Hipnotismo E MediunidadeCsar LombrosoCsar Lombroso nasceu em
Verona (Itlia) a 6 de Novembro de 1835, descendente, pelo lado
paterno, de judeus espanhis expulsos de sua ptria pelos Reis
Catlicos, em 1492. Sua primeira infncia transcorreu tranqila e
feliz, desfrutando a famlia de elevados recursos pecunirios e boa
situao na sociedade. Isto no durou muito tempo. Numa dessas
reviravoltas do Destino, foi o lar de Lombroso mergulhado em
relativa pobreza, o que, entretanto, no impediu continuassem ali
reinantes a paz e a unio. Educado nas idias e crenas da religio
judaica, bem cedo comeou a freqentar os centros de instruo de sua
cidade natal. Tanto no curso primrio quanto no curso secundrio, deu
ele mostras de extraordinria aplicao e amor ao trabalho e aos
estudos, revelando, malgrado sua timidez, uma inteligncia bastante
precoce. Menino ainda, tornara-se amante da Natureza e dos bons
livros. Seu tio materno, David Levi, que ocupa lugar honroso na
literatura italiana, ambientou-lhe o gosto para a Poesia, para a
Histria e a Literatura em geral, especialmente a clssica. Com seis
anos apenas, Lombroso j se deleitava ouvindo os versos de Dante.
Lucrcio, Tcito e Tito Livio o haviam fascinado, e na idade de doze
anos escreveu, com perodos verdadeiramente clssicos, o trabalho Sua
Grandeza e Decadncia de Roma. Contudo, um acontecimento inesperado
veio decidir para sempre a vocao cientifica e conseqente posio
futura do nosso biografado. Em 1850 sala a pblico o primeiro volume
dos Monumenti storici rivelati dall analilisi delta parol, de
autoria do ilustre mdico, historiador e lingista italiano Paulo
Marzolo. Os jornais elogiaram e encorajaram o autor, mas Marzolo
percebeu que as crticas eram por demais benvolas e...
incompetentes. Certo dia, lendo um dirio de Verona, entusiasmou-se
com um artigo que inteligentemente discorria sobre o seu livro, e
desejou imediatamente conhecer-lhe o autor. Foi esta a primeira e
mais cara emoo que ele sentiu - escreveu Ceccarel em sua Vita di
Marzolo -, a primeira compensao a tantas viglias em estudos
ingratos e tristes, a tantos pensamentos e meditaes incansveis.
Paulo Marzolo pensava que o articulista fosse um homem provecto na
cincia, um pensador solitrio, que vivesse na obscuridade por
circunstancia fortuitas ou por caprichos da sorte. O autor do
artigo, que pouco depois visitava Marzolo
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em Treviso, era um jovenzinho de quinze anos, era Csar Lombroso,
que na Itlia foi o primeiro a perceber o gnio de Marzolo. Ante
este, Lombroso se apresentou com o afeto de um filho e com a
venerao de um discpulo. Marzolo criou tal amizade pelo seu jovem
admirador, que, desde ento, passou a ser o verdadeiro orientador do
genial rapazinho, iniciando-o no cultivo de todas as cincias e de
todas as artes, pondo-o em guarda contra o unilateralismo da
cultura. Sob a sua direo, o nosso biografado aprendeu o caldaico, o
chins, o hebreu e algumas lnguas modernas; sob a sua palavra
persuasiva, decidiu-se a estudar Medicina e a entregar-se a estudos
naturalsticos, no obstante a sua inclinao para o Direito e as
Letras. Marzolo foi tambm quem primeiro inspirou a Lombroso o
estudo da Antropologia e, alm de ter exercido influncia sobre a sua
moral, sobre a sua maneira de conceber e de agir na vida, nele
incutiu para sempre o extremado amor da verdade, em cuja procura
Lombroso foi incansvel a vida inteira. Nas lutas unificadoras da
Itlia, em fins do sculo XIX, a Igreja tentara por todos os meios
reter os seus Estados Papais, afirmando seus direitos ao poder
temporal, fulminando antemas contra aqueles que queriam priv-la de
seus domnios em prol de uma Itlia unida, e, posteriormente,
recusando qualquer contacto com o governo, por lhe terem sido
tomadas s terras. Lombroso, patriota ardente, foi, por isso, levado
a professar a f socialista, intensificada na ultima fase de sua
vida, acreditando que s com uma completa reforma social se poderia
abater a fora do clericalismo e seus prejuzos, e com esse objetivo,
pela tribuna e pela imprensa, buscou, durante a vida, ajudar a
todas as escolas e instituies que concorressem para diminuir, entre
o povo; o nmero de analfabetos, e resultasse, em conseqncia, na
derrubada das foras dogmticas, freio do progresso e da liberdade.
Curriculum Vitae De 1852 a 1857, Lombroso cursou a matria mdica nas
Universidades de Pavia, Pdua e Viena, laureando-se em 13 de Maro de
1858 pela Real Universidade de Pavia. Foi nessa cidade, quando ai
fazia o seu curso, que conquistou duas preciosas amizades: Alfredo
de Maury e Paulo Mantegazza, tornando-se este ltimo quase que um
seu irmo. Fisiologistas de excepcional valor, ambos acolheram
carinhosamente o discpulo, que logo se iniciou nos estudos e nas
pesquisas sobre a fisiologia do sonho e do prazer. Mas na
Universidade de Viena, ao lado de mestres da psiquiatria, que ele
afirmou a sua vocao mdica, especialmente psiquitrica,
aprofundandose, desde ento, na leitura de livros sobre o
assunto.
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Escreveu, j em 1852, com apenas 17 anos, dois trabalhos
elogiados por um jornal de Verona: Saggio solta storia delta
Relncbca Romana e Schizzi di un quadro storico dell'antica
agricoltura in Itlia, nos quais se observa a influencia do
historiador Marzolo sobre o rapazinho. Veio, a seguir,
consciencioso estudo intitulado Di un fenmeno fisiolgico comune ad
alcuni neurotteri ed imenotteri (Verona, 1853) e, dois anos mais
tarde, outro sobre La pazia de Cardano (Gazetta Medica Italiana
Lombarda, Milo, 1/10/1855), ensaio este em que j se percebe o germe
das fecundas investigaes que posteriormente realizaria a respeito
do homem de gnio. De certa forma importante o opsculo que deu a
publico, em 1856, com o nome Influenza della civita sulla pazzia e
della pazzia sulla civilta e que marca o ponto de passagem de suas
preocupaes doutrinrias para o terreno das aplicaes prticas da
Medicina. Em 1859, revalidou o seu diploma de mdico na Real
Universidade de Gnova, ento anexada ao Piemonts, a obtendo a lurea
em Cirurgia. Ainda neste ano, chamou a ateno de todos a sua
monografia Ricerche sul cretinismo in Lombardia. E a 21 de Maio, ao
estalar a guerra francoitaliana com a ustria, que tinha o propsito
de expulsar os austracos da Itlia, Lombroso se alistou, contra a
vontade dos pais, como mdico do Corpo de Sade Militar do Exrcito
Piemonts, sendo encaminhado ao Hospital de Turim e, um ms depois,
ao Hospital Militar de Milo. Em 1861, o Supremo Conselho Militar de
Sade distingue com meno honrosa um utilssimo escrito de sua
autoria, sobre feridas por arma de fogo (Sulle ferite d'arma da
Fuoco), e a 6 de Maro deste mesmo ano era ele promovido ao posto de
mdico de batalho de 1 classe, sendo-lhe ainda conferida a medalha
francesa comemorativa da campanha de 1859, que tornou independente
a Lombardia. Removido para a Calbria, ai estudou as condies
higinicas da populao. Os resultados de suas investigaes,
publicou-os, em 1862, no Giornale d'Igiene e Medicina Preventiva e
no livro Tre mesi in Calbria (Turim, 1863), livro este que,
ampliado, foi reeditado em 1898 com o nome In Calbria,
patenteando-se em suas pginas o progresso realizado na regio
calabresa, to logo foram tomadas as medidas higinicas por ele
aconselhadas. Em 1862, inaugurando suas funes no magistrio,
Lombroso ministra um curso livre, gratuito, de Psiquiatria, na
Universidade de Pavia, e em 1863 entra como privat-docent de Clnica
das Doenas Mentais e Antropologia na mesma Universidade, ao mesmo
tempo em que passa a exercer gratuitamente suas funes na repartio
dos alienados do Hospital Cvico de Pavia.
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Em 1864, a Direo dos Hospitais reunidos de Pavia apresenta-lhe
agradecimentos pelas inovaes que ele trouxe queles Hospitais em
beneficio dos alienados. E nomeado professor incaricato (Professor
nomeado por decreto ministerial e que substitui temporria ou
definitivamente o professor titular) de Clnica das Doenas Mentais e
Antropologia, na Universidade de Pavia. Nesse meio tempo, comea a
elaborar, e os publica em 1865, os Studi per una Geografia Clinica
Italiana, fonte entre as mais importantes da legislao sanitria
italiana. Patriota ardoroso, entusiasta da unidade e nova grandeza
de sua gloriosa terra, condecoraram-no, em 30 de Maio de 1865, com
a medalha comemorativa da guerra da independncia e unificao
italiana. Neste mesmo ano, em 6 de Dezembro, desliga-se do Corpo de
Sade Militar, passando a dar um curso livre, gratuito, de
Antropologia, bem como leituras pblicas sobre Raas Humanas. Logo
sobreveio a campanha antiaustraca de 1866 e que, em Outubro, daria
Veneza Itlia. Lombroso, a 20 de Maio, retorna ao servio militar,
exercendo suas funes como mdico de batalho de 2 classe. Seis meses
depois, finda a guerra, d baixa do Corpo de Sade Militar, e nomeado
mdico primrio da repartio das Doenas Mentais do Hospital Cvico de
Pavia, continuando, ainda, a lecionar o curso gratuito de
Antropologia por mais alguns anos. E reconduzido as funes de
professor incaricato de Clnica das Doenas Mentais e Antropologia,
na Universidade de Pavia, dando luz o volume Medicina Legale delle
alienazioni mentali, no qual cogita do problema da
responsabilidade, to discutido aquele tempo pelos especialistas.
Nessa ocasio, tambm publica a Antropometria degli Italiani, obra
que se torna clssica no gnero. Aos 22 de Junho de 1867, recebe uma
distino honorifica, como mdico do batalho em tempo de guerra, pela
coragem e abnegao demonstradas na cura dos colricos durante a
epidemia de 1866. Com sua memria sobre Pensiero e Meteore
conquistou, em 9 de Agosto de 1867, o Premio Castiglione do
Instituto Lombardo de Cincias e Letras. Mas a 16 de Outubro de 1867
que consegue a sua grande vitria no magistrio universitrio. alis
muito acidentado e penoso. A Universidade de Pavia recebe-o afinal,
como professor extraordinrio de Clinica das Doenas Mentais, cargo
em que confirmado, ano aps ano at 1875. Na mesma data,
condecoram-no cote a medalha ao mrito militar, comemorativa da
campanha pr-independncia da Itlia de 1866.
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Lombroso se dedica mais a fundo as suas investigaes psiquitricas
e aos estudos sobre a pelagra, mal que fazia muitas mortes entre os
camponeses italianos. Com sua obra Studi clinici e sperimentali
sulla natura causa e terapia della pellagra (2 ed., Bolonha. 1872),
recebeu, em 1870, como incentivo, a soma de 1.000 liras no Concurso
L. Cagnola, institudo pelo Instituto Lombardo. Ainda por seus
mritos no estudo da pelagra, foi, aos 18 de Abril de 1871,
agraciado com o ttulo de Cavaleiro da Coroa da Itlia. Em Outubro de
1871, deram-lhe as direes do Manicmio Provincial de Pesaro. Inicia,
em 1872, um curso livre de Medicina Legal sobre o homem delinqente
estudado pelo mtodo antropolgico experimental. Na cidade de Viena
exps, no ano de 1873 o sitforo um aparelho de sua inveno, destinado
a alimentao forada dos loucos. D, em 1874, um curso sobre a causa
da pelagra, sob os auspcios da Escola de Agricultura de Milo, e
neste mesmo ano elevado a professor suplente da ctedra de Medicina
Legal, Toxicologia e Higiene, na Universidade de Pavia. Nesta
Universidade, segundo escreveu Max Nordau, Lombroso teve que lutar
constantemente contra hostilidade, ou at manifesta, de sua direo,
que negava sistematicamente todos os meios para o bom desempenho
das funes professorais e toda a melhoria em sua posio oficial. Sua
doutrina sobre a pelagra tambm lhe criava, da parte dos colegas,
uma atmosfera adversa. Farto desse conflito, acedeu ao convite
insistente de velho admirador e amigo poderoso, apresentando a sua
candidatura ctedra vaga de Psiquiatria e Clinica Psiquitrica, na
Real Universidade de Turim. Ai, porm, no era menor a inveja e o
despeito. Opuseram a que fosse nomeado diretamente, sem concurso,
ele, que talvez no tivesse competidor altura! A afronta a um nome
internacional foi, entretanto, suavilizada pelos canais
competentes, e a 1 de Outubro de 1876 nomeiam Lombroso professor
ordinrio na referida Universidade, no da ctedra por ele
ambicionada, mas da de Medicina Legal e Higiene Pblica. Logo de
entrada, foi acolhido com frieza por certos colegas mopes e
invejosos, enquanto que a direo da Universidade passou a criar-lhe
dificuldades no ensino da ctedra, negando-lhe tudo quanto
precisava. Foram anos de grandes sacrifcios para Lombroso, que
chegou a tirar dinheiro do seu prprio bolso a fim de comprar os
materiais indispensveis. Em 1878 eleito membro extraordinrio do
Conselho Sanitrio da Provncia de Turim. Funda, em 1880, juntamente
com Henrique Ferri e Rafael Garfalo, a revista Archivio di
Antropologia Criminale, Psichiatria, Medicina Legale e5
Scienze Affini, que logo se tornou mundialmente famosa,
verdadeiro monumento cientfico, de valor incalculvel, segundo a
expresso do Professor Pelayo Casanova da Universidade de Havana,
revista que teve sempre testa, at o seu falecimento, o Professor
Lombroso. Passa a ser membro ordinrio do Conselho Sanitrio da
Provncia de Turim, em 1881. A 1 de Fevereiro de 1886, aps concurso,
nomeado mdico sanitrio das Prises de Turim. De 1887 a 1891, como
professor incaricato, ensina Medicina Legal na Real Universidade de
Turim. A 14 de setembro de 1891, foi finalmente incumbido de
lecionar Psiquiatria e Clinica Psiquitrica na Universidade de
Turim, ali tambm chefiando a respectiva Clinica, s sendo nomeado
professor ordinrio das mesmas matrias em 9 de Janeiro de 1896. Em
1905 criou o clebre Museu de Antropologia Criminal, que logo se
tornou ponto de romaria para estudantes e professores de todo o
mundo, havendo a revista Illestrazione Italiana estampado em 1906
fotografias do edifcio onde ele funcionava, bem como de vrias salas
de exposio. E nomeado, em 1906, professor ordinrio de Antropologia
Criminal e professor incaricato de Psiquiatria e Clinica
Psiquitrica, na Universidade de Turim. Neste mesmo ano, ocupa o
cargo de inspetor dos Manicmios do Piemonte, e a Sociedade tica de
Londres eleva-o a presidncia honorria. A ltima distino recebida em
vida foi o ttulo de Doctor juris, da Universidade de Aberdeen
(Esccia), em 1907. Doutrinas Cientficas Exporemos mui sucintamente
os pontos capitais em que se condensa a atividade cientifica de
Lombroso, que derramou novas luzes sobre o abismo doloroso de
diferentes formas do mal, quais a loucura, o delito, a prostituio,
o alcoolismo, o cretinismo, a pelagra. De incio h que ressaltar que
o carter especfico da mente de Lombroso foi, antes de tudo, o
constante e inexorvel reconhecimento da soberania do fato. Ele -
segundo palavras do seu eminente discpulo e continuador, Henrique
Ferri - cercava o fato como o co de raa cerca febrilmente a caa. E,
diante do fato, seu crebro se excitava e dele saltavam centelhas de
intuies maravilhosas, emergindo do seu pensamento, explicados no
inesperado contacto e confronto, os mais diferentes e abstrusos
fenmenos.
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Os fatos possuam a fora de faz-lo mudar de idia, e nisto reside
uma das grandes superioridades do seu esprito. No se aferrava
cegamente s suas prprias doutrinas e teorias; defendi-as
obstinadamente quando acreditava responderem elas aos fatos, mas as
modificava logo que outros fatos viessem demonstrar-lhe a inexatido
ou a insuficincia delas. Como escreveu acertada e admiravelmente
Lorenzo Elero, Lombroso teve a coragem dos inovadores geniais,
profundamente convencidos, ao afrontar sozinho o mundo das idias
secularmente estereotipadas; mas teve tambm uma coragem bem mais
difcil: a coragem de afrontar a si mesmo e a si mesmo corrigir-se e
contradizer-se, tudo por insacivel ardor pela verdade. Assim, por
exemplo, a gnese natural do delito, explicou-a primeiramente pelo
atavismo. No a crendo, depois, suficiente, acrescentou a degenerao
e uma causa patologia, a neurose epilptica. O mesmo se pode dizer
com relao ao Espiritismo, conforme veremos mais adiante. Afirmou
Ferri (In morte di Cesare Lombroso, na revista La Scuola Positiva,
1909, pgs. 582-3) que Lombroso foi em suas pesquisas um grande
continuador de Galileu. Segundo este sbio fsico e astrnomo, se,
para interpretar vontade do testador defunto, h necessidade de se
lhe ler o testamento, para interpretar a Natureza, muito mais que a
leitura dos livros escritos pelos filsofos, necessita-se interrogar
diretamente a Natureza mesma, valendo-se da observao e da
experincia. Na verdade, o mtodo de investigao seguido por Lombroso,
mtodo positivista por excelncia, fora empregado por vrios
estudiosos, como Lamarck, Darwin, Despines e outros, sendo que a
novidade introduzida pelo psiquiatra e criminologista italiano foi
a de excogitar a classe de fenmenos que se haveria de estudar por
tal mtodo, para se fundar, por exemplo, um novo Direito Penal. Para
Lombroso, neste caso, os fatos eram os homens, ou melhor, os
delinqentes, os quais considerava como o documento vivo que devia
servir de tema e ponto de partida de todas as experincias,
considerando, alm disso, que unicamente pela anlise de suas
anomalias fsicas e morais poderiam ser estabelecidos os fatos
cruciais da chamada nova cincia penal. Se bem verdade - como
salienta a Enciclopdia espanhola EspasaCalpe, S. A. - que os
grandes trabalhas de Lombroso se referem especialmente cincia
penal, resumindo-se nos princpios formulados pela Escola Positiva,
de que ele foi o chefe, suas investigaes se dirigiram tambm para
outros ramos do saber humano (enfermidades mentais em geral,
pelagra, Hipnotismo, Espiritismo, etc.), mas em todas as ocasies a
nota distintiva do mtodo lombrosiano foi rigorosa e impassvel
observao da vida em suas interaes, a afirmao de que os fatos,
diretamente e bem estudados,
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constituem as bases firmes e inquebrantveis sobre as quais se
assentar a Cincia. De acordo com Ferri, as maiores e mais decisivas
descobertas cientificas de Lombroso foram principalmente estas a
causa especifica da pelagra, profilaxia e tratamento; a gnese
natural do delito; a natureza do homem de gnio. Afora estas,
acrescenta Ferri, muitas outras descobertas de menor importncia
poderiam ser mencionadas, pois onde o sbio de Verona pousasse os
olhos indagadores, si projetava um feixe de luz. 1) A Causa
Especifica da Pelagra, Profilaxia e Tratamento. Em conseqncia da
extrema variao na manifestao da pelagra, durante centenas de anos
os especialistas no puderam atinar com a causa desse mal, nem com a
sua teraputica. Milhares de casos ocorriam em todo o mundo, e na
Itlia, por volta de 1856, cerca de 100.000 casos eram comprovados
por F. Lussana e Frua. Lombroso comeou a estudar algumas formas
especiais da pelagra, publicando, em 1868, vrios artigos sobre este
assunto, em revistas mdicas. Do estudo destas formas especiais,
passou considerao da enfermidade em geral, e, seguindo as pegadas
do Doutor Ballardini e do senador Tefilo Roussel, separou o
sporisorium maidis e os demais fungos que se desenvolviam no milho
deteriorado, realizando diferente experimentos com suas culturas,
tanto em animais como no homem. Havendo demonstrado que aqueles
fungos no produziam a pelagra, fez experincias com o extrato do
milho estragada, e ento pode obter os sintomas especficos da
enfermidade que estudava. O tratamento de um caso grave de pelagra
lhe deu a chave do enigma. Tratava-se de um tifo pelagroso,
acompanhado de uremia aguda, e, como todos os sintomas eram os de
envenenamento, Lombroso suspeitou que muitos dos fenmenos
pelagrosos seriam conseqncia de intoxicaes tambm crnicas, isto ,
que a pelagra seria devida no a uma infeco, mas sim a uma intoxicao
proveniente, no de um fungo do milho, mas de toxinas formadas no
perisperma dos gros de milho deteriorado por aqueles fungos.
Averiguada a causa da pelagra, Lombroso busca-lhe o tratamento.
Sucessivamente emprega vrias substancias qumicas, no conseguindo
resultados satisfatrios. Tendo lido numa Memria de Coletti e
Perugini que os pelagrosos encontravam notvel alvio com o uso das
guas de Levico, analisou-as cuidadosamente, e, aps comprovar que
alguns dos seus componentes no produziam o efeito desejado,
ensaiou, ento, o cido
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arsenioso, em forma de gotas de Fowler obtendo, afinal,
resultados realmente maravilhosos. As conseqncias das descobertas
de Lombroso resumiam-se nesses dois pontos: a) devia-se proibir o
consumo do milho deteriorado; 2) o arsnico era o remdio especifico
da pelagra. Conta Ferri que por trinta anos Lombroso teve de
sustentar dolorosa luta para ver acolhida a sua descoberta sobre a
origem da pelagra. No s os grandes produtores de milho. Como os
prprios homens de cincia o combateram com veemncia: aqueles, ou
porque queriam vender o milho, mesmo deteriorado, ou porque
supunham seria exterminada a cultura do milho estes, como os
professores Lussana, Porta, Bonfigli, porque achavam improvveis as
afirmaes de Lombroso. Acentua Scipio Sighele, ilustre socilogo
italiano, que o sbio estudioso da pelagra suscitara tamanha oposio,
sendo at qualificado de heterodoxo e ousado, que por isso quase a
perdendo, em 1868, a ctedra na Universidade de Pavia. So de 1880 as
suas brilhantes Lettere al dottor Bonfigl lssico exemplo de mpeto
polemico e de lgica cerrada, no dizer de Giuseppe Antonini, diretor
do Manicmio de Udina. Por duas vezes (1870 e 1872), concorrendo s
primeiro premio institudo pelo Instituto Lombardo, de Milo,
encontrou apenas juzes que negavam a priori tudo quanto apresentava
e afirmava sobre a pelagra. Requereu, ento, uma comisso nomeada
pelo Instituto. Aps dois anos de estudos, os membros dessa comisso,
torcendo desonestamente os fatos, declararam que o milho
deteriorado era incuo! Lombroso ficou indignado com essa falsa
concluso. Auxiliado pelo qumico Francisco Dupr, extraiu do milho
deteriorado uma soluo aquosa que produzia as reaes gerais dos
alcalides e que, absorvida ou injetada em ces, frangos, coelhos e
rs, originava convulses e outros fenmenos prprio da pelagra. Este
extrato aquoso foi remetido referida comisso. E porque essa
preparao originava sintomas anlogos ao da estricnina, atreveram-se
a acus-lo de fraudador, incriminando-o de haver misturado esse
veneno ao seu produto para obter os seus famosos coelhos
pelagrosos! Lombroso, inabalvel em sua f na vitria da verdade,
resistiu a todas as investidas que o procuravam ridiculizar. Exigiu
que um qumico do Instituto preparasse, com suas prprias mos, o
extrato, segundo o mtodo por ele indicado. O referido qumico assim
o fez, e, tendo experimentado em animais a soluo obtida, verificou
que ela os matava com sintomas semelhantes aos do envenenamento
estricninico, mas teve a falta de coragem ou de honestidade
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para tornar pblico o resultado. Lombroso no se conteve e
publicou as concluses do qumico, que o ameaou de um desmentido. E s
quando o sbio Marcelino Berthelot, bem como Pellogio, Huseman e
Auspitz demonstraram haver no extrato do milho deteriorado um
alcalide semelhante, mas no igual, estricnina, s ento os
caluniadores calaram e comeou a justia para Lombroso. Sua doutrina
sobre a pelagra e o tratamento especifico por ele indicado ganharam
novos defensores. Finalmente, em 1902, deteve a consagrao oficial.
O Governo italiano promulgou uma lei para combater a pelagra,
tomando uma srie de providncias administrativas, higinicas,
econmicas e agrrias, todas inspiradas na doutrina lombrsiana. A
incidncia da doena diminuiu sensivelmente, e em 1905 o nmero de
pelagrosos na Itlia era cerca de cinco mil apenas. Depois de curtir
dores e desenganos, que infelizmente sempre acompanham a obra dos
renovadores, ele pode, ainda em vida, ver triunfar as suas idias.
Por tudo quanto fez e escreveu sobre o problema pelagrgico,
Lombroso merece, por direito - na opinio autorizada dos Drs.
Antonini e Tirelli -, ser aclamado o pai da pelagrogia moderna. 2)
A Genese Natural do Delito. Conhecendo as obras de Frenologia e
Fisionomia publicadas antes dele, Lombroso props-se completar,
sistematizar e organizar a chamada Antropologia Criminal, a fim de
fixar as bases do sistema penal positivo, que, segundo suas prprias
palavras. no seno parcial consrcio, aliana simptica entre o Direito
Penal e a Antropologia Criminal. Conquanto tivesse tido, de certo
modo, precursores como Gall e Lavater, Morel e Despine, Porta e
Lauvergne, Thompson e Wicholson, que j haviam feito declaraes sobre
a natureza dos delinqentes, insistindo nas relaes entre o fsico e o
moral, procurando estabelecer a existncia de sinais exteriores
caractersticos, em correspondncia com as tendncias delituosas ou
degenerativas, Lombroso merece, a bem dizer, as honras de ter sido
o fundador da moderna Antropologia Criminal. Dai o Professor Jos
Sergi, grande antropologista e pedagogo italiano, haver afirmado
que este corpo de doutrina no teve, na verdade, origem nos seus
precursores, sendo criao exclusiva do extraordinrio intelecto de
Lombroso, atravs de suas observaes diretas e intuio profunda. E
depois de demorados e pacientes estudos, realizados entre os
soldados, durante a guerra, entre presos e enfermos mentais,
atentamente examinados, aps colher centenas de casos abonadores de
suas idias, que Lombroso traz a10
lume a clebre obra L'Uomo delinqente i rapporto
all'antropologtia, giurisprudenza e discipline carcerarie
(Milo,1876), livro que teve muitas edies, sempre melhoradas e
ampliadas pelo autor, e que foi vertida para vrias lnguas. De
acordo com a sua doutrina ai exposta, tanto o criminoso como o
delito so um produto atvico, herana da idade selvagem, da idade
animal e at da infncia, e o delito uma conseqncia da organizao
fsica e moral do criminoso. Foi ele, ao que parece, influenciado
nessas concepes pelas teorias darwinianas, e entre os diversos
tipos de criminosos que admitia, como os de ocasio, os loucos, os
criminalides ou pseudocriminosos, incluiu a concepo ousada e
original do criminoso nato, ser humano incorrigvel e irresponsvel,
predestinado necessariamente prtica do crime por um impulso
epilptico congnito e profundo, que se traduziria por certos
caracteres morfolgicos e funcionais. Mais larga repercusso teve a 2
edio de L'Uomo delinqente, tanto que o sbio russo Metchnikoff
escreveu ao seu autor, dizendo-lhe: Acredito que suas obras marcaro
uma poca na histria da evoluo dos conhecimentos humanos, pois as
conseqncias sociais da nova doutrina sero considerveis. Combatendo
o que era aceito como dogma intangvel nos domnios da cincia
jurdica, Lombroso levantou contra si violenta reao, com vivssimas
discusses, por vezes apaixonadas, despertando grande bulcio em
torno do seu nome. Por ignorncia ou no, at propalavam que ele
pretendia, por meio de suas idias, acabar com as prises, pensamento
que jamais lhe passara pela mente. Desassombrado, no fugiu luta, e,
ao lado de Ferri, Garfalo, e Mrio Carrara, conseguiu sobrepor-se e
criar toda uma escola composta de mdicos, filsofos, socilogos e
juristas. Com o livro L'Uomo delinqente, Lombroso veio dar
significativo impulso ao antigo Direito, que permanecia estacionrio
com Francisco Cerrara e discpulos, numa ruminao cientfica, segundo
a expresso pitoresca de Ferri, sem proveitos para a causa da
Humanidade, a cujas ambies a esgotada escola j no podia mais
satisfazer. No dizer do Prof. C. Winkler, da Universidade de
Amsterdan, Lombroso fez pelo Direito Penal o que, dois sculos
antes, fez Morgagni pela Medicina, comparao, alis, muito honrosa,
pois se sabe que Morgagni, igualmente italiano, foi um dos mais
notveis anatomistas de todos os tempos, contribuindo com suas
notas, observaes e descobertas para a abertura de novos caminhos
cincia mdica. Livrando a justia penal de toda a sobrevivncia
barbaresca de vingana e de violncia, demonstrando ser o criminoso
mais doente do que culpado, abriu11
novas perspectivas de uma clnica social, com funes de defesa
mais eficaz e mais humanas. Desde que o criminoso um doente,
absurdo ser puni-lo. Deve receber adequado tratamento e ser posto
simplesmente na impossibilidade de causar dano. Esta revoluo
operada por Lombroso, simples e crist, levou o Professor Srgio
Sighele a declarar que o criador da Antropologia Criminal fez pelos
delinqentes o que Pinel, h mais de um sculo, fez pelos loucos: no
apenas obra de cincia, mas principalmente obra de humanidade.
Congressos nacionais e internacionais, publicaes peridicas e
sociedades cientficas surgiram com o crescer do movimento de idias
por ele desencadeado. O 1 Congresso Internacional de Antropologia
Criminal (1885), realizado em Roma, contou com a presena de notveis
psiquiatras, mdico-legistas e juristas europeus, e foi, como se
disse, a cerimnia de batismo da Escola Positiva. Triunfavam,
afinal, as idias do sbio acerca do homem delinqente, idias - frisa
o Doutor Leondio Ribeiro, professor de Criminologia no curso de
doutorado da Faculdade Nacional de Direito do Estado da Guanabara -
que no se originaram de pensamentos tericos, mas de fatos positivos
observados nos laboratrios, clnicas, manicmios e prises. Uma srie
de reformas foram iniciadas na justia penal dos pases da Europa e
das duas Amricas, com aplicao da doutrina lombrosiana. No Brasil,
muitos juristas e psiquiatras aderiram s novas concepes e as
propagavam, como Perez Florinha, diretor do Reformatrio do Rio de
Janeiro, o grande Tobias Barreto de Menezes, Joo Vieira de Arajo,
Nina Rodrigues, Cndido Mota e Francisco Viveiros de Castro, este
com a sua obra A Nova Escola Penal (1894). O jurista e poltico
pernambucano Doutor Joo Vieira de Arajo assim se externava em fins
do sculo XIX: Lombroso se erige frente do Direito Penal neste
sculo, como Beccaria se erigiu no sculo passado. Ele um renovador
audaz, um pensador de vista larga, de idias largussimas. O ter
lanado por terra as antigas idias metafsicas e caducas ser o seu
maior ttulo de glria. O feito revolucionrio de Lombroso - relembrou
faz alguns anos o ilustre criminologista argentino Juan Dalma
consistiu em haver posto no centro da ateno dos estudiosos, no o
delito em si, seno seu protagonista, o homem delinqente, com suas
caractersticas somatopsquicas constitucionais e os aspectos
ambientais que determinam a sua ao. Criou-se, assim, a Antropologia
Criminal, que, com seus fundamentos, transformou completamente o
Direito Penal e todo o contedo jurdico, social e biolgico do
delito.
12
Alm do primeiro Congresso Internacional retrocitado, durante a
existncia terrena de Lombroso sucederam-se outros, respectivamente
em Paris, Bruxelas, Genebra, Amsterd e Roma, aos quais compareceram
as maiores celebridades mundiais, no faltando presena brilhante, e
sempre ansiado por todos, do mestre italiano. Atendendo a
insistentes pedidos, Lombroso tambm participou, em 1897, do
Congresso de Medicina de Moscou, bem como dos trabalhos cientficos
do Congresso Internacional de Psicologia (1905), em Roma, a
presidindo a seco de Antropologia Criminal. Foi no Congresso de
Bruxelas, em 1892, que, segundo seu presidente, Professor Semal, se
consumou esta grande vitria a unio definitiva da cincia mdica com a
cincia penal. H mais coisas interessantes a registrar. No Congresso
de Paris, em 1889, o Professor Manouvrier, pertencente Escola
Sociolgica do Direito Criminal, proclamava que a teoria de Lombroso
morrera. Porm, como este morto ressuscitava em todos os cdigos
penais redigidos e adotados posteriormente, um colega e emulo de
Manouvrier, Gauclker, declarava agora, no Congresso de Amsterd, em
1901, que Lombroso no fizera mais que arrombar portas abertas, pois
todas as suas teorias eram velhas quanto o mundo e mais que
conhecidas, trivialidades, lugares comuns. V, assim, at onde ia a
inconseqncia dos adversrios, que lanavam mo de toda e qualquer sada
para desmerecer o alto nome de Lombroso. Tudo foi em vo, e este
crescia sempre na admirao e no respeito de todos. Em 1906, de 28 de
Abril a 3 de Maio, realizou-se o VI Congresso Internacional de
Antropologia Criminal, celebrando-se nele o jubileu cientfico do
sbio de Verona. O maior anfiteatro da Universidade de Turim foi
palco de grandiosa solenidade, que marcou para Lombroso um triunfo
sem par. Em presena - diz Max Nordau - de representantes do Governo
italiano, do Exrcito, que enviara um general como delegado, de
senadores, de deputados, de sbios clebres de todos os pases; ante
os estudantes que haviam acudido em massa para aclamar o mestre,
uma longa fila de oradores subia tribuna e glorificava Lombroso. Um
desses oradores, o muito ilustre Professor Van Hamel, da Holanda,
referindo-se aos dois Csares da renovao penal - Beccaria e
Lombroso, assim salientava: O primeiro, nos dias em que tudo era
arbitrrio, disse ao homem: conhea a justia. O segundo, no tempo em
que triunfava a rigidez, o convencionalismo, as frmulas clssicas
jurdicas, disse a justia: conhea o homem. Queria ele expressar com
isso que, de agora em diante, conhecendose melhor o homem, a justia
se faria menos injusta.13
Para as homenagens a Lombroso vrias comisses haviam sido
constitudas: Comisso Central, presidida pelos Profs. Leonardo
Bianchi e A. Tamburini; Comisso Italiana, entre cujos membros
estavam os professores Brusa, Borri, Garrara, Ferrero, Severi,
Tamassia, Tirelli, De Sanctis, etc.; Comisso Internacional de
personalidades do mundo cientfico, como Bechterew, Benedikt, Max
Nordau, Sollier, Van Hamel, etc.; Comisso Popular, que entregou a
Lombroso um objeto de arte, homenagem da classe trabalhadora;
Comisso de Estudantes, que ofereceu artstico pergaminho ao amado
mestre. Uma das solenidades bastante emocionante foi entrega que o
Doutor J. A. Lacassagne, professor de Medicina Legal na Faculdade
de Lio, lhe fez, em meio de estrondosa salva de palmas, da cruz de
Comendador da Legio de Honra, com que o Governo francs o agraciara.
A escolha do Professor Lacassagne para aquela incumbncia foi muito
apreciada. Como chefe da Escola Sociolgica do Direito Penal,
combatia as teorias de Lombroso, mas, acima de tudo isto,
admirava-o e o reconhecia sobretudo como o apstolo da piedade para
aos infelizes, da justia para os deserdadas. Em seguida, levanta-se
uma comisso de insignes mestres italianos e estrangeiros, do
Direito e da Medicina, e presenteia o homenageado com um rico lbum
de assinaturas e com um medalho cinzelado pelo afamado escultor
Bistolfi, medalho que simbolizava a obra do heri da festa. Uma das
cerimnias mais expressivas foi instituio, na Universidade de Turim,
da ctedra de Antropologia Criminal, graas aos esforos do grande
psiquiatra e neuropatlogo Leonardo Bianchi, ento Ministro da
Instruo Pblica, sendo nomeado Lombroso para seu primeiro ocupante,
tornando-se, assim, em todo o Planeta, o inaugurador oficial do
ensino da cincia de que ele fora o fundador. Aquilo tudo - escreve
Max Nordau - foi uma apoteose cuja repercusso atravessou o oceano.
nica exceo na Itlia, na Europa, pode-se dizer, foi a Faculdade de
Turim, que encontrou o meio de ignor-lo. Absteve-se de tomar parte
na festa, no figurou na comisso, nem entre os oradores, nem sequer
entre os assistentes, e em sua Memria anual passou em silncio uma
cerimnia que tivera por teatro a mais bela sala da Universidade. Na
altura a que chegara, Lombroso podia rir dessa raiva impotente de
adversrios grotescos, e desprez-la. Contudo, no temos porque
isent-la por isso de merecida censura. E nos dias atuais, o
conhecido criminologista argentino Juan Dalma demonstrou, em longo
estudo, que as concepes lombrosianas do delinqente epilptico foram
uma genial antecipao das modernas doutrinas constitucionalsticas,
psicodinmicas e neurofisiolgicas, doutrinas estas que,14
em sua opinio, projetam nova luz sobre as velhas concepes do
sbio de Pavia, e as confirmam de forma inesperada. Multa
resascentur, quae iam cecidere. 3) A Natureza do Homem de Gnio.
Estudando os homens de gnio, no s sustentou as relaes freqentes
entre o gnio e a loucura, seno que chegou a concluso de que o gnio
do homem o produto de uma psicose, de carter degenerativo. Colocou,
assim, os grandes homens no domnio da patologia mental, o que,
alis, j fora sustentado por outros autores, especialmente por
Moureau de Tours e Llut. Lombroso baseou-se em observaes numerosas,
desde os tempos antigos, e disse Ferri que at nos homens tidos por
mais equilibrados e normais, neles tambm foi comprovada a nota
degenerativa. A primeira tese que publicou sobre o assunto saiu em
1864, na cidade de Milo, sob o titulo Gemo e Follia (4 ed., muito
aumentada, Turim, 1882.) Juntaram-se a esta, posteriormente, trs
novas obras: L'Uomo di gnio (6 ed., definitiva, Turim, 1890, na
qual suas teorias a respeito assumiam formas mais definidas; O Gnio
e degenerazione (Palermo, 1898) e Nuovi studi sul gemo (2 vols.,
Palermo, 1902). Para Lombroso, em suma, o gnio no incompatvel com
uma natureza epilptica, uma degenerescncia epilptica. Muitos fatos
acumularam e coordenaram para comprovar a sus doutrina,
emprestando-lhe, segundo a expresso de Ferri, um vigor
miguelangelesco, mas, mesmo assim, teve de enfrentar furiosas e
implacveis criticas, censuras indignas do seu alto valor,
Freqentemente misturadas com a fantasia silogstica. A torrente de
idias profundamente inovadoras que o crebro pujante de Lombroso
derramara no mundo do sculo passado, sobre um terreno to
inquietante como aquele da loucura, do delito, do gnio, suscitou,
como natural e normal, um clamor de resistncia e averso, ao lado de
uma onda entusistica de adeso, parcial ou total. Poucos sbios ou
filsofos foram to atacados como o foi Csar Lombroso - escreveu o
jornal parisiense Sicle, em 1909. E este, em verdade, o destino de
todos os que ousam traar novas diretrizes no mundo cientfico,
filosfico ou religioso, e Lombroso exteriorizou, em certas ocasies,
todo o seu menosprezo por aqueles eclticos que, semelhantes a
esponjas, absorvem tudo e no produzem nada. Chamavalhes
mestrezinhos da Cincia, que, de ordinrio, acrescentava Lombroso,
esperam, para ter uma opinio cientifica, a ltima palavra da Sorbona
ou da feira de Lipsia.15
Quem evoca, em mincias e a cores vivas, a vida de lutas e as
dores do genial e verdadeiro homem de cincia sua prpria filha
Doutora Gina Lombroso-Ferrero, quer no artigo La Vita de Pap (in
Archivio di Antropologia Criminale, 1809, pgs. 807-832), quer no
livro de sua autoria: Cesare Lombroso, Storia della vita e delle
opere, narrata dalla figlia Turim, 1915 (2 ed., 1921, fundamental).
Houve, naqueles recuados tempos, um mdico e consagrado psiclogo, o
Padre Agostinho Gemell, mais tarde reitor da Universidade Catlica
de Milo e presidente da Academia Pontifcia das Cincias, que, com
todas as suas foras. combateu as doutrinas de Lombroso, afirmando,
aps o falecimento deste, serem elas anticrists e que no passavam de
caricatura de cincia, acabando pelas considerar definitivamente
sepultadas com seu autor. A verdade, todavia, vence o tempo e vence
os homens. Em 1951, segundo nos conta o Professor Leonidio Ribeiro,
esse mesmo padre franciscano, ao inaugurar a Escola de
Aperfeioamento de Estudos Criminais da Universidade de Roma, volta
atrs e afirma textualmente: Ningum mais poder hoje negar que a
Antropologia Criminal realizou conquistas importantes, no campo da
cincia, para o conhecimento do homem delinqente, imprimindo os
discpulos de Lombroso novos rumos ao Direito Penal de nossos dias.
Depois de estudar o homem louco, o homem delinqente e o homem gnio,
no ocaso de sua vida Lombroso aprestou-se a estudar o homem santo,
mas a sade no lhe permitiu chegar a termo. Produo Cientfica Deixou
o sbio verones vasta obra relacionada com a Psiquiatria, a Medicina
Legal, as disciplinas carcerrias, a justia penal, a profilaxia do
delito, etc., somando-se a ela centenas de memrias e artigos
cientficos estampados, at os seus ltimos anos de peregrinao
terrena, em numerosas revistas e jornais de todo o mundo,
especialmente da Europa. Alm das obras mencionadas no decorrer
deste trabalho biogrfico, alinharemos mais algumas, a saber: L'Uomo
bianco e l'Uomo di colore (Pdua, 1871); idem, 2 ed. aumentada
(Turim, 1892); I velene del mais e da loro applicazione all'igiene
e alla terapia (Bolonha, 1877); Sulla medicina legale del cadavere
( Turim, 1877); L'amore nel suicdio e nel delitto ( Turim, 1881);
Pazzi e anomali (1885 ) , reunio dos seus artigos e polemica em
defesa da Escola Positiva; Il delitto poltico e ie rivoluxioni (
Turim, 1890); Trattato profiltico e clinico delia pellagra (Turim,
1892); Le pi recenti scoperte e applicazioni della psichiatria e
antropologia16
criminale ( Turim, 1893 ); La donna delinquente, la prostituta e
la donna normale, em colaborao com G. Ferrero (Turim, 1893):
L'antisemitisnto e la scienze moderne (Turim, 1894); Grafologia
(Milo, 1895): Lezioni di medicina legale (2 ed., Turim, 1900);
Delitti vecchi e delitti nuovi (1902); II momento attuale in Italia
(Milo, 1904 ) La perizia psichiatrico-legale coi metodi per
eserguirla e la casustica legale (Turim, 1905) As idias de Lombroso
- declarou, faz poucos anos, o Prof: Leonidio Ribeiro - receberam o
apoio de mestres e esto sendo confirmadas luz das ltimas conquistas
da cincia. No , pois, fora de propsito esta frase do grande jurista
Vincenzo Manzini, professor ordinrio da ctedra de Direito e
Processo Penal na Universidade de Pdua, frase existente no 1 tomo
do seu famoso Trattato di diritto penale italiano: Se Lombroso no
tivesse existido, haveria uma lacuna na evoluo lgica das idias do
nosso tempo. Assim escreveu Gross, e este criminalista germnico
tinha inteira razo. No Campo do Espiritismo Foi lenta e rdua, porm
contnua e segura, a marcha de Lombroso rumo ao Espiritismo. Em seu
opsculo Studi sull'ipnotismo (Turim, 1882), o ilustre
antropologista ridiculizava as manifestaes psquicas, chegando at,
segundo suas prprias palavras, a insultar os espritas. Motejava do
fenmeno das mesas girantes e falantes, estranhando que pessoas de
mente s pudesse prestar-se a tanta charlatanearia. Em Julho de
1888, publicava no jornal Fanfulla della Domenica (n. 29) um artigo
intitulado L'inflenza della civilta e dell occasione sul gentio,
artigo em que se mostrava, ao referir-se ao Espiritismo, menos
intransigente, salientando, aps breve raciocnio, lgico e cheio de
bom-senso: Quem sabe se eu e meus amigos, que rimos do Espiritismo,
no laboramos em erro. (chi sa che io ed i mieri amici, che ridiamo
dello spiritismo, non siamo in errore.) A leitura deste artigo, o
Conde Ercole Chiaia, cavaleiro napolitano de grande cultura (cuja
desencarnao, em 4/3/1905, foi bastante lastimada por eminentes
personalidades do mundo cientfico e literrio), escreveu longa e
brilhante carta a Lombroso, em Agosto de 1888, publicada, sob o
ttulo Una Sfida per la Scienza, no mesmo jornal h pouco citado (ano
X, n. 34). Nela, chamava a ateno do sbio para uma doente
extraordinria, com quem se produziam os fenmenos mais estranhos,
alguns dos quais passou a relatar. Em seguida, convidava-o, num
desafio corts, para a eles assistir e17
simplesmente comprovar-lhes ou negar-lhes a realidade. A
referida doente era uma napolitana analfabeta, da classe mais
humilde da sociedade, com menos de quarenta anos de idade, robusta,
e chamava-se Euspia Paladino. O Conde Chiaia dispunha-se ainda a
aceitar um encontro em qualquer lugar (Npoles, Roma e at Turim) que
Lombroso designasse, e, alm de outras facilidades de investigao,
concedia-lhe plena liberdade de ao nas experincias. Melhores
condies - declarava ele - no se poderia oferecer nem mesmo aos
cavaleiros da Tvora Redonda. Lombroso respondeu reputando intil
este convite, pois que seu tempo de cultor das cincias positivas no
lhe permitia assistir a manobras de prestidigitao. Trs anos depois,
porm, foi obrigado, por motivos profissionais, a ir a
Npoles....Casualmente - ele prprio quem o narra - me encontrei com
alguns dos admiradores de Euspia Paladino, especialmente com o
Senhor Chiaia, que me pediu fizesse experincias com essa mdium. J
que estais entre ns - disse-lhe Chiaia -, nada vos impede de
assistir a uma sesso e de desmascarar o embuste. Sempre havendo
pelejado por amor da Verdade em todos os campos do conhecimento
humano, conforme acentuou o poeta orientalista alemo Artur Pfungst,
o clebre autor de O Homem delinquente aceita, afinal, o convite,
mas impe estas condies: no participaria de sesso s escuras ou de
sesso pblica, e as experincias deviam realizar-se a luz do dia e no
quarto do Hotel onde estava hospedado. Afinal, explicou ele mais
tarde, depois de ter ouvido alguns sbios negarem fatos de
hipnotismo, como a transmisso do pensamento, a transposio dos
sentidos, que, por serem raros, no so menos reais, e que eu
verificara atentamente, perguntei-me a mim mesmo se o meu
cepticismo a respeito dos fenmenos espritas no seria da mesma
natureza que o dos outros sbios com relao aos fenmenos hipnticos.
Por se tratar de um acontecimento deveras histrico, ocorrido em
Maro de 1891, deixemos que o prprio Lombroso relate o comeo de sua
iniciao nos fenmenos espritas. Quando vi, plena luz, uma mesa
levantar-se do cho - s Euspia e eu estvamos juntos da mesa - e uma
pequena trombeta voar como uma flecha da cama mesa e desta cama,
meu cepticismo recebeu um choque, e eu desejei fazer novas
experincias de outra natureza, no mesmo hotel, com trs colegas. Na
sesso seguinte, fui testemunha da habitual mudana de lugar de
objetos e ouvi pancadas e rudos. O que mais me impressionou foi uma
cortina existente defronte da alcova, a qual, desprendendo-se de
repente, se dirigiu para mim e enrolou-se ao meu corpo, apesar dos
meus esforos contrrios,
18
parecendo exatamente uma delgadissima folha de chumbo. S aps
algum tempo consegui desenredar-me dela. Outro fato muito me
impressionou: um prato cheio de farinha deu um giro, e, ao se
colocar na situao primitiva, verifiquei que a farinha, antes
perfeitamente seca, se havia transformado numa espcie de gelatina,
permanecendo neste estado por um quarto de hora. Finalmente, quando
nos amos retirar do quarto, um pesado mvel que estava num canto
afastado do apartamento principiou a deslizar na minha direo, como
se fosse enorme paquiderme. Logo a seguir, outras sesses realizou
Lombroso com a mdium Paladino e nas quais tomaram parte, ora numa,
ora noutra, vrios professores ilustres, como Augusto Tamburini,
Vizioli, Ascensi, Leonardo Bianchi, Frederico Verdinois,
Limoncelli, Penta, De Amicis, Ciolfi, etc.. Incrdulos a princpio,
menos este ltimo, que j havia observado os fatos medinicos, todos
eles se certificaram da insofismvel realidade dos fenmenos
oferecidos por Euspia e por ela atribudos ao seu guia espiritual
John.King, fenmenos na sua quase totalidade de efeitos fsicos,
sendo raros os subjetivos. Num dos relatrios, escrito pelo
Professor Ernesto Ciolfi, este conta que em dada sesso, aps se
produzirem s manifestaes habituais de transporte, levitao e
tiptologia, os presentes j se dispunham a retirar, quando a ateno
de todos foi despertada para a alcova, ento fechada por
reposteiro.Tinham ouvido um barulho estranho que dali vinha. A
mdium de lado de fora, ainda continuava sentada e amarrada. De
sbito os reposteiros se agitaram fortemente e viu-se, em plena luz,
uma mesinha sair da alcova e caminhai docemente para a mdium. Neste
momento, o Professor Lombroso entrou na alcova e constatou que o
prato cheio de farinha, ali posto, estava revirado, sem que se
visse a menor partcula de farinha espalhada fora do prato, feito
que - salientou Lombroso - nem o mais hbil prestidigitador seria
capaz de operar. Noutra sesso - conforme relatou o clebre escritor
cientfico francs Francisco Henrique de Parville (O Espiritismo e a
Cincia, no Jornal do Comrcio, do Rio de Janeiro, 7/8/1892) - o
Senhor Hirsch, banqueiro, tendo pedido para conversar com uma
pessoa que lhe era cara, viu a imagem desta e ouviu-a falar em
francs (ela era francesa e falecida havia vinte anos) , lngua ento
desconhecida da mdium. Este fenmeno de materializao foi igualmente
observado na sesso em que tomaram parte os Drs. Defiosa e Barth,
havendo este ltimo reconhecido seu pai, j morto, que por duas vezes
o abraou. Diante desses maravilhosos resultados, Lombroso no
titubeou em permitir fosse publicado na Tribuna Giudiziaria, de 15
de Julho de 1891, uma19
carta por ele endereada ao Professor Ciolfi, datada da cidade de
Turim, aos 25 de Junho do mesmo ano. Nesta carta, de um verdadeiro
e leal homem de cincia, Lombroso confessava, em certo trecho,
pblica e textualmente: (Estou muito envergonhado e desgostoso por
haver combatido com tanta persistncia a possibilidade dos fatos
chamados espirticos; digo fatos, porque continuo ainda contrario a
teoria. Mas os fatos existem, e eu deles me orgulho de ser
escravo.) A sinceridade dessa confisso era o primeiro testemunho da
sua imparcialidade. A Verdade, para ele, estaria sempre acima de
sua prpria pessoa. Como compreensvel, a sensacional nova das
experincias lombrosianas com Euspia Paladino e as declaraes
categricas do professor fizeram, no mundo cientfico, grande rudo.
Alexandre Aksalcof, diretor do jornal Psychische Studien de Lipsia,
Conselheiro de Estado de S. M. o Imperador da Rssia, escreveu,
entusiasmado, ao Conde Chiaia: Glria a Lombroso pelas suas nobres
palavras! Glria a vs pela vossa dedicao! Estais largamente
recompensados. Tomando em considerao o testemunho insuspeito do
Professor Lombroso, reuniu-se em Milo uma comisso de ilustres
cientistas com o objetivo de verificar os fenmenos eusapianos,
submetendo a mdium a experincias e a observaes to rigorosas quanto
possveis. Foram ao todo dezessete sesses, iniciadas em Outubro de
1892, na residncia do egrgio engenheiro e Fsica, Giorgio Finzi. Alm
deste, participaram das investigaes os senhores: Aksakof; Giovanni
Schiaparelli, diretor do Observatrio Astronmico de Milo; Carl du
Prel, doutor em Filosofia, da Universidade de Mnaco, Baviera;
Angelo Brofferio, professor de Filosofia; Giuseppe Gerosa,
professor de Fsica na Real Escola Superior de Agricultura, de
Portici; G. B. Ermacora, professor de Fsica. Assistiram a parte das
sesses Charles Richet, professor da Faculdade de Medicina de Paris,
e Csar Lombroso. Um resumo dos notveis resultados obtidos foi dado
a pblico no jornal Itlia del popolo (suplemento ao n. 883), sendo
alinhados inmeros fenmenos (levitao, transporte, pancadas fracas e
fortes, materializaes, etc.) , ocorridos plena luz em
semi-obscurdade, muitos controlados pela fotografia, no se falando
da enrgica e contnua fiscalizao exercida sobre a mdium. Conta
Richet, que diz ter assistido a quase duzentas sesses com Euspia,
que numa dessas sesses de Milo ele foi tocado, em dois lugares
diferentes do corpo, por mos materializadas, estando as mos e os ps
da mdium20
perfeitamente seguros por Schiaparelli e Finzi. Noutra ocasio,
no s impresses digitais foram feitas num papel esfumaado colocado
sobre a mesa, mas tambm a impresso de toda uma mo esquerda, sem que
ningum presente sala fosse o autor dessa manifestao. No nos
alongaremos na descrio de muitos outros fatos interessantes, visto
que encheramos pginas e mais pginas. Em minha ignorncia de tudo
quanto se referisse ao Espiritismo - dizia, mais tarde, o prprio
Lombroso -, e somente me baseando nos resultados dos meus estudos
sobre a histria e a patologia do gnio a hiptese mais provvel que me
ocorreu foi a de que uses fenmenos hstero-hipnticos seriam devidos
a uma projeo motora e sensorial dos centros psicomotores do crebro,
enquanto outros centros nervosos ficariam debilitados pela neurose
e pelo estado de transe. Sucederia o que se observa com a inspirao
criadora do gnio, associada a um decaimento da sensibilidade da
conscincia e do sentido moral. Euspia, que era neurtica em seu
estado normal, em conseqncia de um ferimento na cabea que havia
recebido quando menina, ficava, durante esses estranhos fenmenos
espiritistas, perfeitamente inconsciente e presa tambm de
convulses. Confirmei-me nessa suposio, refletindo que o pensamento,
por sublime que seja, um fenmeno de movimento, e observando que os
mais importantes fenmenos espiritistas sempre se manifestam nas
pessoas e nos objetos situados prximos do mdium. Tal era, em
sntese, na ocasio, a tese explicativa que apresentava. No podendo
conceber o pensamento sem crebro, nem, por conseguinte, a
sobrevivncia do eu humano, com suas faculdades integrais,
perfilhava ele, para os fenmenos medinicos, as interpretaes
neurofisiolgicas, com excluso da hiptese esprita. A isso tudo ele
ainda acrescentava, aludindo aos que, descrentes por preconceito,
sem nunca terem experimentado, nada querem perceber, seno fraude e
iluso: Desconfiemos dessa pretensa penetrao de esprito que consiste
em divisar farsantes por toda parte, e em crer que sbios somos
apenas ns, porquanto essa pretenso poderia levar-nos juntamente ao
erro. Nenhum desses fatos (que tem de ser aceitos, porque no se
podem negar fatos que foram vistos) , entretanto, de natureza a
deixar supor, para explic-los, um mando diferente daquele que os
neuropatologistas admitem. O tempo passa. As experincias de
Lombroso se multiplicam. Seu amigo Professor Ermacora demonstra-lhe
a insuficincia da hiptese aventada de incio, no seu carter fsico,
por assim dizer. O chefe da escola psiquitrica italiana sente, aos
poucos, a fragilidade de sua interpretao psico21
fisiolgica para os fenmenos, e eis que, em 1900, numa carta ao
Professor Doutor M. T. Falcomer, esprita convicto, declara, com a
sinceridade que sempre o caracterizou: Sou, com relao s teorias
espritas, como pequeno seixo na praia; ainda a gua no me cobre, mas
sinto que, a cada mar, vou sendo arrastado um pouco mais para o
mar. Sempre fiel ao mtodo experimental, realiza ele novas sesses
com Euspia (cem pelo menos, afirmou, em 1908, ao redator do jornal
parisiense Le Matin), em Milo, Gnova, Npoles, Turim, Veneza, e
parece que tambm em Paris, sesses que o levam passo a passo, lento,
a tender para a hiptese esprita. Em 1902, na casa da condessa
Celesia, rene-se a um pequeno grupo de amigos, entre eles os Drs.
Celesia, Morselli e Porro, e obtm novas e valiosas confirmaes
experimentais dos fenmenos medinicos de Euspia. Neste mesmo ano,
entre surpreso e emocionado, v o Esprito materializado de sua
prpria me, ouve-lhe a voz e sente-lhe o contacto. Anos depois, este
fato se torna a repetir ante seus olhos e dos demais assistentes.
Referindo-se ao Doutor Pio Fo, que, por essa poca, obtivera numa
placa a impresso de um dos dedos de uma mo materializada, escreveu
Lombroso: E' a primeira vez, se no me engano, que nos aproximamos
intimamente, experimentalmente, dos fenmenos e, por assim dizer, do
organismo esprita, dessas representaes passageiras, transitrias, da
vida do Alm, cuja existncia os incrdulos pretendem negar, apesar da
opinio universal confirmada por milhares de fatos Que se
multiplicam incessantemente aos nossos olhos... Lombroso toma
conhecimento das corroboraes s suas experincias com Euspia,
fornecidas por outros sbios, e prossegue mais confiantemente, ano
aps ano, no seu perseverante trabalho de investigao. Numa sesso, em
1907, por ele realizada juntamente com os Drs. Audenino, Norlenzki,
o editor Bocca e outras pessoas eminentes, repetiram-se, em toda a
sua pujana, os fenmenos eusapianos. Aparelhos registradores
colocados num gabinete, bem longe da mdium, deram, sem nenhum
contacto visvel, indicaes diversas. Um bandolim tocou sozinho. Uma
configurao de cabea foi vista. As experincias do Doutor Filipe
Bottazzi, professor de Fisiologia na Real Universidade de Npoles,
foram das mais demonstrativas e trouxeram forte apoio as descritas
por Lombroso. Elas forneceriam - salienta Charles Richet, Premio
Nobel de Fisiologia -, se fosse necessrio, a prova decisiva das
materializaes e dos movimentas sem contacto. Alm do Professor
Bottazi, esteve presente a essas sesses com Euspia ilustre comisso
assim composta: Doutor Gino Galeotti, professor ordinrio de22
Patologia Geral na Universidade de Npoles; Doutor Tommaso de
Amicis, professor ordinrio de Dermatologia e Sifilografia na mesma
Universidade; Doutor Oscar Scarpa, livre-docente de Fsica e
professor incaricato de Electroqumica na Real Escola Superior
Politcnica de Npoles; Doutor Luigi Lombardi, professor ordinrio de
Electrotcnica e incaricato de Fsica Tcnica na mesma Escola; Doutor
Srgio Pansini, professor ordinrio de Semitica Mdica na Universidade
de Npoles; Engenheiro Emmanuelle Jona, presidente da Associao
Electrotcnica Italiana e diretor dos servios elctricos da Casa
Pirelli, de Milo; Senador Doutor Antonio Cardarelli, professor
ordinrio de Clinica Mdica na Universidade de Npoles. Usando moderna
e complexa aparelhagem, sob condies de irrepreensvel controle junto
mdium Paladino, esses sbios reconfirmaram, nos laboratrios do
Instituto de Fisiologia Experimental, a autenticidade dos fenmenos
de transporte, de levitao, de numerosas e variadas materializaes,
contactos de mos, etc., no se falando da mo fludica que Bottazzi
apertou com a sua e que, em vez de se retirar, se fundiu, se
desmaterializou, se dissolveu. Bottazzi, que em 1907 havia iniciado
esses estudos com cepticismo, concluiu desta maneira: A certeza que
adquirimos com respeito a esses fenmenos da mesma ordem da que se
adquire com respeito realidade dos fenmenos naturais, fsicos,
qumicos ou fisiolgicos que temos estudado. Ante a opinio pblica,
crescia, assim, o crdito nas reiteradas afirmaes de Lombroso
relativamente s experincias eusapianas. Ele se aprofunda nas
investigaes. Presencia ainda os fenmenos produzidos nas chamadas
casas assombradas, como a casa do comerciante de nome Fumero, em
Turim, e a do tipgrafo Mignotte. V, com seus prprios olhos,
garrafas passeando no ar, cadeiras saltando como se fossem seres
vivos, vasos partirem-se sem mais nem menos, mveis danarem, etc.
Acerca de suas observaes pessoais nestas casas, tambm chamadas
espiritadas, extenso relatrio foi publicado no The New York Herald,
em 1909. O correspondente, em Turim, deste jornal norte-americano,
na entrevista com o Professor Lombroso, escreveu, referindo-se a
este: Ele afirma, ele cr e, ainda mais, ele est certo, por convico
prpria, da existncia de foras inteligentes de alm-tmulo, foras que
encontram meio de comunicar-se com os seres vivos por vias bem
tangveis. E o correspondente anota a declarao abaixo de Lombroso,
estabelecendo-se, a seguir, um dilogo: - Outra prova da contnua
atividade dos mortos temo-la nas numerosas casas assombradas, casas
ocupadas pelos Espritos de pessoas falecidas. - Cr, portanto,
neles, professor?23
- Como posso deixar de crer, quando a sua realidade est
demonstrada at pelos tribunais? - Como assim? Em resposta, Lombroso
relata ao correspondente dois casos em que os tribunais anularam
contratos de aluguel de casas freqentadas por Espritos e nas quais
seus moradores estavam impossibilitados de viver; refere outros
casos por ele mesmo observados, em que as manifestaes se produziam,
com e sem interveno de mdium, e disse aos correspondentes estas
expressivas palavras: - Voc me olha com assombro. Pode, porm, crer
no que lhe digo. Houve tempo em que eu ria dessas coisas, mais do
que voc ri agora, e no faz vinte anos despertei tambm entre meus
alunos o riso, ao dizer-lhes que nunca creria no esprito de um
armrio. - E agora, o senhor cr de fato, professor? - Creio na
evidncia. E nada mais. Foi somente depois de haver verificado os
fatos das casas malassombradas - declarava o sbio criminologista,
numa espcie de confisso pblica - e de observar Euspia, em estado de
transe, dar respostas com clareza e de modo bastante inteligente,
em lnguas que, como o ingls, desconhecia inteiramente, conseguindo
at modelar baixos-relevos que nenhuma pessoa em condies normais
podia fazer, ainda mais sem instruo, como era ela, - foi somente
depois de tudo isto e aps tomar conhecimento das experincias de
Crookes com Home e Katie King, de Richet e outros, que me vi, tambm
eu, compelido a crer que os fenmenos espritas, se bem sejam devidos
em grande parte influncia do mdium, igualmente devem ser atribudos
influncia de seres extraterrenos, que possamos talvez comparar
radioatividade persistente nos tubos, depois que o rdio, ao qual
ela deve sua origem, haja desaparecido. A evoluo de Lombroso,
passando progressivamente do mais profundo cepticismo ao
reconhecimento da interveno dos Espritos, tpica; ela mostra como um
esprito realmente cientfico constrangido, pouco a pouco, a
abandonar sucessivamente as diferentes hipteses psicodinmicas,
medida que elas se chocam com impossibilidades lgicas ou
experimentais. Se houve um indivduo - escreveu Lombroso em seu
artigo Sul fenomeni spiritici e la loto interpretazione, in La
Lettura de 1906, pg. 978 -, por educao cientfica, contrrio ao
Espiritismo, este indivduo fui eu, eu que escarneci por tantos anos
a alma das mesinhas... e das cadeiras, e havia consagrado a vida
tese que diz ser toda fora uma propriedade da matria e a alma uma
emanao do crebro!
24
Mas, se sempre tive grande paixo pela minha bandeira cientfica,
encontrei outra ainda mais fervorosa: a adorao da verdade, a
constatao do fato. Todos esses sbios, decididos a no se deixarem
enganar, afirmaram e confirmaram os fenmenos produzidos por Euspia.
Para se crer que tudo no passa de iluso, precisaria supor que
todos, sem exceo, fossem ou mentirosos ou imbecis, precisaria supor
que duzentos observadores eminentes, menos ilustres talvez que os
citados, porm de grande e sagaz inteligncia, fossem, tambm eles, ou
mentirosos ou imbecis, assim declarava Richet em seu Trait de
Mtapsychique (1922), acrescentando, em outra obra de sua autoria -
La Grande Esprance (1933), que o testemunho de um s desses grandes
homens seria suficiente. Enquanto a maioria desses estudiosos se
embrenhava por hipteses engenhosamente arquitetadas, sibilinas ou
absurdas, e ai estacionava, Lombroso foi mais alm, naquela nsia
incontida de se aproximar mais e mais da verdade. E vemo-lo,
afinal, ingressar no brilhante grupo dos Wallace, dos Zoellner, dos
Lodge, dos Crookes, dos Varley, dos Hare, dos Aksakof e tantos
outros, todos homens to positivos e perspicazes quo idneos e
independentes, os quais haviam passado pelas mesmas fases de
incredulidade e dvida para Proclamarem, enfim, que somente a
interveno de inteligncias extraterrenas permite compreender
racionalmente o conjunto das manifestaes observadas. Eu tenho a
coragem - frisava Lombroso no trabalho. Eusapia Paladino e lo
spiritismo, in La Lettura, Setembro de 1907 - de afirmar tudo isso,
como de dizer que se forma em torno da mdium Euspia um espao de
quarta dimenso, porque no tenho e jamais tive medo do ridculo,
quando se trata de afirmar fatos dos quais experimentalmente
adquiri profunda convico, e porque no improvisei, como aquele gire
muito ingenuamente me chamam ingnuo, uma doutrina de uma ou duas
sesses com um mdium apenas, mas sim aps um estudo de muitos anos
que me permitiram pr em relao queles poucos fatos fragmentrios que
Eusapia oferece , com os muitssimos outros registrados pela cincia
e concordantes entre si. Animado de uma intrepidez moral e
cientfica e de uma sinceridade bem raras entre os seus colegas,
Lombroso resolve, desafiando a opinio pblica e as Academias,
escrever uma obra na qual condensaria o resultado de suas pacientes
investigaes no domnio do Espiritismo experimental, investigaes que
terminaram por conserte-lo definitivamente s crenas espritas.
25
Em carta de 20 de Junho de 1909, dirigida ao Senhor Demtrio de
Toledo, diretor da Revista Internacional do Espiritismo Cientfico,
ele anuncia que uma editora italiana de Turim j estava de posse dos
originais de sua nova obra: Ricerche sui fenomeni ipnotici e
spiritice, que s apareceu nas livrarias em fins de 1909 (nova edio,
em 1914), quase simultaneamente com uma edio americana que levou o
ttulo: After death What? Seria esta, alis, a ltima obra do grande
criminologista italiano, o coroamento de sua gloriosa carreira
cientifica e, porque no diz-lo, a suprema oferta do seu generoso
corao Humanidade aflita e sofredora. Homenagens Pstumas Aos 19 de
Outubro de 1909, desencarnava em Turim, com 74 anos incompletos,
aquele que no dizer do notabilssimo historiador da Medicina
contempornea, Professor Arturo Castiglioni, foi um dos mais geniais
pesquisadores e dos mais insignes mestres italianos do sculo
passado. Se no fora o ambiente do lar, onde esposa, filhas e genros
o adoravam, fazendo-o esquecer as incompreenses do mundo e
vitalizando-lhe o esprito com inmeras demonstraes de afeto, sem
dvida esse desenlace j se teria dado muitos anos antes. Lombroso
expirou docemente, serenamente, nos braos de sua talentosa filha
Doutora Gina, que se referiu a esse momento final com essas
palavras: a sua alma passou para o Infinito como um rio que, ao
chegar foz tranqila, se expande no mar. Assentaria, agora, nas mais
altas Assemblias Espirituais aquele que, na Terra, alm de grande
cientista, sedento de conhecimentos e amante da Verdade, foi, por
voz unnime, homem virtuoso, corao aberto a todos os ideais de
justia e progresso, alma nobre, simples e tmida, de bondade
infinita, indiferente s riquezas e s honrarias, marido e pai
exemplar, dedicado aos jovens, a muitos dos quais amparou
prodigamente, fiel aos amigos, desvelado para com os humildes e os
infortunados da Natureza e da Sociedade. Havendo legado o seu corpo
cincia, efetuou-se, no anfiteatro do Instituto de Anatomia
Patolgica de Turim, a autpsia dos despojos pelo Professor Mrio
Carrara, genro de Lombroso e seu sucessor na ctedra de Medicina
Legal e Antropologia Criminal, na Universidade de Turim. Achavam-se
presentes ao ata os professores Ferrero, Fo, Tovo, Bovero,
Morpurgo, De Amicis, o Doutor Cavalleri, preparadores, mdicos
auxiliares e estudantes.
26
O crnio foi medido e dele extrada a massa cerebral, que pesava
1.290 gramas. Era, para decepo de todos, um crebro de peso normal,
igual a tantos outros, e foi conservado no Museu de Antropologia
Criminal da Universidade de Turim. Pelo telgrafo transmitiu-se a
todos os centros civilizados do Ocidente e do Oriente a notcia da
desencarnao do famoso chefe da escola antropolgica italiana,
levantando ampla e dolorosa repercusso mundial. No s os peridicos
cientficos, mas igualmente os jornais dirios de inmeros pases
lamentaram profundamente, em destacados artigos, a irreparvel
perda. A Itlia em peso, mundo oficial e povo, se uniram nas
homenagens pstumas. O rei Vitor Emanuel III telegrafou famlia do
extinto, com afetuosa simplicidade: Prego voler credere alla viva
parte che prendo al loro dolore, interpretando ainda o sentimento
de todos os italianos. Nas Universidades, nos Corpos e Sociedades
cientificas de toda a Europa, eminentes professores relembraram, em
discursos e conferncias, as grandiosas obras cientficas de
Lombroso, reverenciando, ainda, o homem privado, com o encanto de
suas virtudes e modstia pessoais. Entre esses homenageastes
destacamos os nomes de Ferri, Bianchi, Roncoroni, Antonini,
Cappeletti, Zerboglio, Borri, Tamburini, Ottolenghi, Ferrero,
Benedetto de Luca, Leggiardi-Laura, Guido Ruata, Mazzini, Paolo
Arcari, Morselli, etc. O Professor Henrique Ferri, um dos famosos
esteios da Escola Positiva de Criminologia e Direito Penal, assim
se pronunciava sobre o seu mestre: Csar Lombroso pertence quela
admirvel falange de pensadores e de investigadores da verdade, que,
na segunda metade do sculo XIX, transformaram radicalmente o nosso
modo de conceber o universo vivente e as relaes do homem com este,
revelando-se em cinquenta anos muito mais enigmas da vida que em
mais de vinte sculos, apesar do gnio poderoso de tantos filsofos e
da fantasia metafsica, de Plato a Berkeley. Darwin, Spencer,
Pasteur, Charcot, Virchow foram os gigantes daquela extraordinria
poca de cincia internacional, e entre esses homens Lombroso se
enfileira como representante da maravilhosa ascenso do pensamento
contemporneo. Homem de pensamento, e no de ao, a sua vida
transcorre em episdios clamorosos que, no vaivm da vida pblica,
evocam a incandescente ateno e os temores do pblico. E, apesar
disto, o seu nome foi, para a glria intelectual da Itlia, durante
mais de trinta anos, um dos mais amplamente conhecidos em todo o
mundo civilizado, e a nova cincia por ele criada - a Antropologia
Criminal - tornou-se por muitos anos, como disse Henrique Morselli,
quase27
que a nica mercadoria de exportao cientfica a levar
gloriosamente pelo mundo o nome da Itlia. Passando da morte
imortalidade, Csar Lombroso deixa tal patrimnio luminoso de idias
inovadoras e tal exemplo de vida plasmada de f cristalina na
verdade, de esforado trabalho e de continua solidariedade entre as
pesquisas cientificas e os problemas da vida, que o seu nome
permanece entre os grandes cientistas, do mesmo passo que entre os
benfeitores mais benemritos da Humanidade. Discursando nos
funerais, o ilustre historiador e socilogo Professor Guilherme
Ferrero assim se referiu ao homem: Fui primeiro seu amigo durante
dez anos, e durante os dez anos seguintes pertenci sua famlia; e eu
no saberia dizer o que todos ns, seus ntimos, mais deviramos
admirar: se o seu herosmo - pois que em sua brandura, mesmo em sua
timidez, ele foi herico -, se a sua modstia e desinteresse. Homem
algum jamais se aproximou da cincia com pureza maior que a de
Lombroso, subtraindo-se s honras e fama, e sem a mnima preocupao
das avultadas somas que teria podido ganhar com os seus trabalhos.
E foi pela Cincia, com to puras mos acariciada, que ele mais sofreu
sarcasmos e desgostos. E ao final do seu discurso, Ferrero, que
dois anos antes ainda possua da vida idias puramente materialistas,
assim perorou: Agora que ele nos deixou, fao votos por que tenha
encontrado no Alm essa verdade que vagamente pressentia e que, por
intuio, muitas vezes concebeu; fao votos por que seu Esprito possa
reviver nessa atmosfera de paz crepuscular ultraterrestre, de onde
se possa manter em contacto com o esprito dos seres bem-amados que
aqui deixou. Max Nordau, o famoso escritor hngaro de As Mentiras
convencionais de nossa Civilizao e de Degenerescncias (esta
dedicada a Lombroso), numa singela mas sincera homenagem, assim se
expressava No no momento em que choro o meu mestre e amigo Csar
Lombroso, que poderei formular um juzo sobre ele; por outro lado,
por muito am-lo, no posso julg-lo. As suas obras pertencem ao
mundo, as suas teorias discusso, e eu mesmo, que me digo com
orgulho seu discpulo, no o aceito de todo: particularmente lhe
expressei, embora respeitando o mestre, as minhas objees quanto sua
identificao do gnio com um estado de epilepsia oculta. Mas o homem,
este est acima da crtica. Ele era admirvel: o crebro mais
prodigiosamente rico de idias originais, o corao mais generoso e
mais amante, o carter mais reto, mais franco que j honrou a
Humanidade; ele era firme como uma rocha nas suas convices e
conciliador como um Buda na forma; modesto como um santo;
reconhecido, como uma criana, a qualquer bondade.28
No Brasil, no foi menor a repercusso da partida desse grande
esprito. Vrios jornais da Capital e dos Estados deram-lhe merecido
destaque. O Paiz, em um dos dirios cariocas mais lidos na poca,
estampava na primeira pgina do seu nmero de 20 de Outubro longo
artigo laudatrio, que assim se iniciava. O telgrafo acaba de
transmitir ao mundo inteiro a noticia sbita e inesperada de um dos
vultos mais notveis da cincia contempornea, o professor Csar
Lombroso, em cuja obra, vasta e profunda, se concretiza a maior
revoluo sofrida, de um sculo a esta data, pelo direito de punir. O
Senado Federal brasileiro, na sesso de 20 de Outubro, a
requerimento do senador Alfredo Ellis, inseriu em ata um voto de
pesar pela morte do eminente homem de cincia, nisto sendo
acompanhado pela Assemblia Fluminense. Na Escola Livre de Direito e
na Faculdade Livre de Cincias Jurdicas e Sociais do Rio de Janeiro,
corpo discente e docente se associaram nas homenagens ao extinto. O
festejado matutino carioca, a Gazeta de Noticias, inseria em sua
edio de 20 de Outubro, na seco Aqui - Ali - Acol, sob a
responsabilidade de seu assduo colaborador M. A., um trabalho
deveras revelador sobre o ilustre desencarnado. M. A. so iniciais
que mal encobriam uma das mais esclarecidas e tambm das mais
cpticas mentalidades daquela gerao: o escritor e parlamentar
nomeado Doutor Medeiros e Albuquerque, membro fundador da Academia
Brasileira de Letras. Vejamos o que ele escreveu na Gazeta de
Notcias, confundindo a incredulidade sistemtica daqueles que
gratuitamente negavam a converso de Lombroso ao Espiritismo: Agora
que o telgrafo nos d a triste notcia da morte de Csar Lombroso,
posso eu aqui referir a histria de uma entrevista com Ferrero, a
respeito do grande sbio italiano. Ferrero era, como todos sabem,
genro de Lombroso. Ora, quando ele por aqui passou, pareceram ao
redator da Gazeta que seria curioso pedir-lhe algumas informaes
sobre as experincias de espiritismo a que o sogro ultimamente se
estava entregando. Paulo Barreto foi e conversou com o casal
Ferrero; mas no houve meio de obter que adiantassem grande coisa
acerca do ponto essencial. Como, porm, estava combinado o assunto
da entrevista, A Notcia, sabendo que ela se tinha realizado,
declarou que, no dia imediato, a Gazeta contaria coisas inditas
sobre as relaes de Lombroso e Euspia Paladino.
29
tarde, o diretor da Gazeta me disse o que havia - O Paulo foi,
conversou com a Gina Lombroso; mas no trouxe nada de importante em
especial sobre a Euspia. V se fazes a esse respeito uma entrevista
com o Ferrero. No Garnier, pouco depois, eu o encontrei.
Mostrei-lhe a Notcia. Ferrero protestou, alarmado: - Mas no
possvel! Minha mulher no disse nada sobre Euspia. - Quem sabe?
Talvez no tenha ouvido. - No; ela no diria: Ns evitamos sempre
conversar a tal respeito. - Mas, porqu? - Porque as experincias de
meu sogro nos desagradam muito. - At hoje, porm, ele est num
terreno cientifico: s tem apurado fatos, sem sustentar nenhuma
doutrina. E os fatos... Ferrero interrompeu-me com um gesto de
desdm - Os fatos... - E positivo, retorqui-lhe eu, que na sua
histria romana no h nenhum fato apoiado em tantos testemunhos, como
os fenmenos do espiritismo. Esses fenmenos me parecem inatacveis. A
teoria esprita que no pode ser mais absurda e extravagante...
Ferrero pediu-me, ento, que no dissesse o que ele me ia contar - e
referiu-me que Lombroso se tinha convertido inteiramente ao
espiritismo inteiramente: aceitava os fatos e a doutrina. E isso
era na famlia um motivo geral de desgosto. Depois, falou-me com
profunda antipatia de Euspia Paladino. Mas sempre me recomendando
discrio. Pela segunda vez a Gazeta perdia sua entrevista... Aqui
vai ela, entretanto, dois anos aps. Depois daquele dia, Lombroso
acabou revelando o seu modo de pensar. Sua morte me desobriga do
segredo prometido e guardado, porque Ferrero s no queria tratar do
assunto, para no ser desagradvel ao sogro. - M. A. Muita razo teve
assim o ilustre escritor esprita, engenheiro Gabriel Delanne, em
dizer, h cinqenta anos: A posteridade, sempre mais justa que os
contemporneos, contar entre os ttulos de glria do grande
criminologista suas pesquisas sobre Espiritismo. Para perpetuar a
memria do sbio italiano, foi erigido na sua cidade natal, Verona,
um monumento da autoria de Bistolfi, para cuja construo colaboraram
24 naes. Com a presena de ilustres homens de cincia efetuou-se, em
1921, a sua solene inaugurao. Em 1926, a Real Academia de Medicina
da Itlia concedia ao Doutor Giulio Tului o primeiro Premio
Lombroso, premio internacional que continuou a ser distribudo aos
especialistas que mais de destacassem no estudo e na aplicao das
idias sobre Antropologia Criminal.30
O nome de Lombroso, pelo desassombro e independncia de
pensamento, pela honestidade e imparcialidade no estudo dos
fenmenos medinicos, viver para sempre no profundo reconhecimento e
na justa admirao dos espiritistas. Sua obra - como bem acentuou o
Doutor Leondio Ribeiro - patrimnio da cincia universal, e sua vida
ficar como exemplo de amor e dedicao Humanidade. Bibliografia 1)
Enciclopdia Universal Ilustrada Europeia-Americana, Barcelona, tomo
XXX. 2) Enciclopdia Italiana d Scenze, Lettere ed Art, Roma, vol.
XXI. 3) Grande Enciclopdia Portuguesa e Brasileira, Lisboa, vol.
15. 4) Archvo d Antropologia Crimnale, Psichatria, Medicina Legale
e Scenze affin, Turim, vol. XXX, 1909. Diretores: Cesare Lombroso,
Mario Garrara e Camllo Negro. 5) Revista Internacional do
Espiritualismo Cientfico, edio em portugus, Paris, 1908-1909. 6) La
Fraternidad (Revista mensal de estudos psicolgicos), Buenos Aires,
1908-1909. 7) Reformador, rgo da Federao Esprita Brasileira, Rio de
Janeiro, 1909 e 1910. 8) Revue Scentfque et Morale du Sprtiame,
Paris, 1909. 9) Professor Armando Pappalardo, Sprtismo, ed. Ulrico
Hcepli, Milo, 5 edio revista e ampliada, 1917. 10) Tits da Cincia,
seleo de Lazaro Lacho, traduzida pelo Doutor Slvano de Souza,
Livraria El Ateneo do Brasil, Rio de Janeiro, 1956. 11) Charles
Rchet, Trait de Mtapsychique, 2. ed. refundida, Lbrare Flix Alcan,
Paris, 1923. 12) Arturo Castlglion, Stora delia Medicina, nova
edio, 1936, Arnaldo Mondador Editorial, vol. II. 13) Doutor Pelayo
Casanova y Parets, Antropologia Jurdica, Havana, 1937. 14) Leondio
Ribeiro, AS modernas legislaes penais e a contribuio da
Antropologia Criminal, Tipografia do Jornal do Comrcio, Rio de
Janeiro, 1942. 15) Leondio Ribeiro, Criminologia, Editorial Sul
Americana, Rio de Janeiro, 1957, vols. I e II. O Homem e a sua
misso (*)31
Ningum Profeta em sua terra Se do exame analtico dos fatores
psquicos e do estudo de alguns caracteres peculiares da
personalidade pudssemos extrair um conceito lgico da vida, seramos
tentados a reduzir todo o confuso contingente humano a alguns tipos
fundamentais, que despontam periodicamente na histria do pensamento
e da ao, para continuar uma obra j iniciada no tempo, realizar um
sonho secular ou sacudir um mundo adormecido nos crepsculos
alternados da conscincia humana. Um estudo comparado deste gnero,
conduzido com esprito isento de preocupaes escolsticas ou
religiosas, constituiria certamente o melhor corolrio cientfico
doutrina, to antiga quanto combatida, da reencarnao. Substituem-se
os elementos do corpo e se renovam s clulas, porm persiste um
centro vital, e com certeza tambm uma clula-me que o procria e
reconstitui, e perdura o carter da atividade psquica, o timbre
fundamental do indivduo que responde diversamente conforme a
diversidade do ambiente de relao, mas que sempre coerente consigo
mesmo no seu ininterrupto vir a ser. No fluxo e refluxo da vida, o
homem esquece e se olvida, mas a sua histria fica impressa nos
extratos mais profundos do seu ser, nas dobras mais recnditas do
seu organismo vital, e se revela veladamente como instinto, lei
fatal de causalidade, a representar aquilo a que os teosofistas
chamam (carma), a estabelecer a identidade substancial do indivduo
alm dos limites da memria. 1*) Trabalho da autoria do Prof. A.
Marzorati, ilustre colaborador de Lombroso nas experincias com
Euspia. A Editora brasileira incluiu-o nesta obra, traduzindo-o da
famosa revista "Archivio di Antropologia Criminale, Psichiatria,
Medicina Legale e Scienze affini", 1909, pginas 593 a 603. Com
semelhante procedimento se est agora reconstruindo a Histria. As
tradies dos antigos enfraqueceram a memria dos psteros e se
ampliaram com o horizonte fantstico da lenda. Horrveis cataclismos,
fragmentando a unidade primordial, deixaram na recordao das gentes
um sulco de terror, e os grupos isolados e dispersos perderam os
exatos contornos da realidade. Assim deve suceder ao indivduo nas
crises parciais da vida e naquela catstrofe final que se chama
morte. Hoje em dia a histria do mundo e do homem no mais se atm
quase que exclusivamente memria dos povos, mas se deduz do estudo
das estratificaes telricas, do patrimnio lingstico, dos resduos
contemporneos, do prprio mecanismo da nossa vida moderna, que na
sua essncia resume toda a atividade do passado. Quando se far a
reconstruo histrica da personalidade humana?32
Estudar buscar a si mesmo, e a Cincia uma recordao, um
reconhecimento do homem nos seus elementos constitutivos,
diretamente e no atravs do prisma da memria, que decompe as imagens
e sofre todas as alteraes provocadas pela distncia. A histria feita
ele homens-tipo, que estabelecem o nexo lgico no caos flutuante das
vicissitudes humanas. A massa passiva, que se encasula no breve
crculo da prpria gerao e balbucia penosamente uma slaba do livro da
vida, repudia ou mal entende estes representantes do Logos que
encarna, atravs dos sculos, uma promessa imortal. Esses trazem
consigo, ao nascer, o prprio destino, tm a inquietude da gestante,
so possudos da tentao do mundo nascituro, sofrem a atrao do mistrio
e se distinguem facilmente da massa em virtude de sua obstinada
tenacidade e de sua excentricidade. Tm uma misso a cumprir, que a
memria no mais registra, porm todo o seu ser retesado como um arco
na direo de um alvo e no podem viver seno para isso. Por essa razo
ultrapassam as fronteiras do seu tempo e, como so a sntese do
passado, so igualmente os arautos do futuro, aqueles que lanam a
semente do retorno. Estes vultos nunca so prudentes. Que outros
levantem os diques, se afanem em conter nos justos limites as foras
e o pensamento, que burilem a palavra e aprimorem o estilo e
corrijam as provas tipogrficas . A par da idia que passa nas
alturas do cu histrico e que os sculos so insuficientes para
conter, esses outros trazem a cincia em plulas para os estmagos
dbeis que no suportam a verdade demasiado rude, e, na sua pequenez,
tm a arrogante prosopopia de homens imprescindveis. Mas o rio
majestoso passa, apesar do frmito das margens estreitas, e, se por
acaso se abisma, volta, por vias subterrneas, luz e a espalhar a
fecundidade das guas a outros povos e a outras terras. Desta raa de
homens-tipo foi Csar Lombroso. Os caracteres do gnio, que ele
carinhosamente estudou, se encontram visveis na sua obra e na sua
existncia, e bastaria recordar alguns conhecidos e interessantes
episdios de sua vida particular para se confirmar isso. Em seus
escritos, ele semeava a mancheias a impropriedade do estilo e as
idias, descurava os erros de impresso, no manipulava demais o
material para que servisse s suas geniais construes, e fazia tudo
isto com adorvel simplicidade e desenvoltura. Mas a sua tese j era
o resultado de uma poderosa sntese que trazia em si mesma, na sua
complexidade maravilhosa, os elementos de sua prpria fundamentao.
Ele apreendia as relaes longnquas dos fatos dispersos no espao e no
tempo - a expresso sua e de seus caracteres sabia reconhecerlhes o
parentesco e extrair-lhes a lei. O vasto processo de associao de
idias, que sobrepujava nele a capacidade comum, faz que seus
enunciados mais33
paream frutos de uma intuio genial que o resultado de uma
pesquisa rdua e minuciosa; mas assim no , e lhe fica toda a glria
de ser escravo dos fatos, como ele mesmo se proclamava. Se a
Natureza se lhe revelava livre e espontnea porque ele sabia
conservar diante dela o esprito inteiramente virgem de idias
preconcebidas, que ainda no aprendera a mentir a si mesmo. Os fatos
eram para ele a norma da conscincia, que no podiam ser excludos ou
mutilados por preconceitos cientficos ou morais. E no se creia que
lhe faltasse aquele instinto de resistncia que uma salvaguarda
contra o erro e uma garantia de seriedade; para desmentir
semelhante suposio, caso viesse tona, bastaria relembrar a histria
de seu progressivo interesse diante do problema espirtico, e de sua
fundada, lentssima e gradual converso. Isto servir tambm de
advertncia crtica que no tem faltado e no deixar de atirar aqui,
mais que alhures, as suas setas: o Espiritismo um cmodo alvo e com
ele a crtica d alegremente asas s suas fantasias. Na rpida evocao
geie irei fazendo das fases que assinalam a evoluo do pensamento
lombrosiano em relao ao Espiritismo, valer-me-ei de suas prprias
palavras. No opsculo Influncia da Civilizao sobre a loucura e da
loucura sobre a Civilizao, Csar Lombroso escrevia, em fins de 1856,
isto , aos vinte anos: "A epidemia de Redruth se propaga sempre
entre as pessoas de intelecto limitado; no obstante, ao
manifestar-se e difundir-se, nestes ltimos anos infelizes, j
abalados pela guerra de princpios, o prejuzo do magnetismo e aquele
outro, ainda mais estpido, das mesas falantes, o fato jamais
ultrapassou os limites de um erro generalizado, e a alienao no
produziu deste lado seno vtimas isoladas, espordicas." (pgs.
19/20.) Vinte anos mais tarde no o encontramos mudado, apenas a sua
atitude no mais assim to irredutvel. Em Loucos e Anormais,
publicado em 1886, respondendo a um artigo de Lus Capuana favorvel
tese esprita, Lombroso terminava deste modo o captulo sobre as
maravilhas do hipnotismo "No posso, muito menos, suspeitar que ele
e seus ilustres colaboradores estejam imbudos da mstica esprita no;
somente tero por ela uma tal ou qual condescendncia, a ponto de
aceitar algumas de suas hipteses mais verossmeis, o que admissvel:
nem poderia ser de outro modo, tratando-se de homens que tanto se
destacam no mundo literrio. Isto, porm, no o suficiente para
desarmar-me. seja porque tenho uma tmpera exclusivista,
intolerante, que ao mesmo tempo o mesmo o defeito e a minha fora,
seja tambm porque tenho a convico profunda de que, nestas coisas,
basta conceder ao vulgo, sempre propenso fantasia um pequeno filete
para que este se torne, em curto tempo, uma volumosa torrente."
(pg. 72.)34
E no apndice crtico aos Estudos sobre o hipnotismo,
acrescentava: "Dem-me mil modos novos de conceber a matria, mas por
caridade no me faam conceber os espritos dos espelhos e das
poltronas." Mas eis que, em um artigo sobre a Influncia da
Civilizao sobre o gnio, publicado em 1888, no nmero 29 de Fanfulla
delia Domenica, Lombroso, impressionado com alguns aspectos dos
fenmenos hipnticos por ele estudados, reconhecia, com grande
sinceridade e franqueza, a sua posio e a da Cincia ante os fatos
novos: Toda poca igualmente imatura para as descobertas que no tm
ou tem poucos antecedentes, e, quando imatura, acha-se na
incapacidade de se aperceber da prpria inaptido para admiti-ias. A
repetio da mesma descoberta, preparando o crebro para receber-lhe a
impresso, torna sempre menos relutantes os nimos para aceit-la. Na
Itlia, por dezesseis ou vinte anos, se tomou por louco, no seio das
maiores autoridades, a quem descobrira a pelagrozena; ainda agora o
mundo acadmico ri da antropologia criminal, ri do hipnotismo, ri da
homeopatia quem sabe se eu e meus amigos, que rimos do Espiritismo
no estamos no erro; pois que nos achamos, exatamente como os
hipnotizados, graas ao misonesmo que em todos ns dominamos na
impossibilidade de reconhecer o prprio erro, e da mesma forma como
muitos alienados estando ns apartados da verdade, rimos daqueles
que no o esto. E mais tarde, depois que a insistncia de Ercole
Chiaia o levou a realizar as primeiras experincias, em uma famosa
carta por ele dirigida a Ernesto Ciolfi e publicada na Tribuna
Giudiziaria de 15 de Julho de 1891, Lombroso fazia a famosa
declarao que desde ento se tornou um lugar comum: "Eu estou muito
envergonhado e desgostoso por haver combatido com tanta tenacidade
a possibilidade dos fatos ditos espritas" Declarao reiterada um ano
depois, em outra carta, ao Dr. Nicola Santangelo: No Espiritismo h
fatos novos que merecem profundo estudo. Eu, infortunadamente tenho
poucos meios; mais no deixarei de tirar proveito de todos aqueles
que me forem fornecidos. . . . e solenemente confirmada num artigo
publicado a 7 de Fevereiro de 1892, na Vita Moderna, que ento se
editava em Milo; artigo, porm, ainda tenazmente adverso hiptese
esprita, a propsito da qual antepunha: "O caso que algumas
observaes eram, e creio que ainda o so, despidas de qualquer
credibilidade. Por exemplo: a de fazer os mortos falarem e agirem,
sabendo muito bem que os mortos, mxime depois de alguns anos no so
mais que um amontoado de substancia inorgnicas. Isto seria querer
que as pedras pensassem e falassem."35
E depois de breve descrio de alguns fenmenos observados em uma
sesso com Euspia, presentes Tamburini, Virglio, Bianchi, Vizioli,
prosseguia: "Estes so os fatos. Ora, nenhum destes fatos (fora
reconhec-los, pois, quem pode negar os fatos quando os presenciou?)
de natureza a fazer supor, para explic-los, um mundo diferente
daquele que admitido pela neuropatologia." E conclua: Estudemos,
portanto, como nas neuroses, na criminologia, no hipnotismo, mais o
indivduo que o fenmeno, e a encontraremos a explicao mais
satisfatria e menos maravilhosa, em que primeira vista no se
acredita." E foi assim que, estudando o indivduo mais que o
fenmeno, Csar Lombroso entreviu a grande realidade e se retraiu
quase temeroso, buscando explicaes que revelava todo o seu embarao.
Eis o fecho de um famoso artigo publicado na Rivista d' Itlia, de
Fevereiro de 1904, sob o ttulo: (Os novos horizontes da
Psiquiatria). E daqui se vai insensivelmente, se o passo no for uma
temeridade, aquele mundo ainda oculto, objeto de ferozes disputas
entre quem observa e aceita o que observa e o acadmico que fecha os
olhos para no ver; aquele mundo impropriamente chamado esprita, e
do qual algumas manifestaes, por obra de indivduos singulares,
denominados mdiuns, vo-se multiplicando a cada dia, como a levitao,
o vo lento do corpo, sem esforo de quem o executa, ou melhor, de
quem o sofre, como o movimento de objetos inanimados, e, o que mais
singular, as manifestaes de seres que tem, por muito bizarra e
imprevista que seja, uma vontade, uma motivao, como se tratasse de
seres vivos, e que de vez em quando demonstram prescincia de fatos
futuros. Depois de hav-los negado, antes de t-los observado, tive
que constat-los, quando, a contragosto, me vieram diante dos olhos
s provas mais palpveis e palpitantes; e no creio que, por no poder
explicar estes jatos, devesse ter por obrigado neg-los; mas, de
resto, como as leis relativas s ondas de Hertz explicam em grande
parte a telepatia, assim tambm as novas descobertas sobre as
propriedades radioativas de alguns metais, especialmente o radiam -
demonstrando-nos que a pode haver, no apenas breves manifestaes,
mas um contnuo, enorme desenvolvimento de energia, de luz e calor,
sem perda aparente de matria -, inva