HISTRIA DA CIVILIZAO OCIDENTAL
HISTRIA DA CIVILIZAO OCIDENTAL EDWARD BURNS
Parte 6A civilizao ocidental moderna (1789-1914): democracia,
nacionalismo, industrialismoCom a Revoluo Francesa, tem incio uma
segunda fase da histria da civilizao ocidental moderna. Foi
profunda a influncia exercida sobre o mundo moderno por esse
acontecimento, que adveio entre os anos de 1789 e 1799. Liquidou o
mercantilismo e os remanescentes do feudalismo, contribuindo assim
para estabelecer a supremacia poltica da classe mdia. Foi, alm
disso, uma das fontes principais do nacionalismo militante, do
individualismo econmico e do princpio da soberania das massas.
Vrios destes resultados em especial o nacionalismo, a democracia e
a supremacia da classe mdia persistiram durante todo o sculo
passado e o comeo do nosso, podendo ser contados entre os
caractersticos dominantes dessa poca. No devemos esquecer, ao mesmo
tempo, que a histria das naes ocidentais desde a Revoluo Francesa
at o deflagrar da Primeira Guerra Mundial foi radicalmente
condicionada por outros fatores. Entre eles, o mais relevante foi a
Revoluo Industrial, que se iniciou por volta de 1760 e se prolongou
at os nossos dias. Foram consequncias de monta dessa revoluo a
urbanizao da vida moderna, o aparecimento de novas classes sociais
e de novas filosofias econmicas e polticas, o renascimento do
imperialismo e uma melhora geral dos padres de vida. Permitindo,
alm disso, que os pases sustentassem uma populao muito maior do que
teria sido possvel sob um regime de economia agrcola, ela
contribuiu para o notvel aumento da populao europia, que em 1914
ultrapassava j o dobro da de 1789.
A Revoluo Industrial dos sculos XIX e X
Durante o perodo que foi de 1400 at aproximadamente 1700 a
civilizao moderna atravessou a sua primeira revoluo econmica. Foi
ela a Revoluo Comercial, que extirpou a economia semi-esttica da
Idade Mdia e a substituiu por um capitalismo dinmico dominado por
comerciantes, banqueiros e armadores de navios. Mas a Revoluo
Comercial no foi mais que o ponto de partida de rpidas e decisivas
mudanas no campo econmico. No tardou a seguir-se-lhe uma Revoluo
Industrial, que no s ampliou ainda mais a esfera dos grandes
empreendimentos comerciais mas ainda se estendeu aos domnios da
produo. Tanto quanto possvel reduzi-la a uma frmula sinttica,
pode-se dizer que a Revoluo Industrial compreendeu: 1) a mecanizao
da indstria e da agricultura; 2) a aplicao da fora motriz indstria;
3) o desenvolvimento do sistema fabril; 4) um sensacional
aceleramento dos transportes e das comunicaes; e 5) um considervel
acrscimo do controle capitalista sobre quase todos os ramos de
atividade econmica. Embora a Revoluo Industrial j se houvesse
iniciado em 1760, no adquiriu todo o seu mpeto antes do sculo XIX.
Muitos historiadores dividem o movimento em duas grandes fases,
servindo o ano de 1860 como marco divisrio aproximado entre ambas.
O perodo de 1860 at os nossos dias por vezes denominado Segunda
Revoluo Industrial.
1. O COMPLEXO DE CAUSASA Revoluo Industrial nasceu de uma
multiplicidade de causas, algumas das quais so mais antigas do que
habitualmente se pensa. Talvez convenha considerar em primeiro
lugar os aperfeioamentos iniciais da tcnica. As maravilhosas
invenes dos fins do sculo XVIII no nasceram j completas, como
Minerva da testa de Jpiter. Pelo contrrio, j desde algum tempo
havia um interesse mais ou menos fecundo pelas inovaes mecnicas. O
perodo da Revoluo Comercial assistira inveno do relgio de pndulo,
do termmetro, da bomba aspirante, da roda de fiar e do tear para
tecer meias, sem falar dos melhoramentos introduzidos na tcnica de
fundir minrios e na obteno do bronze. Mais ou menos em 1580 foi
inventado um tear mecnico que fazia fitas, sendo capaz de tramar
vrios fios ao mesmo tempo. Houve tambm importantes progressos
tcnicos em outras indstrias, como a de vidraria, relojoaria,
apareIhamento de madeira e construo naval. Vrias dessas primeiras
invenes tornavam necessria a adoo de mtodos fabris. Por exemplo, a
mquina de organsinar seda bruta, inventada na Itlia por volta de
1500, tinha de ser instalada numa vasta construo e exigia uma turma
considervel de trabalhadores. Nos Temple Mills, margem do Tamisa,
acima de Londres segundo uma descrio feita em 1738 por Daniel Defoe
o cobre era convertido em caldeiras e panelas por meio de enormes
martelos movidos a fora hidrulica. Esses melhoramentos tcnicos
iniciais mal se podem comparar em importncia aos que se verificaram
depois de 1760, mas mostram que a era da mquina no surgiu de um dia
para outro.Entre outras causas de primeira importncia contam-se
algumas consequncias mais diretas da Revoluo Comercial. Esse
movimento provocara o surto de uma classe de capitalistas que
procuravam constantemente novas oportunidades de investimento para
o seu excesso de riqueza. A princpio essa riqueza podia ser
facilmente absorvida pelo comrcio, pelos empreendimentos de
minerao, pelas especulaes bancrias ou pelas construes navais, mas
com o correr do tempo as oportunidades em tais campos se tornaram
bastante limitadas. Em consequncia, havia uma disponibilidade
crescente de capitais para o desenvolvimento da manufatura. Mas
dificilmente teria ocorrido um desenvolvimento rpido se no houvesse
uma procura cada vez maior de produtos industriais. Tal procura
deveu-se em grande parte fundao de imprios coloniais e ao acentuado
crescimento da populao europia. Estamos lembrados de que um dos
objetivos primrios da aquisio de colnias fora o de encontrar novos
mercados para os produtos manufaturados na metrpole. Como prova de
que tal finalidade fora satisfatoriamente atingida registra-se o
fato de, s no ano de 1658, terem sido embarcados da Inglaterra para
a Virgnia nada menos de 24.000 pares de sapatos. Ao mesmo tempo, os
mercados potenciais da Europa iam-se alargando com rapidez, dada a
curva ascendente da populao dos pases ocidentais. Na Inglaterra o
nmero de habitantes subiu de quatro milhes em 1600 a seis milhes em
1700 e a nove milhes no fim do sculo XVIII. A populao da Frana
elevou-se de 17.000.000 em 1700 a 26.000.000 cerca de cem anos mais
tarde. At que ponto esse aumento foi um efeito dos progressos da
medicina no sculo XVIII e em que medida se deveu ele maior
abundncia de alimentos decorrente da expanso do comrcio? uma questo
discutvel, mas a influncia do segundo destes fatores no pode ser
desprezada. Finalmente, a Revoluo Comercial estimulou o crescimento
das manufaturas graas sua doutrina bsica do mercantilismo. A
poltica mercantilista visava, entre outras coisas, aumentar a
quantidade de artigos manufaturados disponveis para a exportao a
fim de garantir uma balana de comrcio favorvel.A despeito da
importncia das causas j mencionadas, a Revoluo Industrial teria
sido sem dvida retardada se no fosse a necessidade de melhoramentos
mecnicos fundamentais em certos campos de produo. A por volta de
1700, a procura de carvo para as fundices de ferro tinha exaurido
de tal modo as reservas de lenha que vrias naes da Europa Ocidental
se viram ameaadas pelo desflorestamento. Cerca de 1709 uma soluo
parcial foi encontrada por Abraham Darby, ao descobrir que o coque
podia ser utilizado na fundio. Mas, para se obter o coque
necessrio, era preciso minerar carvo em quantidade muito maior do
que at ento se tinha feito. Como o principal obstculo extrao fosse
a acumulao de gua nas minas, a necessidade do novo combustvel levou
procura de uma fonte de energia capaz de acionar as bombas. Vrios
experimentos relacionados com essa pesquisa resultaram finalmente
na inveno da mquina a vapor. Uma necessidade ainda mais premente de
mecanizao existia na indstria txtil. Com a crescente procura dos
tecidos de algodo nos sculos XVII e XVIII, tornou-se simplesmente
impossvel fornecer o fio necessrio com as rodas de fiar primitivas
ainda em uso. Mesmo depois de se porem a trabalhar todas as
mulheres e crianas em disponibilidade, a procura no pde ser
satisfeita. Na Alemanha, at os soldados nos quartis foram postos a
fiar algodo. Como a necessidade se fizesse sentir cada vez mais, as
sociedades cientficas e as empresas industriais ofereceram prmios a
quem apresentasse mtodos aperfeioados de fiao. Em 1760, por
exemplo, a "English Society of Arts" instituiu um desses prmios
para uma mquina que capacitasse uma pessoa a fiar seis fios
simultaneamente. O resultado de todos esses esforos foi o
desenvolvimento da mquina de fiar e do tear hidrulico, precursores
de uma srie de importantes inventos na indstria txtil. No tardando
a ficar demonstrada a viabilidade de tais mquinas, a mecanizao no
podia deixar de estender-se s demais manufaturas.2. Por que a
Revoluo Industrial comeou na Inglaterra primeira vista pode parecer
estranho que o pequeno reino insular no s se tenha tornado o lder
industrial do mundo, mas que haja conservado essa posio por mais de
um sculo. Pretende um filsofo moderno que a Inglaterra, ainda em
pleno sculo XVIII, era "o pas mais pobre da Europa Ocidental".
certo que ela no possua uma grande variedade de produtos dentro das
suas fronteiras. No estava to perto de bastar-se a si mesma quanto
a Frana ou a Alemanha. Seus recursos agrcolas j no chegavam para
satisfazer-lhe as necessidades e o exaurimento das florestas da
ilha tinha sido notado desde o tempo dos Stuarts. O carvo e o
ferro, geralmente considerados como as suas maiores riquezas, no
assumiram grande importncia industrial seno no sculo XIX. Mas, ao
lado dessas condies adversas, havia outros fatres que faziam a
balana pender decididamente para o lado da Inglaterra.Talvez
devamos colocar no cabealho da lista de condies favorveis o fato de
ter sido a Inglaterra o pas que mais lucrou com a Revoluo
Comercial. Ainda que a Frana tivesse, pelas alturas de 1750, um
comrcio exterior calculado em 200 milhes de dlares anuais, em
confronto com os 160 milhes de dlares da Inglaterra, no se deve
esquecer que a populao francesa era, no mnimo, trs vezes maior do
que a inglesa. Acresce que a Frana havia alcanado o limite mximo da
sua expanso imperial e que uma parte considervel dos lucros do seu
comrcio exterior era desviada, atravs de emprstimos e de impostos,
para a manuteno de um exrcito oneroso e de uma corte frvola e
extravagante. A Inglaterra, por seu lado, mal iniciava ainda a sua
idade urea de poder e prosperidade. J havia adquirido as mais
valiosas colnias do Hemisfrio Ocidental e em breve iria consolidar
a supremacia imperial e comercial pela derrota dos franceses na
Guerra dos Sete Anos. Alm disso, uma proporo bem maior dos lucros
da Inglaterra no comrcio ultramarino ficava disponvel para os
investimentos produtivos. O seu governo estava relativamente livre
de corrupo e de gastos perdulrios. Os seus efetivos militares
custavam menos que os da Frana e as suas rendas eram coletadas com
muito mais eficincia. Em consequncia, os comerciantes e armadores
ingleses dispunham de uma margem mais ampla de lucros excedentes,
que eles estavam ansiosos por inverter em todos os negcios
concebiveis que pudessem tornar-se fonte de proveitos adicionais.
vista de tais fatos, no de surpreender que a Inglaterra se tivesse
alado posio cie principal nao capitalista no comeo do sculo XVIII.
Em parte alguma haviam as sociedades por aes alcanado tamanho
desenvolvimento. As operaes sobre valores j eram negcio legal
quando foi fundada, em 1698, a Bolsa de Fundos Pblicos de Londres.
Por volta de 1700, Londres estava capacitada a competir com Amsterd
como capital financeira do mundo. Acrescente-se a isso que a
Inglaterra possua, talvez, o melhor sistema bancrio da Europa. No
pice desse sistema achava-se o Banco da Inglaterra, fundado em
1694. Embora estabelecido com o fim de levantar fundos para o
governo, a sua organizao era a de uma empresa privada. Os seus
fundos eram de propriedade particular e a sua direo no estava
submetida a qualquer controle oficial. No obstante, sempre operou
em ntima colaborao com o governo e desde os primeiros tempos
constituiu importante fator de estabilizao das finanas pblicas.
Assegurada destarte a estabilidade financeira do governo, os
grandes empreendedores comerciais e industriais podiam desenvolver
os seus negcios sem o temor de uma bancarrota nacional ou de uma
inflao ruinosa. cabvel observar a este propsito que nada ou quase
nada de semelhante se verificou nas finanas do pas de alm-Mancha at
a fundao do Banco Francs, durante o perodo napolenico.H indcios de
no ter sido pequena a influncia dos fatores polticos e sociais na
origem da Revoluo Industrial inglesa. Embora o governo britnico
estivesse longe de ser democrtico, era pelo menos mais liberal do
que a maioria dos governos continentais. A Revoluo Gloriosa de
1688-89 muito fizera para estabelecer o conceito da soberania
limitada. Tornara-se geralmente aceita a doutrina de que o poder do
estado no deve estender-se alm da proteo dos direitos naturais do
indivduo liberdade e ao gozo da propriedade. Sob a influncia de tal
doutrina o Parlamento aboliu velhas leis que criavam monoplios
especiais e interferiam na livre concorrncia. Os princpios
mercantilistas continuaram a ser aplicados ao comrcio com as
colnias, mas na esfera dos negcios metropolitanos foi pouco a pouco
revogado um grande nmero de restries. Ademais, a Inglaterra j
comeava ento a ser encarada como um asilo para os refugiados de
outros pases. Mais de 40.000 huguenotes fixaram-se nas suas aldeias
e cidades quando foram expulsos da Frana, em 1685, pela revogao do
Edito de Nantes. Frugal, enrgico e ambicioso, esse elemento
instilou novo vigor na nao inglesa. Thomas Huxley afirmou, muito
mais tarde, que uma gota de sangue huguenote nas veias valia
milhares de libras esterlinas. Que a influncia desses exilados no
progresso industrial no foi insignificante, atesta-o o fato de as
manufaturas de cutelaria e de vidro inglesas terem continuado por
algum tempo a usar nomes franceses. Tambm as condies sociais eram
nitidamente favorveis ao desenvolvimento da indstria. A nobreza
britnica deixara de ser uma casta exclusivamente hereditria e
estava se convertendo com rapidez numa aristocracia da riqueza.
Quase todos os que faziam fortuna tinham a possibilidade de
elevar-se s mais altas camadas sociais. William Pitt, o moo,
afirmava que qualquer homem com uma renda de dez mil libras anuais
devia ter direito a ser par do reino, por mais humilde que fosse a
sua origem. Tais condies valiam por um prmio ao sucesso nos
negcios.Algumas outras causas devem ser acrescentadas para
completar o quadro. Em primeiro lugar, mencionemos o fato de ser o
clima mido das ilhas britnicas especialmente propcio fabricao de
tecidos de algodo, no permitindo que o fio se torne quebradio e se
rompa facilmente quando retesado pelo tear mecnico. E basta lembrar
que foi a mecanizao da indstria txtil que inaugurou a era da
mquina. Em segundo lugar, o sistema corporativo de produo com as
suas complicadas restries nunca se enraizou to fortemente em solo
ingls como nos pases continentais. As prprias regulamentaes j
estabelecidas tinham sido eliminadas, especialmente nos condados
setentrionais, pelos fins do sculo XVII. Foi esta, diga-se de
passagem, uma das razes pelas quais a Revoluo Industrial principiou
na Inglaterra setentrional de preferncia regio mais prxima do
Continente. Por ltimo, como a riqueza naquela poca estivesse mais
uniformemente distribuda na Inglaterra do que na maioria das outras
naes, os fabricantes ingleses puderam dedicar-se produo em larga
escala de artigos baratos e comuns, ao invs de produzirem pequenas
quantidades de mercadorias de luxo. Este fator influiu
consideravelmente na adoo dos mtodos fabris a fim de obter um
rendimento maior. Na Frana, ao contrrio, havia procura de artigos
de luxo para satisfazer os gostos de uma pequena camada de
perdulrios elegantes. Uma vez que a qualidade da mo-de-obra
constitua requisito fundamental desse tipo de produo, era pequeno o
incentivo inveno de mquinas.3. Homens e mquinas dos primeiros
temposA fase inicial da Revoluo Industrial, que vai de cerca de
1760a 1860, testemunhou um desenvolvimento fenomenal da aplicao da
maquinaria indstria, o qual lanou os alicercesda nossa civilizao
mecnica moderna. Como vimos, o primeiro ramo da indstria a ser
mecanizado foi a manufatura de tecidos de algodo. No era essa uma
das indstrias tradicionais dos ingleses, seno um empreendimento
recente em que cada empresrio podia experimentar quase todos os
mtodos que desejasse. Alm do mais, era um negcio em que os lucros
dependiam da produo intensiva. A fim de que a indstria pudesse
realizar progressos era necessrio encontrar meios de obter um maior
volume de fio do que jamais se poderia conseguir com o instrumental
primitivo ainda em uso. O primeiro dispositivo que veio atender a
essa necessidade foi a spinning jenny ou mquina de fiar inventada
por James Hargreaves em 1767. Essa mquina, assim chamada em
homenagem esposa do inventor, cujo nome era Jenny, era na realidade
uma roda de fiar composta, capaz de produzir oito fios ao mesmo
tempo. Infelizmente, os fios que produzia no eram bastante fortes
para ser utilizadas como fibras longitudinais, ou urdimento, do
tecido de algodo. S com a inveno do bastidor hidrulico de Richard
Arkwright, cerca de dois anos depois, que se tornou possvel a
produo intensiva de ambas as modalidades de fio de algodo.
Finalmente, em 1779, outro ingls, Samuel Crompton, combinou certos
caractersticos da spinning jenny e do bastidor hidrulico numa
mquina de fiar hbrida que ele, com propriedade, denominou mule
(mula). Essa mquina foi sendo progressivamente aperfeioada at que,
vinte anos mais tarde, tornou-se capaz de produzir simultaneamente
quatrocentos fios da melhor qualidade.Entretanto, os problemas da
indstria de algodo ainda no estavam inteiramente resolvidos. A
inveno das mquinas de fiar tinha suprido sobejamente a falta de
fio, mas fazia-se sentir agora a escassez de teceles. Os que se
dedicavam a esta profisso podiam exigir salrios to altos que, ao
que se dizia, costumavam pavonear-se nas ruas com notas de cinco
libras enfiadas na fita do chapu e almoavam ganso assado aos
domingos. Tornou-se logo evidente que o nico remdio para essa falta
de teceles seria a inveno de uma mquina automtica que tomasse o
lugar do tear manual. Muitos declararam tal coisa impossvel, mas o
Rev. Edmund Cartwright, um pastor do condado de Kent, no se deixava
desanimar to facilmente. Dizia consigo que, se a maquinaria
automtica podia ser aplicada fiao, no havia motivo para que no o
fosse tambm tecelagem. Como tivesse poucos conhecimentos de
mecnica, contratou um carpinteiro e um ferreiro para pr em prtica
as suas ideias. O resultado foi o tear mecnico, que Cartwright
patenteou em 1785. Muitos anos se passaram, contudo, antes de le
estar suficientemente aperfeioado para ter mais que um xito
modesto. Somente por volta de 1820 foi que logrou substituir
amplamente os mtodos mais primitivos de tecelagem. Entrementes, a
inveno de uma mquina para separar o caroo da fibra do algodo
possibilitou um fornecimento abundante de algodo em bruto por preo
baixo. Foi essa mquina o descaroador inventado em 1792 por Eli
Whitney, um mestre-escola da Nova Inglaterra.Algumas das novas
invenes da indstria txtil contriburam para o desenvolvimento do
sistema fabril. O bastidor hidrulico, a spinning mule e o tear
mecnico eram mquinas grandes e pesadas que no podiam ser instaladas
nas casas dos trabalhadores. Todas elas se destinavam, com o tempo,
a ser acionadas por fora motriz, e alm disso custavam to caro que
ningum, a no ser um abonado capitalista, poderia compr-las. Era
portanto inevitvel que fossem instaladas em grandes edifcios e que
os trabalhadores empregados em faz-las funcionar ficassem sob a
superviso do proprietrio ou de um gerente. Tais eram os traos
essenciais do sistema fabril na sua forma original. Muito
apropriadamente, o verdadeiro fundador do sistema foi Richard
Arkwright, o inventor do bastidor hidrulico. Graas sua indomvel
perseverana e imenso tino para os negcios, Arkwright elevou-se da
condio de simples barbeiro e cabeleireiro at se tornar o primeiro
capito de indstria. Trabalhando habitualmente das cinco da manh s
nove da noite, lutou com obstculos durante anos. Encontrou tenaz
oposio por parte dos poderosos interesses da indstria de l. Suas
oficinas foram depredadas por multides de trabalhadores
enfurecidos, os quais temiam que as mquinas de Arkwright os
deixassem sem emprego. Foi acusado, talvez com alguma razo, de ter
roubado a outros a idia do bastidor hidrulico. Afirma-se que
despendeu ao todo cerca de 60.000 dlares antes que os seus projetos
comeassem a dar lucro. Fundou a sua primeira fbrica, movida por
fora hidrulica, em 1771.Custa acreditar que o sistema fabril
pudesse ter assumido grande importncia sem o aperfeioamento da
mquina a vapor. As rodas hidrulicas eram vagarosas e nem sempre se
dispunha de cursos de gua com fora suficiente para mov-las. Outras
fontes de energia foram experimentadas, com resultados ainda menos
satisfatrios. O tear mecnico original, inventado por Cartwright,
era movido por uma vaca, ao passo que alguns de seus sucessores
empregaram cavalos e at um co terra-nova. Sabia-se, havia sculos,
que o vapor d'gua podia ser utilizado como fonte de fora motriz.
Grosseiras mquinas a vapor tinham sido construdas por Heron de
Alexandria no sculo I antes de Cristo, por Leonardo da Vinci
durante a Renascena e por vrios outros nos primrdios da idade
moderna. Nenhuma delas, entretanto, fora aproveitada em coisa mais
til do que fazer girar o espeto nas cozinhas dos reis ou obrar
milagres nos tempos antigos. O primeiro homem a empregar a fora do
vapor com propsitos industriais foi Thomas Newcomen, que, em 1712,
inventou uma tosca mas eficiente mquina a vapor para bombear gua
das minas de carvo inglesas. Pelos meados do sculo estava em uso
aproximadamente uma centena desses engenhos. Algumas eram de
enormes propores e podiam fazer o trabalho de mais de cinqenta
cavalos; uma delas tinha um cilindro de seis ps (1,80 m) de
dimetro. At as menores podiam gerar mais fora motriz do que a
maioria das rodas hidrulicas.Malgrado o seu imenso valor para a
indstria mineira, a mquina de Newcomen ressentia-se de defeitos que
a impediam de ser usada em larga escala para fins industriais em
geral. Para comear, desperdiava tanto combustvel como fora. Era
construda de tal maneira que depois de cada movimento do mbolo o
vapor tinha de ser condensado pela asperso de gua fria no cilindro.
Isso significava que o cilindro devia ser novamente aquecido antes
do percurso seguinte, e tais aquecimento e resfriamento alternados
retardavam grandemente a velocidade da mquina. Em segundo lugar, o
"amigo do mineiro" (assim se chamava a bomba de Newcomen) s se
adaptava ao movimento em linha reta requerido pelo bombeamento;
ainda no fora descoberto o meio de converter a ao retilnea do mbolo
num movimento rotativo. Ambos esses defeitos foram finalmente
remediados por James Watt, um construtor de aparelhos cientficos da
Universidade de Glasgow. Em 1763 Watt foi encarregado de corrigir
um modelo da mquina de Newcomen. Enquanto se dedicava a isso,
concebeu a idia de que ela podia ser muitssimo melhorada com a adio
de uma cmara especial para condensar o vapor, de maneira a eliminar
a necessidade de resfriar o cilindro. Em 1769 patenteou sua
primeira mquina com o acrscimo desse dispositivo. Mais tarde,
inventou uma nova disposio de vlvulas que permitiam a injeo de
vapor em ambas as extremidades do cilindro, fazendo com que o mbolo
trabalhasse tanto para a frente como para trs. Em 1782 descobriu um
meio de converter a ao do mbolo em movimento circular, capacitando
assim o motor a mover a maquinaria das fbricas. Infelizmente, o
gnio inventivo de Watt no era igualado pela sua habilidade
comercial. Confessava que "preferia enfrentar um canho carregado a
acertar uma conta duvidosa ou a fechar um negcio". O resultado foi
endividar-se ao tentar colocar as suas mquinas no mercado. Foi
salvo por Matthew Boulton, prspero negociante de ferragens de
Birmingham. Os dois formaram uma sociedade por comandita em que
Boulton era o scio capitalista, e pelo ano de 1800 a firma j havia
vendido 289 motores para fbricas e minas.Poucas invenes tiveram
maior influncia na histria dos tempos modernos que a da mquina a
vapor. Ao contrrio do que geralmente se pensa, no foi a causa
inicial da Revoluo Industrial mas sim, em parte, um efeito desta. O
motor de Watt, pelo menos, nunca se teria tornado realidade se no
fosse a procura de uma fonte eficiente de energia para mover as
pesadas mquinas j inventadas na indstria txtil. Por outro lado,
indiscutvel que o aperfeioamento da mquina a vapor promoveu um
desenvolvimento mais rpido da industrializao. Deu uma nova
importncia produo do carvo e do ferro. Possibilitou, como veremos
em seguida, uma revoluo nos transportes. Abriu oportunidades quase
ilimitadas acelerao das manufaturas, tornando as naes
industrializadas as mais ricas e poderosas do mundo. Antes do
desenvolvimento da mquina a vapor, as reservas de energia estavam,
em grande parte, merc das variaes do tempo atmosfrico. Durante as
secas, a baixa dos rios podia forar os moinhos a restringir suas
atividades ou mesmo a suspend-las por completo. Os navios, nas
travessias do oceano, atrasavam-se semanas inteiras por falta de
vento. De ora em diante, porm, haveria um fornecimento constante de
energia que poderia ser aproveitada quando necessrio. No ,
portanto, exagero afirmar que a inveno de Watt assinalou o
verdadeiro comeo da era da fora motriz.Uma das indstrias que
deveram o seu rpido desenvolvimento ao aperfeioamento da mquina a
vapor foi a manufatura de ferro e de produtos deste metal. Se bem
que muitas das novas mquinas, como a spinning jenny e o bastidor
hidrulico, pudessem ser construdas de madeira, as mquinas a vapor
exigiam material mais resistente. Alm disso, os seus cilindros
deviam ser calibrados com a maior preciso possvel a fim de evitar a
perda de vapor, o que necessitava um progresso considervel na
produo de mquinas-ferramentas e nos mtodos cientficos da manufatura
do ferro. O pioneiro deste trabalho foi John Wilkinson, um
fabricante de canhes. Em 1774, Wilkinson patenteou um mtodo de
calibrar cilindros, mtodo que reduzia a margem de erro a uma
quantidade diminuta para aquela poca. Mais tarde dedicou-se
construo de lanches de ferro e produo de chapas para pontes
metlicas. Jamais escrevia uma carta sem mencionar o ferro em cada
pgina e disps no seu testamento que o enterrassem num caixo de
ferro. Ainda mais importantes que as contribuies de Wilkinson foram
as realizaes de outro ingls, Henry Cort, um empreiteiro naval. Em
1784 Cort inventou o mtodo da pudlagem, que consiste em agitar o
ferro em fuso a fim de eliminar grande percentagem do seu contedo
de carbono. Isso possibilitava a produo de um metal de qualidade
superior, quase to duro quanto o ferro forjado e muito mais barato.
Dois anos mais tarde Cort inventou o laminador para a fabricao de
chapas de ferro. Essas duas inovaes revolucionaram a indstria. Em
menos de vinte anos a produo de ferro na Inglaterra quadruplicou e
o preo caiu a uma frao do que era antes.As transformaes
fundamentais nos processos de produo, que acabamos de descrever,
foram logo seguidas de momentosas inovaes no setor dos transportes.
Os primeiros sinais de uma melhora positiva nos mtodos de viajar
comearam a surgir nas proximidades de 1780. Foi por essa poca que
se comeou a tratar seriamente, na Inglaterra, da construo de canais
e de estradas de pedgio. Nas alturas de 1830, quase todas as
grandes estradas tinham sido drenadas e empedradas, ao passo que as
principais vias fluviais se achavam ligadas por uma rede de 4.000
quilmetros de canais. A melhoria das estradas possibilitou um
servio de diligncias mais rpido. Em 1784 o diretor-geral dos
correios inaugurou um servio postal com carruagens que corriam
continuamente, dia e noite, cobrindo uma distncia de 200 quilmetros
em vinte e quatro horas. Ao findar o sculo diligncias especiais,
conhecidas como "mquinas voadoras", ligavam entre si todas as
cidades principais do pas, alcanando por vezes a velocidade
extraordinria de 15 ou 16 quilmetros por hora.Mas o progresso
verdadeiramente importante nos transportes s comeou aps a adoo
generalizada da mquina a vapor como fonte segura de energia.
Fizeram-se tentativas para adaptar o vapor s diligncias e alguns
desses antepassados do automvel moderno chegaram realmente a correr
nas estradas. A mais bem sucedida foi uma que Richard Trevithick
construiu em 1800 e que chegou a percorrer 150 quilmetros na
estrada de Londres a Plymouth. Aos poucos ganhou terreno a idia de
que seria mais proveitoso utilizar a mquina a vapor para puxar uma
fieira de carruagens sobre carris de ferro. J existiam algumas
dessas estradas de ferro para transportar carvo, mas os carros eram
tirados por cavalos. Deve-se o aparecimento da primeira estrada de
ferro a vapor a George Stephenson, um mecnico autodidata que s
aprendera a ler aos dezessete anos. Trabalhando como maquinista
numa mina de carvo, dedicava as suas horas de folga a fazer
experimentos com locomotivas. Em 1822 convenceu das vantagens da
trao a vapor um grupo de homens que estavam projetando uma estrada
de ferro para o transporte de carvo entre Stockton e Darlington e
foi nomeado engenheiro da linha com carta branca para executar os
seus planos. O resultado foi a inaugurao, trs anos depois, da
primeira estrada de ferro com mquina a vapor. As locomotivas que
ele construiu para essa linha alcanavam a velocidade de 24
quilmetros horrios, inaudita para a poca. Em 1830 projetou a famosa
Rocket (Foguete), que comeou a correr sobre os trilhos da estrada
Manchester-Liverpool com uma velocidade quase dupla da dos
primeiros modelos. Antes de Stephen-son morrer, em 1848, cerca de
10.000 quilmetros de estradas de ferro tinham sido construdas na
Inglaterra e mais ou menos outro tanto nos Estados
Unidos.Entrementes, a mquina a vapor ia sendo paulatinamente
aplicada ao transporte fluvial. Neste setor foram os americanos e
no os ingleses que tomaram a dianteira. Ainda hoje se discute sobre
quem, precisamente, pode ser apontado como o inventor do barco a
vapor. H indcios de terem contribudo para ele vrios indivduos. A
crer nos registros da poca, o primeiro que conseguiu movimentar um
barco exclusivamente a vapor foi um mecnico da Virgnia chamado
James Rumsey. Em 1785, na presena de George Washington, conduziu
ele a sua mquina contra a corrente do Potomac a cerca de sete
quilmetros por hora. Pouco depois um outro americano, John Fitch,
construiu um barco que chegou a transportar passageiros durante
alguns meses, em 1790, no rio Delaware. O barco a vapor de Fitch
assume particular importncia pelo fato de possuir uma hlice em
lugar da roda de ps empregada por todos os demais inventores. Mas
Fitch jamais conseguiu fazer do seu invento um sucesso financeiro.
Aps inteis tentativas de interessar os governos na adoo daquele,
suicidou-se em 1798. Ainda a um terceiro americano, Robert Fulton,
atribudo o mrito de haver convertido o barco a vapor num xito
comercial. duvidoso que Fulton fosse mais inventivo do que Rumsey
ou Fitch, mas teve bastante tino financeiro para conseguir fundos
com um rico capitalista e soube, alm disso, manter-se em evidncia
perante o pblico. Em 1807 foi aclamado como um heri nacional quando
o seu Clermont, equipado com uma mquina de Boulton & Watt e uma
roda de ps, fz todo o percurso entre Nova York e Albany sem o
auxlio de velas. Estava inaugurada a era da navegao a vapor. Dentro
em breve, barcos de rodas semelhantes aos de Fulton percorriam os
rios e lagos no s da Amrica mas tambm da Europa. Em abril de 1838
os primeiros vapores, o Sirius e o Great Western, cruzaram o
Atlntico. Dois anos mais tarde Samuel Cunard fundou a famosa
"Cunard Line", oferecendo um servio transocenico regular com navios
inteiramente movidos a vapor.O progresso mais significativo das
comunicaes na primeira fase da Revoluo Industrial foi a inveno do
telgrafo. J em 1820 o fsico francs Ampere havia descoberto que o
eletromagnetismo podia ser usado para transmitir mensagens por meio
de um fio entre pontos distantes. S faltava inventar aparelhos
eficientes para transmitir e receber os despachos. Experimentos
nesse sentido foram tentados por vrios indivduos, trs dos quais
alcanaram xito quase simultaneamente. Em 1837 foram inventados
sistemas de telgrafo eltrico pelo alemo Karl Steinheil, pelo ingls
Charles Wheatstone e pelo americano Samuel Morse. S em 1844, porm,
foi que se instalou a primeira linha telegrfica dotada de bastante
eficincia para poder ser explorada com fins comerciais. Foi ela a
linha entre Baltimore e Washington, construda a instncias de Morse
e em vista dos melhoramentos que ele prprio havia introduzido na
sua inveno. Uma vez iniciados, os sistemas telegrficos
multiplicaram-se em todo o mundo. Dentro em breve todas as cidades
importantes achavam-se ligadas entre si e em 1851 foi lanado um
cabo atravs do Canal da Mancha. O coroamento veio com a inaugurao
do primeiro cabo transatlntico, em 1866, por iniciativa do
capitalista americano Cyrus Field.No nosso estudo da Revoluo
Comercial vimos que esse movimento se fizera acompanhar,
especialmente na Inglaterra, de momentosas mudanas na agricultura,
tais como a liquidao do sistema senhorial, a tapagem das terras
comuns e a juno dos lotes individuais. A Revoluo Industrial tambm
teve as suas repercusses na agricultura, as quais se fizeram notar
sobretudo nos primeiros sessenta anos do sculo XIX. Entre elas
figuram o aperfeioamento das raas de gado, a introduo de novas
culturas, como a da beterraba aucareira, que passou a ser plantada
em larga escala na Alemanha e na Frana, e o desenvolvimento da
qumica agrcola por Justus von Liebig (1803-73), que tornou possvel
a produo de adubos artificiais. A agricultura tambm sofreu, nesse
perodo, a influncia da mecanizao. Criaram-se melhores arados e
grades e generalizou-se o emprego da debulhadora. Em 1834 o
fazendeiro americano Cyrus McCormick tirou patente da sua
ceifadeira mecnica e logo depois comeou a fabric-la em Chicago. Em
1860 essas mquinas eram vendidas numa mdia de 20.000 por ano. Em
consequncia das vrias melhorias apontadas, a agricultura em todo o
mundo gozou de uma prosperidade sem precedentes, que durou at a
grande crise de 1873.
5. A SOCIEDADE NA ERA DA MQUINAEm captulos prximos teremos
ocasio de observar alguns dos efeitos polticos da Revoluo
Industrial. Por ora, hasta tomar conhecimento dos resultados
sociais. No h dvida que a maior parte das mudanas sociais
importantes do sculo XIX e do comeo do sculo XX se originaram das
grandes transformaes econmicas desse perodo. Um dos mais palpveis e
tambm um dos mais decisivos desses fatos foi, talvez, o enorme
aumento da populao. Entre a Revoluo Francesa e a Primeira Guerra
Mundial a populao de quase todos os pases civilizados cresceu numa
proporo sem precedentes. J em 1800 notavam-se alguns indcios desse
fenmeno, em especial na Inglaterra, onde o aumento, durante a
segunda metade do sculo XVIII, foi de aproximadamente 50%. Mas o
grosso desse crescimento espetacular veio mais tarde. Entre a
batalha de Waterloo e a declarao da Primeira Guerra Mundial, quase
quadruplicou a populao da Inglaterra e do Pas de Gales. A da
Alemanha subiu de aproximadamente 25.000.000 em 1815 a quase
70.000.000 uma centena de anos depois. O nmero de habitantes da
Frana quase duplicou entre a queda de Napoleo e a Guerra
Franco-Prussiana, ao passo que o total da populao russa se elevou a
mais do dobro nos cinquenta anos anteriores a 1914. A despeito de
fatores adversos, como a fome na Irlanda e na Rssia, a emigrao para
a Amrica e molstias resultantes do congestionamento das cidades, a
populao global da Europa subiu de 190.000.000 em 1800 a 460.000.000
em 1914.Para descobrir as razes desse crescimento inaudito
precisamos examinar diversos fatores. Em primeiro lugar, ele se
deveu at certo ponto aos efeitos da Revoluo Comercial, que aumentou
o vigor da raa proporcionando-lhe uma alimentao mais abundante e
variada. Em segundo, foi uma consequncia da instalao de hospitais
infantis e de maternidades, bem assim como do progresso da cincia
mdica, que conseguiu praticamente eliminar, pelo menos na Europa
Ocidental e dos Estados Unidos, a varola, o escorbuto e a clera.
Uma terceira causa foi possivelmente a influncia do nacionalismo,
do desenvolvimento do orgulho racial e da obsesso patritica. Povos
dotados de uma slida convico da sua prpria superioridade e
confiantes na vitria em lutas futuras costumam proliferar com
grande rapidez. Tais eram as qualidades que caracterizavam a
maioria das naes no sculo XIX. Como os antigos hebreus, desejavam
uma descendncia numerosa a fim de sobrepujar as seus inimigos ou na
esperana de difundir a sua cultura superior entre os povos
atrasados da terra. Mas a mais importante de todas as causas, pelo
menos na Europa, parece ter sido a influncia da Revoluo Industrial
ao capacitar reas limitadas a sustentar um grande nmero de
indivduos. Isto se tornou possvel no s por ter a mecanizao da
agricultura aumentado a produtividade do solo, mas tambm porque o
sistema fabril multiplicou as possibilidades de ganhar a vida por
outros meios que no o cultivo da terra. Os pases ricos de recursos
industriais puderam ento sustentar um nmero de indivduos muitas
vezes maior do que teria sido possvel numa economia de base agrria.
Depois da Primeira Guerra Mundial, essa concentrao de trabalhadores
na indstria tem suscitado problemas embaraosos. Em resultado da
estrangulao do comrcio internacional, muitos pases acharam quase
impossvel manter em funcionamento os seus sistemas industriais, a
no ser expandindo a produo de armamentos e adotando um extenso
programa de construes pblicas.Antes que a segunda fase da Revoluo
Industrial tivesse completado o seu curso, a curva de crescimento
da populao comeou a mostrar uma tendncia para baixar. Essa tendncia
foi notada primeiramente na Frana, onde o aumento do nmero de
habitantes havia quase cessado j em 1870. Depois de 1918 um fenmeno
semelhante se manifestou em outros pases. Em geral, calcula-se que
a Inglaterra atingir um nvel estacionrio em 1960 e os Estados
Unidos aproximadamente em 1990. Por trs dessa tendncia atuam duas
causas principais: o cerceamento da imigrao e o decrscimo do ndice
de natalidade. O primeiro tem impedido o preenchimento de reas
pouco povoadas e o alvio ao congestionamento dos pases mais
antigos. Houve tempo em que o excedente de habitantes dos pases
superpovoados da Europa podia buscar uma nova ptria nos Estados
Unidos ou nas repblicas da Amrica do Sul. A emigrao desses
contingentes no s aumentava a populao dos pases em que se
estabeleciam mas tambm, por diminuir a densidade de populao da sua
terra natal, possibilitava tambm ali a expanso numrica. O resultado
foi, em todo o decurso do sculo XIX, um considervel aumento da
populao total do mundo ocidental. Mas a causa predominante da
diminuio do ndice de crescimento foi o declnio do excesso de
nascimentos sobre os bitos. Desde cerca de 1880 o ndice de
natalidade, na Europa Ocidental, diminuiu em mdia da metade. Na
Inglaterra, esse ndice caiu de 36.3 por mil em 1876 a 14,8 por mil
em 1934. Durante aproximadamente o mesmo perodo, a queda na
Alemanha foi de 40,9 para 17,5, menos do que o suficiente para
manter um nvel estacionrio. As razes desse violento declnio no se
encontram na pobreza ou nas agruras do trabalho, mas sim na ascenso
do padro de vida, que faz dos filhos antes um inconveniente que uma
vantagem. O sentimento de rebelio e de desiluso da mocidade, que
veio na esteira da Primeira Guerra Mundial, foi uma causa
cooperante. Durante a Segunda Guerra Mundial muitos pases acusaram
um forte acrscimo do nmero de nascimentos, mas os socilogos
consideram isso como um fenmeno secundrio que pouco influir na
tendncia dominante.
Um efeito da Revoluo Industrial intimamente relacionado com o
crescimento demogrfico foi a urbanizao crescente da sociedade
ocidental. Pelas alturas de 1914 as condies artificiais da vida
urbana tinham-se tornado uma norma aceita por imensa percentagem de
habitantes das naes industrializadas. O ritmo da urbanizao foi
particularmente impressionante em pases como a Alemanha e a
Inglaterra. Na primeira, ainda em 1840, havia apenas duas cidades
com 100.000 habitantes ou mais; em 1910, o nmero destas tinha-se
elevado a quarenta e oito. Na Inglaterra, durante os ltimos trinta
anos do sculo XIX, cerca de um tero da populao rural abandonou
definitivamente a vida agrcola. O recenseamento ingls de 1901
revelou que o nmero de pessoas que trabalhavam na lavoura era
apenas de cerca de 20% dos trabalhadores industriais. Nos Estados
Unidos, a despeito da sua riqueza em recursos agrcolas, houve um
movimento semelhante de fuga terra, ainda que em ritmo mais lento.
Em 1915 a proporo de americanos que viviam em reas urbanas tinha-se
elevado a cerca de 40%, e em 1920 a mais da metade. As causas desse
afluxo para as cidades grandes e pequenas foram os crescentes
atrativos da vida urbana e o constante declnio da procura de braos
para a agricultura, em consequncia da mecanizao da lavoura. Isso
teve tanto bons como maus efeitos. A fuga ao solo libertou grande
nmero de homens e mulheres do isolamento da vida rural, da tirania
do tempo atmosfrico, da idiotia dos costumes primitivos e de uma
enfadonha existncia de trabalho solitrio em terras ingratas. Mas,
ao mesmo tempo, transformou muitos deles em joguetes ou
instrumentos dos seus empregadores capitalistas. Alguns se tornaram
verdadeiros autmatos que executavam a sua tarefa maquinalmente, com
pequeno senso de responsabilidade ou compreenso do seu lugar no
quadro econmico e sem nada para lhes estimular os esforos a no ser
a esperana de um salrio que lhes permitisse viver. Se isso os
livrava dos azares das pragas e das secas, tambm os expunha aos
novos perigos da perda de emprego resultante da superproduo e
colocava-os merc de um sistema sobre o qual no tinham nenhum
controle.Um terceiro grande resultado da Revoluo Industrial foi a
criao de duas novas classes: a burguesia industrial e o
proletariado. A primeira, composta dos proprietrios de fbricas,
minas e estradas de ferro, arregimentou-se ao lado da antiga classe
mdia de comerciantes, banqueiros e advogados. Com o seu nmero e a
sua influncia assim fortalecidos, essa burguesia mista logo deixou
de ser uma classe mdia e tornou-se, para todos os fins, o elemento
dirigente da sociedade. Em alguns casos isso se conseguiu
empurrando para o segundo plano a antiga aristocracia territorial,
em outros pela fuso com ela. Mas nem bem os capitalistas e
empresrios tinham conquistado a ascendncia, comearam a dividir-se.
Os grandes banqueiros e magnatas da indstria e do comrcio passaram
a constituir a alta burguesia, com ambies um tanto diferentes das
da pequena burguesia, constituda pelos pequenos comerciantes, pelos
pequenos industrialistas e pelos membros das profisses liberais. A
tendncia da alta burguesia era absorver-se cada vez mais no
capitalismo financeiro. Os seus componentes se dedicavam especulao
com fundos pblicos, ao lanamento de novas empresas com vistas no
lucro imediato, sem levar em considerao o que pudesse advir mais
tarde, e reorganizao de negcios j existentes, que passavam a
controlar para fins de monoplio ou especulao. Para os dirigentes
dessa classe, qualquer forma de interveno do estado era execrvel;
sustentavam que o livre empreendimento era essencial ao progresso
econmico. A pequena burguesia, por outro lado, comeou a mostrar
sinais de um interesse vital pela estabilidade e pela segurana. Em
muitos pases, os membros desta classe puseram-se a propugnai-
medidas para obstar especulao, assegurar a estabilidade dos preos e
eliminar as cadeias de lojas e os monoplios, chegando at a
preconizar a nacionalizao das utilidades pblicas. Foi, em parte,
este grupo que prestou o mais forte apoio a Mussolini e Hitler nos
primeiros tempos.A Revoluo Industrial tambm fz surgir um
proletariado que se tornou suficientemente forte, com o tempo, para
desafiar a supremacia burguesa. Em certo sentido, o proletariado
existe desde a aurora da civilizao, uma vez que o termo inclui
todos os indivduos que dependem de um salrio para ganhar a vida. Os
trabalhadores livres da Grcia e da Roma antigas foram proletrios, e
tambm o eram os jornaleiros, os seareiros e agregados da Idade
Mdia. Mas antes da Revoluo Industrial os assalariados formavam unia
pequena parte da classe trabalhadora, pois a maioria dos que
trabalhavam para viver estavam presos agricultura, primeiramente
como servos e mais tarde como rendeiros e meeiros. Alm disso, os
poucos proletrios existentes tinham escassa conscincia de classe. A
Revoluo Industrial, concentrando grande nmero de trabalhadores nas
cidades e submetendo-os a abusos comuns, despertou neles um certo
esprito de solidariedade e imbuiu-os de comuns aspiraes. No
obstante, o seu poder como classe econmica foi limitado. durante
muitos anos, por uma legislao severa. Nenhuma nao ocidental, por
exemplo, concedeu o direito de greve seno depois de 1850. E somente
nos fins do sculo XIX puderam os trabalhadores organizados exercer
uma influncia pondervel na poltica dos seus governos.Nem mesmo o
mais bilioso dos crticos poderia negar que a Revoluo Industrial
trouxe grandes benefcios materiais aos habitantes das naes
ocidentais. incontestvel que ela ofereceu ao homem contemporneo
enormes quantidades de mercadorias e um nmero assombroso de
petrechos para proporcionar-lhe facilidade e conforto. Mas tero as
vrias classes da sociedade participado de tais benefcios numa
proporo mais ou menos equitativa? Esta uma questo totalmente
diversa. Parece no haver dvida quanto a terem os salrios reais,
isto , os salrios em funo do poder aquisitivo, subido muito
rapidamente no decurso do sculo XIX. Um ilustre economista, Sir
Josiah Stamp, calculou que o ingls mdio, em 1913, era quatro vezes
mais bem remunerado, sob o ponto de vista do que os seus
rendimentos lhe permitiam adquirir, do que os seus tataravs em
1801. Entre 1880 e 1930 os salrios reais, na Inglaterra, aumentaram
de 50% em mdia e os salrios dos operrios menos bem pagos tiveram um
acrscimo ainda maior. Aumentos semelhantes verificaram-se na
Alemanha e na Frana. Nos Estados Unidos, o salrio mdio semanal dos
trabalhadores industriais subiu de 54% entre 1909 e 1940, se bem
que a semana mdia de trabalho tivesse baixado de 51,7 para 38,3
horas. No so menos notveis os indcios de melhora dos padres de
vida. Na Alemanha, o consumo mdio de carne por cabea aumentou de 17
quilos em 1818 para 52 quilos em 1912. As cifras relativas ao
consumo do mesmo artigo nos Estados Unidos mostram um aumento de 53
quilos em 1935 para 63,5 quilos em 1951. Entre 1918 e 1951, o nmero
de telefones nos Estados Unidos triplicou virtualmente, enquanto o
nmero de automveis se tornava mais de seis vezes maior. Neste ltimo
ano, o pas tinha um telefone para cada 3 1/2 pessoas e um automvel
para cada 3 3/5. Seria difcil provar que os trabalhadores
americanos, pelo menos, no participaram desse aumento da
prosperidade geral. Por outro lado, inegvel que a distribuio da
riqueza dos Estados Unidos estava longe de ser equitativa. Em 1943,
aquela dcima parte das famlias americanas que tinham os rendimentos
mais baixos recebiam apenas 1,5 percento da renda global do pas,
enquanto a dcima parte mais favorecida recebia 34,2 percento desse
total.
O ano de 1949 foi o ltimo antes que a Guerra da Coria comeasse a
elevar apreciavelmente a renda nacional dos Estados Unidos. Durante
esse ano, o rendimento bruto ajustado de todos os americanos que
encaminharam suas declaraes s reparties do imposto sobre a renda
montou a cerca de 161 bilhes de dlares. Esta cifra abrange salrios,
ordenados, rendas propriamente ditas, juros e dividendos percebidos
por indivduos ou por famlias. No inclui, porm, os lucros das
entidades coletivas. Como se v, os rendimentos pessoais dos
americanos estavam longe de achar-se equitativamente distribudos,
embora a situao fosse bastante melhor do que quinze anos atrs. O
grfico acima revela que 60% percebiam rendimentos anuais inferiores
a 3.000 dlares e mais de um tero tinha de contentar-se com menos de
2.000 dlares. 51 milhes de pessoas auferiam rendimentos bastante
elevados para incidir no imposto sobre a renda, mas isso
representava apenas pouco mais de metade da populao maior de 21
anos. Se bem que muitos dos indivduos isentos do imposto fossem
agricultores cujos rendimentos no podiam ser devidamente calculados
em dinheiro, permanecia a evidncia de que muitos americanos que
trabalhavam para viver no chegavam a perceber salrios vitais.
(Diretoria da Renda Interna do Departamento do Tesouro dos E.
Unidos, "Statistics of Income for 1949", p. 12.)Alm disso, pelo
menos duvidoso que a mecanizao da indstria tenha contribudo tanto
como comumente se supe para o bem-estar material das classes
trabalhadoras. Escrevendo em 1848, John Stuart Mill punha em dvida
que todas as invenes mecnicas at ento conhecidas houvessem aliviado
a labuta cotidiana de um nico ser humano. Esse julgamento no seria
talvez exagerado se fosse repetido mesmo em relao aos nossos dias.
Em muitos casos, o trabalhador comum de hoje parece continuar
sujeito s mesmas tarefas extenuantes de sempre. Os dispositivos
economizadores de trabalho capacitam o operrio a produzir mais, mas
duvidoso que realmente lhe poupem muito trabalho. Seja qual fr a
situao atual, indubitvel que nos primrdios da Revoluo Industrial a
introduo das mquinas no representou grande vantagem para o
trabalhador. Fizeram elas, muitas vezes, com que homens robustos e
capazes fossem alijados dos seus empregos pelo trabalho mais barato
de mulheres e de crianas. Alm disso, muitas fbricas,
particularmente as de tecidos, eram piores do que prises. Tinham
janelas pequenas que em geral se conservavam fechadas a fim de
manter a umidade necessria manufatura do algodo. A atmosfera
viciada, o calor sufocante, a falta de higiene, a par de horrios
intolerveis, reduziam inmeros operrios a pobres criaturas
macilentas e minadas pela tsica, arrastando bom nmero deles ao
alcoolismo e ao crime. Acresce que as novas cidades industriais se
desenvolveram to rapidamente e de maneira to desordenada que,
durante certo tempo, as condies de habitao dos pobres foram
abominveis. Ainda em 1840, em Manchester, um oitavo das famlias da
classe operria vivia em pores. Outras amontoavam-se em miserveis
habitaes coletivas, com at doze pessoas a morar num s quarto. Eram
to pavorosas essas condies que os empregados das fbricas inglesas
tinham, no comeo do sculo XIX, um nvel de vida talvez inferior ao
dos escravos nas plantaes americanas. Ao lado desses males, porm,
preciso levar em conta que a Revoluo Industrial facilitou a
organizao dos operrios, capacitando-os a usar o poder da ao
coletiva para obter salrios mais altos e, por fim, a melhoria das
condies de trabalho. Alm disso, incontestvel que as classes
inferiores foram beneficiadas pela baixa de preos decorrente da
produo em massa.6. As NOVAS DOUTRINAS SOCIAIS E ECONMICASA Revoluo
Industrial produziu uma messe completa de teorias econmicas parte
delas para justificar a nova ordem, parte para submet-la anlise
crtica e o restante como evangelho de reforma social. Assim que o
sistema fabril se consolidou e os lucros comearam a encher os
cofres dos novos senhores do mundo, alguns dos mais francos e
combativos dentre eles levantaram-se em defesa dos seus privilgios.
Ao faz-lo, demonstravam amide uma fria indiferena para com a situao
das massas e uma impudente confiana no seu prprio direito ao domnio
do planeta, confiana que teria causado inveja aos nobres do antigo
regime. Alguns apologistas do novo sistema evoluram mesmo para um
tipo de Bourbons econmicos, desconhecendo todo o passado e fechando
os olhos aos perigos do futuro. Essa atitude era expressa por
doutrinas segundo as quais a propriedade privada era inviolvel,
cada qual tinha o direito de fazer o que quisesse com o que era seu
e a pobreza era sempre o resultado da preguia e da incompetncia.
Alguns corifeus do novo capitalismo chegaram a afirmar que a
pobreza um bem para as massas, uma vez que as ensina a respeitar os
seus superiores e a ser agradecidas Providncia pelos escassos
benefcios que recebem. Um clrigo ingls, escrevendo por volta de
1830, exps o ponto de vista de que era uma lei da natureza o serem
alguns pobres, a fim de que os misteres srdidos e ignbeis da
comunidade pudessem ser desempenhados. Opinava que desse modo era
muito aumentado o cabedal de felicidade humana, pois "os mais
delicados no somente ficam aliviados de trabalhos penosos e
ingratos e daquelas ocupaes ocasionais que os tornariam infelizes,
mas tambm podem... seguir as profisses que mais se ajustem aos seus
diversos temperamentos e que mais teis sejam ao estado".Mas algumas
dessas teorias econmicas, mesmo defendendo o ideal capitalista,
eram mais desinteressadas. Isto se aplica, pelo menos em certa
medida, aos ensinamentos dos economistas clssicos ou economistas
liberais, como s vezes sao chamados. O fundador da economia clssica
foi Adam Smith, cuja obra discutimos no Captulo 21. Embora Smith
houvesse escrito antes de o capitalismo industrial ter alcanado o
seu completo desenvolvimento e alguns dos seus ensinamentos no se
harmonizassem de todo com a interpretao estrita do laissez-faire,
havia, nas inferncias gerais da sua teoria, justificativa
suficiente para aclam-lo como o profeta dos ideais capitalistas. As
doutrinas especficas dos economistas clssicos foram, no entanto, em
grande parte obra dos discpulos de Smith, inclusive escritores
eminentes como Thomas R. Malthus, David Ricardo, James Mill e
Nassau Senior. Os elementos principais da teoria, subscritos pela
maioria desses homens, podem ser sumariados assim:1) Individualismo
econmico. Cada indivduo tem o direito de usar para seu melhor
proveito a propriedade que herdou ou adquiriu por qualquer meio
lcito. Deve ser permitido a cada pessoa fazer o que quiser com o
que seu, enquanto no transgredir idntico direito dos demais. Como
cada um quem melhor sabe o que pode torn-lo feliz, a sociedade
tirar o mximo proveito quando permitir que cada um de seus membros
siga as suas prprias inclinaes.2)Laisses-faire. As funes do estado
deveriam ser reduzidas ao mnimo compatvel com a segurana pblica.
Compete ao governo limitar-se ao papel de modesto policial,
mantendo a ordem e protegendo a propriedade, mas jamais intervindo
por qualquer forma no desenrolar dos processos econmicos.1.
Obedincia lei natural. Existem leis imutveis a operarno setor
econmico como em todas as esferas do universo. Exemplos disso so a
lei da oferta e da procura, a lei dos lucros decrescentes, a lei da
renda etc. Tais leis devem ser reconhecidas e respeitadas; deixar
de faz-lo desastroso.1. Liberdade de contrato. Cada indivduo deve
ter a faculdadede negociar o contrato mais favorvel que possa obter
de qualquer outro indivduo. Em especial, a liberdade dos
trabalhadores e empregadores para combinar entre si a questo do
salrio e das horas de trabalho no deve ser embaraada por leis ou
pelo poder coletivo dos sindicatos de trabalhadores.1. Livre
concorrncia e livre-cmbio. A concorrncia serve paramanter os preos
baixos, para eliminar os produtores ineptos e assegurar a mxima
produo compatvel com as necessidades pblicas. Conseqentemente, no
se devem tolerar monoplios ou quaisquer leis que fixem os preos em
benefcio de empreendedores incompetentes. Cumpre, alm disso, abolir
todas as tarifas protetoras a fim de forar cada pas a se empenhar
na produo daquelas mercadorias que est mais capacitado a produzir.
Isso tambm ter o efeito de manter os preos baixos.Vrios discpulos
de Adam Smith contriburam com teorias prprias. Thomas R. Malthus
(1766-1834) introduziu, por exemplo, o elemento de pessimismo que
fz com que a nova economia fosse estigmatizada como a cincia
melanclica". Malthus, um clrigo da igreja anglicana e reitor de uma
paroquiazinha do Surrey, deu luz em 1798 o seu memorvel Ensaio
sobre a populao. Publicado originalmente sob a forma de um opsculo,
o Ensaio foi o fruto de algumas discusses que o autor manteve com
seu pai sobre a perfectibilidade do homem. O velho Malthus era um
adepto de Rousseau, mas impressionou-se tanto com os argumentos do
filho contra o otimismo superficial daquele filsofo que insistiu
com ele para que os escrevesse. A obrinha provocou sensao imediata
e foi, durante muitos anos, tema de discusses. Em 1803 foi ampliada
em livro, com base em pesquisas mais extensas que o autor levara a
efeito para refutar os seus crticos. A essncia da teoria
malthusiana a afirmao de que a natureza prescreveu limites
inflexveis ao progresso humano no que toca felicidade e riqueza.
Devido voracidade do apetite sexual, a populao tem uma tendncia
natural para aumentar mais depressa do que os meios de subsistncia.
Existem, verdade, alguns freios poderosos como a guerra, a fome, a
doena e o vcio; mas estes, quando agem de maneira eficiente,
aumentam ainda mais o peso dos padecimentos humanos. Segue-se que a
pobreza e a dor so inevitveis. Mesmo que se promulgassem leis
distribuindo equitativamente a riqueza, a condio dos pobres s por
algum tempo melhoraria; dentro em breve comeariam a gerar famlias
numerosas, resultando da que a situao final da sua classe seria to
m quanto a inicial. Na segunda edio de sua obra Malthus advogava o
retardamento do matrimnio como um meio de aliviar a situao, mas
continuava a acentuar o perigo de que a populao viesse a sobrepujar
qualquer possvel aumento dos meios de subsistncia.Os principais
ensinamentos de Malthus foram adotados e desenvolvidos por David
Ricardo (1772-1823), uma das mais penetrantes se no uma das mais
vastas inteligncias do sculo XIX. Era Ricardo um judeu ingls que
abraou o cristianismo aos vinte e um anos de idade e casou com uma
quacre. Aos vinte e cinco havia feito fortuna na Bolsa e logo se
tornou um dos homens mais ricos da Europa. Como economista, Ricardo
famoso em primeiro lugar pela sua teoria do salrio de subsistncia.
De acordo com essa teoria, os salrios tendem para um nvel apenas
suficiente para capacitar os trabalhadores "a subsistir e perpetuar
a sua raa, sem aumento nem diminuio". Para Ricardo, esta era uma
lei frrea a que no havia escapar. Se temporariamente os salrios
subissem acima do padro de subsistncia, a populao aumentaria e a
consequente competio pelos empregos foraria rapidamente aqueles a
voltar ao seu antigo nvel. Como a lei de Malthus, na qual se
baseia, esta teoria esquecia o fato de que as famlias com um padro
crescente de vida tendem a limitar a sua prole. Ricardo conhecido,
em segundo lugar, pelos seus ensinamentos relativos renda.
Sustentava que esta determinada pelo custo da produo nas terras
mais pobres que devem ser cultivadas e, por conseguinte, medida que
um pas se enche de gente uma poro cada vez maior da renda social
retida pelos proprietrios rurais. Embora fosse le prprio um grande
proprietrio, acusou os que viviam das rendas de suas terras como os
maiores inimigos tanto dos capitalistas como dos trabalhadores. Por
fim, Ricardo importante pela sua teoria do trabalho como fundamento
do valor, teoria que influenciou uma das principais doutrinas do
socialismo marxista. Dava, no entanto, certo significado tambm ao
papel do capital na determinao do valor uma idia que Marx
abominava.Em seus ltimos anos Ricardo teve amiudados contatos com
um interessante grupo de reformadores ingleses, conhecidos como os
"radicais filosficos". Entre os seus lderes havia figuras
proeminentes como Jeremy Bentham, James Mill, o historiador George
Grote e o cientista poltico John Austin. O mais notvel economista
entre eles foi James Mill (1773-1836), que j mencionamos pela
reputao de que goza como filsofo utilitrio. Conquanto hoje seja
difcil considerar os ensinamentos de James Mill como radicais,
tiveram eles um carter bastante liberal para mostrar que a economia
clssica nem sempre era obscurantista e reacionria. As doutrinas
expostas em seus Elementos de Economia Poltica incluem princpios
como os seguintes: 1) o principal objetivo dos reformadores prticos
deveria ser o de evitar que a populao cresa com demasiada rapidez,
pois que a riqueza utilizvel para fins de produo no aumenta na
mesma proporo que o nmero de habitantes ; 2) o valor dos artigos
comerciais depende inteiramente do montante de trabalho necessrio
para produzi-los; e 3) a valorizao da terra que no provm do
trabalho, mas resulta exclusivamente de causas sociais, como por
exemplo a construo de uma nova fbrica nas vizinhanas, deveria ser
fortemente tributada pelo estado. Esta ltima doutrina, baseada na
teoria da renda de Ricardo, estava destinada a gozar de ampla
aceitao na Inglaterra. Sob uma forma modificada, foi incorporada ao
evangelho do Partido Liberal nos primeiros anos do sculo XX e
inspirou o clebre oramento de Lloyd George para 1909.O mais capaz
dos economistas clssicos que apareceram depois de Ricardo foi,
talvez, Nassau William Senior (1790-1864). Foi o primeiro professor
de economia poltica em Oxford e tambm ilustre advogado, tendo
desempenhado vrios encargos reais. Como a maioria dos seus
predecessores, Nassau considerava a economia como uma cincia
dedutiva. Afirmava que todas as suas verdades podiam ser derivadas
de um nmero limitado de grandes princpios abstratos. Felizmente,
ele prprio nem sempre se atinha a esse mtodo, em particular ao
tratar de questes de carter s parcialmente econmico. Destarte, ao
mesmo tempo que defendia o princpio do laissez-faire batia-se por
uma interferncia governamental crescente em assuntos como a sade, a
habitao e a educao. Sua principal contribuio foi a teoria de que a
abstinncia cria um direito riqueza. Admitia que o trabalho e os
recursos naturais so os instrumentos primrios do valor, mas
sustentava que a abstinncia era um instrumento secundrio.
Argumentava, a partir da, que o capitalista que se priva de gozar
toda a sua riqueza a fim de acumular um excedente para empreg-lo em
novos negcios tem direito aos lucros da produo. A sua abstinncia
implica em sacrifcio e dor, no menos que o trabalho do operrio.
Conseqentemente, injusto dar toda a recompensa a este ltimo. A m
reputao de Snior provm sobretudo de le ter condenado as exigncias
de uma reduo da jornada de trabalho, formuladas pelas unies
trabalhistas. Tinha a convico sincera, mas errada, de que todo o
lucro lquido de uma empresa industrial resulta da ltima hora de
trabalho. Portanto, diminuir o dia de trabalho importaria em
eliminar os lucros, donde adviria o fechamento das fbricas. Por
causa desta doutrina foi le alcunhado pelos seus crticos "Senior da
ltima Hora".A maioria dos economistas clssicos ou liberais foram
cidados britnicos, em parte porque o liberalismo econmico se
harmonizava melhor com o liberalismo poltico, que era mais forte na
Inglaterra do que em qualquer outro pas europeu, e em parte porque
os industriais ingleses comeavam a perceber importantes vantagens
numa poltica de livre-cmbio com o resto do mundo. No Continente
europeu, entretanto, as condies eram inteiramente diversas. Ali
ainda persistiam as antigas tradies de governo forte. Alm disso, os
manufatores continentais estavam tentando construir organizaes
industriais capazes de competir com as inglesas. Para consegui-lo
era necessrio dispor do patrocnio e da proteo do estado. No de
surpreender, portanto, que a maioria dos adversrios do liberalismo
econmico pertencesse aos pases continentais. No obstante, pelo
menos um dos crticos mais capazes dessa escola foi um ingls: o
brilhante filsofo utilitrio John Stuart Mill (1806-73). Embora
Mill, como economista, seja frequentemente colocado entre os
liberais, a verdade que ele repudiou algumas das mais sagradas
premissas destes. Em primeiro lugar, rejeitava a universalidade da
lei natural. Admitia existirem leis imutveis que governam a produo,
mas afirmava que a distribuio da riqueza pode ser regulada pela
sociedade em proveito da maioria dos seus membros. Em segundo
lugar, advogava certas medidas que divergiam mais radicalmente da
doutrina do laissez-faire do que as recomendadas por qualquer dos
seus precursores. No se opunha legislao para abreviar em certas
condies a jornada de trabalho e acreditava que o estado pode muito
bem tomar certas providncias preliminares no sentido de
redistribuir a riqueza, mediante a tributao das heranas e a
apropriao do produto da valorizao indbita da terra. No quarto livro
dos seus Princpios de Economia Poltica insiste na abolio do sistema
de salrios e almeja uma sociedade composta de cooperativas de
produtores, em que os trabalhadores seriam donos das fbricas e
elegeriam os dirigentes. Por outro lado, no se deve esquecer que
Stuart Mill era demasiado individualista para ir muito longe no
sentido do socialismo. Desconfiava do estado e a verdadeira razo
pela qual defendia as sociedades cooperativas no era exaltar o
poder do proletariado mas dar a cada trabalhador os frutos do seu
trabalho.O mais conhecido dos economistas alemes que pregaram
teorias opostas s da escola clssica foi Friedrich List (1789-1846),
o qual deveu a inspirao de algumas de suas idias a uma estada de
sete anos na Amrica. List condena as doutrinas do laissez-faire e
da liberdade do comrcio internacional. Sustentando que a riqueza de
uma nao determinada menos pelos recursos naturais do que pela fora
produtiva dos seus cidados, declarava que dever dos governos
promover as artes e as cincias e fazer com que cada indivduo
empregue o mximo de sua capacidade na cooperao em prol do bem
comum. Exaltava o desenvolvimento integral da nao como fato de suma
importncia, sem levar em conta os efeitos sobre as fortunas
imediatas dos cidados particulares. Opinando que as manufaturas so
essenciais a tal desenvolvimento, pedia a imposio de tarifas
protetoras at que as novas indstrias fossem capazes de competir com
as de qualquer outro pas. List o precursor de uma grande linhagem
de economistas alemes que se propuseram fazer do estado o guardio
da produo e da distribuio da riqueza. O objetivo desses homens era
menos o de garantir a justia para o indivduo do que a ideia de
consolidar a unidade e aumentar o poder da nao. Acreditavam que o
governo no s devia impor tarifas protetoras mas tambm regular e
planejar o desenvolvimento da indstria, de modo a estabelecer o
equilbrio entre a produo e o consumo. Em geral, suas ideias
representam uma mistura de nacionalismo econmico e de coletivismo,
fornecendo assim a base de algumas teorias alems mais
recentes.Encontramos em seguida um grupo de tericos que se
interessam mais pela justia social do que em descobrir leis
econmicas ou em lanar as bases da prosperidade nacional. Os
primeiros representantes dessa atitude mais radical so os
socialistas utpicos, assim chamados por terem apresentado programas
idealistas de sociedades cooperativistas em que todos trabalhariam
em tarefas apropriadas e compartilhariam os resultados dos seus
esforos comuns. Os socialistas utpicos eram, em grande parte,
herdeiros do Iluminismo. Como os filsofos desse movimento,
acreditavam que todo crime e toda cobia so frutos de um mau
ambiente. Se os homens pudessem libertar-se de hbitos viciosos e de
uma estrutura social que facilita a escravizao do fraco pelo forte,
todos viveriam juntos em paz e harmonia. Conseqentemente, os
socialistas utpicos recomendavam a fundao de comunidades-modelo,
capazes, tanto quanto possvel, de se bastarem a si mesmas, em que a
maior parte dos instrumentos de produo fossem de propriedade
coletiva e cujo governo fosse organizado principalmente sobre uma
base voluntria. Entre os primeiros propagadores de tais planos est
o francs Charles Marie Fourier (1772-1837), mas o mais sensato e
realista de todos Robert Owen (1771-1858). Natural do Pas de Gales,
Owen passou de artfice-aprendiz a co-proprietrio e gerente de um
grande cotoni-fcio em New Lanark, na Esccia. Construiu ali novas
casas para os seus operrios, reduziu-lhes a jornada de trabalho de
14 para 10 horas e instalou escolas gratuitas para os filhos dos
trabalhadores. A forte depresso resultante das guerras napolenicas
convenceu-o de que a ordem econmica precisava urgentemente de uma
reforma. Como muitos tm feito desde ento, concluiu que o sistema de
lucro era a causa de todas as perturbaes. o lucro, afirmava ele,
que coloca o operrio na impossibilidade de comprar as coisas que
produz. Da resultam a superproduo, as crises peridicas e o
desemprego. Como soluo, Owen propunha a organizao da sociedade em
comunidades cooperativas em que a nica recompensa de cada um fosse
uma remunerao proporcional s horas reais de trabalho. Algumas
comunidades desse tipo foram de fato instaladas, sendo as mais
famosas as de Orbiston, na Esccia, e a de New Harmony, no estado
norte-americano da Indiana. Por vrias razes, todas elas fracassaram
dentro de curtssimo espao de tempo.Uma forma de socialismo mais
influente foi o chamado "socialismo cientfico" de Karl Marx
(1818-83). Filho de um advogado judeu que se convertera ao
cristianismo por motivos de interesse profissional, Marx nasceu em
Treves, perto de Coblena, na Rennia. O pai planejou para ele uma
carreira de advogado burgus e, com esse fim em vista, matriculou-o
na Universidade de Bonn. O jovem Marx, no entanto, logo se
desgostou do direito e abandonou os estudos jurdicos para se atirar
filosofia e histria. Depois de passar um ano em Bonn transferiu-se
para a Universidade de Berlim, onde caiu sob a influncia de um
grupo de discpulos de Hegel que desviavam os ensinamentos do mestre
num sentido levemente radical. Embora Marx se tivesse doutorado em
filosofia pela Universidade de Iena, em 1841, seus pontos de vista
crticos impediram-no de realizar a sua ambio, que era tornar-se
professor universitrio. Voltou-se ento para o jornalismo, dirigindo
vrios peridicos radicais e colaborando em outros. Em 1848 foi preso
sob a acusao de alta traio, por ter participado do movimento
revolucionrio da Prssia. Apesar de absolvido por um jri
pequeno-burgus, foi em seguida expulso do pas. Entrementes
fizera-se amigo ntimo de Friedrich Engels (1820-95), que foi por
todo o resto da vida seu discpulo e alter ego. Em 1848, ambos
publicaram o Manifesto Comunista, o "primeiro grito do socialismo
moderno que nascia". Desde essa data at a sua morte em 1883, Marx
viveu quase exclusivamente em Londres, lutando com a pobreza,
escrevendo de quando em quando artigos para a imprensa (alguns dos
quais vendeu New York Tribune, a cinco dlares cada um), mas
passando em geral o tempo a compulsar, da manh noite, empoeirados
manuscritos da Biblioteca do Museu Britnico a fim de colher
material para uma grande obra da economia poltica. Em 1867 publicou
o primeiro volume dessa obra. que recebeu o ttulo de O Capital.
Depois de sua morte foram dados luz outros dois volumes, com base
nos seus manuscritos revistos e editados por Engels.Nem todos os
ensinamentos de Karl Marx eram completamente originais. Devia
algumas de suas idias a Hegel, outras a Louis Blanc e provavelmente
outras ainda a Ricardo. No obstante, Marx foi o primeiro a combinar
essas idias num vasto sistema e a dar-lhes o seu pleno significado
como explicao dos fatos econmicos. Como a teoria marxista se tornou
uma das filosofias mais influentes dos tempos modernos, necessrio
compreender-lhe as premissas fundamentais. As mais importantes
dentre elas so as seguintes:1. A interpretao econmica da histria.
Todos os grandes movimentos polticos, sociais e intelectuais da
histria tm sido determinados pelo ambiente econmico em que
surgiram. Marx no pretendia que o motivo econmico fosse a nica
explicao do comportamento humano, mas afirmava que toda transformao
histrica fundamental, sejam quais forem os seus caractersticos
superficiais,tem resultado de alteraes nos mtodos de produo e de
troca. Assim, a Revoluo Protestante foi, na essncia, um movimento
econmico; as discordncias quanto a credos religiosos no passavam de
"vus ideolgicos" a ocultar as causas reais.1. O materialismo
dialtico. Cada sistema econmico particular, baseado em padres
definidos de produo e de troca, cresce at alcanar um ponto de mxima
eficincia, aps o que comeam a desenvolver-se contradies e fraquezas
internas que trazem consigo a sua rpida decadncia. Enquanto isso,
vo-se estabelecendo pouco a pouco os fundamentos de um sistema
oposto, o qual acaba por substituir o antigo ao mesmo tempo que lhe
absorve os elementos mais valiosos. Esse processo dinmico de evoluo
histrica prosseguir por meio de uma srie de vitrias da nova ordem
sobre a antiga, at que seja atingida a meta perfeita do comunismo.
Depois disso, sem dvida haver ainda mudanas, mas sero mudanas
dentro dos limites do prprio comunismo.1. A luta de classes. Toda a
histria feita de lutas entre asclasses. Na antiguidade, tratava-se
de uma luta entre amos e escravos, entre patrcios e plebeus; na
Idade Mdia, de um conflito entre os mestres das corporaes e os
jornaleiros; nos nossos tempos, o choque ocorre entre a classe
capitalista e o proletariado. A primeira compreende aqueles cuja
renda principal resulta da posse dos meios de produo e da explorao
do trabalho alheio. O proletariado inclui aqueles cuja subsistncia
depende principalmente de um salrio, os que precisam vender a fora
do seu brao para viver.1. A doutrina da mais-valia. Toda riqueza
criada pelo trabalhador. O capital nada cria, mas le prprio criado
pelo trabalho. O valor de todas as utilidades determinado pela
quantidade de trabalho necessria para produzi-las. O trabalhador,
porm, no recebe o valor total do que o seu trabalho cria; ao invs
disso, recebe um salrio que, por via de regra, suficiente apenas
para capacit-lo a subsistir e a reproduzir a sua raa. A diferena
entre o valor que o trabalhador produz e o que ele recebe a
mais-valia, que vai para as mos do capitalista. Em geral, ela
consiste em trs elementos diversos : juros, renda e lucros. Como o
capitalista no cria qualquer destas coisas, segue-se que le um
ladro que se apropria dos frutos da fadiga do trabalhador.1. A
teoria da evoluo socialista. Quando o capitalismo tiverrecebido o
golpe de morte s mos dos operrios, seguir-se- uma fas, e de
socialismo que ter trs caractersticos: a ditadura do proletariado;
a remunerao de acordo com o trabalho realizado; a posse e a
administrao, pelo estado, de todos os meios de produo, distribuio e
troca. O socialismo, porm, destina-se a ser mera transio paraalgo
superior. Em tempo oportuno seguir-se- o comunismo, meta final da
evoluo histrica. O comunismo .significar, antes de mais nada, uma
sociedade sem classes. Ningum viver da propriedade, mas todos
vivero unicamente do trabalho. O estado desaparecer ento e ser
relegado ao museu de antiguidades, "juntamente com o machado de
bronze e a roda de fiar". Nada o substituir, exceto associaes
voluntrias para controlar os meios de produo e suprir as
necessidades sociais. Mas a essncia do comunismo o pagamento
segundo as necessidades. O sistema de salrios ser completamente
abolido. Cada cidado dever trabalhar de acordo com as suas
capacidades e ter direito a receber do monte total das riquezas
produzidas uma quantia proporcional s suas necessidades. Esse , de
acordo com a concepo marxista, o apogeu da justia.A influncia de
Karl Marx nos sculos XIX e XX s pode ser comparada influncia de
Voltaire e Rousseau no sculo XVIII. Sua doutrina da interpretao
econmica da histria admitida at por historiadores que no so seus
adeptos. Possui discpulos em todas as naes civilizadas do planeta,
e tambm em muitos pases atrasados. Na Rssia quase um deus, sendo o
seu dogma do materialismo dialtico adotado ali no s como fundamento
da economia mas como norma a que se devem conformar tambm a cincia,
a filosofia, a arte e a literatura. Em todas as naes
industrializadas, antes da Primeira Guerra Mundial, havia um
partido socialista de considervel importncia, sendo o da Alemanha o
que teve mais forte representao no Reichstag depois de 1912. Em
quase toda parte o desenvolvimento do socialismo tem exercido uma
influncia vital na promulgao de leis de seguro social e de salrio
mnimo, bem como na tributao da renda e das heranas com a mira numa
redistribuio da riqueza. Marx, est claro, no se interessava por
essas coisas como fins em si mesmas, mas as classes governantes
acabaram convencendo-se da necessidade de adot-las como uma posta
de carne a ser jogada fera socialista. Os socialistas em geral
tambm deram o seu apoio ao movimento cooperativista, encampao das
estradas de ferro e dos servios de utilidade pblica, bem assim como
a inmeros planos para proteger os trabalhadores e os consumidores
contra o poder do capitalismo monopolizador.Pelos fins do sculo XIX
os adeptos de Marx dividiram-se emduas faces. A maioria, em quase
todos os pases, aderiu s doutrinas de uma seita conhecida como os
revisionistas, os quais como o nome indica, acreditam que as
teorias de Marx devem ser revistas para se porem de acordo com as
condies mutveis. A outra faco era formada pelos marxistas
ortodoxos, que sustentavam no dever ser modificada uma s linha dos
ensinamentos do mestre. Alm dessa divergncia de atitude geral,
havia tambm diferenas especficas. Enquanto os revisionistas
advogavam a marcha para o socialismo por meios pacficos e graduais,
os marxistas ortodoxos eram revolucionrios. Aqueles concentravam a
sua ateno nas reformas imediatas, de acordo com o lema: "Menos por
um futuro melhor, mais por um presente melhor"; estes exigiam a
ditadura do proletariado, ou nada. Os lderes da faco majoritria
inclinavam-se a reconhecer os interesses particulares das naes,
eram propensos a aludir ao dever para com a ptria e frequentemente
apoiavam os pedidos dos seus governos para que se aumentasse es
armamentos e se prolongasse a durao do servio militar. Os marxistas
ortodoxos, por outro lado, eram internacionalistas intransigentes ;
apegavam-se sentena de Marx, segundo a qual o proletariado mundial
uma grande irmandade, e eram hostis ao ptriotismo e o nacionalismo,
como estratagemas capitalistas para lanar poeira nos olhos dos
operrios. De modo geral, foram os revisionistas que ganharam o
controle dos partidos socialistas na maioria das naes ocidentais.
Tanto o Partido Social-Democrtico da Alemanha como o Partido
Socialista Unificado da Frana e o Partido Socialista dos Estados
Unidos eram largamente dominados pela faco moderada. Na Inglaterra,
a direo do Partido Trabalhista foi ocupada em vrias ocasies pelos
socialistas "fabianos", assim chamados por causa da sua poltica de
contemporizao que imitava a ttica de Fbio, general romano das
guerras contra Cartago. Aproximadamente em 1918 a maioria dos
marxistas ortodoxos desligaram-se definitivamente dos partidos
socialistas, e desde ento so conhecidos como comunistas.
Entretanto, o marxismo ortodoxo na sua forma comunista tem
revelado, nos ltimos anos, a tendncia de modificar o
internacionalismo de Marx e exaltar o patriotismo e a defesa do pas
natal. Isso foi observado em particular na Rssia e em alguns dos
seus satlites durante a Segunda Guerra Mundial e nos anos
subsequentes.Muitos idealistas sociais do sculo XIX e do comeo do
sculo XX eram socilitados pelos desejos contraditrios de melhorar o
bem-estar da sociedade por meios coletivistas e de conquistar um
mximo de liberdade para o indivduo. J vimos que os prprios
marxistas visavam a abolio final do estado. Mas o dilema
coletivismo-individualismo recebeu muito mais ateno da parte dos
anarquistas. Numa definio estrita, o anarquismo significa oposio a
todo governo baseado na fora. Os adeptos desta filosofia tm
admitido, em geral, a necessidade de uma certa forma de organizao
social, mas condenam o estado coercitivo como absolutamente
incompatvel com a liberdade humana. Quanto questo do que deveria
ser feito com o sistema econmico, os anarquistas discordavam
profundamente entre si. Alguns eram puros individualistas,
afirmando que os direitos do homem a possuir e usar a propriedade s
devem estar submetidos s "leis da natureza. O pai do anarquismo,
William Goldwin (1756-1836), acreditava que se a terra fosse to
gratuita como o ar no seria necessria qualquer outra mudana na
estrutura econmica. Na opinio do anarquista francs Pierre Proudhon
(1809-65), seria suficiente que a sociedade desse crdito gratuito e
ilimitado a cada um para assegurar a justia econmica. Tal plano,
segundo le, impediria que qualquer indivduo monopolizasse os
recursos da terra e garantiria a todos os cidados econmicos e
industriosos a plena recompensa dos seus trabalhos.Mas os primeiros
anarquistas que exerceram verdadeira influncia foram os que
combinaram o dio ao estado com uma filosofia coletivista definida.
Em primeiro plano entre eles, encontramos os trs grandes
aristocratas russos Mikhail Bakunin (1814-76), Piotr Kropotkin
(1842-1921) e Leon Tolstoi (1828-1910). Embora seja muitas vezes
classificado como anarquista-comunista, Bukunin achava-se, na
realidade, muito mais prximo do socialismo. Esteve mesmo, durante
algum tempo, ligado aos adeptos de Marx na Associao Internacional
de Trabalhadores, fundada emLondres no ano de 1864. O seu programa
de uma nova sociedade inclua a propriedade coletiva dos meios de
produo, a abolio da mais-valia e o pagamento de acordo com o
trabalho realizado. Em outras palavras, assemelhava-se muito ao
programa do marxismo na sua fase socialista, com a diferena,
naturalmente, de no admitir a conservao do estado. Bakunin tambm
famoso como o pai doanarquismo terrorista. Advogando a subverso do
estado e do capitalismo pela violncia, inspirou o que mais tarde
veio a ser chamado "propaganda pela ao" e que consistia em atrair a
ateno para a causa anarquista assassinando alguns estadistas
proeminentes ou exploradores detestados. aos adeptos de Bakunin que
se atribuem os assassinatos do presidente McKinley dos Estados
Unidos, do presidente Carnot da Frana e do rei Humberto I da Itlia.
Mas os anarquistas mais inteligentes da escola coletivista
condenavam essas tticas. O prncipe Kropotkin, por exemplo,
condenava o emprego da violncia individual em quaisquer condies.
Acreditava que um esforo revolucionrio final seria necessrio, mas
preferia que o estado fosse enfraquecido por mtodos pacficos,
convencendo-se gradualmente o povo de ser ele um mal desnecessrio,
uma instituio que alimenta a guerra e existe sobretudo para
capacitar alguns homens a explorar os outros. Do ponto de vista da
reforma econmica, Kropotkin era comunista. Sustentava que toda
propriedade, exceto os objetos de uso pessoal, deve ser possuda
socialmente e que o pagamento se deve fazer na base das
necessidades de cada um.O mais famoso dos anarquistas coletivistas
e uma das figurasmais interessantes dos tempos modernos o conde
Leon Tolstoi. Embora mais conhecido pelos seus romances, que sero
comentados num captulo ulterior, Tolstoi foi tambm um dos maiores
filsofos russos. Suas idias nasceram de um violento conflito
emocional e da procura quase desesperada de uma maneira de viver
que pudesse satisfazer-lhe a inteligncia irrequieta. Abandonou-se
durante algum tempo a uma dissipao elegante, tentou desafogar o seu
esprito perturbado por meio de obras filantrpicas e acabou
abandonando tudo isso para viver como um simples campons. Chegou
concluso de que no se podia fazer nenhum progresso no sentido de
remediar os males da sociedade enquanto as classes superiores no
renunciassem aos seus privilgios, adotando a existncia humilde
daqueles que labutam pelo seu po. Isso, porm, seria apenas o comeo.
Todo individualismo egosta devia igualmente desaparecer, toda
riqueza devia ser depositada num fundo comum e abolidos todos os
instrumentos de coero. Tolstoi baseava grande parte da sua
filosofia no Novo Testamento, em especial no Sermo da Montanha.
Encontrava nos ensinamentos de Jesus a mansido, a humildade a
no-resistncia os princpios essenciais de uma sociedade justa. Acima
de tudo condenava a violncia, para qualquer fim que fosse
empregada. A violncia brutaliza o homem; coloca quem a pratica merc
dos seus inimigos; e enquanto a fora puder ser utilizada como arma,
ser quase impossvel confiar nos mtodos civilizados. Merecem ser
citadas algumas palavras de Tolstoi sobre este assunto:Quando um
governo derrubado pela violncia e a autoridade passa para outras
mos, essa nova autoridade no ser de modo algum menos opressiva do
que a anterior. Pelo contrrio, obrigada a se defender de seus
inimigos exasperados pela derrota, ser ainda mais cruel e desptica
do que a sua predecessora, como sempre tem acontecido em perodos de
revoluo... Seja qual for o partido que ganhe a ascendncia, ser
forado, para introduzir e manter o seu prprio sistema, no somente a
se servir de todos os mtodos anteriores de violncia, mas tambm a
inventar outros novos.A terceira das grandes filosofias radicais
engendradas pela Revoluo Industrial foi o sindicalismo, cujo maior
expoente Georges Sorel (1847-1922). O sindicalismo exige a abolio
tanto do capitalismo como do estado e a reorganizao da sociedade em
associaes de produtores. Assemelha-se ao anarquismo na oposio ao
estado; mas, ao passo que os anarquistas pedem a abolio da fora, os
sindicalistas desejam mant-la, mesmo depois de destrudo o estado. O
sindicalismo tambm tem pontos de contato com o socialismo, por
agasalharem ambos a ideia da propriedade coletiva dos meios de
produo; mas, em lugar de fazer do estado o proprietrio e
administrador dos meios de produo, os sindicalistas pretendem
delegar essas funes aos sindicatos de produtores. Destarte, todas
as usinas siderrgicas seriam possudas e dirigidas pelos
trabalhadores da indstria de ao, as minas de carvo pelos mineiros,
e assim por diante. Alm disso, os sindicatos tomariam o lugar do
estado, cada um governando os seus membros em todas as atividades
destes como produtores. Nos demais assuntos, os trabalhadores
ficariam livres de qualquer interferncia. No existiriam, claro,
leis regulamentadoras da moral ou da religio, pois o sindicalismo
uma filosofia inteiramente materialista. Por outro lado, os seus
fundadores no alimentavam qualquer iluso quanto capacidade das
massas para o autogoverno. Sorel considerava o homem mdio como uma
espcie de carneiro, capaz nicamente de seguir o guia do rebanho.
Opinava, portanto, que a autoridade dirigente dos sindicatos
deveria ser francamente exercida pelos poucos inteligentes. Outro
elemento de suma importncia na teoria sindicalista a doutrina da ao
direta. Significa ela o oposto da ao poltica e pode ser considerada
como incluindo a greve geral e a sabotagem, sendo esta qualquer
tipo de atividade daninha utilizada com o fim de prejudicar o
empregador capitalista. A influncia do sindicalismo tem-se limitado
em grande parte aos pases latinos da Europa e aos Estados Unidos.
Na Frana, durante certo tempo, gozou de imensa popularidade na
C.G.T. (Confederao Geral do Trabalho). Na Itlia, as suas doutrinas
do domnio da minoria, da ao direta e da organizao da sociedade em
sindicatos foram adotadas, com modificaes, pelos fascistas. Na
Amrica, muitos elementos da filosofia sindicalista foram
incorporados aos programas da I.W.W. (Trabalhadores Industriais do
Mundo), uma organizao que floresceu aproximadamente entre 1905 e
1920.Por ltimo, no devemos esquecer os socialistas cristos, os
menos radicais entre todos os crticos da economia capitalista. O
pai do socialismo cristo Robert de Lamennais (1782-1854), um padre
catlico francs que tentou revivificar a religio crist como
instrumento de reforma e de justia social. Idias semelhantes foram
externadas pelo conde Henri de Saint-Simon (1760-1825) em seu livro
O novo cristianismo. Da Frana, o movimento espalhou-se Inglaterra,
onde foi adotado por alguns intelectuais protestantes,
especialmente pelo romancista Charles Kingsley (1819-75). Em seus
primeiros tempos, o socialismo cristo foi pouco mais que um pedido
de aplicao dos ensinamentos de Jesus aos problemas criados pela
indstria, mas nos ltimos anos comeou a assumir uma forma mais
concreta. Em 1891, Leo XIII, o "papa dos trabalhadores", lanou a
sua famosa encclica Rerum novarum em que revive sob uma feio
moderna a atitude econmica liberal de Santo Toms de Aquino. Embora
a encclica reconhecesse de maneira expressa a propriedade privada
como um direito natural e repudiasse vigorosamente a doutrina
marxista da luta de classes, condenava em termos veementes os
lucro