61) 2022-9217Fax:
(55 61) 2022-9020Site: http://portal.mec.gov.br/index.html
Universidade Federal de So Carlos (UFSCar)Rodovia Washington
Luis, Km 233 SP 310Bairro Monjolinho13565-905 So Carlos SP
BrasilTel.: (55 16) 3351-8111 (PABX)Fax: (55 16) 3361-2081Site:
http://www2.ufscar.br/home/index.php
Impresso no Brasil
http://www.unesco.org/brasiliamailto:[email protected]://portal.mec.gov.br/index.htmlhttp://www2.ufscar.br/home/index.php
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SUMRIO
Apresentao
...............................................................................................VIINota
dos Tradutores
.....................................................................................
IXCronologia
....................................................................................................
XILista de Figuras
.........................................................................................
XIIIPrefcio
......................................................................................................
XIXApresentao do Projeto
..........................................................................
XXV
Captulo 1 A frica diante do desafio colonial
........................................... 1Captulo 2 Partilha
europeia e conquista da frica: apanhado geral ......... 21Captulo 3
Iniciativas e resistncia africanas em face da partilha e da
conquista
..................................................................................
51Captulo 4 Iniciativas e resistncia africanas no nordeste da frica
.......... 73Captulo 5 Iniciativas e resistncia africanas no norte
da frica e no
Saara
........................................................................................
99Captulo 6 Iniciativas e resistncia africanas na frica
ocidental,
1880 -1914
.............................................................................
129Captulo 7 Iniciativas e resistncia africanas na frica
oriental,
1880 -1914
.............................................................................
167Captulo 8 Iniciativas e resistncia africanas na frica
central,
1880 -1914
.............................................................................
191
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VI frica sob dominao colonial, 1880-1935
Captulo 9 Iniciativas e resistncia africanas na frica meridional
.......... 219Captulo 10 Madagscar de 1880 a 1939: iniciativas e
reaes africanas
conquista e dominao coloniais
.................................... 251Captulo 11 Libria e Etipia,
1880 -1914: a sobrevivncia de dois
Estados africanos
.................................................................
281Captulo 12 A Primeira Guerra Mundial e suas consequncias
.............. 319Captulo 13 A dominao europeia: mtodos e
instituies .................... 353Captulo 14 A economia colonial
............................................................
377Captulo 15 A economia colonial das antigas zonas francesas,
belgas
e portuguesas (1914 -1935)
.................................................. 401Captulo 16 A
economia colonial: as antigas zonas britnicas .................
437Captulo 17 Economia colonial: a frica do norte
.................................. 485Captulo 18 As repercusses
sociais da dominao colonial: aspectos
demogrficos
........................................................................
529Captulo 19 Repercusses sociais da dominao colonial: novas
estruturas sociais
..................................................................
567Captulo 20 A religio na frica durante a poca colonial
...................... 591Captulo 21 As artes na frica durante a
dominao colonial ................ 625Captulo 22 A poltica e o
nacionalismo africanos, 1919 -1935 ............... 657Captulo 23
Poltica e nacionalismo no nordeste da frica,
1919 -1935
............................................................................
675Captulo 24 Poltica e nacionalismo no Maghreb e no Saara,
1919 -1935
............................................................................
703Captulo 25 Poltica e nacionalismo na frica ocidental, 1919 -1935
...... 727Captulo 26 Poltica e o nacionalismo na frica
oriental,
1919 -1935
............................................................................
757Captulo 27 Poltica e nacionalismo nas fricas central e
meridional,
1919 -1935
............................................................................
787Captulo 28 A Etipia e a Libria, 1914 -1935: dois Estados
africanos
independentes na era colonial
.............................................. 833Captulo 29 A
frica e o Novo Mundo
.................................................. 875Captulo 30 O
colonialismo na frica: impacto e significao ...............
919Membros do Comit Cientfico Internacional para a Redao de uma
Histria Geral da frica
...............................................................
951Dados biogrficos dos autores do volume VII
.......................................... 953Abreviaes e lista de
peridicos
...............................................................
957Referncias bibliogrficas
..........................................................................
961ndice remissivo
.......................................................................................
1009
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VIIAPRESENTAO
Outra exigncia imperativa de que a histria (e a cultura) da
frica devem pelo menos ser vistas de dentro, no sendo medidas por
rguas de valores estranhos... Mas essas conexes tm que ser
analisadas nos termos de trocas mtuas, e influncias multilaterais
em que algo seja ouvido da contribuio africana para o
desenvolvimento da espcie humana. J. Ki-Zerbo, Histria Geral da
frica, vol. I, p. LII.
A Representao da UNESCO no Brasil e o Ministrio da Educao tm a
satis-fao de disponibilizar em portugus a Coleo da Histria Geral da
frica. Em seus oito volumes, que cobrem desde a pr-histria do
continente africano at sua histria recente, a Coleo apresenta um
amplo panorama das civilizaes africanas. Com sua publicao em lngua
portuguesa, cumpre-se o objetivo inicial da obra de colaborar para
uma nova leitura e melhor compreenso das sociedades e culturas
africanas, e demons-trar a importncia das contribuies da frica para
a histria do mundo. Cumpre-se, tambm, o intuito de contribuir para
uma disseminao, de forma ampla, e para uma viso equilibrada e
objetiva do importante e valioso papel da frica para a humanidade,
assim como para o estreitamento dos laos histricos existentes entre
o Brasil e a frica.
O acesso aos registros sobre a histria e cultura africanas
contidos nesta Coleo se reveste de significativa importncia. Apesar
de passados mais de 26 anos aps o lana-mento do seu primeiro
volume, ainda hoje sua relevncia e singularidade so mundial-mente
reconhecidas, especialmente por ser uma histria escrita ao longo de
trinta anos por mais de 350 especialistas, sob a coordenao de um
comit cientfico internacional constitudo por 39 intelectuais, dos
quais dois teros africanos.
A imensa riqueza cultural, simblica e tecnolgica subtrada da
frica para o conti-nente americano criou condies para o
desenvolvimento de sociedades onde elementos europeus, africanos,
das populaes originrias e, posteriormente, de outras regies do
mundo se combinassem de formas distintas e complexas. Apenas
recentemente, tem-se considerado o papel civilizatrio que os negros
vindos da frica desempenharam na formao da sociedade brasileira.
Essa compreenso, no entanto, ainda est restrita aos altos estudos
acadmicos e so poucas as fontes de acesso pblico para avaliar este
complexo processo, considerando inclusive o ponto de vista do
continente africano.
APRESENTAO
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VIII frica sob dominao colonial, 1880-1935
A publicao da Coleo da Histria Geral da frica em portugus tambm
resul-tado do compromisso de ambas as instituies em combater todas
as formas de desigual-dades, conforme estabelecido na Declarao
Universal dos Direitos Humanos (1948), especialmente no sentido de
contribuir para a preveno e eliminao de todas as formas de
manifestao de discriminao tnica e racial, conforme estabelecido na
Conveno Internacional sobre a Eliminao de todas as Formas de
Discriminao Racial de 1965.
Para o Brasil, que vem fortalecendo as relaes diplomticas, a
cooperao econ-mica e o intercmbio cultural com aquele continente,
essa iniciativa mais um passo importante para a consolidao da nova
agenda poltica. A crescente aproximao com os pases da frica se
reflete internamente na crescente valorizao do papel do negro na
sociedade brasileira e na denncia das diversas formas de racismo. O
enfrentamento da desigualdade entre brancos e negros no pas e a
educao para as relaes tnicas e raciais ganhou maior relevncia com a
Constituio de 1988. O reconhecimento da prtica do racismo como
crime uma das expresses da deciso da sociedade brasileira de
superar a herana persistente da escravido. Recentemente, o sistema
educacional recebeu a responsabilidade de promover a valorizao da
contribuio africana quando, por meio da alterao da Lei de
Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB) e com a aprovao da Lei
10.639 de 2003, tornou-se obrigatrio o ensino da histria e da
cultura africana e afro-brasileira no currculo da educao bsica.
Essa Lei um marco histrico para a educao e a sociedade
brasileira por criar, via currculo escolar, um espao de dilogo e de
aprendizagem visando estimular o conheci-mento sobre a histria e
cultura da frica e dos africanos, a histria e cultura dos negros no
Brasil e as contribuies na formao da sociedade brasileira nas suas
diferentes reas: social, econmica e poltica. Colabora, nessa direo,
para dar acesso a negros e no negros a novas possibilidades
educacionais pautadas nas diferenas socioculturais presentes na
formao do pas. Mais ainda, contribui para o processo de
conhecimento, reconhecimento e valorizao da diversidade tnica e
racial brasileira.
Nessa perspectiva, a UNESCO e o Ministrio da Educao acreditam
que esta publica-o estimular o necessrio avano e aprofundamento de
estudos, debates e pesquisas sobre a temtica, bem como a elaborao
de materiais pedaggicos que subsidiem a formao inicial e continuada
de professores e o seu trabalho junto aos alunos. Objetivam assim
com esta edio em portugus da Histria Geral da frica contribuir para
uma efetiva educao das relaes tnicas e raciais no pas, conforme
orienta as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao das
Relaes tnico-Raciais e para o Ensino da Histria e Cultura
Afro-brasileira e Africana aprovada em 2004 pelo Conselho Nacional
de Educao.
Boa leitura e sejam bem-vindos ao Continente Africano.
Vincent Defourny Fernando Haddad
Representante da UNESCO no Brasil Ministro de Estado da Educao
do Brasil
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IXNOTA DOS TRADUTORES
NOTA DOS TRADUTORES
A Conferncia de Durban ocorreu em 2001 em um contexto mundial
dife-rente daquele que motivou as duas primeiras conferncias
organizadas pela ONU sobre o tema da discriminao racial e do
racismo: em 1978 e 1983 em Genebra, na Sua, o alvo da condenao era
o apartheid.
A conferncia de Durban em 2001 tratou de um amplo leque de
temas, entre os quais vale destacar a avaliao dos avanos na luta
contra o racismo, na luta contra a discriminao racial e as formas
correlatas de discriminao; a avaliao dos obstculos que impedem esse
avano em seus diversos contextos; bem como a sugesto de medidas de
combate s expresses de racismo e intolerncias.
Aps Durban, no caso brasileiro, um dos aspectos para o
equacionamento da questo social na agenda do governo federal a
implementao de polticas pblicas para a eliminao das desvantagens
raciais, de que o grupo afrodescen-dente padece, e, ao mesmo tempo,
a possibilidade de cumprir parte importante das recomendaes da
conferncia para os Estados Nacionais e organismos
internacionais.
No que se refere educao, o diagnstico realizado em novembro de
2007, a partir de uma parceria entre a UNESCO do Brasil e a
Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade do
Ministrio da Educao (SECAD/MEC), constatou que existia um amplo
consenso entre os diferentes participan-tes, que concordavam, no
tocante a Lei 10.639-2003, em relao ao seu baixo grau de
institucionalizao e sua desigual aplicao no territrio nacional.
Entre
-
X frica sob dominao colonial, 1880-1935
os fatores assinalados para a explicao da pouca
institucionalizao da lei estava a falta de materiais de referncia e
didticos voltados Histria de frica.
Por outra parte, no que diz respeito aos manuais e estudos
disponveis sobre a Histria da frica, havia um certo consenso em
afirmar que durante muito tempo, e ainda hoje, a maior parte deles
apresenta uma imagem racializada e eurocntrica do continente
africano, desfigurando e desumanizando especial-mente sua histria,
uma histria quase inexistente para muitos at a chegada dos europeus
e do colonialismo no sculo XIX.
Rompendo com essa viso, a Histria Geral da frica publicada pela
UNESCO uma obra coletiva cujo objetivo a melhor compreenso das
sociedades e cul-turas africanas e demonstrar a importncia das
contribuies da frica para a histria do mundo. Ela nasceu da demanda
feita UNESCO pelas novas naes africanas recm-independentes, que
viam a importncia de contar com uma his-tria da frica que
oferecesse uma viso abrangente e completa do continente, para alm
das leituras e compreenses convencionais. Em 1964, a UNESCO assumiu
o compromisso da preparao e publicao da Histria Geral da frica. Uma
das suas caractersticas mais relevantes que ela permite compreender
a evoluo histrica dos povos africanos em sua relao com os outros
povos. Contudo, at os dias de hoje, o uso da Histria Geral da frica
tem se limitado sobretudo a um grupo restrito de historiadores e
especialistas e tem sido menos usada pelos professores/as e
estudantes. No caso brasileiro, um dos motivos desta limitao era a
ausncia de uma traduo do conjunto dos volumes que compem a obra em
lngua portuguesa.
A Universidade Federal de So Carlos, por meio do Ncleo de
Estudos Afrobrasileiros (NEAB/UFSCar) e seus parceiros, ao concluir
o trabalho de traduo e atualizao ortogrfica do conjunto dos
volumes, agradece o apoio da Secretaria de Educao Continuada,
Alfabetizao e Diversidade (SECAD), do Ministrio da Educao (MEC) e
da UNESCO por terem propiciado as condies para que um conjunto cada
vez maior de brasileiros possa conhecer e ter orgulho de
compartilhar com outros povos do continente americano o legado do
continente africano para nossa formao social e cultural.
-
Na apresentao das datas da pr-histria convencionou-se adotar
dois tipos de notao, com base nos seguintes critrios:
Tomando como ponto de partida a poca atual, isto , datas B.P.
(before present), tendo como referncia o ano de + 1950; nesse caso,
as datas so todas negativas em relao a + 1950.
Usando como referencial o incio da Era Crist; nesse caso, as
datas so simplesmente precedidas dos sinais - ou +. No que diz
respeito aos sculos, as menes antes de Cristo e depois de Cristo so
substitudas por antes da Era Crist, da Era Crist.
Exemplos:
(i) 2300 B.P. = -350
(ii) 2900 a.C. = -2900 1800 d.C. = +1800
(iii) sculo V a.C. = sculo V antes da Era Crist sculo III d.C. =
sculo III da Era Crist
CRONOLOGIA
-
XIIILista de Figuras
LISTA DE FIGURAS
Figura 1.1 A frica em 1880, em vsperas da partilha e da
conquista .................................... 2Figura 1.2 A guerra
dos Ashanti, em 1896 (Costa do Ouro)
.................................................. 9Figura 2.1 A
Conferncia de Berlim sobre a frica Ocidental (1884-1885)
........................ 34Figuras 2.2a a 2.2f Armas de guerra
utilizadas por europeus e africanos entre 1880 e
1935
........................................................................................................
47Figura 2.3 A frica de 1914
.................................................................................................
50Figura 4.1 O Coronel Ahmad Urabi
.....................................................................................
75Figura 4.2 Poltica e nacionalismo no nordeste da frica
..................................................... 76Figura 4.3
Alexandria aps o bombardeamento de julho de 1882 pela frota
britnica ......... 78Figura 4.4 Abbas Hilmi (Abbas II, 1892 -1914),
quediva do Egito ...................................... 81Figura
4.5 Muhammad Ahmad ibn Abdallah, o Mahdi (1844 -1885)
.................................. 84Figura 4.6 Mamud Ahmad, um dos
comandantes dos Ansar (exrcito mahdista) ................ 90Figura
5.1 As grandes regies do Maghreb e do Saara
....................................................... 100Figura
5.2 As campanhas europeias no Maghreb.
...............................................................
104Figura 5.3 A Tripolitnia otomana, Sirte e a Cirenaica
....................................................... 109Figura
5.4 Sayyid Ahmad al -Sharif al -Sanusi, chefe espiritual dos
Sanusiyya .................... 110Figura 5.5 Umar al -Mukhtar, um
dos chefes da resistncia Sanusi colonizao italiana ..... 115Figura
5.6 Amghar Hassu u Basallam, dos Ilemchan (Ait Atta do Saara),
chefe dos
combatentes da resistncia de Bu Ghafir (Saghru), na Arglia, em
1933 .............. 117Figura 5.7 Guerra do Rif no Marrocos
...............................................................................
124Figura 6.1 Estados e povos da frica ocidental nas vsperas da
partilha europeia.............. 131Figura 6.2 Samori Tour (c. 1830
-1900), aps a sua captura pelo capito Gouraud ........... 139
-
XIV frica sob dominao colonial, 1880-1935
Figura 6.3 Nana Prempeh I (c. 1873-1931) no exlio nas
Seychelles, cerca de 1908 .......... 150Figura 6.4 Jaja (c. 1821
-1891), soberano do Estado de Opobo, no delta do Nger .............
154Figura 6.5 Bai Bureh (c. 1845 -1908), chefe da rebelio provocada
pelo imposto de
palhota, em 1898
................................................................................................
160Figura 6.6a Levante na Costa do Marfim no incio da dcada de 1900
............................. 163Figura 6.6b Costa do Marfim: o
tenente Boudet aceita a rendio dos chefes
tradicionais
............................................................................................
163Figura 7.1 Povos e diviso poltica da frica oriental
......................................................... 169Figura
7.2 Equipe volante de assentadores de dormentes na construo da
estrada de
ferro de Uganda
..................................................................................................
172Figura 7.3 O chefe Abushiri (c. 1845 -1889), lder da resistncia
costeira colonizao
alem e britnica na frica oriental, 1888
-1889................................................. 178Figura
7.4 Mwanga (c. 1866 -1903), ex -rei de Buganda, e Kabarega (c. 1850
-1923),
ex -rei de Bunyoro
...............................................................................................
181Figura 8.1 Povos e diviso poltica da frica central, c. 1900.
............................................. 193Figura 8.2 Chefe
bemba no meio do seu povo, recebendo um europeu, 1883
.................... 197Figura 8.3 Gungunhana e seus guerreiros
...........................................................................
199Figura 8.4 Mapondera, chefe rebelde da Rodsia do Sul (atual
Zimbbue) ....................... 207Figura 9.1 Povos e diviso
poltica do sul da frica
............................................................
221Figura 9.2 Campo de batalha de Isandhlwana, 1879
..........................................................
228Figura 9.3 Lobengula (c. 1836 -1894), rei dos Ndebele, 1870
-1894 .................................... 230Figura 9.4 Moshoeshoe
I, rei dos Basuto (c. 1785 -1870)
.................................................... 236Figura 10.1
Madagscar em fins do sculo XIX
..................................................................
252Figura 10.2 Rainilaiarivony, primeiro -ministro de Madagscar
(1864 -1895), marido
de Ranavalona II e III
.....................................................................................
253Figura 10.3 A rainha Ranavalona III (1883 -1897) em traje de
gala ................................... 253Figura 10.4 Principais
zonas das rebelies
Menalamba.......................................................
265Figura 10.5 Madagscar: trabalhadores empregados na contruo da
estrada de ferro de
Tananarive
Tamatave.....................................................................................
273Figura 10.6 Resistncia, insurreio e nacionalismo em Madagscar,
1896 -1935 ............... 275Figura 11.1 Libria: territrio anexado
pelos amrico-liberianos, 1822-1874 ..................... 283Figura
11.2 Expanso do territrio etope no reinado do imperador Menelik II
................ 287Figura 11.3 Menelik, rei de Shoa (1865 -1889);
imperador da Etipia (1889 -1913) ...................288Figura 11.4
E. J. Barclay, secretrio de Estado da Libria
................................................... 293Figura 11.5
Arthur Barclay, presidente da Libria (1904 -1911)
......................................... 294Figura 11.6 Usurpaes
britnicas e francesas no territrio reivindicado pela Libria,
1882-1914
........................................................................................................
296Figura 11.7 A Etipia e a corrida para a frica
..................................................................
300Figura 11.8 A batalha de Adua
...........................................................................................
306Figura 11.9 Professores e alunos do colgio da Libria, 1900
............................................. 312Figura 12.1(A) (E)
A guerra em solo africano
.................................................................
320
-
XVLista de Figuras
Figura 12.2 General P. E. Von Lettow-Vorbeck
..................................................................
326Figura 12.3 A campanha na frica Oriental Alem
...........................................................
329Figura 12.4 Voluntrios forados do Egito embarcando para o
estrangeiro ..................... 331Figura 12.5 frica Oriental
Alem: feridos esperam para serem removidos de Nyangao,
depois da batalha de Mahiwa (15 a 19 de outubro de 1917)
........................... 331Figura 12.6 A campanha na frica
Oriental Alem: tropas autctones do exrcito belga
voltam para a costa depois de os alemes terem cruzado o rio
Rovuma ........... 331Figura 12.7 O desenho da frica depois da
Primeira Guerra Mundial .............................. 348Figura
13.1 Sir Frederick Lugard (1858 -1945)
......................................................................
354Figura 13.2 Louis -Gabriel Angoulvant, governador da Costa do
Marfim, 1908 -1916 ........ 354Figura 13.3 General Joseph Simon
Gallieni (1849 -1916), comandante superior do
Sudo francs, 1886 -1888; governador -geral de Madagscar, 1896
-1905 ....... 354Figura 13.4 Albert Heinrich Schnee (1871 -1949),
governador da frica Oriental
Alem, 1912 -1918
............................................................................................
354Figura 13.5 Louis -Hubert Lyautey (1859 -1935), residente -geral
francs no Marrocos,
1912 -1925
........................................................................................................
363Figura 13.6 A administrao indireta em ao: o prncipe de Gales
recebe chefes em
Acra
..................................................................................................................
365Figura 13.7 A campanha na frica Oriental Alem: askaris da frica
oriental enviados
como agentes recrutadores pela administrao civil
.......................................... 372Figura 15.1 Os
recursos das colnias francesas, belgas e portuguesas
................................. 402Figura 15.2 Comrcio exterior
colonial das antigas zonas francesas, belgas e
portuguesas
.......................................................................................................
405Figura 15.3 Avaliao aproximada das possibilidades monetrias
africanas na Guin
Francesa (1928 -1938)
.......................................................................................
421Figura 16.1 frica oriental: desenvolvimento econmico das antigas
zonas britnicas ....... 442Figura 16.2 frica ocidental:
desenvolvimento econmico das antigas zonas
britnicas
..........................................................................................................
447Figura 16.3 Colheita de ch na Niassalndia
.........................................................................
450Figura 16.4 Abrindo cacau na Costa do Ouro
....................................................................
453Figura 16.5 frica oriental: desenvolvimento econmico das antigas
zonas britnicas ....... 459Figura 16.6 Operrios negros em uma mina
na frica do Sul ............................................
476Figura 16.7 Extenso da rede ferroviria da Repblica da frica do
Sul, entre 1900 e
1953
..................................................................................................................
478Figura 17.1 Desenvolvimento econmico durante o perodo colonial
no noroeste
da frica
...........................................................................................................
486Figura 17.2 Vinhedos europeus na Arglia, por volta de 1930
............................................ 490Figura 17.3 A
implantao da colonizao agrcola na Tunsia, em 1921
........................... 491Figura 17.4 Dficit da balana
comercial marroquina, de 1912 a 1938
............................... 499Figura 17.5 Comrcio global da
Arglia, de 1915 a 1938
................................................... 500Figura 17.6
Parcela referente Frana no comrcio global da Arglia, de 1920 a 1938
..... 500Figura 17.7 Produo e exportao de azeite de oliveira
tunisiano de 1931 a 1939 ............ 505
-
XVI frica sob dominao colonial, 1880-1935
Figura 17.8 Lbia, Egito e Sudo: desenvolvimento econmico na poca
colonial ............. 511Figura 17.9 Assu: as guas do Nilo na sada
da barragem (1937) ..................................... 518Figura
17.10 Cultura do algodo de Djazra, regio situada ao sul da
confluncia do
Nilo Azul com o Nilo Branco
........................................................................
526Figura 18.1 Leprosrio mvel numa pequena aldeia ao norte de
Bangui ........................... 558Figura 19.1 Vista geral de
Lagos, Nigria, um dos principais portos da frica
ocidental na poca colonial
..............................................................................
571Figura 19.2 Escola secundria CMS de Mengo, Uganda: em busca do
saber ..................... 578Figura 19.3 Jogo de crquete na
colnia: a formao da nova
elite...................................... 580Figura 19.4 Festa na
casa do governador de Lagos: a nova elite e os administradores
coloniais
...........................................................................................................
582Figura 20.1 Personagens Makishie durante uma cerimnia de
iniciao, em Zmbia ........ 594Figura 20.2 Membros de uma sociedade
secreta em Serra Leoa .........................................
599Figura 20.3 Fachada de uma mesquita no norte de Gana.
.................................................. 605Figura 20.4
William Wade Harris, o evangelista liberiano da frica ocidental
.................. 614Figura 20.5 O reverendo John Chilembwe
(1860/1870-1915), chefe da revolta de 1915
na Niassalndia, e sua famlia
...........................................................................
617Figura 20.6 O profeta Simon Kimbangu (c. 1890 -1951), fundador
da glise-de-Jsus-
-Christ-sur-la-terre (Igreja de Jesus Cristo sobre a Terra), no
Congo Belga ... 619Figura 20.7 O profeta M. Jehu -Appiah, Akaboha
III, neto e sucessor do fundador da
Igreja Musama Disco Christo (Costa do Ouro, Gana)
.................................... 622Figura 21.1 Esttuas de
madeira provenientes de um santurio Yoruba dedicado a
Shango.
.............................................................................................................
627Figura 21.2 Kuduo akan em cobre, de Gana
.......................................................................
630Figura 21.3 O bispo Samuel Ajayi Crowther (1808-1891)
................................................. 640Figura 23.1
Nacionalismo no Egito: Zaghll Pacha (c. 1857-1927)
...................................... 678Figura 23.2 O movimento
nacionalista no Egito ( 1918-1923)
......................................... 682Figura 23.3 O
University College de Khartum, em 1953
................................................... 686Figura 24.1
Poltica e nacionalismo no Maghreb e no Saara, 1919-1935
........................... 704Figura 24.2 Abdel Karm (1882 -1963),
cdi de Melilla, chefe da resistncia
marroquina ao imperialismo espanhol, durante a guerra do Rf ,
1921 -1926 .. 712Figura 24.3 Guerra do Rf: soldados espanhis exibem
as cabeas decepadas de
soldados de Abdel Karm
.................................................................................
712Figura 24.4 Habib Bourguiba (nascido em 1903), lder do Partido
Neo -Destour
(Tunsia)
...........................................................................................................
722Figura 25.1 Poltica e nacionalismo na frica ocidental, 1919-1935
.................................. 728Figura 25.2 I. T. A. Wallace
Jonhson (1894-1965), jornalista de Serra Leoa,
sindicalista, pan-africanista e poltico nacionalista
........................................... 735Figura 25.3 A
delegao do National Congress of British West Africa que visitou
Londres em 1921
.............................................................................................
737Figura 25.4 Blaise Diagne (1872-1934), primeiro deputado
africano eleito para a
Assembleia Nacional da Frana
.......................................................................
751
-
XVIILista de Figuras
Figura 26.1 Poltica e nacionalismo na frica oriental, 1919-1935.
.................................... 758Figura 26.2 O reverendo
Alfayo Odongo Mango Ka Konya, fundador da Joroho
Church entre os Luo em 1932
.........................................................................
765Figura 26.3 Jomo Kenyatta (1890 -1978), nacionalista queniano e
primeiro presidente
do Qunia independente, 1963 -1978
...............................................................
773Figura 26.4 Harry Thuku (1895 -1970), um dos fundadores e
dirigente da East
African Association
..........................................................................................
774Figura 27.1 Isaiah Shembe (1870 -1931), fundador dos nazaritas
da frica do Sul
(Igreja Sionista Africana)
......................................................................................
795Figura 27.2 Poltica e nacionalismo na frica do Sul, 1919-1935
...................................... 797Figura 27.3 Poltica e
nacionalismo na frica central, 1919-1935
...................................... 800Figura 28.1 Didwo Twe,
senador Kru da Libria, um dos raros autctones a ascender
a uma funo pblica de primeiro plano
..........................................................
837Figura 28.2 Charles Dunbar B. King, presidente da Libria
............................................... 841Figura 28.3 Hail
Selassi I, imperador da Etipia (1930 -1974)
........................................ 845Figura 28.4 A Libria e
a borracha. Trabalhadores de uma grande plantao prontos
para a colheita
..................................................................................................
850Figura 28.5 Distribuio da malha rodoviria na Libria em 1925.
.................................... 852Figura 28.6 Invaso da
Etipia pela Itlia fascista
..............................................................
868Figura 29.1 Marcus Garvey (1887 -1940), fundador e chefe da
Universal Negro
Improvement Association
................................................................................
880Figura 29.2 Os afro-brasileiros na frica ocidental, nos sculos
XVIII e XIX ................... 884Figura 29.3 J. E. K. Aggrey
(1875 -1921), educador da Costa do Ouro
.............................. 895Figura 29.4 Nnamdi Azikiwe
(nascido em 1904), jornalista nigeriano, pan -africanista
e
poltico...........................................................................................................
898Figura 29.5 Influncia religiosa dos Yoruba na Bahia, Brasil
.............................................. 913Figura 29.6
Mesquita central de Lagos, um exemplo da influncia brasileira
na
arquitetura da Nigria
......................................................................................
917
-
XIXPrefcio
PREFCIOpor M. Amadou - Mahtar MBow,
Diretor Geral da UNESCO (1974-1987)
Durante muito tempo, mitos e preconceitos de toda espcie
esconderam do mundo a real histria da frica. As sociedades
africanas passavam por socie-dades que no podiam ter histria.
Apesar de importantes trabalhos efetuados desde as primeiras dcadas
deste sculo por pioneiros como Leo Frobenius, Maurice Delafosse e
Arturo Labriola, um grande nmero de especialistas no-africanos,
ligados a certos postulados, sustentavam que essas sociedades no
podiam ser objeto de um estudo cientfico, notadamente por falta de
fontes e documentos escritos.
Se a Ilada e a Odissia podiam ser devidamente consideradas como
fontes essenciais da histria da Grcia antiga, em contrapartida,
negava-se todo valor tradio oral africana, essa memria dos povos
que fornece, em suas vidas, a trama de tantos acontecimentos
marcantes. Ao escrever a histria de grande parte da frica,
recorria-se somente a fontes externas frica, oferecendo uma viso no
do que poderia ser o percurso dos povos africanos, mas daquilo que
se pensava que ele deveria ser. Tomando freqentemente a Idade Mdia
europia como ponto de referncia, os modos de produo, as relaes
sociais tanto quanto as instituies polticas no eram percebidos seno
em referncia ao passado da Europa.
Com efeito, havia uma recusa a considerar o povo africano como o
criador de culturas originais que floresceram e se perpetuaram,
atravs dos sculos, por
-
XX frica sob dominao colonial, 1880-1935
vias que lhes so prprias e que o historiador s pode apreender
renunciando a certos preconceitos e renovando seu mtodo.
Da mesma forma, o continente africano quase nunca era
considerado como uma entidade histrica. Em contrrio, enfatizava-se
tudo o que pudesse refor-ar a idia de uma ciso que teria existido,
desde sempre, entre uma frica branca e uma frica negra que se
ignoravam reciprocamente. Apresentava-se frequentemente o Saara
como um espao impenetrvel que tornaria impossveis misturas entre
etnias e povos, bem como trocas de bens, crenas, hbitos e idias
entre as sociedades constitudas de um lado e de outro do deserto.
Traavam-se fronteiras intransponveis entre as civilizaes do antigo
Egito e da Nbia e aquelas dos povos subsaarianos.
Certamente, a histria da frica norte-saariana esteve antes
ligada quela da bacia mediterrnea, muito mais que a histria da
frica subsaariana mas, nos dias atuais, amplamente reconhecido que
as civilizaes do continente africano, pela sua variedade lingstica
e cultural, formam em graus variados as vertentes histricas de um
conjunto de povos e sociedades, unidos por laos seculares.
Um outro fenmeno que grandes danos causou ao estudo objetivo do
passado africano foi o aparecimento, com o trfico negreiro e a
colonizao, de esteretipos raciais criadores de desprezo e
incompreenso, to profundamente consolidados que corromperam
inclusive os prprios conceitos da historiografia. Desde que foram
empregadas as noes de brancos e negros, para nomear genericamente
os colonizadores, considerados superiores, e os colonizados, os
africanos foram levados a lutar contra uma dupla servido, econmica
e psicolgica. Marcado pela pigmentao de sua pele, transformado em
uma mercadoria, entre outras, e condenado ao trabalho forado, o
africano passou a simbolizar, na conscincia de seus dominadores,
uma essncia racial imaginria e ilusoriamente inferior quela do
negro. Este processo de falsa identificao depreciou a histria dos
povos afri-canos, no esprito de muitos, rebaixando-a a uma
etno-histria em cuja apreciao das realidades histricas e culturais
no podia ser seno falseada.
A situao evoluiu muito desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em
particular, desde que os pases da frica, tendo alcanado sua
independncia, comearam a participar ativamente da vida da
comunidade internacional e dos intercmbios a ela inerentes.
Historiadores, em nmero crescente, esforaram-se em abordar o estudo
da frica com mais rigor, objetividade e abertura de esprito,
empregando obviamente com as devidas precaues fontes africanas
originais. No exerccio de seu direito iniciativa histrica, os
prprios africanos sentiram profundamente a necessidade de
restabelecer, em bases slidas, a his-toricidade de suas
sociedades.
-
XXIPrefcio
nesse contexto que emerge a importncia da Histria Geral da
frica, em oito volumes, cuja publicao a Unesco comeou.
Os especialistas de numerosos pases que se empenharam nessa
obra, pre-ocuparam-se, primeiramente, em estabelecer-lhe os
fundamentos tericos e metodolgicos. Eles tiveram o cuidado em
questionar as simplificaes abusivas criadas por uma concepo linear
e limitativa da histria universal, bem como em restabelecer a
verdade dos fatos sempre que necessrio e possvel. Eles
esfor-aram-se para extrair os dados histricos que permitissem
melhor acompanhar a evoluo dos diferentes povos africanos em sua
especificidade sociocultural.
Nessa tarefa imensa, complexa e rdua em vista da diversidade de
fontes e da disperso dos documentos, a UNESCO procedeu por etapas.
A primeira fase (1965-1969) consistiu em trabalhos de documentao e
de planificao da obra. Atividades operacionais foram conduzidas in
loco, atravs de pesquisas de campo: campanhas de coleta da tradio
oral, criao de centros regionais de documentao para a tradio oral,
coleta de manuscritos inditos em rabe e ajami (lnguas africanas
escritas em caracteres rabes), compilao de inventrios de arquivos e
preparao de um Guia das fontes da histria da frica, publicado
posteriormente, em nove volumes, a partir dos arquivos e
bibliotecas dos pases da Europa. Por outro lado, foram organizados
encontros, entre especialistas africanos e de outros continentes,
durante os quais discutiu-se questes meto-dolgicas e traou-se as
grandes linhas do projeto, aps atencioso exame das fontes
disponveis.
Uma segunda etapa (1969 a 1971) foi consagrada ao detalhamento e
articu-lao do conjunto da obra. Durante esse perodo, realizaram-se
reunies interna-cionais de especialistas em Paris (1969) e
Addis-Abeba (1970), com o propsito de examinar e detalhar os
problemas relativos redao e publicao da obra: apresentao em oito
volumes, edio principal em ingls, francs e rabe, assim como tradues
para lnguas africanas, tais como o kiswahili, o hawsa, o peul, o
yoruba ou o lingala. Igualmente esto previstas tradues para o
alemo, russo, portugus, espanhol e chins1, alm de edies resumidas,
destinadas a um pblico mais amplo, tanto africano quanto
internacional.
A terceira e ltima fase constituiu-se na redao e na publicao do
trabalho. Ela comeou pela nomeao de um Comit Cientfico
Internacional de trinta e
1 O volume I foi publicado em ingls, rabe, chins, coreano,
espanhol, francs, hawsa, italiano, kiswahili, peul e portugus; o
volume II em ingls, rabe, chins, coreano, espanhol, francs, hawsa,
italiano, kiswahili, peul e portugus; o volume III em ingls, rabe,
espanhol e francs; o volume IV em ingls, rabe, chins, espanhol,
francs e portugus; o volume V em ingls e rabe; o volume VI em
ingls, rabe e francs; o volume VII em ingls, rabe, chins, espanhol,
francs e portugus; o VIII em ingls e francs.
-
XXII frica sob dominao colonial, 1880-1935
nove membros, composto por africanos e no-africanos, na
respectiva proporo de dois teros e um tero, a quem incumbiu-se a
responsabilidade intelectual pela obra.
Interdisciplinar, o mtodo seguido caracterizou-se tanto pela
pluralidade de abordagens tericas quanto de fontes. Dentre essas
ltimas, preciso citar primeiramente a arqueologia, detentora de
grande parte das chaves da histria das culturas e das civilizaes
africanas. Graas a ela, admite-se, nos dias atuais, reconhecer que
a frica foi, com toda probabilidade, o bero da humanidade, palco de
uma das primeiras revolues tecnolgicas da histria, ocorrida no
perodo Neoltico. A arqueologia igualmente mostrou que, na frica,
especifi-camente no Egito, desenvolveu-se uma das antigas
civilizaes mais brilhantes do mundo. Outra fonte digna de nota a
tradio oral que, at recentemente desconhecida, aparece hoje como
uma preciosa fonte para a reconstituio da histria da frica,
permitindo seguir o percurso de seus diferentes povos no tempo e no
espao, compreender, a partir de seu interior, a viso africana do
mundo, e apreender os traos originais dos valores que fundam as
culturas e as instituies do continente.
Saber-se- reconhecer o mrito do Comit Cientfico Internacional
encarre-gado dessa Histria geral da frica, de seu relator, bem como
de seus coordena-dores e autores dos diferentes volumes e captulos,
por terem lanado uma luz original sobre o passado da frica, abraado
em sua totalidade, evitando todo dogmatismo no estudo de questes
essenciais, tais como: o trfico negreiro, essa sangria sem fim,
responsvel por umas das deportaes mais cruis da histria dos povos e
que despojou o continente de uma parte de suas foras vivas, no
momento em que esse ltimo desempenhava um papel determinante no
pro-gresso econmico e comercial da Europa; a colonizao, com todas
suas conse-qncias nos mbitos demogrfico, econmico, psicolgico e
cultural; as relaes entre a frica ao sul do Saara e o mundo rabe; o
processo de descolonizao e de construo nacional, mobilizador da
razo e da paixo de pessoas ainda vivas e muitas vezes em plena
atividade. Todas essas questes foram abordadas com grande preocupao
quanto honestidade e ao rigor cientfico, o que constitui um mrito
no desprezvel da presente obra. Ao fazer o balano de nossos
conhecimentos sobre a frica, propondo diversas perspectivas sobre
as culturas africanas e oferecendo uma nova leitura da histria, a
Histria geral da frica tem a indiscutvel vantagem de destacar tanto
as luzes quanto as sombras, sem dissimular as divergncias de opinio
entre os estudiosos.
Ao demonstrar a insuficincia dos enfoques metodolgicas amide
utiliza-dos na pesquisa sobre a frica, essa nova publicao convida
renovao e ao
-
XXIIIPrefcio
aprofundamento de uma dupla problemtica, da historiografia e da
identidade cultural, unidas por laos de reciprocidade. Ela inaugura
a via, como todo tra-balho histrico de valor, a mltiplas novas
pesquisas.
assim que, em estreita colaborao com a UNESCO, o Comit
Cient-fico Internacional decidiu empreender estudos complementares
com o intuito de aprofundar algumas questes que permitiro uma viso
mais clara sobre certos aspectos do passado da frica. Esses
trabalhos publicados na coleo da UNESCO, Histria geral da frica:
estudos e documentos, viro a cons-tituir, de modo til, um
suplemento presente obra2. Igualmente, tal esforo desdobrar-se- na
elaborao de publicaes versando sobre a histria nacional ou
sub-regional.
Essa Histria geral da frica coloca simultaneamente em foco a
unidade his-trica da frica e suas relaes com os outros continentes,
especialmente com as Amricas e o Caribe. Por muito tempo, as
expresses da criatividade dos afro-descendentes nas Amricas haviam
sido isoladas por certos historiadores em um agregado heterclito de
africanismos; essa viso, obviamente, no corresponde quela dos
autores da presente obra. Aqui, a resistncia dos escravos
deportados para a Amrica, o fato tocante ao marronage [fuga ou
clandestinidade] poltico e cultural, a participao constante e
massiva dos afrodescendentes nas lutas da primeira independncia
americana, bem como nos movimentos nacionais de libertao, esses
fatos so justamente apreciados pelo que eles realmente foram:
vigorosas afirmaes de identidade que contriburam para forjar o
conceito universal de humanidade. hoje evidente que a herana
africana marcou, mais ou menos segundo as regies, as maneiras de
sentir, pensar, sonhar e agir de certas naes do hemisfrio
ocidental. Do sul dos Estados-Unidos ao norte do Brasil, passando
pelo Caribe e pela costa do Pacfico, as contribuies culturais
herdadas da frica so visveis por toda parte; em certos casos,
inclusive, elas constituem os fundamentos essenciais da identidade
cultural de alguns dos elementos mais importantes da populao.
2 Doze nmeros dessa srie foram publicados; eles tratam
respectivamente sobre: no 1 O povoamento do Egito antigo e a
decodificao da escrita merotica; no 2 O trfico negreiro do sculo XV
ao sculo XIX; no 3 Relaes histricas atravs do Oceano ndico; no 4 A
historiografia da frica Meridional; no 5 A descolonizao da frica:
frica Meridional e Chifre da frica [Nordeste da frica]; no 6
Etnonmias e toponmias; no 7 As relaes histricas e socioculturais
entre a frica e o mundo rabe; no 8 A metodologia da histria da
frica contempornea; no 9 O processo de educao e a historiografia na
frica; no 10 A frica e a Segunda Guerra Mundial; no 11 Lbya
Antiqua; no 12 O papel dos movimentos estudantis africanos na
evoluo poltica e social da frica de 1900 a 1975.
-
XXIV frica sob dominao colonial, 1880-1935
Igualmente, essa obra faz aparecerem nitidamente as relaes da
frica com o sul da sia atravs do Oceano ndico, alm de evidenciar as
contribuies africanas junto a outras civilizaes em seu jogo de
trocas mtuas.
Estou convencido que os esforos dos povos da frica para
conquistar ou reforar sua independncia, assegurar seu
desenvolvimento e consolidar suas especificidades culturais devem
enraizar-se em uma conscincia histrica reno-vada, intensamente
vivida e assumida de gerao em gerao.
Minha formao pessoal, a experincia adquirida como professor e,
desde os primrdios da independncia, como presidente da primeira
comisso criada com vistas reforma dos programas de ensino de
histria e de geografia de certos pases da frica Ocidental e
Central, ensinaram-me o quanto era neces-srio, para a educao da
juventude e para a informao do pblico, uma obra de histria
elaborada por pesquisadores que conhecessem desde o seu interior os
problemas e as esperanas da frica, pensadores capazes de considerar
o continente em sua totalidade.
Por todas essas razes, a UNESCO zelar para que essa Histria
Geral da frica seja amplamente difundida, em numerosos idiomas, e
constitua base da elaborao de livros infantis, manuais escolares e
emisses televisivas ou radiofnicas. Dessa forma, jovens, escolares,
estudantes e adultos, da frica e de outras partes, podero ter uma
melhor viso do passado do continente africano e dos fatores que o
explicam, alm de lhes oferecer uma compreenso mais precisa acerca
de seu patrimnio cultural e de sua contribuio ao pro-gresso geral
da humanidade. Essa obra deveria ento contribuir para favorecer a
cooperao internacional e reforar a solidariedade entre os povos em
suas aspiraes por justia, progresso e paz. Pelo menos, esse o voto
que manifesto muito sinceramente.
Resta-me ainda expressar minha profunda gratido aos membros do
Comit Cientfico Internacional, ao redator, aos coordenadores dos
diferentes volu-mes, aos autores e a todos aqueles que colaboraram
para a realizao desta prodigiosa empreitada. O trabalho por eles
efetuado e a contribuio por eles trazida mostram com clareza o
quanto homens vindos de diversos horizontes, conquanto animados por
uma mesma vontade e igual entusiasmo a servio da verdade de todos
os homens, podem fazer, no quadro internacional oferecido pela
UNESCO, para lograr xito em um projeto de tamanho valor cientfico e
cultural. Meu reconhecimento igualmente estende-se s organizaes e
aos governos que, graas a suas generosas doaes, permitiram UNESCO
publi-car essa obra em diferentes lnguas e assegurar-lhe a difuso
universal que ela merece, em prol da comunidade internacional em
sua totalidade.
-
APRESENTAO DO PROJETOpelo Professor Bethwell Allan Ogot
Presidente do Comit Cientfico Internacional para a redao de uma
Histria Geral da frica
A Conferncia Geral da UNESCO, em sua dcima sexta sesso,
solicitou ao Diretor-geral que empreendesse a redao de uma Histria
Geral da frica. Esse considervel trabalho foi confiado a um Comit
Cientfico Internacional criado pelo Conselho Executivo em 1970.
Segundo os termos dos estatutos adotados pelo Conselho Executivo
da UNESCO, em 1971, esse Comit compe-se de trinta e nove membros
res-ponsveis (dentre os quais dois teros africanos e um tero de
no-africanos), nomeados pelo Diretor-geral da UNESCO por um perodo
correspondente durao do mandato do Comit.
A primeira tarefa do Comit consistiu em definir as principais
caractersticas da obra. Ele definiu-as em sua primeira sesso, nos
seguintes termos:
Em que pese visar a maior qualidade cientfica possvel, a Histria
Geral da frica no busca a exausto e se pretende uma obra de sntese
que evitar o dogmatismo. Sob muitos aspectos, ela constitui uma
exposio dos problemas indicadores do atual estdio dos conhecimentos
e das grandes correntes de pensamento e pesquisa, no hesitando em
assinalar, em tais circunstncias, as divergncias de opinio. Ela
assim preparar o caminho para posteriores publicaes.
A frica aqui considerada como um todo. O objetivo mostrar as
relaes histricas entre as diferentes partes do continente, muito
amide
-
XXVI frica sob dominao colonial, 1880-1935
subdividido, nas obras publicadas at o momento. Os laos
histricos da frica com os outros continentes recebem a ateno
merecida e so analisados sob o ngulo dos intercmbios mtuos e das
influncias mul-tilaterais, de forma a fazer ressurgir,
oportunamente, a contribuio da frica para o desenvolvimento da
humanidade.
A Histria Geral da frica consiste, antes de tudo, em uma histria
das idias e das civilizaes, das sociedades e das instituies. Ela
funda-menta-se sobre uma grande diversidade de fontes, aqui
compreendidas a tradio oral e a expresso artstica.
A Histria Geral da frica aqui essencialmente examinada de seu
inte-rior. Obra erudita, ela tambm , em larga medida, o fiel
reflexo da maneira atravs da qual os autores africanos vem sua
prpria civilizao. Embora elaborada em mbito internacional e
recorrendo a todos os dados cientficos atuais, a Histria ser
igualmente um elemento capital para o reconhecimento do patrimnio
cultural africano, evidenciando os fatores que contribuem unidade
do continente. Essa vontade em examinar os fatos de seu interior
constitui o ineditismo da obra e poder, alm de suas qualidades
cientficas, conferir-lhe um grande valor de atualidade. Ao
evidenciar a verdadeira face da frica, a Histria poderia, em uma
poca dominada por rivalidades econmicas e tcnicas, propor uma
concepo particular dos valores humanos.
O Comit decidiu apresentar a obra, dedicada ao estudo sobre mais
de 3 milhes de anos de histria da frica, em oito volumes, cada qual
compreen-dendo aproximadamente oitocentas pginas de texto com
ilustraes (fotos, mapas e desenhos tracejados).
Para cada volume designou-se um coordenador principal,
assistido, quando necessrio, por um ou dois codiretores
assistentes.
Os coordenadores dos volumes so escolhidos, tanto entre os
membros do Comit quanto fora dele, em meio a especialistas externos
ao organismo, todos eleitos por esse ltimo, pela maioria de dois
teros. Eles encarregam-se da ela-borao dos volumes, em conformidade
com as decises e segundo os planos decididos pelo Comit. So eles os
responsveis, no plano cientfico, perante o Comit ou, entre duas
sesses do Comit, perante o Conselho Executivo, pelo contedo dos
volumes, pela redao final dos textos ou ilustraes e, de uma maneira
geral, por todos os aspectos cientficos e tcnicos da Histria. o
Conselho Executivo quem aprova, em ltima instncia, o original
definitivo. Uma vez considerado pronto para a edio, o texto
remetido ao Diretor-Geral
-
XXVIIApresentao do Projeto
da UNESCO. A direo da obra cabe, dessa forma, ao Comit ou ao
Conselho Executivo, nesse caso responsvel no nterim entre duas
sesses do Comit.
Cada volume compreende por volta de 30 captulos. Cada qual
redigido por um autor principal, assistido por um ou dois
colaboradores, caso necessrio.
Os autores so escolhidos pelo Comit em funo de seu curriculum
vitae. A preferncia concedida aos autores africanos, sob reserva de
sua adequao aos ttulos requeridos. Alm disso, o Comit zela, tanto
quanto possvel, para que todas as regies da frica, bem como outras
regies que tenham mantido relaes histricas ou culturais com o
continente, estejam de forma equitativa representadas no quadro dos
autores.
Aps aprovao pelo coordenador do volume, os textos dos diferentes
captu-los so enviados a todos os membros do Comit para submisso sua
crtica.
Ademais e finalmente, o texto do coordenador do volume submetido
ao exame de um comit de leitura, designado no seio do Comit
Cientfico Inter-nacional, em funo de suas competncias; cabe a esse
comit realizar uma profunda anlise tanto do contedo quanto da forma
dos captulos.
Ao Conselho Executivo cabe aprovar, em ltima instncia, os
originais.Tal procedimento, aparentemente longo e complexo,
revelou-se necessrio,
pois permite assegurar o mximo de rigor cientfico Histria Geral
da frica. Com efeito, houve ocasies nas quais o Conselho Executivo
rejeitou origi-nais, solicitou reestruturaes importantes ou,
inclusive, confiou a redao de um captulo a um novo autor.
Eventualmente, especialistas de uma questo ou perodo especficos da
histria foram consultados para a finalizao definitiva de um
volume.
Primeiramente, uma edio principal da obra em ingls, francs e
rabe ser publicada, posteriormente haver uma edio em forma de
brochura, nesses mesmos idiomas.
Uma verso resumida em ingls e francs servir como base para a
traduo em lnguas africanas. O Comit Cientfico Internacional
determinou quais os idiomas africanos para os quais sero realizadas
as primeiras tradues: o kiswahili e o haussa.
Tanto quanto possvel, pretende-se igualmente assegurar a
publicao da Histria Geral da frica em vrios idiomas de grande
difuso internacional (dentre os quais, entre outros: alemo, chins,
italiano, japons, portugus, russo, etc.).
Trata-se, portanto, como se pode constatar, de uma empreitada
gigantesca que constitui um ingente desafio para os historiadores
da frica e para a comu-nidade cientfica em geral, bem como para a
UNESCO que lhe oferece sua
-
XXVIII frica sob dominao colonial, 1880-1935
chancela. Com efeito, pode-se facilmente imaginar a complexidade
de uma tarefa tal qual a redao de uma histria da frica que cobre no
espao, todo um continente e, no tempo, os quatro ltimos milhes de
anos, respeitando, todavia, as mais elevadas normas cientficas e
convocando, como necessrio, estudiosos pertencentes a todo um leque
de pases, culturas, ideologias e tra-dies histricas. Trata-se de um
empreendimento continental, internacional e interdisciplinar, de
grande envergadura.
Em concluso, obrigo-me a sublinhar a importncia dessa obra para
a frica e para todo o mundo. No momento em que os povos da frica
lutam para se unir e para, em conjunto, melhor forjar seus
respectivos destinos, um conhecimento adequado sobre o passado da
frica, uma tomada de conscincia no tocante aos elos que unem os
Africanos entre si e a frica aos demais continentes, tudo isso
deveria facilitar, em grande medida, a compreenso mtua entre os
povos da Terra e, alm disso, propiciar sobretudo o conhecimento de
um patrimnio cultural cuja riqueza consiste em um bem de toda a
Humanidade.
Bethwell Allan OgotEm 8 de agosto de 1979
Presidente do Comit Cientf ico Internacional para a redao de uma
Histria Geral da frica
-
C A P T U L O 1
1A frica diante do desafio colonial
A frica diante do desafio colonial Albert Adu Boahen
Na histria da frica jamais se sucederam tantas e to rpidas
mudanas como durante o perodo entre 1880 e 1935. Na verdade, as
mudanas mais importantes, mais espetaculares e tambm mais trgicas ,
ocorreram num lapso de tempo bem mais curto, de 1880 a 1910,
marcado pela conquista e ocupao de quase todo o continente africano
pelas potncias imperialistas e, depois, pela instau-rao do sistema
colonial. A fase posterior a 1910 caracterizou -se essencialmente
pela consolidao e explorao do sistema.
O desenvolvimento desse drama foi verdadeiramente espantoso,
pois at 1880 apenas algumas reas bastante restritas da frica
estavam sob a dominao direta de europeus. Em toda a frica
ocidental, essa dominao limitava -se s zonas costeiras e ilhas do
Senegal, cidade de Freetown e seus arredores (que hoje fazem parte
de Serra Leoa), s regies meridionais da Costa do Ouro (atual Gana),
ao litoral de Abidjan, na Costa do Marfim, e de Porto Novo, no Daom
(atual Benin), e ilha de Lagos (no que consiste atualmente a
Nigria). Na frica setentrional, em 1880, os franceses tinham
colonizado apenas a Arglia. Da frica oriental, nem um s palmo de
terra havia tombado em mos de qualquer potncia europeia, enquanto,
na frica central, o poder exercido pelos portugueses restringia -se
a algumas faixas costeiras de Moambique e Angola. S na frica
meridional que a dominao estrangeira se achava firmemente
implantada, estendendo -se largamente pelo interior da regio (ver
figura 1.1).
-
2 frica sob dominao colonial, 1880-1935
figura 1.1 A frica em 1880, em vsperas da partilha e da
conquista.
-
3A frica diante do desafio colonial
At 1880, em cerca de 80% do seu territrio, a frica era governada
por seus prprios reis, rainhas, chefes de cls e de linhagens, em
imprios, reinos, comunidades e unidades polticas de porte e
natureza variados.
No entanto, nos trinta anos seguintes, assiste -se a uma
transmutao extra-ordinria, para no dizer radical, dessa situao. Em
1914, com a nica exce-o da Etipia e da Libria, a frica inteira v
-se submetida dominao de potncias europeias e dividida em colnias
de dimenses diversas, mas de modo geral, muito mais extensas do que
as formaes polticas preexistentes e, muitas vezes, com pouca ou
nenhuma relao com elas. Nessa poca, alis, a frica no assaltada
apenas na sua soberania e na sua independncia, mas tambm em seus
valores culturais.
Como Ferhat Abbas salientava em 1930, a propsito da colonizao da
Arglia pelos franceses, para a Frana
a colonizao constitui apenas uma empreitada militar e econmica,
posteriormente defendida por um regime administrativo apropriado;
para os argelinos, contudo, uma verdadeira revoluo, que vem
transtornar todo um antigo mundo de crenas e ideias, um modo
secular de existncia. Coloca todo um povo diante de sbita mudana.
Uma nao inteira, sem estar preparada para isso, v -se obrigada a se
adaptar ou, se no, sucumbir. Tal situao conduz necessariamente a um
desequil-brio moral e material, cuja esterilidade no est longe da
desintegrao completa1.
Essas observaes sobre a natureza do colonialismo valem no s para
a colonizao francesa da Arglia mas para toda a colonizao europeia
da frica, sendo as diferenas de grau e no de gnero, de forma e no
de fundo. Em outras palavras, durante o perodo entre 1880 e 1935, a
frica teve de enfrentar um desafio particularmente ameaador: o
desafio do colonialismo.
Grau de preparao dos africanos
Qual foi a atitude dos africanos perante a irrupo do
colonialismo, que traz consigo to fundamental mutao na natureza das
relaes existentes entre eles e os europeus nos trs ltimos sculos?
Eis uma questo ainda no estudada em profundidade pelos
historiadores, tanto africanos como europeus, que, no entanto,
precisa ser respondida. E a resposta clara e inequvoca: na sua
esma-gadora maioria, autoridades e dirigentes africanos foram
profundamente hostis
1 ABBAS, 1931, p. 9, apud BERQUE, captulo 24 deste volume.
-
4 frica sob dominao colonial, 1880-1935
a essa mudana e declararam -se decididos a manter o status quo
e, sobretudo, a assegurar sua soberania e independncia, pelas quais
praticamente nenhum deles estava disposto a transigir, por menos
que fosse. Tal resposta pode ser encontrada nas declaraes dos
dirigentes africanos da poca.
Em 1891, quando os britnicos ofereceram proteo a Prempeh I, rei
dos Ashanti, na Costa do Ouro (atual Gana), ele replicou:
A proposta para o pas Ashanti, na presente situao, colocar -se
sob a proteo de Sua Majestade, a Rainha e Imperatriz da ndia, foi
objeto de exame aprofundado, mas me permitam dizer que chegamos
seguinte concluso: meu reino, o Ashanti, jamais aderir a uma tal
poltica. O pas Ashanti deve continuar a manter, como at agora, laos
de amizade com todos os brancos. No por ufanismo que escrevo isto,
mas tendo clareza do significado das palavras [...]. A causa dos
Ashanti progride, e nenhum Ashanti tem a menor razo para se
preocupar com o futuro ou para acreditar, por um s instante, que as
hostilidades passadas tenham prejudicado a nossa causa2.
Em 1895, Wogobo, o Moro Naba, ou rei dos Mossi (na atual
Repblica do Alto Volta), declarou ao oficial francs, capito
Destenave:
Sei que os brancos querem me matar para tomar o meu pas, e,
ainda assim, voc insiste em que eles me ajudaro a organiz -lo. Por
mim, acho que meu pas est muito bem como est. No preciso deles. Sei
o que me falta e o que desejo: tenho meus prprios mercadores;
considere -se feliz por no mandar cortar -lhe a cabea. Parta agora
mesmo e, principalmente, no volte nunca mais3.
Em 1883, Lat -Dior, o damel de Cayor (no atual Senegal), de quem
se voltar a falar no captulo 6, em 1890, Machemba, chefe dos Yao de
Tanganica (atual Tan-znia), citado mais adiante, no captulo 3, e
Hendrik Wittboi, um dos soberanos da regio que hoje constitui a
Nambia, tambm referido no captulo 3, tiveram a mesma atitude em
face do colonizador. Mas um dos ltimos e mais fascinantes
testemunhos que gostaramos de citar aqui o emocionante apelo lanado
em abril de 1891 por Menelik, imperador da Etipia, rainha Victoria,
da Inglaterra. A mesma mensagem foi enviada aos dirigentes da
Frana, Alemanha, Itlia e Rssia. Neste apelo Menelik definia
primeiramente as fronteiras que eram ento as da Etipia e
expressando ambies expansionistas pessoais declarava a inteno de
restabelecer as antigas fronteiras da Etipia at Khartum e o lago
Niza, a includos todos os territrios de Galla, acrescentando:
2 Apud FYNN, 1971, p. 43 -4. 3 Apud CROWDER, 1968, p. 97.
-
5A frica diante do desafio colonial
No tenho a menor inteno de ser um espectador indiferente, caso
ocorra a potn-cias distantes dividir a frica, pois a Etipia h
quatorze sculos tem sido uma ilha crist num mar de pagos. Dado que
o Todo -Poderoso at agora tem protegido a Etipia, tenho a esperana
de que continuar a proteg -la e a engrandec -la e no penso sequer
um instante que Ele permita que a Etipia seja dividida entre outros
Estados. Antigamente, as fronteiras da Etipia eram o mar. No tendo
recorrido fora nem recebido ajuda dos cristos, nossas fronteiras
martimas caram em mos dos muulmanos. No abrigamos hoje a pretenso
de recuper -las pela fora, mas esperamos que as potncias crists,
inspiradas por nosso Salvador, Jesus Cristo, as devolvam a ns ou
nos concedam pelo menos alguns pontos de acesso ao mar4.
Quando, apesar deste apelo, os italianos lanaram sua campanha
contra a Etipia, com a conivncia do Reino Unido e da Frana, Menelik
proclamou de novo, em 17 de setembro de 1895, uma ordem de
mobilizao na qual declarava:
Os inimigos vm agora se apoderar de nosso pas e mudar nossa
religio [...]. Nossos inimigos comearam a avanar abrindo caminho na
terra como toupeiras. Com a ajuda de Deus, no lhes entregarei meu
pas [...]. Hoje, que os fortes me emprestem sua fora e os fracos me
ajudem com suas oraes5.
Essas so as respostas textuais dos homens que tiveram de fazer
frente ao colonia-lismo: elas mostram, incontestavelmente, sua
determinao em opor -se aos europeus e em defender sua soberania,
sua religio e seu modo de vida tradicional.
Tambm deixam claro que esses dirigentes tinham a certeza de
estar prepa-rados para enfrentar os invasores europeus, alis, com
razo. No tinham eles plena confiana em sua magia, nos antepassados
e, certamente, em seus deuses (ou deus), que no deixariam de vir em
sua ajuda? Muitos deles, em vsperas dos confrontos fsicos reais,
recorreram s oraes, aos sacrifcios ou s poes e feitios. Como
registrou Elliot P. Skinner:
Os Mossi de modo geral acreditam que, quando os franceses
atacaram Uagadugu, o Moro Naba Wogobo, deposto, ofereceu sacrifcios
s divindades da terra. Conforme a tradio, sacrificou um galo preto,
um carneiro preto, um burro preto e um escravo negro numa elevada
colina, perto do Volta Branco, implorando deusa da terra que
4 ASMAI, Arquivos do Ministerio degli Affari Esteri (Roma),
Ethiopia Poso 36/13 -109 Menelik to Queen Victoria, Adis Abeba, 14
Miazia, 1883, documento acrescentado a Tarnielli to MAE, Londres, 6
de agosto de 1891.
5 Apud MARCUS, 1975, p. 160.
-
6 frica sob dominao colonial, 1880-1935
repelisse os franceses e aniquilasse o traidor Mazi, que eles
tinham colocado no trono6.
Como se ver em muitos dos captulos seguintes, a religio foi
efetivamente uma das armas empregadas contra o colonialismo. Alm
disso, vrios dirigentes africanos s tinham conseguido edificar seus
imprios, de propores variveis, poucos decnios antes, e alguns
estavam ainda em vias de alargar ou de restaurar seu reino. Muitos
poderiam ter defendido sua soberania, apoiados pelos sditos,
utilizando as armas e as tticas tradicionais. Alguns, como Samori
Tour, chefe do imprio Manden, da frica ocidental, ou Menelik, da
Etipia, tinham at mesmo conseguido modernizar seus exrcitos. Nessas
condies, no viam por que no estariam aptos a preservar sua
soberania e pensavam poder desfazer os planos dos invasores usando
a diplomacia. Conforme veremos, em 1889, no momento em que Cecil
Rhodes se aprestava para ocupar o pas dos Ndebele, o rei destes,
Lobengula, enviou uma delegao a Londres para se avistar com a
rainha Victoria; em 1896, quando o exrcito dos invasores britnicos
avanava em direo a Kumasi para prender Prempeh, que, cinco anos
antes, rejeitara a oferta de proteo do Reino Unido, este manda uma
misso diplomtica dotada de amplos poderes junto rainha Victoria;
como vimos, Menelik tinha feito apelo anlogo a esta mesma soberana,
assim como a outros chefes de Estado europeus.
Fica tambm evidente, com a leitura de algumas citaes aqui
feitas, que nume-rosos dirigentes africanos, de fato, acolheram
muito favoravelmente as inovaes que com regularidade foram sendo
introduzidas depois do primeiro tero do sculo XIX, pois at ento
elas no tinham feito pesar nenhuma ameaa sobre sua soberania e
independncia. Na frica ocidental, por exemplo, os missionrios
fundaram, em Serra Leoa, j em 1826, o Fourah Bay College, assim
como escolas primrias e duas escolas secundrias, uma na Costa do
Ouro e a outra na Nigria, nos anos de 1870. O pan -africanista
antilhano Edward Wilmot Blyden chegara mesmo a lanar um apelo a
favor da criao de uma universidade na frica ocidental. Africanos
ricos, em 1887, comeavam a enviar os filhos para a Europa para
prosseguir os estudos e receber uma formao profissional. Podemos
citar, a propsito, o caso de John Mensah Sarbah, que voltou para a
Costa do Ouro com todos os seus diplomas de jurista.
Mais ainda, aps a abolio do hediondo trfico de escravos, os
africanos tinham se mostrado capazes de se adaptar a um sistema
econmico baseado
6 SKINNER, E. P., 1964, p. 133. Ver tb. ISICHEI, 1977, p.
181.
-
7A frica diante do desafio colonial
na exportao de produtos agrcolas: leo de palma na Nigria,
amendoim no Senegal e na Gmbia, antes de 1880; na Costa do Ouro, o
cacau foi reintrodu-zido em 1879 por Tetteh Quashie, vindo de
Fernando P. Todas essas trans-formaes se produziram sem controle
europeu direto, salvo em alguns bolses costeiros. Quanto aos
africanos ocidentais que, em nmero bem reduzido, se tinham
beneficiado de uma educao europeia, gozavam de situao bastante
invejvel no incio dos anos de 1880. Dominavam a administrao, onde
ocu-pavam os raros postos existentes oferecidos pelas administraes
europeias; na costa, alguns deles dirigiam as prprias empresas de
importao e exportao e exerciam o monoplio sobre a distribuio dos
produtos importados. Na frica oriental que a influncia europeia era
ainda mnima, embora, aps as viagens memorveis de Livingstone e de
Stanley, bem como a subsequente propaganda das sociedades
missionrias, a chegada das igrejas, das escolas e, depois, das
estradas e das ferrovias fosse simples questo de tempo.
Os africanos no viam, portanto, nenhuma necessidade de modificar
radical-mente suas relaes seculares com a Europa, certos de que, se
os europeus qui-sessem lhes impor mudanas pela fora e avanar em
suas terras, conseguiriam barrar -lhes o caminho, tal como vinham
fazendo h dois ou trs sculos. Da esse tom de confiana, se no de
desafio, perceptvel nas palavras j citadas.
No entanto um fato escapava aos africanos: em 1880, graas ao
desenvol-vimento da revoluo industrial na Europa e ao progresso
tecnolgico que ela acarretara inveno do navio a vapor, das estradas
de ferro, do telgrafo e sobretudo da primeira metralhadora, a Maxim
, os europeus que eles iam enfrentar tinham novas ambies polticas,
novas necessidades econmicas e tecnologia relativamente avanada.
Por outras palavras, os africanos no sabiam que o tempo do livre
-cambismo e do controle poltico oficioso cedera lugar, conforme diz
Basil Davidson, era do novo imperialismo e dos monoplios
capitalistas rivais 7.
Os europeus j no queriam apenas trocar bens, mas exercer
controle poltico direto sobre a frica. Alm disso, os dirigentes
africanos no sabiam que as espingardas que eles usavam e
armazenavam at ento, de carregar pela boca (os franceses tomaram
21365 espingardas dos Baule da Costa do Marfim, depois de esmagada
a sua ltima revolta, em 1911)8, estavam inteiramente fora de moda,
no podendo ser comparadas aos novos fuzis dos europeus, de carregar
pela culatra, com cadncia de tiro quase dez vezes superior e carga
seis vezes
7 DAVIDSON, B., 1978a, p. 19. 8 WEISKEL, 1980, p. 203.
-
8 frica sob dominao colonial, 1880-1935
mais forte, nem s novas metralhadoras Maxim, ultra rrpidas (ver
figura 1.2). O poeta ingls Hilaire Belloc resume bem a situao:
Acontea o que acontecer, ns temos a metralhadora, e eles
no9.
Foi a que os dirigentes africanos cometeram um erro de clculo,
que, em numerosos casos, teve consequncias trgicas. Como veremos,
todos os chefes citados, com exceo de apenas um, foram vencidos e
perderam a soberania.
Alm disso, Lat -Dior foi morto; Prempeh, Behanzin e Cetshwayo,
rei dos Zulus, foram exilados; Lobengula, chefe dos Ndebele, morreu
em fuga. Apenas Menelik, como veremos em captulo posterior,
conseguiu vencer os invasores italianos, preservando assim sua
soberania e independncia.
Estrutura do volume VII
evidente, portanto, que as relaes entre africanos e europeus se
modi-ficaram radicalmente e que a frica teve de enfrentar, entre
1880 e 1935, o grande desafio do colonialismo. Quais foram as
origens desse fantstico desafio, o colonialismo? Em outras
palavras, por que e como as relaes existentes havia trs sculos
entre a frica e a Europa sofreram uma reviravolta to drstica e to
fundamental durante esse perodo? Como que se instalou o sistema
colonial na frica e que medidas polticas e econmicas, psicolgicas e
ideolgicas foram adotadas para sustentar esse sistema? At que ponto
a frica estava preparada para enfrentar tal desafio, como que o
enfrentou e com que resultado? Entre as inovaes, quais as que foram
aceitas e quais as rejeitadas? Que que subsistiu do antigo sistema
e que elementos foram destrudos? Que adaptaes, que arranjos foram
feitos? Quantas instituies foram abaladas e quantas se
desintegraram? Quais os efeitos de todos esses fenmenos sobre a
frica, seus povos, suas estru-turas e instituies polticas, sociais
e econmicas? Enfim, qual foi o significado do colonialismo para a
frica e sua histria? a tais questes que este volume procurar
responder.
Com esse fim em vista, bem como com o propsito de explicar as
iniciativas e reaes africanas em face do desafio colonial,
dividimos este volume, parte os dois primeiros captulos, em trs
grandes sees. Cada uma precedida por um captulo (3, 13, 22), onde
apresentamos um apanhado geral do tema da seo, visto de uma
perspectiva africana global; depois, nos captulos seguintes,
9 Apud PERHAN, 1961, p. 32.
-
9A
frica diante do desafio colonial
Figura 1.2 A guerra dos Ashanti, em 1896 (Costa do Ouro): o
invasor britnico equipado com metralhadora Maxim. (Fonte: Muse de
lHomme).
-
10 frica sob dominao colonial, 1880-1935
abordamos o mesmo tema do ponto de vista regional. A seo
introdutria, que compreende o presente captulo e o que se segue,
estuda as atitudes dos africanos e seu grau de preparao em vsperas
da transmutao fundamental que se d nas relaes entre a frica e os
europeus, bem como os motivos da partilha, da conquista e da ocupao
da frica pelas potncias imperialistas europeias. Convm realar, pois
frequentemente se ignora, que a fase da conquista efetiva foi
precedida por anos de negociaes entre essas potncias e os
dirigentes africanos e por colquios que redundaram em tratados.
Cumpre insistir nessa fase de negociaes, pois ela mostra que as
potncias europeias originalmente aceitavam a contraparte africana
como igual e reconheciam a soberania e a independncia das
sociedades e dos Estados africanos.
A segunda seo trata das iniciativas e reaes africanas diante da
conquista e da ocupao do continente, tema grosseiramente deturpado
ou inteiramente ignorado, at os anos de 1960, pela escola colonial
da historiografia africana. Para os membros dessa escola, tais como
H. H. Johnston, sir Alan Burns e, mais recentemente, Margery
Perham, Lewis H. Gann e Peter Duignan10, os africanos teriam de
fato acolhido favoravelmente a dominao colonial, j que ela no s os
preservava da anarquia e das guerras civis mas tambm lhes trazia
algumas vantagens concretas. Citemos, a esse respeito, Margery
Perham:
A maioria das tribos aceitou rapidamente a dominao europeia,
considerando que ela fazia parte de uma ordem irresistvel, da qual
podiam extrair numerosas vanta-gens, essencialmente a paz, e
inovaes apaixonantes: ferrovias e estradas, lmpadas, bicicletas,
arados, culturas e alimentos novos e tudo o que podia ser adquirido
ou provado nas cidades. Essa dominao trouxe s classes dirigentes
tradicionais ou recm -criadas maior autoridade e segurana, bem como
novas formas de riqueza e de poder. Por muito tempo, apesar da
extrema perplexidade que estas provocaram, as revoltas foram
bastante raras, e no parece que a dominao tenha sido sentida como
uma indignidade11.
Semelhantes ideias tambm se refletem no uso de termos
eurocntricos, tais como pacificao, Pax Britannica e Pax Gallica,
que descrevem a conquista e a ocupao da frica entre 1880 e 1914. Os
historiadores que dedicaram certo interesse ao assunto s o
mencionaram, por assim dizer, de passagem. Na obra A short history
of Africa, publicada em 1962, uma das primeiras anlises modernas
realmente srias da histria da frica, os historiadores ingleses
Roland Oliver e
10 JOHNSTON, H. H., 1899, 1913; BURNS, 1957; PERHAM, 1960a; GANN
& DUIGNAN, 1967.11 PERHAM, 1960a, p. 28.
-
11A frica diante do desafio colonial
J. D. Fage consagram apenas um pargrafo ao que eles chamam de
resistncia tenaz dos africanos, num captulo de quatorze pginas
dedicado ao que depois se conheceu como corrida europeia s colnias
africanas. para corrigir essa falsa interpretao da escola colonial,
para restabelecer os fatos e dar relevo perspectiva africana que
resolvemos destinar sete captulos ao tema das inicia-tivas e reaes
africanas.
Ver -se - neles que no h nenhuma evidncia em apoio tese segundo
a qual os africanos teriam acolhido com entusiasmo os soldados
invasores e rapida-mente aceitado a dominao colonial. Na realidade,
as reaes africanas foram exatamente o inverso. Est bem claro que os
africanos s tinham duas opes: ou renunciar sem resistncia soberania
e independncia, ou defend -las a qualquer custo. muito
significativo que a maioria dos dirigentes africanos, como ser
amplamente demonstrado neste volume, tenha optado sem hesitar pela
defesa da sua soberania e independncia, a despeito das estruturas
polticas e socioeconmicas de seus Estados e das mltiplas
desvantagens que sofriam. De um lado, a superioridade do adversrio,
de outro, a bravia determinao de resistir a todo preo esto
traduzidas no baixo -relevo reproduzido na sobrecapa desta obra.
Esse baixo -relevo, pintado numa das paredes do palcio dos reis do
Daom, em Abomey, mostra um africano armado de arco e flecha,
barrando desafiadoramente o caminho a um europeu armado com uma
pistola.
John D. Hargreaves coloca esta interessante questo em artigo
recente:
Dadas as diversas atitudes possveis da parte dos invasores
europeus, os dirigentes africanos podiam escolher entre vrias opes.
No nmero das vantagens de curto prazo que lhes ofereciam os
tratados ou a colaborao com os europeus, estava no s o acesso s
armas de fogo e aos bens de consumo, mas ainda a possibilidade de
conquistar para a sua causa aliados poderosos, que os ajudariam em
suas disputas externas ou internas. Ento, por que motivo tantos
Estados africanos rejeitaram essas oportunidades, preferindo
resistir aos europeus nos campos de batalha?12.
A resposta pode parecer enigmtica, mas somente para os que
encaram o problema do ponto de vista eurocntrico. Para o africano,
o que estava em jogo, na verdade, no era esta ou aquela vantagem a
curto ou a longo prazo, mas sua terra e sua soberania. precisamente
por essa razo que quase todas as sociedades africanas centralizadas
ou no optaram mais cedo ou mais tarde por manter, defender ou
recuperar sua soberania; no podiam aceitar nenhum compromisso que a
pusesse em risco, e, de fato, foram numerosos os chefes que
12 HARGREAVES, 1969, p. 205 -6.
-
12 frica sob dominao colonial, 1880-1935
preferiram morrer no campo de batalha, exilar -se
voluntariamente ou ser des-terrados pela fora a renunciar sem
combate soberania de seu pas.
Assim, os dirigentes africanos, na sua maioria, optaram pela
defesa de sua soberania e independncia, diferindo nas estratgias e
nas tticas adotadas para alcanar esse objetivo comum. A maior parte
deles escolheu a estratgia do confronto, recorrendo s armas
diplomticas ou s militares, quando no empre-gando as duas, como foi
o caso de Samori Tour e Kabarega (de Bunyoro), que veremos mais
adiante; j Prempeh e Mwanga (de Buganda) recorreram exclusivamente
diplomacia. Outros, como Tofa, de Porto Novo (no atual Benin),
adotaram a estratgia da aliana ou da cooperao, mas no a colabo-rao.
Cumpre insistir nesta questo da estratgia, pois ela foi
grosseiramente desfigurada at o presente, de forma que j se
classificaram alguns soberanos africanos como colaboradores,
qualificando sua atividade como colaborao. Somos contrrios ao
emprego do termo colaborao, pois, alm de inexato, pejorativo e
eurocntrico. Conforme j vimos, a soberania era o problema
fun-damental em jogo entre os anos de 1880 e 1900 para os
dirigentes africanos e, quanto a isso, est bem claro que nenhum
deles se prestava a fazer acordos. Os dirigentes africanos
qualificados erroneamente como colaboradores eram aque-les que
estimavam que a melhor maneira de preservar sua soberania ou mesmo
de recuperar a soberania acaso perdida em proveito de alguma
potncia africana, antes da chegada dos europeus, no consistia em
colaborar, mas antes em se aliar aos invasores europeus. Por
colaborador entende -se seguramente aquele que trai a causa
nacional unindo -se ao inimigo para defender os alvos e objetivos
deste ltimo ao invs dos interesses de seu prprio pas. Ora, como j
vimos, todos os africanos se viam confrontados com o problema de
abandonar, conservar ou recuperar sua soberania. Tal era o objetivo
daqueles que ligaram sua sorte dos europeus, sendo inteiramente
falso qualific -los de colaboradores.
Seja como for, depois da Segunda Guerra Mundial, o termo
colaborador ganhou sentido pejorativo, e interessante notar que
certos historiadores que o empregam tm conscincia disso. R.
Robinson, por exemplo, declara: Convm sublinhar que o termo
[colaborador] no utilizado em sentido pejorativo 13.
Se h o risco de o termo assumir tal sentido, por que empreg -lo
ento, em especial no caso da frica, em que particularmente inexato?
Por que no usar a palavra aliado, bem mais conveniente? Assim,
Tofa, rei dos Gun de Porto Novo, sempre citado como um exemplo
tpico de colaborador. Mas s-lo -ia
13 ROBINSON, R., 1972, p. 120.
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13A frica diante do desafio colonial
na verdade? Como Hargreaves claramente mostrou14, Tofa tinha de
enfrentar trs diferentes inimigos no momento da chegada dos
franceses: os Yoruba, a nordeste, os reis Fon do Daom, ao norte, e
os britnicos, na costa, de modo que, com certeza, considerou a
chegada dos franceses um presente dos cus, uma oportunidade no s
para preservar sua soberania, mas at para obter algumas vantagens
custa de seus inimigos. Era, pois, natural que Tofa quisesse aliar
-se aos franceses, e no colaborar com eles. S historiadores sem
conscincia dos problemas que Tofa tinha de enfrentar naquela poca
ou que negam ao afri-cano toda iniciativa ou o conhecimento de seus
prprios interesses, ou ainda aqueles que encaram a matria de uma
perspectiva eurocntrica, que o classi-ficam como colaborador. Alm
do mais, o fato de esses pretensos colaboradores, amide prontos a
se aliar aos europeus, muitas vezes, mais tarde, oporem -lhes
resistncia lutando contra eles outra prova da inexatido do termo:
Wogobo, rei dos Mossi, Lat -Dior, o damel de Cayor, e o prprio
grande Samori Tour so exemplos do absurdo total do
qualificativo.
Afinal de contas, s historiadores realmente ignorantes da situao
poltica e etnocultural da frica em vsperas da conquista e da
partilha europeias ou que tenham a respeito opinies simplistas usam
esse termo. Partem da hiptese de que, a exemplo de muitos pases
europeus, os pases africanos so habitados pelo mesmo grupo
etnocultural ou pela mesma nao e, portanto, todo segmento da
populao que se alie a um invasor justifica a denominao de
colaborador; mas, na frica, nenhum pas, nenhuma colnia, nenhum
imprio era povoado por um s grupo tnico. Todos os pases e imprios
contavam numerosas naes ou grupos etnoculturais to diferentes uns
dos outros como os italianos o so, por exemplo, dos alemes ou dos
franceses. Alm disso, antes da chegada dos invasores europeus, as
relaes entre esses diferentes grupos eram muito fre-quentemente
hostis, sendo, alis, possvel que alguns estivessem sob o domnio de
outros. Chamar de colaboradores esses grupos subjugados ou hostis
porque optaram por se juntar aos invasores europeus para lutar
contra seus inimigos ou senhores estranhos no compreender nada da
questo. Na verdade, como se poder constatar em certos captulos
deste volume, a natureza das reaes afri-canas colonizao foi
determinada no s pela situao poltica e etnocultural com que se
defrontavam os povos africanos, mas tambm pela prpria natureza das
foras socioeconmicas presentes em cada sociedade poca do confronto,
bem como da sua organizao poltica.
14 HARGREAVES, 1969, p. 214 -6.
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14 frica sob dominao colonial, 1880-1935
Muitos historiadores europeus tm condenado os opositores por
roman-tismo e falta de perspiccia, louvando, ao contrrio, o
progressismo e a cla-rividncia dos colaboradores. Segundo os termos
empregados por Oliver e Fage em 1962:
Se [os dirigentes africanos] fossem perspicazes e bem
-informados, mais particular-mente, se tivessem acesso a
conselheiros estrangeiros, como missionrios ou comer-ciantes,
poderiam compreender muito bem que nada teriam a ganhar resistindo,
mas, pelo contrrio, muito ganhariam negociando. Se fossem menos
clarividentes, tivessem menos sorte ou fossem menos bem
aconselhados, perceberiam que seus inimigos tradicionais estavam do
lado do invasor e adotariam ento uma atitude de resistncia que
facilmente podia terminar numa derrota militar, na deposio do
chefe, na perda de territrios em proveito dos aliados autctones da
potncia ocu-pante, talvez pela fragmentao poltica da sociedade ou
do Estado [...] Tal como no tempo do trfico de escravos, havia
ganhadores e perdedores e encontravam -se representantes de ambos
nos confins de cada territrio colonial15.
Ronald E. Robinson e John Gallagher tambm descreveram a oposio
ou a resistncia como lutas romnticas de reao contra a realidade,
protestos apaixonados de sociedades traumatizadas pela nova era de
mudanas e que no s