Comit Cientfico Internacional da UNESCO para Redao da Histria
Geral da frica
HISTRIA GERAL DA FRICA IVfrica dosculo XII ao XVI
UNESCO Representao no BRASILMinistrio da Educao do
BRASILUniversidade Federal de So Carlos
EDITOR DJIBRIL TAMSIR NIANE
HISTRIA GERAL DA FRICA IVfrica do sculo XII ao XVI
Comit Cientfico Internacional da UNESCO para Redao da Histria
Geral da frica
Coleo Histria Geral da frica da UNESCO
Volume I Metodologia e pr-histria da frica (Editor J.
Ki-Zerbo)
Volume II frica antiga (Editor G. Mokhtar)
Volume III frica do sculo VII ao XI (Editor M. El Fasi) (Editor
Assistente I. Hrbek)
Volume IV frica do sculo XII ao XVI (Editor D. T. Niane)
Volume V frica do sculo XVI ao XVIII (Editor B. A. Ogot)
Volume VI frica do sculo XIX dcada de 1880 (Editor J. F. A.
Ajayi)
Volume VII frica sob dominao colonial, 1880-1935 (Editor A. A.
Boahen)
Volume VIII frica desde 1935 (Editor A. A. Mazrui) (Editor
Assistente C. Wondji)
Os autores so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos
contidos neste livro, bem como pelas opinies nele expressas, que no
so necessariamente as da UNESCO, nem comprometem a Organizao. As
indicaes de nomes e apresentao do material ao longo deste livro no
implicam a manifestao de qualquer opinio por parte da UNESCO a
respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade,
regio ou de suas autoridades, tampouco da delimitao de suas
fronteiras ou limites.
Comit Cientfico Internacional da UNESCO para Redao da Histria
Geral da frica
HISTRIA GERAL DA FRICA IVfrica do sculo XII ao XVIEDITOR DjIbRIl
TamsIR NIaNE
Organizaodas Naes Unidas
para a Educao,a Cincia e a Cultura
Histria geral da frica, IV: frica do sculo XII ao XVI / editado
por Djibril Tamsir Niane. 2.ed. rev. Braslia : UNESCO, 2010.
896 p.
ISBN: 978-85-7652-126-6
1. Histria 2. Histria medieval 3. Histria africana 4. Culturas
africanas 5. frica I. Niane, Djibril Tamsir II. UNESCO III. Brasil.
Ministrio da Educao IV. Universidade Federal de So Carlos
Esta verso em portugus fruto de uma parceria entre a Representao
da UNESCO no Brasil, a Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao
e Diversidade do Ministrio da Educao do Brasil (Secad/MEC) e a
Universidade Federal de So Carlos (UFSCar).
Ttulo original: General History of Africa, IV: Africa from the
twelfth to the sixteenth century. Paris: UNESCO; Berkley, CA:
University of California Press; London: Heinemann Educational
Publishers Ltd., 1984. (Primeira edio publicada em ingls).
UNESCO 2010 (verso em portugus com reviso ortogrfica e reviso
tcnica)
Coordenao geral da edio e atualizao: Valter Roberto
SilvrioReviso tcnica: Kabengele MunangaPreparao de texto: Eduardo
Roque dos Reis FalcoReviso e atualizao ortogrfica: M. Corina
RochaProjeto grfico e diagramao: Marcia Marques / Casa de Ideias;
Edson Fogaa e Paulo Selveira / UNESCO no Brasil
Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura
(UNESCO)Representao no BrasilSAUS, Quadra 5, Bloco H, Lote 6, Ed.
CNPq/IBICT/UNESCO, 9 andar70070-912 Braslia DF BrasilTel.: (55 61)
2106-3500Fax: (55 61) 3322-4261Site: www.unesco.org/brasiliaE-mail:
[email protected]
Ministrio da Educao (MEC)Secretaria de Educao Continuada,
Alfabetizao e Diversidade (Secad/MEC) Esplanada dos Ministrios, Bl.
L, 2 andar70047-900 Braslia DF BrasilTel.: (55 61) 2022-9217Fax:
(55 61) 2022-9020Site: http://portal.mec.gov.br/index.html
Universidade Federal de So Carlos (UFSCar)Rodovia Washington
Luis, Km 233 SP 310Bairro Monjolinho13565-905 So Carlos SP
BrasilTel.: (55 16) 3351-8111 (PABX)Fax: (55 16) 3361-2081Site:
http://www2.ufscar.br/home/index.php
Impresso no Brasil
http://www.unesco.org/brasiliamailto:[email protected]://portal.mec.gov.br/index.htmlhttp://www2.ufscar.br/home/index.php
SUMRIO
Apresentao
...................................................................................VIINota
dos Tradutores
..........................................................................
IXCronologia
.......................................................................................
XILista de Figuras
.............................................................................
XIIIPrefcio
..........................................................................................XIXApresentao
do Projeto
.................................................................XXV
Captulo 1 Introduo
...............................................................................
1Captulo 2 A unificao do Magreb sob os
Almadas............................ 17Captulo 3 A expanso da
civilizao magrebina: seu impacto sobre a
civilizao ocidental
..............................................................
65Captulo 4 A desintegrao da unidade poltica no Magreb
................... 89Captulo 5 A sociedade no Magreb aps o
desaparecimento dos
Almadas
............................................................................
117Captulo 6 O Mali e a segunda expanso manden
............................... 133Captulo 7 O declnio do Imprio do
Mali .......................................... 193Captulo 8 Os
Songhai do sculo XII ao XVI ......................................
211Captulo 9 Os povos e reinos da curva do Nger e da bacia do
Volta,
do sculo XII ao XVI
..........................................................
237Captulo 10 Reinos e povos do Chade
.................................................. 267
VI frica do sculo xii ao sculo xvi
Captulo 11 Os Haussa e seus vizinhos do Sudo central
.................... 299Captulo 12 Os povos da costa primeiros
contatos com os
portugueses de Casamance s lagunas da costa do Marfim
.............................................................................
337
Captulo 13 Das lagunas da Costa do Marfim at o Volta
................... 361Captulo 14 Do rio Volta aos Camares
............................................... 379Captulo 15 O
Egito no mundo muulmano (do sculo XII ao
incio do XVI)
..................................................................
415Captulo 16 A Nbia, do fim do sculo XII at a conquista pelos
Funj, no incio do sculo XVI
.......................................... 445Captulo 17 O Chifre
da frica: os Salomnidas na Etipia e os
Estados do Chifre da frica
............................................ 475Captulo 18 O
desenvolvimento da civilizao swahili .........................
511Captulo 19 Entre a costa e os Grandes Lagos
..................................... 539Captulo 20 A regio dos
Grandes Lagos .............................................
559Captulo 21 As bacias do Zambeze e do Limpopo, entre 1100 e
1500
.................................................................................
591Captulo 22 A frica equatorial e Angola: as migraes e o
surgimento dos primeiros Estados
................................... 623Captulo 23 A frica
meridional: os povos e as formaes sociais ....... 655Captulo 24
Madagscar e as ilhas vizinhas, do sculo XII ao XVI ......
677Captulo 25 Relaes e intercmbios entre as vrias regies
................ 697Captulo 26 A frica nas relaes intercontinentais
............................. 721Captulo 27 Concluso
.........................................................................
763
Membros do Comit Cientfico Internacional para a Redao de uma
Histria Geral da frica
...................................................779
Dados Biogrficos dos Autores do Volume
IV....................................781Abreviaes e Listas de
Peridicos
....................................................785Referncias
Bibliogrficas
................................................................793ndice
Remissivo
..............................................................................859
VIIAPRESENTAO
Outra exigncia imperativa de que a histria (e a cultura) da
frica devem pelo menos ser vistas de dentro, no sendo medidas por
rguas de valores estranhos... Mas essas conexes tm que ser
analisadas nos termos de trocas mtuas, e influncias multilaterais
em que algo seja ouvido da contribuio africana para o
desenvolvimento da espcie humana. J. Ki-Zerbo, Histria Geral da
frica, vol. I, p. LII.
A Representao da UNESCO no Brasil e o Ministrio da Educao tm a
satis-fao de disponibilizar em portugus a Coleo da Histria Geral da
frica. Em seus oito volumes, que cobrem desde a pr-histria do
continente africano at sua histria recente, a Coleo apresenta um
amplo panorama das civilizaes africanas. Com sua publicao em lngua
portuguesa, cumpre-se o objetivo inicial da obra de colaborar para
uma nova leitura e melhor compreenso das sociedades e culturas
africanas, e demons-trar a importncia das contribuies da frica para
a histria do mundo. Cumpre-se, tambm, o intuito de contribuir para
uma disseminao, de forma ampla, e para uma viso equilibrada e
objetiva do importante e valioso papel da frica para a humanidade,
assim como para o estreitamento dos laos histricos existentes entre
o Brasil e a frica.
O acesso aos registros sobre a histria e cultura africanas
contidos nesta Coleo se reveste de significativa importncia. Apesar
de passados mais de 26 anos aps o lana-mento do seu primeiro
volume, ainda hoje sua relevncia e singularidade so mundial-mente
reconhecidas, especialmente por ser uma histria escrita ao longo de
trinta anos por mais de 350 especialistas, sob a coordenao de um
comit cientfico internacional constitudo por 39 intelectuais, dos
quais dois teros africanos.
A imensa riqueza cultural, simblica e tecnolgica subtrada da
frica para o conti-nente americano criou condies para o
desenvolvimento de sociedades onde elementos europeus, africanos,
das populaes originrias e, posteriormente, de outras regies do
mundo se combinassem de formas distintas e complexas. Apenas
recentemente, tem-se considerado o papel civilizatrio que os negros
vindos da frica desempenharam na formao da sociedade brasileira.
Essa compreenso, no entanto, ainda est restrita aos altos estudos
acadmicos e so poucas as fontes de acesso pblico para avaliar este
complexo processo, considerando inclusive o ponto de vista do
continente africano.
APRESENTAO
VIII frica do sculo xii ao sculo xvi
A publicao da Coleo da Histria Geral da frica em portugus tambm
resul-tado do compromisso de ambas as instituies em combater todas
as formas de desigual-dades, conforme estabelecido na Declarao
Universal dos Direitos Humanos (1948), especialmente no sentido de
contribuir para a preveno e eliminao de todas as formas de
manifestao de discriminao tnica e racial, conforme estabelecido na
Conveno Internacional sobre a Eliminao de todas as Formas de
Discriminao Racial de 1965.
Para o Brasil, que vem fortalecendo as relaes diplomticas, a
cooperao econ-mica e o intercmbio cultural com aquele continente,
essa iniciativa mais um passo importante para a consolidao da nova
agenda poltica. A crescente aproximao com os pases da frica se
reflete internamente na crescente valorizao do papel do negro na
sociedade brasileira e na denncia das diversas formas de racismo. O
enfrentamento da desigualdade entre brancos e negros no pas e a
educao para as relaes tnicas e raciais ganhou maior relevncia com a
Constituio de 1988. O reconhecimento da prtica do racismo como
crime uma das expresses da deciso da sociedade brasileira de
superar a herana persistente da escravido. Recentemente, o sistema
educacional recebeu a responsabilidade de promover a valorizao da
contribuio africana quando, por meio da alterao da Lei de
Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB) e com a aprovao da Lei
10.639 de 2003, tornou-se obrigatrio o ensino da histria e da
cultura africana e afro-brasileira no currculo da educao bsica.
Essa Lei um marco histrico para a educao e a sociedade
brasileira por criar, via currculo escolar, um espao de dilogo e de
aprendizagem visando estimular o conheci-mento sobre a histria e
cultura da frica e dos africanos, a histria e cultura dos negros no
Brasil e as contribuies na formao da sociedade brasileira nas suas
diferentes reas: social, econmica e poltica. Colabora, nessa direo,
para dar acesso a negros e no negros a novas possibilidades
educacionais pautadas nas diferenas socioculturais presentes na
formao do pas. Mais ainda, contribui para o processo de
conhecimento, reconhecimento e valorizao da diversidade tnica e
racial brasileira.
Nessa perspectiva, a UNESCO e o Ministrio da Educao acreditam
que esta publica-o estimular o necessrio avano e aprofundamento de
estudos, debates e pesquisas sobre a temtica, bem como a elaborao
de materiais pedaggicos que subsidiem a formao inicial e continuada
de professores e o seu trabalho junto aos alunos. Objetivam assim
com esta edio em portugus da Histria Geral da frica contribuir para
uma efetiva educao das relaes tnicas e raciais no pas, conforme
orienta as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao das
Relaes tnico-Raciais e para o Ensino da Histria e Cultura
Afro-brasileira e Africana aprovada em 2004 pelo Conselho Nacional
de Educao.
Boa leitura e sejam bem-vindos ao Continente Africano.
Vincent Defourny Fernando Haddad
Representante da UNESCO no Brasil Ministro de Estado da Educao
do Brasil
IXNOTA DOS TRADUTORES
NOTA DOS TRADUTORES
A Conferncia de Durban ocorreu em 2001 em um contexto mundial
dife-rente daquele que motivou as duas primeiras conferncias
organizadas pela ONU sobre o tema da discriminao racial e do
racismo: em 1978 e 1983 em Genebra, na Sua, o alvo da condenao era
o apartheid.
A conferncia de Durban em 2001 tratou de um amplo leque de
temas, entre os quais vale destacar a avaliao dos avanos na luta
contra o racismo, na luta contra a discriminao racial e as formas
correlatas de discriminao; a avaliao dos obstculos que impedem esse
avano em seus diversos contextos; bem como a sugesto de medidas de
combate s expresses de racismo e intolerncias.
Aps Durban, no caso brasileiro, um dos aspectos para o
equacionamento da questo social na agenda do governo federal a
implementao de polticas pblicas para a eliminao das desvantagens
raciais, de que o grupo afrodescen-dente padece, e, ao mesmo tempo,
a possibilidade de cumprir parte importante das recomendaes da
conferncia para os Estados Nacionais e organismos
internacionais.
No que se refere educao, o diagnstico realizado em novembro de
2007, a partir de uma parceria entre a UNESCO do Brasil e a
Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade do
Ministrio da Educao (SECAD/MEC), constatou que existia um amplo
consenso entre os diferentes participan-tes, que concordavam, no
tocante a Lei 10.639-2003, em relao ao seu baixo grau de
institucionalizao e sua desigual aplicao no territrio nacional.
Entre
X frica do sculo xii ao sculo xvi
os fatores assinalados para a explicao da pouca
institucionalizao da lei estava a falta de materiais de referncia e
didticos voltados Histria de frica.
Por outra parte, no que diz respeito aos manuais e estudos
disponveis sobre a Histria da frica, havia um certo consenso em
afirmar que durante muito tempo, e ainda hoje, a maior parte deles
apresenta uma imagem racializada e eurocntrica do continente
africano, desfigurando e desumanizando especial-mente sua histria,
uma histria quase inexistente para muitos at a chegada dos europeus
e do colonialismo no sculo XIX.
Rompendo com essa viso, a Histria Geral da frica publicada pela
UNESCO uma obra coletiva cujo objetivo a melhor compreenso das
sociedades e cul-turas africanas e demonstrar a importncia das
contribuies da frica para a histria do mundo. Ela nasceu da demanda
feita UNESCO pelas novas naes africanas recm-independentes, que
viam a importncia de contar com uma his-tria da frica que
oferecesse uma viso abrangente e completa do continente, para alm
das leituras e compreenses convencionais. Em 1964, a UNESCO assumiu
o compromisso da preparao e publicao da Histria Geral da frica. Uma
das suas caractersticas mais relevantes que ela permite compreender
a evoluo histrica dos povos africanos em sua relao com os outros
povos. Contudo, at os dias de hoje, o uso da Histria Geral da frica
tem se limitado sobretudo a um grupo restrito de historiadores e
especialistas e tem sido menos usada pelos professores/as e
estudantes. No caso brasileiro, um dos motivos desta limitao era a
ausncia de uma traduo do conjunto dos volumes que compem a obra em
lngua portuguesa.
A Universidade Federal de So Carlos, por meio do Ncleo de
Estudos Afrobrasileiros (NEAB/UFSCar) e seus parceiros, ao concluir
o trabalho de traduo e atualizao ortogrfica do conjunto dos
volumes, agradece o apoio da Secretaria de Educao Continuada,
Alfabetizao e Diversidade (SECAD), do Ministrio da Educao (MEC) e
da UNESCO por terem propiciado as condies para que um conjunto cada
vez maior de brasileiros possa conhecer e ter orgulho de
compartilhar com outros povos do continente americano o legado do
continente africano para nossa formao social e cultural.
XICronologia
Na apresentao das datas da pr -histria convencionou -se adotar
dois tipos de notao, com base nos seguintes critrios:
Tomando como ponto de partida a poca atual, isto , datas B.P.
(before present), tendo como referncia o ano de + 1950; nesse caso,
as datas so todas negativas em relao a + 1950.
Usando como referencial o incio da Era Crist; nesse caso, as
datas so simplesmente precedidas dos sinais - ou +. No que diz
respeito aos sculos, as menes antes de Cristo e depois de Cristo so
substitudas por antes da Era Crist, da Era Crist.
Exemplos:
(i) 2300 B.P. = -350
(ii) 2900 a.C. = -2900 1800 d.C. = +1800
(iii) sculo V a.C. = sculo V antes da Era Crist sculo III d.C. =
sculo III da Era Crist
CRONOLOGIA
XIIILista de Figuras
Figura 1.1 Mapa -mndi de al -Idrs
.......................................................................................
5Figura 2.1 Mapa do Magreb durante o sculo XII atividades
econmicas. ........................ 18Figura 2.2 Muro ocidental
(kibla) da mesquita em Tnmallal (Marrocos)
............................ 29Figura 2.3 Ptio interno da mesquita
em Tnmallal.
.............................................................
29Figura 2.4 Minarete da mesquita Hasan (inacabada) em Rabat
........................................... 34Figura 2.5 Mapa da
reconquista almada
..............................................................................
38Figura 2.6 Porta da kasaba (fortaleza) de Udya, em Rabat
.................................................. 40Figura. 2.7
Porta da kasaba de Udya em Rabat
....................................................................
40Figura 3.1 O Alhambra de Granada. Sala lateral do Ptio dos Lees.
.................................. 73Figura 3.2 Arcadas do
claustro, em Soria
..............................................................................
86Figura 4.1 Mapa do desmembramento do Imprio Almada
............................................... 92Figura 4.2 A
madraa Bou Inania, em Fs. Detalhe de uma janela do ptio
........................ 98Figura 4.3 A madraa Bou Inania, em Fs.
Detalhe de uma meia -porta .............................. 99Figura
4.4 A mesquita de Karawiyyn, em Fs
....................................................................
100Figura 5.1 Aghadr (celeiro fortificado) de Fri -Fri, regio de
Tiznit (Sul do Marrocos) ..... 119Figura 5.2 A mesquita da kasaba
em Tnis
................................................................129Figura
6.1 Kumbi -Sleh
......................................................................................................
137Figura 6.2 Togur Galia.
....................................................................................................
138Figura 6.3 Togur Galia
.............................................................................................138Figura
6.4 Togur Doupwil. Corte C com urna funerria in situ
...............................139Figura 6.5 Togur Doupwil. Corte C
com urna funerria contendo um esqueleto
in situ
..........................................................................................................139
LISTA DE FIGURAS
XIV frica do sculo xii ao sculo xvi
Figura 6.6 Mapa do antigo Manden
...................................................................................
145Figura 6.7 Mapa das escavaes do stio de
Niani...............................................................
157Figura 6.8 Mapa dos stios de Niani
...................................................................................
158Figura 6.9 Niani. Stio 1
......................................................................................................
159Figura 6.10 Niani. Stio 29
......................................................................................................
159Figura 6.11 Niani. Stio 1
....................................................................................................
160Figura 6.12 Niani. Stio 6D (Quarteiro rabe)
..................................................................
161Figura 6.13 Niani. Stio 6D (Quarteiro rabe)
..................................................................
162Figura 6.14 Niani. Stio 1
....................................................................................................
163Figura 6.15 Niani. Stio 32 (cemitrio)
...............................................................................
164Figura 6.16 Mapa do Imprio do Mali
...............................................................................
173Figura 6.17 Mapa das principais rotas transaarianas no sculo XIV
................................... 177Figura 6.18 Vista da caverna
P de Tellem: celeiros de tijolo cru
......................................... 182Figura 6.19 Taa de
Tellem com quatro ps munidos de base, da caverna D
...................... 182Figura 6.20 Tnica de algodo de Tellem
encontrada na caverna C ...................................
183Figura 6.21 Imprio do
Mali..............................................................................................
184Figura 6.22 Esttua de cavaleiro encontrada na regio de Bamako
.................................... 185Figura 6.23 Imprio do Mali:
estatueta de figura barbada, feita em terracota.
.................... 189Figura 6.24 Imprio do Mali: estatueta em
terracota de me com criana ......................... 190Figura 6.25
Imprio do Mali: serpente em terracota
...........................................................
191Figura 6.26 Imprio do Mali: estatueta em terracota de figura
ajoelhada, da regio de
Bankoni
...........................................................................................................
192Figura 7.1 Fachada do kamablon de Kangaba
......................................................................
196Figura 7.2 O kamablon de Kangaba, cabana das cerimnias setenais
.................................. 196Figura 7.3 Vista de Kamalia,
no sudeste de Kangaba, Mali
................................................ 197Figura 7.4 Mapa
dos Estados do Sudo, no sculo XVI
..................................................... 202Figura 8.1
Estela 11 de Gao -San (SO 50 -59 bis), retangular, de quartzo
......................... 219Figura 8.2 Estela 14 de Gao -San (SO
50 -54), de xisto, colorao verde -amarela ............. 220Figura
8.3 Mapa do Imprio Songhai no fim do sculo XVI
............................................. 227Figura 9.1 Mapa da
regio da curva do Nger e da bacia do Volta, 1100 -1600.
.................. 245Figura 10.1 Mapa da regio do lago Chade (lago
Kr). .....................................................
270Figura 10.2 Mapa simplificado, extrado do grande mapa de al
-Idrs (1154) .................... 271Figura 10.3 Mapa simplificado,
extrado do Pequeno Idrs (1192) .................................
272Figura 10.4 Mapa dos povos e reinos do Chade no sculo XIV
......................................... 288Figura 10.5 Mapa dos
povos e reinos do Chade no sculo XV
........................................... 291Figura 10.6
Genealogia dos Sfuwa
....................................................................................
292Figura 11.1 Mapa da localizao dos Haussa e de outros povos na
Nigria setentrional .... 323Figura 12.1 Portulano de Mecia de
Viladestes, 1413
..........................................................
340Figura 12.2 Mapa da alta Guin no sculo XVI
.................................................................
342Figura 12.3 Nomoli (estatuetas de esteatita) da Repblica de
Serra Leoa .......................... 345
XVLista de Figuras
Figura 12.4 Escultura africana em marfim
..........................................................................
347Figura 12.5 Trompa de marfim com cenas de
caa..............................................................
348Figura 12.6 Comerciantes europeus em contato com os habitantes
do Cayor em
Cabo Verde. gua -forte
...................................................................................
355Figura 12.7 Habitaes dos
negros......................................................................................
356Figura 12.8 A cidade negra de Rufisco
...............................................................................
356Figura 12.9 Fetiches
............................................................................................................
357Figura 12.10 O rei de Sestro (sculo XVII)
........................................................................
358Figura 12.11 Fauna e flora da alta Guin
............................................................................
358Figura 13.1 Mapa dos stios arqueolgicos na laguna Aby
.................................................. 365Figura 13.2
Cachimbos descobertos no stio de Sgui
...................................................... 366Figura
13.3 Cachimbos descobertos na necrpole de Nyamw.
.......................................... 366Figura 13.4 Bracelete
descoberto no stio de Sgui
...........................................................
367Figura 13.5 Vasos descobertos na necrpole de Nyamw
.................................................... 367Figura 13.6
Mapa das migraes akan
................................................................................
371Figura 13.7 Mapa da rea entre o vale do Nger e o golfo da Guin
.................................. 374Figura 14.1 Mapa da regio
entre o Volta e os Camares no perodo de +1100 a +1500 ... 381Figura
14.2 Mapa das populaes do delta do Nger
..........................................................
383Figura 14.3 Cabea em terracota (Owo, Nigria)
...............................................................
391Figura 14.4 Cidade de Benin
..............................................................................................
397Figura 14.5 Placa do Benin
.................................................................................................
399Figura 14.6 Benin: tocador de flauta em bronze
.................................................................
400Figura 14.7 Vaso em bronze enfeitado com corda
...............................................................
402Figura 14.8 Desenho esquemtico do mesmo vaso
.................................................................
402Figura 14.9 Bronze esculpido em forma de
altar.................................................................
403Figura 14.10 Cabaa ritual
..................................................................................................
403Figura 14.11 Grande vaso em bronze, visto de cima
...........................................................
405Figura 14.12 O mesmo vaso, visto lateralmente
..................................................................
405Figura 14.13 Bracelete de bronze feito em forma de n
..................................................... 406Figura
14.14 Cermica: vista geral
......................................................................................
406Figura 14.15 Cermica:
detalhe...........................................................................................
407Figura 14.16 Cermica: vista geral
......................................................................................
407Figura 14.17 Reconstituio feita por arquelogos do enterro de um
chefe em
Igdo -Ikwu
......................................................................................................
409Figura 14.18 Mapa dos stios dos bronzes de Tsoede.
......................................................... 410Figura
14.19 Esttua em bronze (de Tsoede), de uma figura sentada
................................. 411Figura 15.1 Mapa do Oriente
Mdio sob os Mamelucos
................................................... 423Figura 15.2
Cairo: tmulo de Kayt Bay (1472 -1474)
......................................................... 431Figura
15.3 Cairo: prtico monumental da mesquita de Kansuh al -Ghri.
........................ 432Figura 15.4 Cairo: interior da mesquita
de Djawhar al -Lla, de origem etope (1430) ...... 433
XVI frica do sculo xii ao sculo xvi
Figura 15.5 Candeeiro em vidro esmaltado (poca mameluca)
........................................... 442Figura 16.1 Mapa da
Nbia do fim do sculo XII ao comeo do XVI
............................... 448Figura 16.2 A igreja e o
monastrio de Faras (Nbia) circundados por fortificaes
rabes
...............................................................................................................
458Figura 16.3 Muralha da cidadela rabe de Faras
.................................................................
459Figura 17.1 Mapa da Etipia e do Chifre da frica
...........................................................
477Figura 17.2 Lalibela: igreja (casa) de So Jorge
................................................................
498Figura 17.3 Lalibela: parte superior da igreja (casa) de So
Jorge .................................... 498Figura 17.4 Lalibela:
elevao vertical da igreja (casa) de So Jorge.
................................ 499Figura 17.5 Lalibela: janela da
igreja (casa) do Redentor do Mundo ...............................
499Figura 17.6 Manuscrito etope do sculo XV, representando a rvore
da vida .................... 502Figura 17.7 Manuscrito etope do
sculo XV, representando a Crucificao ......................
503Figura 17.8 Manuscrito etope do sculo XV, representando a
Anunciao ....................... 504Figura 18.1 Mapa das rotas de
comrcio interno e transocenico das cidades da costa
da frica oriental
.............................................................................................
516Figura 18.2 Siyu, ilha de Pate
..............................................................................................
520Figura18.3 Ilha de Mafia.
....................................................................................................
520Figura 18.4 Mapa da ilha e da cidade de Kilwa
..................................................................
522Figura 18.5 A grande mesquita de Kilwa, com suas duas partes
geminadas ........................... 530Figura 18.6 Vista geral do
portal de entrada do forte de Kilwa Kisiwani
........................... 532Figura 18.7 Detalhe do portal de
entrada do forte de Kilwa Kisiwani ...............................
532Figura 18.8 Ilha do Songo Mnara: runas da mesquita de Nabkhani
................................. 533Figura 18.9 Mihrb da grande
mesquita de Gedi
................................................................
533Figura 19.1 Mapa da localizao aproximada provvel dos povos do
interior da frica
oriental no sculo XII
......................................................................................
556Figura 19.2 Mapa da localizao aproximada provvel dos povos do
interior da frica
oriental no sculo XVI
.....................................................................................
557Figura 20.1 Mapa das primeiras migraes dos Luo
...........................................................
570Figura 20.2 Mapa da localizao dos Bachwezi e dos imigrantes
....................................... 576Figura 20.3 Mapa do
itinerrio do complexo de Kintu e do complexo de Kimera
............. 586Figura 21.1 Mapa dos stios e tradies arqueolgicas
mencionados no texto .................... 592Figura 21.2 A colina
de Isamu Pati (Zmbia), durante as escavaes
................................. 594Figura 21.3 Runas do Grande
Zimbbue. Mapa do stio principal
.................................... 606Figura 21.4 O Grande
Zimbbue: a Acrpole e o Grande Cercado
................................... 607Figura 21.5 Cermica extrada
dos estratos superiores da Acrpole, no Grande
Zimbbue
........................................................................................................
608Figura 21.6 Vista interior da plataforma
elptica.................................................................
609Figura 21.7 A muralha do Grande Cercado no Grande Zimbbue
.................................... 611Figura 21.8 Escultura em
pedra -sabo de um pssaro numa base monoltica .....................
611Figura 21.9 A torre cnica do Grande Zimbbue
...........................................................611Figura
21.10 Cermica extrada de Chedzugwe, Zimbbue
................................................ 615
XVIILista de Figuras
Figura 21.11 Dois lingotes de cobre em forma de cruz do Ingombe
Ilede, Zmbia ........... 616Figura 21.12 As tradies e fases
arqueolgicas
..................................................................
620Figura 22.1 Mapa da frica central
....................................................................................
626Figura 22.2 Sino duplo de ferro, de Mangbetu (Zaire)
....................................................... 637Figura
22.3 Jarra antropomrfica (perodo Kisaliense).
....................................................... 640Figura
22.4 Tmulo de Kikulu (KUL -T)
...........................................................................
642Figura 22.5 Contedo de um tmulo kisaliense clssico, no stio de
Kanga ....................... 643Figura 22.6 Esttua Ntadi Kongo, de
pedra, de Mboma, baixo Zaire ..............................
643Figura 23.1 Mapa da frica meridional: stios arqueolgicos (1100
-1500) ........................ 662Figura 23.2 Mapa da expanso khoi
-khoi
...........................................................................
671Figura 24.1 Madagscar. Mapa das vias de migraes e povoamento da
ilha ..................... 678Figura 24.2 Stio de Antongona (sculos
XV -XVIII)
......................................................... 688Figura
24.3 Antsoheribory, na baa de Boina
.........................................................................
688Figura 24.4 Ambohitrikanjaka (Imerina)
........................................................................................690Figura
24.5 Reconstituio de uma tigela encontrada em Milangana no
Vakinisisaony ..... 692Figura 25.1 Mapa da circulao de homens e
tcnicas na frica ocidental .......................... 710Figura
25.2 Mapa da frica central, oriental e meridional do sculo XI ao XV
................. 713Figura 26.1 A Terra segundo al- Idrs e Ibn
Khaldn ........................................................
724Figura 26.2 Relaes econmicas entre as margens do Mediterrneo
ocidental .................. 729Figura 26.3 Mapa dos locais onde o
ouro africano era procurado (sculos XII- XV)
pelos comerciantes europeus
............................................................................
730Figura 26.4 Mapa do fluxo do ouro africano na economia muulmana
da frica
setentrional
......................................................................................................
733Figura 26.5 Manuscrito rabe do sculo XIII mostrando a presena de
negros nas
embarcaes do oceano ndico.
........................................................................
741Figura 26.6 Mapa do cerco portugus da frica no sculo XV
.......................................... 746
Durante muito tempo, mitos e preconceitos de toda espcie
esconderam do mundo a real histria da frica. As sociedades
africanas passavam por socie-dades que no podiam ter histria.
Apesar de importantes trabalhos efetuados desde as primeiras dcadas
do sculo XX por pioneiros como Leo Frobenius, Maurice Delafosse e
Arturo Labriola, um grande nmero de especialistas no africanos,
ligados a certos postulados, sustentavam que essas sociedades no
podiam ser objeto de um estudo cientfico, notadamente por falta de
fontes e documentos escritos.
Se a Ilada e a Odisseia podiam ser devidamente consideradas como
fontes essenciais da histria da Grcia antiga, em contrapartida,
negava-se todo valor tradio oral africana, essa memria dos povos
que fornece, em suas vidas, a trama de tantos acontecimentos
marcantes. Ao escrever a histria de grande parte da frica,
recorria-se somente a fontes externas frica, oferecendo uma viso no
do que poderia ser o percurso dos povos africanos, mas daquilo que
se pensava que ele deveria ser. Tomando frequentemente a Idade Mdia
europeia como ponto de referncia, os modos de produo, as relaes
sociais tanto quanto as instituies polticas no eram percebidos seno
em referncia ao passado da Europa.
Com efeito, havia uma recusa a considerar o povo africano como o
criador de culturas originais que floresceram e se perpetuaram,
atravs dos sculos, por
PREFCIOpor M. Amadou - Mahtar MBow,
Diretor Geral da UNESCO (1974-1987)
XX frica do sculo xii ao sculo xvi
vias que lhes so prprias e que o historiador s pode apreender
renunciando a certos preconceitos e renovando seu mtodo.
Da mesma forma, o continente africano quase nunca era
considerado como uma entidade histrica. Em contrrio, enfatizava-se
tudo o que pudesse refor-ar a ideia de uma ciso que teria existido,
desde sempre, entre uma frica branca e uma frica negra que se
ignoravam reciprocamente. Apresentava-se frequentemente o Saara
como um espao impenetrvel que tornaria impossveis misturas entre
etnias e povos, bem como trocas de bens, crenas, hbitos e ideias
entre as sociedades constitudas de um lado e de outro do deserto.
Traavam-se fronteiras intransponveis entre as civilizaes do antigo
Egito e da Nbia e aquelas dos povos subsaarianos.
Certamente, a histria da frica norte-saariana esteve antes
ligada quela da bacia mediterrnea, muito mais que a histria da
frica subsaariana mas, nos dias atuais, amplamente reconhecido que
as civilizaes do continente africano, pela sua variedade lingustica
e cultural, formam em graus variados as vertentes histricas de um
conjunto de povos e sociedades, unidos por laos seculares.
Um outro fenmeno que grandes danos causou ao estudo objetivo do
passado africano foi o aparecimento, com o trfico negreiro e a
colonizao, de esteretipos raciais criadores de desprezo e
incompreenso, to profundamente consolidados que corromperam
inclusive os prprios conceitos da historiografia. Desde que foram
empregadas as noes de brancos e negros, para nomear genericamente
os colonizadores, considerados superiores, e os colonizados, os
africanos foram levados a lutar contra uma dupla servido, econmica
e psicolgica. Marcado pela pigmentao de sua pele, transformado em
uma mercadoria entre outras, e destinado ao trabalho forado, o
africano veio a simbolizar, na conscincia de seus dominadores, uma
essncia racial imaginria e ilusoriamente inferior: a de negro. Este
processo de falsa identificao depreciou a histria dos povos
africanos no esprito de muitos, rebaixando-a a uma etno-histria, em
cuja apreciao das realidades histricas e culturais no podia ser
seno falseada.
A situao evoluiu muito desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em
particular, desde que os pases da frica, tendo alcanado sua
independncia, comearam a participar ativamente da vida da
comunidade internacional e dos intercmbios a ela inerentes.
Historiadores, em nmero crescente, tm se esfor-ado em abordar o
estudo da frica com mais rigor, objetividade e abertura de esprito,
empregando obviamente com as devidas precaues fontes africanas
originais. No exerccio de seu direito iniciativa histrica, os
prprios africanos sentiram profundamente a necessidade de
restabelecer, em bases slidas, a his-toricidade de suas
sociedades.
XXIPrefcio
nesse contexto que emerge a importncia da Histria Geral da
frica, em oito volumes, cuja publicao a Unesco comeou.
Os especialistas de numerosos pases que se empenharam nessa
obra, pre-ocuparam-se, primeiramente, em estabelecer-lhe os
fundamentos tericos e metodolgicos. Eles tiveram o cuidado em
questionar as simplificaes abusivas criadas por uma concepo linear
e limitativa da histria universal, bem como em restabelecer a
verdade dos fatos sempre que necessrio e possvel. Eles
esfor-aram-se para extrair os dados histricos que permitissem
melhor acompanhar a evoluo dos diferentes povos africanos em sua
especificidade sociocultural.
Nessa tarefa imensa, complexa e rdua em vista da diversidade de
fontes e da disperso dos documentos, a UNESCO procedeu por etapas.
A primeira fase (1965-1969) consistiu em trabalhos de documentao e
de planificao da obra. Atividades operacionais foram conduzidas in
loco, atravs de pesquisas de campo: campanhas de coleta da tradio
oral, criao de centros regionais de documentao para a tradio oral,
coleta de manuscritos inditos em rabe e ajami (lnguas africanas
escritas em caracteres rabes), compilao de inventrios de arquivos e
preparao de um Guia das fontes da histria da frica, publicado
posteriormente, em nove volumes, a partir dos arquivos e
bibliotecas dos pases da Europa. Por outro lado, foram organizados
encontros, entre especialistas africanos e de outros continentes,
durante os quais se discutiu questes meto-dolgicas e traou-se as
grandes linhas do projeto, aps atencioso exame das fontes
disponveis.
Uma segunda etapa (1969 a 1971) foi consagrada ao detalhamento e
articu-lao do conjunto da obra. Durante esse perodo, realizaram-se
reunies interna-cionais de especialistas em Paris (1969) e
Addis-Abeba (1970), com o propsito de examinar e detalhar os
problemas relativos redao e publicao da obra: apresentao em oito
volumes, edio principal em ingls, francs e rabe, assim como tradues
para lnguas africanas, tais como o kiswahili, o hawsa, o peul, o
yoruba ou o lingala. Igualmente esto previstas tradues para o
alemo, russo, portugus, espanhol e chins1, alm de edies resumidas,
destinadas a um pblico mais amplo, tanto africano quanto
internacional.
1 O volume I foi publicado em ingls, rabe, chins, coreano,
espanhol, francs, hawsa, italiano, kiswahi-li, peul e portugus; o
volume II, em ingls, rabe, chins, coreano, espanhol, francs, hawsa,
italiano, kiswahili, peul e portugus; o volume III, em ingls, rabe,
espanhol e francs; o volume IV, em ingls, rabe, chins, espanhol,
francs e portugus; o volume V, em ingls e rabe; o volume VI, em
ingls, rabe e francs; o volume VII, em ingls, rabe, chins,
espanhol, francs e portugus; o VIII, em ingls e francs.
XXII frica do sculo xii ao sculo xvi
A terceira e ltima fase constituiu-se na redao e na publicao do
trabalho. Ela comeou pela nomeao de um Comit Cientfico
Internacional de trinta e nove membros, composto por africanos e no
africanos, na respectiva proporo de dois teros e um tero, a quem
incumbiu-se a responsabilidade intelectual pela obra.
Interdisciplinar, o mtodo seguido caracterizou-se tanto pela
pluralidade de abordagens tericas quanto de fontes. Dentre essas
ltimas, preciso citar primeiramente a arqueologia, detentora de
grande parte das chaves da histria das culturas e das civilizaes
africanas. Graas a ela, admite-se, nos dias atuais, reconhecer que
a frica foi, com toda probabilidade, o bero da humanidade, palco de
uma das primeiras revolues tecnolgicas da histria, ocorrida no
perodo Neoltico. A arqueologia igualmente mostrou que, na frica,
especifi-camente no Egito, desenvolveu-se uma das antigas
civilizaes mais brilhantes do mundo. Outra fonte digna de nota a
tradio oral que, at recentemente desconhecida, aparece hoje como
uma preciosa fonte para a reconstituio da histria da frica,
permitindo seguir o percurso de seus diferentes povos no tempo e no
espao, compreender, a partir de seu interior, a viso africana do
mundo, e apreender os traos originais dos valores que fundam as
culturas e as instituies do continente.
Saber-se- reconhecer o mrito do Comit Cientfico Internacional
encarre-gado dessa Histria geral da frica, de seu relator, bem como
de seus coordena-dores e autores dos diferentes volumes e captulos,
por terem lanado uma luz original sobre o passado da frica, abraado
em sua totalidade, evitando todo dogmatismo no estudo de questes
essenciais, tais como: o trfico negreiro, essa sangria sem fim,
responsvel por umas das deportaes mais cruis da histria dos povos e
que despojou o continente de uma parte de suas foras vivas, no
momento em que esse ltimo desempenhava um papel determinante no
pro-gresso econmico e comercial da Europa; a colonizao, com todas
suas conse-quncias nos mbitos demogrfico, econmico, psicolgico e
cultural; as relaes entre a frica ao sul do Saara e o mundo rabe; o
processo de descolonizao e de construo nacional, mobilizador da
razo e da paixo de pessoas ainda vivas e muitas vezes em plena
atividade. Todas essas questes foram abordadas com grande preocupao
quanto honestidade e ao rigor cientfico, o que constitui um mrito
no desprezvel da presente obra. Ao fazer o balano de nossos
conhecimentos sobre a frica, propondo diversas perspectivas sobre
as culturas africanas e oferecendo uma nova leitura da histria, a
Histria geral da frica tem a indiscutvel vantagem de destacar tanto
as luzes quanto as sombras, sem dissimular as divergncias de opinio
entre os estudiosos.
XXIIIPrefcio
Ao demonstrar a insuficincia dos enfoques metodolgicos amide
utiliza-dos na pesquisa sobre a frica, essa nova publicao convida
renovao e ao aprofundamento de uma dupla problemtica, da
historiografia e da identidade cultural, unidas por laos de
reciprocidade. Ela inaugura a via, como todo tra-balho histrico de
valor, para mltiplas novas pesquisas.
assim que, em estreita colaborao com a UNESCO, o Comit Cientfico
Internacional decidiu empreender estudos complementares com o
intuito de aprofundar algumas questes que permitiro uma viso mais
clara sobre certos aspectos do passado da frica. Esses trabalhos,
publicados na coleo UNESCO Histria geral da frica: estudos e
documentos, viro a constituir, de modo til, um suplemento presente
obra2. Igualmente, tal esforo desdobrar-se- na ela-borao de
publicaes versando sobre a histria nacional ou sub-regional.
Essa Histria geral da frica coloca simultaneamente em foco a
unidade his-trica da frica e suas relaes com os outros continentes,
especialmente com as Amricas e o Caribe. Por muito tempo, as
expresses da criatividade dos afro-descendentes nas Amricas haviam
sido isoladas por certos historiadores em um agregado heterclito de
africanismos; essa viso, obviamente, no corresponde quela dos
autores da presente obra. Aqui, a resistncia dos escravos
deportados para a Amrica, o fato tocante ao marronage [fuga ou
clandestinidade] poltico e cultural, a participao constante e
massiva dos afrodescendentes nas lutas da primeira independncia
americana, bem como nos movimentos nacionais de libertao, esses
fatos so justamente apreciados pelo que eles realmente foram:
vigorosas afirmaes de identidade que contriburam para forjar o
conceito universal de humanidade. hoje evidente que a herana
africana marcou, em maior ou menor grau, segundo as regies, as
maneiras de sentir, pensar, sonhar e agir de certas naes do
hemisfrio ocidental. Do sul dos Estados Unidos ao norte do Brasil,
passando pelo Caribe e pela costa do Pacfico, as contribuies
culturais herdadas da frica so visveis por toda parte; em certos
casos, inclu-sive, elas constituem os fundamentos essenciais da
identidade cultural de alguns dos elementos mais importantes da
populao.
2 Doze nmeros dessa srie foram publicados; eles tratam
respectivamente sobre: n. 1 O povoamento do Egito antigo e a
decodificao da escrita merotica; n. 2 O trfico negreiro do sculo XV
ao sculo XIX; n. 3 Relaes histricas atravs do Oceano ndico; n. 4 A
historiografia da frica Meridional; n. 5 A descolonizao da frica:
frica Meridional e Chifre da frica [Nordeste da frica]; n. 6
Etnonmias e toponmias; n. 7 As relaes histricas e socioculturais
entre a frica e o mundo rabe; n. 8 A metodologia da histria da
frica contempornea; n. 9 O processo de educao e a historiografia na
frica; n. 10 A frica e a Segunda Guerra Mundial; n. 11 Lbia
Antiqua; n. 12 O papel dos movimentos estudantis africanos na
evoluo poltica e social da frica de 1900 a 1975.
XXIV frica do sculo xii ao sculo xvi
Igualmente, essa obra faz aparecerem nitidamente as relaes da
frica com o sul da sia atravs do Oceano ndico, alm de evidenciar as
contribuies africanas junto a outras civilizaes em seu jogo de
trocas mtuas.
Estou convencido de que os esforos dos povos da frica para
conquistar ou reforar sua independncia, assegurar seu
desenvolvimento e consolidar suas especificidades culturais devem
enraizar-se em uma conscincia histrica reno-vada, intensamente
vivida e assumida de gerao em gerao.
Minha formao pessoal, a experincia adquirida como professor e,
desde os primrdios da independncia, como presidente da primeira
comisso criada com vistas reforma dos programas de ensino de
histria e de geografia de certos pases da frica Ocidental e
Central, ensinaram-me o quanto era neces-srio, para a educao da
juventude e para a informao do pblico, uma obra de histria
elaborada por pesquisadores que conhecessem desde o seu interior os
problemas e as esperanas da frica, pensadores capazes de considerar
o continente em sua totalidade.
Por todas essas razes, a UNESCO zelar para que essa Histria
Geral da frica seja amplamente difundida, em numerosos idiomas, e
constitua base da elaborao de livros infantis, manuais escolares e
emisses televisivas ou radiofnicas. Dessa forma, jovens, escolares,
estudantes e adultos, da frica e de outras partes, podero ter uma
melhor viso do passado do continente africano e dos fatores que o
explicam, alm de lhes oferecer uma compreenso mais precisa acerca
de seu patrimnio cultural e de sua contribuio ao pro-gresso geral
da humanidade. Essa obra dever ento contribuir para favorecer a
cooperao internacional e reforar a solidariedade entre os povos em
suas aspiraes por justia, progresso e paz. Pelo menos, esse o voto
que manifesto muito sinceramente.
Resta-me ainda expressar minha profunda gratido aos membros do
Comit Cientfico Internacional, ao redator, aos coordenadores dos
diferentes volu-mes, aos autores e a todos aqueles que colaboraram
para a realizao desta prodigiosa empreitada. O trabalho por eles
efetuado e a contribuio por eles trazida mostram, com clareza, o
quanto homens vindos de diversos horizontes, conquanto animados por
uma mesma vontade e igual entusiasmo a servio da verdade de todos
os homens, podem fazer, no quadro internacional oferecido pela
UNESCO, para lograr xito em um projeto de tamanho valor cientfico e
cultural. Meu reconhecimento igualmente estende-se s organizaes e
aos governos que, graas a suas generosas doaes, permitiram UNESCO
publi-car essa obra em diferentes lnguas e assegurar-lhe a difuso
universal que ela merece, em prol da comunidade internacional em
sua totalidade.
XXVApresentao do Projeto
A Conferncia Geral da UNESCO, em sua dcima sexta sesso,
solicitou ao Diretor -geral que empreendesse a redao de uma Histria
Geral da frica. Esse considervel trabalho foi confiado a um Comit
Cientfico Internacional criado pelo Conselho Executivo em 1970.
Segundo os termos dos estatutos adotados pelo Conselho Executivo
da UNESCO, em 1971, esse Comit compe -se de trinta e nove membros
res-ponsveis (dentre os quais dois teros africanos e um tero de no
africanos), nomeados pelo Diretor -geral da UNESCO por um perodo
correspondente durao do mandato do Comit.
A primeira tarefa do Comit consistiu em definir as principais
caractersticas da obra. Ele definiu -as em sua primeira sesso, nos
seguintes termos:
Em que pese visar a maior qualidade cientfica possvel, a Histria
Geral da frica no busca a exausto e se pretende uma obra de sntese
que evitar o dogmatismo. Sob muitos aspectos, ela constitui uma
exposio dos problemas indicadores do atual estdio dos conhecimentos
e das grandes correntes de pensamento e pesquisa, no hesitando em
assinalar, em tais circunstncias, as divergncias de opinio. Ela
assim preparar o caminho para posteriores publicaes.
A frica aqui considerada como um todo. O objetivo mostrar as
relaes histricas entre as diferentes partes do continente, muito
amide
APRESENTAO DO PROJETOpelo Professor Bethwell Allan Ogot
Presidente do Comit Cientfico Internacional para a redao de uma
Histria Geral da frica
XXVI frica do sculo xii ao sculo xvi
subdividido, nas obras publicadas at o momento. Os laos
histricos da frica com os outros continentes recebem a ateno
merecida e so analisados sob o ngulo dos intercmbios mtuos e das
influncias mul-tilaterais, de forma a fazer ressurgir,
oportunamente, a contribuio da frica para o desenvolvimento da
humanidade.
A Histria Geral da frica consiste, antes de tudo, em uma histria
das ideias e das civilizaes, das sociedades e das instituies. Ela
fundamenta -se sobre uma grande diversidade de fontes, aqui
compreendidas a tradio oral e a expresso artstica.
A Histria Geral da frica aqui essencialmente examinada de seu
inte-rior. Obra erudita, ela tambm , em larga medida, o fiel
reflexo da maneira atravs da qual os autores africanos veem sua
prpria civilizao. Embora elaborada em mbito internacional e
recorrendo a todos os dados cientficos atuais, a Histria ser
igualmente um elemento capital para o reconhecimento do patrimnio
cultural africano, evidenciando os fatores que contribuem para a
unidade do continente. Essa vontade de examinar os fatos de seu
interior constitui o ineditismo da obra e poder, alm de suas
qualidades cientficas, conferir -lhe um grande valor de atualidade.
Ao evidenciar a verdadeira face da frica, a Histria poderia, em uma
poca dominada por rivalidades econmicas e tcnicas, propor uma
concepo particular dos valores humanos.
O Comit decidiu apresentar a obra, dedicada ao estudo de mais de
3 milhes de anos de histria da frica, em oito volumes, cada qual
compreendendo aproximadamente oitocentas pginas de texto com
ilustraes (fotos, mapas e desenhos tracejados).
Para cada volume designou -se um coordenador principal,
assistido, quando necessrio, por um ou dois codiretores
assistentes.
Os coordenadores dos volumes so escolhidos, tanto entre os
membros do Comit quanto fora dele, em meio a especialistas externos
ao organismo, todos eleitos por esse ltimo, pela maioria de dois
teros. Eles se encarregam da ela-borao dos volumes, em conformidade
com as decises e segundo os planos decididos pelo Comit. So eles os
responsveis, no plano cientfico, perante o Comit ou, entre duas
sesses do Comit, perante o Conselho Executivo, pelo contedo dos
volumes, pela redao final dos textos ou ilustraes e, de uma maneira
geral, por todos os aspectos cientficos e tcnicos da Histria. o
Conselho Executivo quem aprova, em ltima instncia, o original
definitivo. Uma vez considerado pronto para a edio, o texto
remetido ao Diretor -Geral
XXVIIApresentao do Projeto
da UNESCO. A responsabilidade pela obra cabe, dessa forma, ao
Comit ou, entre duas sesses do Comit, ao Conselho Executivo.
Cada volume compreende por volta de 30 captulos. Cada qual
redigido por um autor principal, assistido por um ou dois
colaboradores, caso necessrio.
Os autores so escolhidos pelo Comit em funo de seu curriculum
vitae. A preferncia concedida aos autores africanos, sob reserva de
sua adequao aos ttulos requeridos. Alm disso, o Comit zela, tanto
quanto possvel, para que todas as regies da frica, bem como outras
regies que tenham mantido relaes histricas ou culturais com o
continente, estejam de forma equitativa representadas no quadro dos
autores.
Aps aprovao pelo coordenador do volume, os textos dos diferentes
captu-los so enviados a todos os membros do Comit para submisso sua
crtica.
Ademais e finalmente, o texto do coordenador do volume submetido
ao exame de um comit de leitura, designado no seio do Comit
Cientfico Inter-nacional, em funo de suas competncias; cabe a esse
comit realizar uma profunda anlise tanto do contedo quanto da forma
dos captulos.
Ao Conselho Executivo cabe aprovar, em ltima instncia, os
originais.Tal procedimento, aparentemente longo e complexo, revelou
-se necessrio,
pois permite assegurar o mximo de rigor cientfico Histria Geral
da frica. Com efeito, houve ocasies nas quais o Conselho Executivo
rejeitou origi-nais, solicitou reestruturaes importantes ou,
inclusive, confiou a redao de um captulo a um novo autor.
Eventualmente, especialistas de uma questo ou perodo especfico da
histria foram consultados para a finalizao definitiva de um
volume.
Primeiramente, uma edio principal da obra em ingls, francs e
rabe ser publicada, posteriormente haver uma edio em forma de
brochura, nesses mesmos idiomas.
Uma verso resumida em ingls e francs servir como base para a
traduo em lnguas africanas. O Comit Cientfico Internacional
determinou quais os idiomas africanos para os quais sero realizadas
as primeiras tradues: o kiswahili e o haussa.
Tanto quanto possvel, pretende -se igualmente assegurar a
publicao da Histria Geral da frica em vrios idiomas de grande
difuso internacional (dentre outros: alemo, chins, italiano,
japons, portugus, russo, etc.).
Trata -se, portanto, como se pode constatar, de uma empreitada
gigantesca que constitui um ingente desafio para os historiadores
da frica e para a comu-nidade cientfica em geral, bem como para a
UNESCO que lhe oferece sua chancela. Com efeito, pode -se
facilmente imaginar a complexidade de uma
XXVIII frica do sculo xii ao sculo xvi
tarefa tal qual a redao de uma histria da frica, que cobre no
espao todo um continente e, no tempo, os quatro ltimos milhes de
anos, respeitando, todavia, as mais elevadas normas cientficas e
convocando, como necessrio, estudiosos pertencentes a todo um leque
de pases, culturas, ideologias e tra-dies histricas. Trata -se de
um empreendimento continental, internacional e interdisciplinar, de
grande envergadura.
Em concluso, obrigo -me a sublinhar a importncia dessa obra para
a frica e para todo o mundo. No momento em que os povos da frica
lutam para se unir e para, em conjunto, melhor forjar seus
respectivos destinos, um conhecimento adequado sobre o passado da
frica, uma tomada de conscincia no tocante aos elos que unem os
Africanos entre si e a frica aos demais continentes, tudo isso
deveria facilitar, em grande medida, a compreenso mtua entre os
povos da Terra e, alm disso, propiciar sobretudo o conhecimento de
um patrimnio cultural cuja riqueza consiste em um bem de toda a
Humanidade.
Bethwell Allan OgotEm 8 de agosto de 1979
Presidente do Comit Cientf ico Internacional para a redao de uma
Histria Geral da frica
C A P T U L O 1
1Introduo
O presente volume abarca a histria da frica do sculo XII ao XVI.
A periodizao e a diviso cronolgica clssicas so pouco convenientes
aborda-gem em questo: como pode uma data ou um sculo ter a mesma
importncia para todo um continente? lcito ento perguntar se esse
perodo significativo para todas as regies do continente.
Embora o problema da diviso ainda se coloque, parece -nos que o
perodo considerado apresenta certa unidade e constitui, sob mais de
um aspecto, um momento de importncia capital na evoluo histrica do
continente como um todo. um perodo privilegiado, em que a frica
desenvolve culturas originais e, sem perder sua personalidade,
assimila influncias do exterior. No volume ante-rior, vemos a frica
emergir das sombras graas aos escritos rabes: os muul-manos
descobrem o rico Sudo, ao sul do Saara, dominado pelos Soninke,
cujo soberano, o kaya maghan, tinha sob sua autoridade todas as
regies ocidentais do Sudo, da curva do Nger embocadura do Senegal.
Esse vasto imprio, que teve seus fastos evocados por al -Bakr, no
era a nica unidade poltica; outras lhe foram contemporneas, como o
Songhai e, mais para leste, estendendo -se at o lago Chade, os
pases e reinos do Kanem -Bornu. A partir do final do sculo XI a
documentao escrita relativa frica ao sul do Saara torna -se cada
vez mais abundante, principalmente no perodo que vai do fim do
sculo XIII ao final do XIV. Em meados do sculo XV, as fontes
portuguesas vm preencher
Introduo Djibril Tamsir Niane
2 frica do sculo xii ao sculo xvi
uma lacuna informando -nos sobre os reinos da costa da frica
ocidental, ento em pleno desenvolvimento mais uma prova de que a
ausncia de documen-tao escrita nada significa. O golfo do Benin e a
embocadura do rio Zaire (rio Congo) foram importantes focos de
civilizao. Esse perodo apresenta vrias caractersticas
fundamentais.
Em primeiro lugar, assiste -se ao triunfo do Isl em grande parte
do conti-nente. Essa religio teve como propagadores a um tempo
guerreiros e comer-ciantes. Os muulmanos revelaram -se excelentes
mercadores e dominaram o comrcio mundial, contribuindo para o
desenvolvimento da cincia, da filosofia e da tcnica em todas as
regies em que se instalaram. Fato essencial para o continente que,
tanto no norte quanto no vasto Sudo ao sul do Saara, a frica
imprimiu ao Isl a marca de sua originalidade. Lembremos que, no
sculo XI, os Almorvidas cujos exrcitos contavam grandes
contingentes de negros do Takrr, aps conquistarem parte do Magreb e
da pennsula Ibrica, oriundos da foz do Senegal, restauraram a suna,
ortodoxia rigorosa, em todo o Ocidente muulmano.
A partir de 1050 os Almorvidas combatem o Imprio de Gana, que
acaba por sucumbir em, aproximadamente, 1076; para o Sudo, essa
ltima data marca o incio de um perodo de luta pela hegemonia entre
as provncias do imprio. 1076 um ano importante tanto na histria do
Magreb como na do Sudo; no entanto a queda de Kumbi, capital de
Gana, ocorrida por essa poca, passa quase despercebida uma vez que
o comrcio do ouro praticamente no sofre interrupo, tornando -se, ao
contrrio, mais intenso: certos reinos vassalos de Gana, ricos em
ouro (Takrr, Mandeng) e o velho reino de Gao, situado no ramo
oriental do Nger, h muito islamizados, continuam a animar os
intercm-bios comerciais com os rabo -berberes. Por outro lado,
mercadores provenien-tes da Arbia e do golfo Prsico abrem a costa
oriental africana, do Chifre da frica a Madagscar, ao comrcio
intercontinental. Os ricos centros comerciais de Sofala, Kilwa e
Mogadscio tornam -se as portas da frica para o oceano ndico.
Partindo do Egito, o Isl expande -se rumo Nbia, o Sudo oriental;
ali encontra forte resistncia dos antigos reinos cristos coptas, o
que, durante algum tempo, detm sua marcha sobre o Nilo. No entanto,
do mar Vermelho e principalmente do Chifre da frica, o Isl
difunde-se para o interior, favore-cendo a emergncia de reinos
muulmanos ao redor dos cristos. A luta entre as duas religies ser
rdua nessa regio; a Etipia ir encarar essa resistncia ao Isl do
sculo XII ao XV, antes que os negus tivessem o apoio da nova fora
crist representada por Portugal nos fins do sculo XV e incio do
XVI. No captulo 17, o professor Tadesse Tamrat d nfase a essa forma
particularmente
3Introduo
africana do cristianismo, com sua arte no menos original e suas
igrejas de estilo to caracterstico. Ao fundar uma nova capital, o
rei Lalibela (c. 1181 c. 1221), chamado o So Lus etope, batiza -a
com o nome de Nova Jerusa-lm; tinha, o devoto soberano, o intuito
de oferecer a seus sditos um local de peregrinao, j que a Etipia
fora desligada do patriarcado de Alexandria e do bero do
cristianismo. Nos planaltos da Etipia os conventos multiplicam -se.
em meio ao silncio desses mosteiros, construdos em locais elevados,
pratica-mente inexpugnveis, que os monges escrevero a histria dos
reis e elaboraro uma reforma. Em meados do sculo XV o cristianismo
etope encontra -se em pleno florescimento. Mantendo as velhas
prticas religiosas africanas pr -crists, d -lhes uma forma crist; a
antiga influncia cuxita manifesta -se nas festas, nas danas, nos
cantos e nos sacrifcios de animais. Aqui tambm domina, em todos os
aspectos, a personalidade africana, j que o cristianismo da Nbia e
da Etipia completamente africanizado, assim como o Isl
africano.
Ao longo da costa, do Chifre da frica a Madagscar, tendo como
centro as feitorias muulmanas, desenvolve -se uma civilizao afro
-muulmana original: a civilizao suali. Esta se exprime na lngua de
mesmo nome, que, embora com diversos emprstimos ao rabe, conserva a
estrutura bantu. Ser essa a lngua de comunicao em toda a frica
oriental, do litoral aos Grandes Lagos africanos e, pouco a pouco,
at o rio Zaire (Congo). Assim, direta ou indiretamente, a influncia
do Isl se faz sentir em toda a regio. comum indagar -se acerca das
razes pelas quais o Isl obteve aceitao to rpida no s na frica como
tam-bm em outros locais; ora, preciso lembrar que o modo de vida
dos nmades da Arbia pouco diferia, na poca, daquele dos berberes e
dos fels da frica setentrional. Excetuando -se as guerras
empreendidas pelos Almorvidas no Sudo, o islamismo difunde -se
lenta e pacificamente no interior da frica. No existe clero
constitudo, nem h missionrios como no Ocidente cristo; religio de
cidades e cortes, o Isl na frica no ameaa as estruturas
tradicionais. Nem os reis sudaneses nem os sultes da frica oriental
promovero guerras para converter as populaes; acima de tudo est o
comrcio. A flexibilidade que o Isl ir demonstrar para com os povos
vencidos deles exigindo apenas um imposto permitir que conservem
sua individualidade.
O segundo tema de importncia a se destacar no estudo do perodo
em questo encontra -se intimamente ligado ao Isl e sua expanso.
Trata -se do formidvel desenvolvimento das relaes comerciais, dos
intercmbios culturais e dos contatos humanos. Do Indo ao Gibraltar,
do mar Vermelho a Madagscar, da frica setentrional s regies
subsaarianas, homens e mercadorias circulam livremente, e de
maneira tal que Robert Cornevin escreve, acerca da unidade
4 frica do sculo xii ao sculo xvi
econmica do mundo muulmano e da independncia poltica do Isl
africano face a Bagd:
Unidade que dificilmente imaginamos em nosso mundo abarrotado de
fronteiras, em que passaporte e visto so indispensveis a qualquer
deslocamento. Durante toda a Idade Mdia, o comerciante ou o
peregrino muulmano encontrou, do Indo at a Espanha e no Sudo, a
mesma lngua, o mesmo modo de vida e tambm a mesma religio, malgrado
as heresias caridjitas e xiitas, que, alis, parecem mais polticas
que propriamente religiosas.
Alis, do sculo XII ao XVI a frica torna -se, em muitos aspectos,
uma encruzilhada do comrcio internacional. A atrao que exerce sobre
o resto do mundo extraordinria; disso trata Jean Devisse, com
eloquncia, no captulo 26. Mais do que o Mediterrneo, o oceano ndico
que se torna uma esp-cie de Mare islamicum antes da instaurao da
hegemonia chinesa fundada na navegao em butres.
No menos intensas so as relaes inter -regionais; o Saara
percorrido de norte a sul por grandes caravanas, que contam por
vezes de 6 a 12 mil camelos e transportam gneros e produtos de toda
espcie. Entre as savanas sudanesas e as regies de floresta mais ao
sul, do rio Casamance ao golfo do Benin, desenvolve--se um intenso
comrcio, de cuja existncia os rabes pouco suspeitam, visto que
consideram deserto todo o territrio situado alm de Gao e do Mali.
Nos dias de hoje a arqueologia, a toponmia e a lingustica ajudam
-nos a perceber com maior clareza essas relaes seculares entre a
savana e a floresta. Ao sul do Equador, onde a influncia muulmana
nula, os intercmbios entre regies no sero menos significativos,
graas aos deslocamentos de populaes e aos inmeros contatos
ocorridos por ocasio dos mercados ou feiras.
Os frequentes intercmbios inter -regionais de que a frica foi
palco nesse perodo explicam a unidade cultural fundamental do
continente. Novas plantas alimentares so introduzidas, vindas
principalmente do oceano ndico; operam--se transferncias de tcnicas
de uma regio a outra. Para ressaltar a originali-dade da frica ao
sul do Sudo, menos conhecida pelos rabes e demais povos
estrangeiros, os autores dos captulos 19, 20, 21, 22 e 23 do nfase
vida econmica, social e poltica das regies que se estendem dos
Grandes Lagos at os rios Zaire (Congo), Zambeze e Limpopo, vastas
zonas que quase no sofreram a influncia do Isl. Merece destaque a
poro da frica meridional posterior ao vale do alto Nilo, que vai de
Assu s cabeceiras do rio; voltaremos a ela mais adiante. Alm do
ouro, a frica exporta marfim bruto ou trabalhado para a Arbia e a
ndia atravs do oceano ndico. O trfico transaariano, por sua
5Introduo
vez, alimentado pelo florescente artesanato do Sudo e pela rica
agricultura do vale do Nger: gros, sandlias, peles, tecidos de
algodo so exportados para o Norte, enquanto as cortes reais de
Niani, de Gao, as vilas como Tombuctu, e as cidades hau Kano e
Katsina importam principalmente produtos de luxo como sedas,
brocados, armas ricamente ornamentadas etc.
O Sudo exporta igualmente escravos para suprir as necessidades
das cortes magrebinas e egpcias (mulheres para os harns e homens
para formar a guarda de honra dos sultes). Note -se que os
peregrinos sudaneses tambm compram escravos no Cairo,
principalmente escravos artistas msicos, entre outros. Alguns
autores aumentaram exageradamente o nmero de escravos originrios do
Sudo ou da costa oriental levados para os pases rabes. Qualquer que
tenha sido a importncia numrica dos negros no Iraque, no Marrocos
ou no Magreb em geral, no h nada em comum entre o comrcio de
escravos no perodo em estudo e o que ser instaurado no litoral
atlntico da frica pelos europeus, aps a descoberta do novo mundo,
visando obter mo -de -obra para as plantaes de cana -de -acar ou
algodo. Os volumes V e VI daro nfase a essa hemorragia que foi o
trfico negreiro.
Figura 1.1 Mapa -mndi de al -Idrs (sculo XII da era crist).
Carta do Egito, da Arbia e do Ir; a costa oriental da frica pode
ser vista embaixo, direita. Aqui, al -Idrs retoma a concepo
cartogrfica j apre-sentada por Ptolomeu. (Original guardado na sala
de manuscritos para as colees geogrficas da Biblioteca Real, sob a
referncia de n. BN/GE AA 2004.)
6 frica do sculo xii ao sculo xvi
Enfim, um fato muito importante a ser sublinhado o
desenvolvimento dos reinos e imprios entre os sculos XII e XVI;
durante muito tempo os historiadores e pesquisadores coloniais
quiseram tornar plausvel a ideia de que os Estados ao sul do Saara
desenvolveram -se graas influncia dos rabes. Embora a influncia
rabe seja incontestvel na zona sudano -saheliana ainda que vrios
reinos tenham aparecido antes da introduo do Isl na regio , somos
obrigados a convir que Estados como o reino do Congo, o Zimbbue e o
Monomotapa (Mwene Mutapa) praticamente no sofreram a influncia do
Isl. Evidentemente, graas aos documentos escritos em rabe que se
conhece melhor a vida urbana nas cidades magrebinas e sudano
-sahelianas.
Cidades de atividade mercantil margeiam as orlas do deserto: uma
classe dinmica de mercadores e letrados anima a vida econmica e
cultural de Djenn, Niani, Gao, Tombuctu, Walata no Sudo ocidental;
no norte do Saara, Sidjil-masa, Tuat, Wargla, Marrakech, Fs e
Cairo. No Sudo central, no Kanem --Bornu e nas cidades hau tais
como Zaria, Katsina e Kano, a vida cultural e econmica no menos
intensa; sob a influncia dos Wangara, povos como os Haus
especializam -se no comrcio. Na costa da frica oriental, as colnias
rabo -persas, instaladas nos portos a partir dos sculos IX e X,
fazem de Mom-baa e principalmente de Sofala e Madagscar centros
comerciais ativos, que mantm relaes constantes com a ndia e a
China.
No plano poltico, entretanto, o Sudo tem instituies e estruturas
sociais prprias, que o Isl superficial das cortes deixa intactas...
Os berberes arabizam - -se lentamente. Nas cidades do Sudo, o rabe
a lngua dos letrados, gravitando em torno das mesquitas, e de
alguns mercadores abastados; a no h arabizao. Mesmo no Magreb, onde
a arabizao seguiu de perto a imposio do Isl, a influncia berbere
permanecer viva, sendo a lngua berbere ainda falada em nossos dias
nas regies montanhosas.
O Egito passa a ser o centro cultural do mundo muulmano, tomando
o lugar de Bagd, Damasco e das cidades da Arbia, s quais s restara
a aurola da pere-grinao. No Oeste, Magreb e Andaluzia tornam -se, a
partir dos sculos X e XI, centros de difuso cultural,
principalmente da cincia e da filosofia, absorvidas pela Europa.
Magrebinos e andaluzes participam ativamente na preparao de um
renascimento cientfico e cultural na Europa.
A Itlia meridional no ficar imune influncia muulmana; lembremos
que na corte do rei cristo Rogrio da Siclia que al -Idrs escrever
sua famosa Geografia, somatria dos conhecimentos sobre os pases do
mundo na poca. Essa obra, que representa grande progresso, permitiu
Itlia descobrir a frica;
7Introduo
a partir da, os negociantes passam a se interessar por esse
Eldorado. A Europa, entretanto, ainda aguarda sua vez.
No plano poltico, aps o movimento almorvida, que fez afluir o
ouro do Sudo at a Espanha, os homens do Ribt logo perdero o flego e
seu imp-rio entrar em decadncia no incio do sculo XII. Afonso VI,
rei de Castela, reconquista aos muulmanos a rica cidade de Toledo.
Em 1086, no entanto, Ibn Tshfin reaviva por momentos a chama
almorvida: frente das tropas muul-manas, que abrigam grande
contingente de habitantes do Takrr, sai vitorioso na batalha contra
os cristos em Zallaca, em que ficaram clebres os guerreiros negros
das foras almorvidas. No prprio continente africano, no Sudo e no
Magreb, o sculo XI termina com a desintegrao do poder dos
Almorvidas; a rivalidade entre os Kabla do Magreb e os do Saara e a
resistncia das provn-cias de Gana aps a morte de Ab Bakr em 1087,
em Tagant, pem termo aos esforos dos Almorvidas na frica
subsaariana.
Assim, o sculo XII inicia -se na frica setentrional com um recuo
dos Almo-rvidas em vrias frentes. Rogrio II, rei das Duas Siclias,
aventura -se at as costas da frica e impe um tributo a certos
portos de onde partiam os piratas berberes. .. Mas essa ousadia ser
refreada pelo reflorescimento muulmano, sob a gide dos Almadas, no
sculo XII, e, a leste, no Egito, esse reflorescimento ter lugar sob
os Aibidas e principalmente sob os Mamelucos, durante os scu-los
XIII e XIV. Precisamente nessa poca os cristos iro intensificar o
movi-mento das cruzadas no Oriente Prximo; mas esta expanso ser
contida pelo Egito dos Mamelucos, tendo os cruzados que se refugiar
em kraks, ou fortalezas, j sem controle sobre Jerusalm. Nos sculos
XIII e XIV, ao mesmo tempo que o Egito detm o perigo cristo, suas
escolas florescem e imprimem civilizao muulmana um brilho especial.
Esta tambm a poca de expanso e apogeu dos reinos e imprios
sudaneses, de que trataremos em seguida.
O esplendor dos Estados do Mali, do Songhai, do Kanem -Bornu, e
dos reinos mossi e dagomba, na curva do Nger, so temas dos captulos
de 6 a 10, de autoria de especialistas negro -africanos. O estudo
das instituies no Mali e nos reinos Mossi, por exemplo, revela a
influncia tradicional africana comum. O Isl, religio oficial do
Mali e de Gao, favorecer a emergncia de uma classe de letrados; j
desde os tempos de Gana, os Wangara (Soninke e Maninke Malinke),
especializados no comrcio, animam a vida econmica: organizam
caravanas, que partem para as florestas do Sul, onde trocam peixe
defumado, tecidos de algodo e objetos de cobre por nozes -de -cola,
ouro, azeite de dend (leo -de -palma), marfim e madeiras
preciosas.
8 frica do sculo xii ao sculo xvi
Os imperadores muulmanos do Mali intensificaro suas relaes com o
Egito em detrimento do Magreb. No sculo XIV o imprio atinge o
apogeu. O sculo XII, entretanto, pouco conhecido; felizmente, al
-Idrs nos informa da existncia dos reinos do Takrr, do Do, ou
Dodugu, do Mali e de Gao, reto-mando, em parte, os dados fornecidos
por al -Bakr. As tradies do Manden, do Wagadu e do Takrr permitem
-nos hoje entrever a luta obstinada que ops as provncias nascidas
da desagregao do Imprio de Gana.
Sabe -se hoje, pelo estudo das tradies orais, que entre a queda
de Gana e a emergncia do Mali houve o intermdio da dominao dos
Sosoe (fra-o soninke -manden rebelde ao Isl), os quais, por algum
tempo, unificaram as provncias que os kaya maghan controlavam; com
o sculo XIII comea a ascenso do reino de Melli, ou Mali. O grande
conquistador Sundiata Keita derrota Sumaoro Kante (rei dos Sosoe)
na famosa batalha de Kirina, em 1235, e funda o novo Imprio Manden.
Fiel tradio de seus ancestrais, islamizados desde 1050, Sundiata
reata relaes com os comerciantes e os letrados negros e rabes ao
restabelecer o imprio. De 1230 a 1255, coloca em funcionamento
instituies que marcaro por sculos os sucessivos reinos do Sudo
ocidental. A peregrinao e o grande trfico transaariano reanimam as
rotas do Saara.
Comerciantes e peregrinos negros encontram -se pelas
encruzilhadas do Cairo; estabelecem -se embaixadas negras nas
cidades do Magreb; intensificam - -se as relaes culturais e
econmicas com o mundo muulmano, sobretudo no sculo XIV, sob o
reinado do faustuoso mansa Ms I e sob o do mansa Solimo; no Sudo
central, Kanem e Bornu tm relaes ainda mais frequentes com o Egito
e a Lbia. As fontes rabes, os escritos locais e a tradio oral mais
uma vez nos trazem importantes esclarecimentos sobre o sculo XIV no
Sudo.
o momento de mencionar certos escritores rabes historiadores,
gegra-fos, viajantes e secretrios das cortes que nos deixaram
excelente documenta-o sobre a frica, notadamente no sculo XIV.
O maior historiador da Idade Mdia, Ibn Khaldn, magrebino
(13321406). Participa da vida poltica de seu tempo, tanto nas
cortes de Fs e de Tnis quanto nas de Andaluzia. Aps vrios
infortnios, retira -se para um castelo e empreende a redao de sua
obra histrica. Sua monumental Kitb al -Ibr (Histria universal), que
inclui a Histoire des Berbres ... (Histria dos berberes ...), o
estudo scio -histrico mais minucioso j escrito sobre o Magreb; num
dos volumes dessa Histria que o autor dedica ao Imprio do Mali
pginas que ficaram clebres. A ele devemos a lista dos soberanos dos
sculos XIII e XIV at 1390. Os Prolegmenos (Mukaddima) dessa grande
obra lanam as bases
9Introduo
da sociologia e evidenciam os princpios de uma histria
cientfica, objetiva, fundada na crtica das fontes.
Ibn Battta, clebre por suas viagens, um verdadeiro andarilho do
sculo XIV. Suas informaes sobre a China, sobre a costa oriental da
frica, o relato de sua viagem ao Mali continuam sendo o modelo do
gnero etnolgico. Nada escapa sua ateno: modo de vida, problemas
alimentares, tipo de governo, costumes dos povos so tratados com
maestria e preciso. Ibn Battta legou -nos as informaes mais
completas sobre a costa da frica oriental, sobre o comrcio inter
-regional na frica e a importncia do comrcio no ndico. Referindo
-se s ilhas Maldivas, escreve:
A moeda dessas ilhas o cauri. Trata -se de um animal recolhido
no mar. colocado em fossos, onde sua carne desaparece, restando
apenas um osso branco... Comercia--se por meio desses cauris a razo
de quatro bustu por um dinar. Pode ocorrer que seu preo baixe a
ponto de se vender doze bustu por um dinar. So vendidos aos
habitantes de Bangala [Bengala] em troca de arroz. tambm a moeda
dos habi-tantes do Bilad Bangala... O cauri ainda a moeda dos Sudan
[os negros] em seu pas. Vi -os serem vendidos em Melli [Niani, no
Imprio do Mali] e Gugu [Gao, capital do Songhai] razo de 1150 por
um dinar de ouro.
Essa concha, o cauri, ser a moeda da maior parte dos reinos
sudaneses durante o perodo em estudo. encontrada unicamente nas
ilhas Maldivas, o que permite medir a intensidade da circulao de
homens e bens na frica e no oceano ndico.
Um terceiro autor, cujas informaes precisas fundam -se numa
documentao filtrada, al -Umar Ibn Fadl Allh, secretrio na corte dos
Mamelucos entre 1340 e 1348. Na poca, os reis sudaneses mantm no
Cairo consulados para a recepo de centenas de peregrinos que se
dirigem Meca. Assim, al -Ulmar dispe, por um lado, dos arquivos
reais; por outro, obtm infor - maes junto aos cairotas que, em
viagem, frequentam os reis sudaneses, e junto aos prprios
sudaneses. Sua LAfrique moins l gypte (A frica com exceo do Egito)
uma das principais fontes para a histria da frica medieval.
Finalmente, citemos Leo, o Africano, hspede do papa, que esteve
por duas vezes no Sudo no incio do sculo XVI. Suas informaes sobre
o Sudo ocidental e central constituem importante testemunho sobre
uma poca em que os ventos da histria sopraram a favor das brancas
caravelas.
No fim do sculo XVI a decadncia total; as cidades sudanesas
pouco a pouco vo perdendo seu brilho.
10 frica do sculo xii ao sculo xvi
Cinco sculos aps seu desaparecimento, Kumbi Sleh (Gana)
identificada e escavada (1914); o stio de Awdaghust, clebre centro
comercial entre Kumbi-- Sleh e Sidjilmasa, h dez anos vem atraindo
a ateno dos arquelogos. Os professores J. Devisse e S. Robert
descobriram ali vrios estgios de ocupaes humanas; os tesouros
exumados atestam que Awker foi realmente a terra do ouro. Mais ao
sul, Niani, a capital do Mali, cidade edificada com tijolos de
terra batida, v seus tumuli esquadrinhados e escavados; ano aps ano
a cidade medieval, a capital de Sundiata e do mansa Ms I, revela
seus segredos. A arqueologia mostra -se cada vez mais uma cincia
indispensvel para extrair do solo africano documentos mais
eloquentes que os textos ou a tradio.
tempo de falar do restante da frica, que o Isl no conheceu. Como
j dissemos, a ausncia de documentao escrita nada significa; os
monumentos de pedra da frica equatorial, central e meridional so
prova disso, fazendo pensar imediatamente em reinos do tipo antigo
Egito. Essas construes ciclpicas, os Zimbbue e os Mapungubwe,
situadas longe da costa, contam -se por dezenas. Obra das populaes
Bantu, essas cidades fortificadas, essas escadas gigantes provam a
que ponto de desenvolvimento chegaram certas tcnicas de construo,
isso na ausncia de qualquer tipo de escrita. De bom grado
passaremos por cima das mltiplas teorias elaboradas acerca dos
construtores desses monumentos de pedra, j que os colonizadores,
naturalmente, no podiam admitir que os ancestrais dos Shona e dos
Natibete (Matabele) tivessem sido os artesos desses monumentos, que
confundiam a imaginao dos visitantes. Tampouco histo-riadores
coloniais estavam preparados para admitir que os negros pudessem
ser autores de construes de pedra.
Em sua obra Africa before the White Men, Basil Davidson intitula
Os edifi-cadores do Sul o captulo 9, dedicado frica central e
meridional; propondo uma nova viso das questes colocadas pela
histria da frica, o autor devolve ao continente o que lhe devido: o
ganho moral da obra de seus ancestrais.
J ao abordar a costa oriental do continente, aps ter dobrado o
cabo da Boa Esperana, os portugueses ouviriam falar, em Sofala, de
um poderoso imprio do interior; chegaram mesmo a entrar em contato
com alguns nativos que vinham regularmente ao litoral comerciar com
os rabes. Os primeiros documentos portugueses falam do reino de
Benametapa. Uma das primeiras descries desses monumentos de pedra,
que a fotografia tornou familiares, deve -se a Damio de Gis:
No centro desse pas encontra -se uma fortaleza construda de
grandes e pesadas pedras tanto no interior quanto no exterior (...)
uma construo muito curiosa e
11Introduo
bem edificada, pois, segundo o que se conta, no se v nenhuma
argamassa a unir as pedras. Em outras regies da sobredita plancie,
h outras fortalezas construdas do mesmo modo, em cada uma das quais
o rei tem capites. O rei do Benametapa vive em meio ao luxo, sendo
servido com grande devoo e deferncia.
Joo de Barros acrescenta que
os indgenas desse pas chamam a todos esses edifcios de simbao, o
que, em sua lngua, significa corte, pois pode ser assim chamado
qualquer lugar onde Bename-tapa possa se encontrar; dizem eles que,
sendo propriedades reais, todas as demais moradas do rei trazem
esse nome.
Fato anlogo ao que ocorre no Mali, onde as residncias dos
soberanos rece - bem a denominao de madugu.
Graas aos trabalhos de inmeros pesquisadores, a frica central e
a frica meridional so hoje mais bem conhecidas. Os esforos
conjuntos dos linguis-tas, arquelogos e antroplogos j trazem
grandes esclarecimentos sobre esses monumentos e seus construtores.
O Zimbbue e o Mwene Mutapa (Bename-tapa para os portugueses, e
modernamente, Monomotapa) so reinos poderosos cujo apogeu situar
-se -ia precisamente entre os sculos XI e XIV; so, portanto,
contemporneos de Gana e do Mali, ao norte. O vigor desses reinos
funda -se numa slida organizao social e poltica. Assim como o kaya
maghan, o mwene mutapa (ttulo real) detm o monoplio do ouro; como
seu contemporneo sudans, ele senhor dos metais. Esses reinos, cujas
reas cobrem hoje parte da Repblica Popular de Moambique, da
Repblica do Zimbbue, da Repblica de Zmbia e da Repblica do Malavi,
situavam -se numa regio rica em cobre, ferro e ouro. Segundo
Davidson, foram registradas milhares de antigas minas, talvez at 60
ou 70 mil.
A cronologia constitui ainda um problema; certo , porm, que o
Mwene Mutapa e o Zimbbue j comeavam a entrar em decadncia quando da
chegada dos portugueses, embora ainda aparecessem como grandes
potncias; essa deca-dncia ir se precipitar com a rapacidade e as
pilhagens dos portugueses e dos demais europeus que os seguiro. As
populaes dessas regies, que praticam a cultura em terraos,
desenvolveram rica agricultura. Toma corpo a ideia de que as
diferentes etnias e culturas locais tm a mesma origem bantu. A
etnologia, em certo sentido, prestou pssimo servio histria ao
considerar cada etnia como uma raa distinta; felizmente, a
lingustica permite restabelecer a ordem das coisas. Todos esses
pequenos grupos nascidos de quatro sculos de trfico de
12 frica do sculo xii ao sculo xvi
escravos, de caa ao homem, participam do mesmo mundo bantu; os
Bantu se sobrepuseram a antigas populaes e expulsaram pigmeus e
outros grupos para as florestas inspitas ou para os desertos. Em
Zmbia as escavaes prosseguem; a jovem Repblica do Zimbbue abre um
campo de pesquisas bastante promis-sor. No Transvaal e em outras
regies da frica do Sul encontram -se vestgios de brilhantes
civilizaes, anteriores ao sculo XII.
Rejeitada a tese que atribui o Zimbbue e o Mwene Mutapa aos
fencios, retomando a lenda dourada da regio de Ofir, a objetividade
terminou por prevalecer entre os pesquisadores: a maioria reconhece
hoje que as influncias externas foram nulas. David Randall MacIver,
egiptlogo que realizou pesqui-sas na Rodsia do Sul (Zimbbue),
afirma que os monumentos tm origem africana; por sua pena, assim se
expressa a arqueologia cientfica:
No h traos de estilo oriental ou europeu, seja de que poca for
(...) O carter das habitaes cercadas pelas runas de pedra, das
quais so parte integrante, africano sem sombra de dvida.
E prossegue:
As artes e tcnicas de que so testemunhos os objetos encontrados
nas habi - taes so tipicamente africanas, salvo quando se trata de
ntidas importaes medievais ou ps -medievais.
MacIver escreveu estas linhas em 1905; no entanto as provas
arqueolgicas que apresentou no chegaram a desarmar os defensores da
teoria ofiriana. Um quarto de sculo mais tarde, todavia, a
arqueloga Gertrude Caton -Thompson publicou um relatrio sobre a
civilizao de Zimbbue, em que confirma as palavras de MacIver com
clareza de diamante, segundo Basil Davidson, e grande intuio
arqueolgica. Caton -Thompson, cuja obra se funda em estudo
rigorosamente arqueolgico, escreve:
O exame de todos os documentos recolhidos em cada setor no pode,
no entanto, produzir um s objeto que esteja em desacordo com a
reivindicao de origem bantu e de data medieval.
Respaldando -se em trabalhos arqueolgicos, o professor Brian
Murray Fagan mostra, no captulo 21, que o Zimbbue e as demais
civilizaes do Sul flo-resceram bem antes do sculo XVI, praticamente
resguardados de quaisquer influncias exteriores; pelo menos, estas
no tiveram papel decisivo na gnese daquelas culturas.
13Introduo
fcil imaginar o que a pena grandiloquente de um autor rabe nos
teria legado se o Zimbbue e o reino do senhor dos metais tivessem
recebido a visita de gegrafos e viajantes como os que estiveram em
Gana e no Mali, algo como: O Grande Zimbbue e seus muros de pedra,
enigmticos como as pirmides, so testemunhos da solidez e da coeso
das instituies que regeram a vida dos construtores desses
monumentos erigidos para a glria de seus reis e de seus deuses.
O espanto e o encantamento dos navegadores portugueses ao
desembarcarem na Etipia ocidental,