MINIST MINIST É É RIO GOEL RIO GOEL Pr. A. Carlos G. Bentes Pr. A. Carlos G. Bentes DOUTOR EM TEOLOGIA DOUTOR EM TEOLOGIA PhD em Teologia Sistem PhD em Teologia Sistemá tica tica l")oG l")oG HARMATIOLOGIA DOUTRINA DO PECADO “A SUA UNÇÃO VOS ENSINA A RESPEITO DE TODAS AS COISAS” 1 Jo 2.27 “A sabedoria é a coisa principal; adquire pois, a sabedoria; sim com tudo o que possuis adquire o conhecimento” (Pv 4.7)
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MINISTMINIST ÉÉRIO GOELRIO GOEL
Pr. A. Carlos G. BentesPr. A. Carlos G. BentesDOUTOR EM TEOLOGIADOUTOR EM TEOLOGIAPhD em Teologia SistemPhD em Teologia Sistemááticatica
l")oGl")oG
HARMATIOLOGIA DOUTRINA DO PECADO
“A SUA UNÇÃO VOS ENSINA A RESPEITO DE TODAS AS COISAS” 1 Jo 2.27
“A sabedoria é a coisa principal; adquire pois, a sabedoria; sim com tudo o
que possuis adquire o conhecimento” (Pv 4.7)
2
HAMARTIOLOGIA – A DOUTRINA DO PECADO
I. A NATUREZA DO PECADO 3
1.1. TERMINOLOGIA 3
1.2. DEFINIÇÃO 4
1.3. ASPECTOS DA IDÉIA BÍBLICA DO PECADO 5
II. ORIGEM E CONSEQÜÊCIAS DO PECADO 7
2.1. ORIGEM DO PECADO 7
2.2. CONSEQÜÊNCIAS DA QUEDA 12
III. TRANSMISSÃO DO PECADO 17
3.1. UNIVERSALIDADE DO PECADO 17
3.2. RELAÇÃO DO PECADO DE ADÃO COM A RAÇA HUMANA 18
TEOLOGIA SISTEMÁTICA DE WAYNE GRUDEM 22
Hamartiologia 22
D. PECADOS REAIS QUE COMETEMOS 22
E. O CASTIGO DO PECADO 37
BIBLIOGRAFIA 38
3
HAMARTIOLOGIA – A DOUTRINA DO PECADO 1
O estudo da doutrina do pecado é muito importante, porque nos ajuda a
compreender melhor outras doutrinas bíblicas, especialmente a doutrina de Deus, do
homem, de Cristo e da salvação. O grande problema da humanidade é o pecado, e o
grande propósito de Deus em Cristo é libertar o homem deste mal. Neste módulo
trataremos da natureza, da origem, dos efeitos e da transmissão do pecado.
I. A NATUREZA DO PECADO
1.1. TERMINOLOGIA Há vários termos que são utilizados na bíblia para referir-se à idéia do pecado.
Estes termos podem nos fornecer aspectos do conceito bíblico do assunto.
No Antigo Testamento, os principais termos hebraicos para pecado são:
a) ‘ābar - raBffai( (Êx 38.26; Dt 2.14; Jó 13.13) transgredir.
b) ’āsham - {f$f) (Lv 5.5-8; Jz 21.22; Sl 34.21-23; Os 10.2; 13.1; Is 24.6; Jl 1.18)
O sentido principal da palavra ’āsham parece ser o de culpa. Todavia, o
sentido varia desde a ação que traz culpa até a condição de culpa e, ainda, até o
Para Langston, o pecado, no sentido mais lato do termo, é um estado da alma ou
da personalidade.2 Ele acrescenta, dizendo que “incluímos nessa definição os resultados
deste estado, isto é, os atos pecaminosos”. Para ele, então, pecado é um estado mau da
alma e suas manifestações. Este conceito falha ao deixar de mencionar Deus na
definição, contra quem o pecado é cometido.
2 LANGSTON, A. B. Esboço de teologia sistemática, 5ª ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1977, P. 150.
5
Ryrie define o pecado como qualquer coisa contrária ao caráter de Deus. Ele não
deixa claro em que plano essa contrariedade pode ocorrer, se apenas em atos ou
também no estado da alma.
Strong afirma: “Pecado é a falta de conformidade com a Lei moral de Deus quer
em ato, disposição ou estado”.
W. T. Conner diz que pecado é rebelião contra a vontade de Deus.3
Berkhof tem uma definição mais completa. Diz ele que pecado é falta de
conformidade com a lei moral de Deus, seja em ato, disposição ou estado.4
Pecado é um mal moral que consiste em ação, omissão ou estado contrário a
qualquer lei de Deus dada às suas criaturas racionais.
1.3. ASPECTOS DA IDÉIA BÍBLICA DO PECADO
1.3.1. PECADO É ALGO CONTRA DEUS E À SUA VONTADE
O pecado é sempre algo contra Deus e à sua vontade manifesta. Mesmo quando
ele tem referência direta às pessoas, é contra Deus que ele está sendo praticado, e só
por isto é chamado de pecado. Deus tem dado aos homens normas de vida para serem
observadas. Essas normas são leis, pois têm uma sanção para os transgressores. Essas
leis foram reveladas na criação (Rm 1.20,21), na consciência moral do homem (Rm
2.14,15) e principalmente nas Escrituras (Rm 2.17,18).
Quando se fala da “lei moral de Deus”, violada pelo pecado, quer se referir a
todo esse conjunto de normas para a vida, cuja exigência central é o amor incondicional
a Deus, com reflexo na relação com próximo (Dt 6.5; Mc 12.30). É o oposto amor a
Deus que leva o indivíduo a transgredir, desobedecer e a proceder erradamente em
relação à vontade de Deus, rebelamo-nos contra o seu próprio caráter.
A idéia de pecado como sendo egoísmo é bíblica, mais incompleta e insuficiente,
pois aponta somente para o homem e não realça sua relação com Deus. Até mesmo a
violação da lei como idéia fundamental do pecado, conquanto bíblica, só é suficiente se
3 CONNER, W. T. Doctrina cristiana. El Paso: CBP, s.d, p. 157. 4 BERKHOF, L. Teologia Sistemática. 2ª ed. Campinas: Luz Para o Caminho, 1992, p. 235.
6
o conceito de lei for estendido de modo a abranger todo o caráter de Deus. Em última
análise, é contra Deus que o pecado é cometido.
1.3.2. PECADO É UM ESTADO RUIM DA PERSONALIDADE E SUAS
MANIFESTAÇÕES
Pecado não é apenas o que fazemos ou deixamos de fazer, mas ele ocorre
também em disposição de vontade ou estado. A natureza humana tem uma propensão
para o mal. Essa propensão reflete um estado mau da alma, que a Bíblia também chama
de pecado (Rm 1.24,26,28; 8.5-8; Gl 5.17). Langston denomina isto de “estado mau da
personalidade”. A natureza do homem é pecaminosa. “A natureza pecaminosa é a
capacidade e a inclinação humana para fazer tudo aquilo que nos torna reprováveis aos
olhos de Deus” (Ryrie).
“O pecado não é um simples ato – algo estranho ao ser. É uma qualidade do ser.
Não existe essa coisa de pecado separado do pecador, ou de um ato separado do agente.
Deus pune pecadores, não pecados. Pecado é um modo de ser; ele não existe como
entidade em si mesma. Deus pune o pecado como um estado, não como um ato” (E. G.
Robinson).5
Neste estado de corrupção moral, o homem tem indisposição para com a lei de
Deus e está propenso à prática do pecado (Mt 5.22,28). A palavra “coração” é usada
com freqüência na Bíblia para designar o centro da vida, envolvendo a alma. Aí está a
sede do pecado. O coração é perverso e essa perversidade se manifesta em atos de
perversidade (Jr 17.9; Mt 13.15). No começo da história do homem já se diz que o
coração do homem é mau (Gn 6.5) e vê-lo-emos assim em todo o Velho Testamento (Jr
5.23, 24; 17.9, 10; Ez 11.19).
1.3.3. PECADO ENVOLVE CULPA
Culpa é o estado de merecimento de punição pela violação de uma lei ou de uma
exigência moral. O pecado envolve a culpa. Mas, para que haja a culpa, é necessário
que haja revelação da lei de Deus. “Onde não há lei também não há transgressão” (Rm
4.15). Essas leis foram reveladas aos homens, quer através de palavras, que hoje
5 STRONG, A. H. Teologia Sistemática. 1ª ed. São Paulo: Editora Hagnos, 2003. p.140. 2 v.
7
encontramos nas Escrituras (revelação especial), quer diretamente na própria
consciência moral de cada um (revelação geral, Rm 2.14,15). Sem revelação, mesmo
que algo contrário a Deus tenha havido, não poderia haver culpa. Como declara o
apóstolo, “onde não há lei o pecado não é levado em conta” (Rm 5.13).
Sem revelação especial, o conhecimento da vontade e do caráter de Deus seria
muito precário. Muitas coisas vieram a ser consideradas pecado pelo homem só depois
que as leis foram dadas (Rm 7.7). Uma vez dada a lei, cabe ao homem a
responsabilidade de procurar conhecer e cumprir as determinações divinas (Dt 29.29).
Se o indivíduo não procurar conhecer a vontade de Deus, sua ignorância não o isenta de
culpa. E se sabia a vontade de Deus e não a cumpriu, sua culpa será maior do que a
daquele que não sabia e por isto pecou (Lc 12.47,48).
1.3.4. SOMENTE AS CRIATURAS RACIONAIS PECAM
A natureza física e irracional não pode pecar. Os animais e a natureza podem
causar danos, mas sem caráter, portanto, esses males não são pecados. O pecado
pressupõe a consciência da vontade de Deus e a liberdade de exercer a vontade própria.
A natureza física não pode conhecer nem tem vontade. Os animais irracionais não
possuem consciência moral nem natureza espiritual para conhecer a Deus, e, então,
livremente, dizer “sim” ou “não”. Só os seres racionais, feitos à imagem e semelhança
de Deus, é que podem obedecer ou desobedecer conscientemente.
II. ORIGEM E CONSEQÜÊCIAS DO PECADO
2.1. ORIGEM DO PECADO
2.1.1. A NARRATIVA DA QUEDA
Em Gn 3 temos a descrição da origem do pecado no mundo. Como interpretar
esta descrição? Há o ponto de vista liberal, segundo a qual a narrativa de Gn 3 deve ser
considerada como lenda. Há o ponto de vista neo-ortodoxo, que vê a narrativa como
mito, história primitiva, supra-história ou mito verdadeiro. A linha de Barth era que o
relato não é histórico, mas sua realidade espiritual é verdadeira (verdade sem fato).
Para as duas posições acima, a liberal e a neo-ortodoxa, a narrativa não traz nenhum
elemento histórico.
8
Mas há outro modo de se interpretar o relato bíblico da queda, o dos
conservadores, para quem Gn 3 trata de um fato histórico. Entre os conservadores,
alguns são literalistas na interpretação, não dando margem para nenhum simbolismo;
outros, entretanto, consideram a narrativa como fato histórico, mas com possibilidade
de algumas figuras simbólicas.
À luz de textos como Rm 5.12ss e 1 Co 15.21,22, entendemos que a descrição da
queda é de um acontecimento histórico, algo que aconteceu realmente num
determinado momento da história da humanidade. “É impossível manter o paralelo
entre a obra de Adão e a obra de Cristo se for negada a queda como um acontecimento
no tempo e no espaço”. 6
2.1.2 A TENTAÇÃO
O Diabo, que já havia se rebelado contra Deus, transformou-se numa criatura
astuta, ou usou como instrumento uma dessas criaturas, e chegou-se à mulher com a
intenção de levá-la à desobediência a Deus. Nessa tentação, ele deu vários passos.
Começou por tentar confundir a mulher no tocante ao que Deus dissera: “É assim que
Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim?” (Gn 3.1). O Diabo, aqui, alterou a
palavra de Deus, acrescentando-lhe algo, tornando, dessa forma, o mandamento muito
pesado, restringindo excessivamente a liberdade do homem, e negando a bondade de
Deus. Além disto, quis valer-se de uma possível ignorância da mulher quanto ao que
Deus de fato tinha dito. Mas ela estava bem consciente do mandamento divino.
Como não conseguiu confundir a mulher nos exatos termos e alcance do
mandamento, o inimigo prosseguiu na tentação, agora negando a veracidade da palavra
de Deus, dizendo: “Certamente não morrereis” (Gn 3.4). Para justificar a sua afirmação
contrária a de Deus, o Diabo deu uma interpretação errada da intenção do mandamento:
“Porque Deus sabe que no dia em que comerdes deste fruto, vossos olhos se abrirão, e
sereis como Deus, conhecendo o bem e o mal” (Gn 3.5). Agindo assim, Satanás estava
lançando dúvida no coração da mulher quanto à bondade e a fidelidade de Deus, e, por
extensão, depondo contra o caráter do Criador. Com o seu coração já incrédulo, a
mulher deixou de considerar a Deus e a Sua Palavra, e passou a pensar numa vida 6 MILNE, Bruce. Op. Cit., p. 106.
9
independente de Deus. Deste ponto em diante, era só consumar o ato transgressor. Foi
o que ela fez. Ela comeu e enganou o seu marido para que ele comesse também. Aí se
consumou o primeiro pecado da humanidade, pois foi Adão que recebeu o mandamento
de Deus.
Como se percebe, o pecado consumou-se num ato transgressor do mandamento
num ato transgressor do mandamento divino. Mas ele teve sua raiz na incredulidade do
coração (da mulher) no tocante a Deus e à Sua palavra. Da incredulidade veio a
disposição de desobedecer, impulsionado também pelo sentimento de egoísmo e
orgulho. Podemos dizer que a raiz fundamental do pecado, do ponto de vista teológico,
é a incredulidade, mas do ponto psicológico, é o egoísmo e o orgulho, sentimentos
contrários ao amor a Deus, que é a súmula de todos os mandamentos.
2.1.3. A POSSIBILIDADE DE PECAR
A possibilidade de pecar é inerente à natureza do ser pessoal, que tem de fazer
escolha ética, mas é limitado em conhecimento e poder. Tendo que escolher entre o
bem e o mal, com seus limites de sabedoria e poder, o homem só poderia garantir não
errar se dependesse completamente de Deus e lhe obedecesse. Por isto Deus o cercou
de instrução para que não pecasse. O homem poderia não pecar, se fosse
incondicionalmente submisso à palavra de Deus, que era a Sua lei para o homem. Mas,
desviando-se da palavra de Deus, e confiando em si mesmo ou em outrem, e não em
Deus, acabou por “errar o alvo”, ficando fora da vontade de Deus.
O homem não foi feito de modo que não poderia pecar, mas poderia não
pecar. Ele foi dotado de amor próprio em sua natureza, o que é uma coisa natural e boa
na criação de Deus, pois o amor próprio é indispensável na preservação da vida. Mas
esse amor próprio tem de ser equilibrado, nunca exagerado, o que já se torna egoísmo.
Numa situação de desconfiança de Deus, e de apelos ao amor próprio, o homem se
afasta de Deus espiritualmente e pratica o ato transgressor, recebendo sobre si a
condenação que o torna ainda mais afastado de Deus e cai num círculo vicioso de
pecado (cf. Rm 1.24,26,28).
10
O PROBLEMA DO MAL 7
Ao lidar com o problema do mal, Agostinho procurou definir o mal em
termos puramente de negação. O mal é falta, privação (privatio) ou negação
(negatio) do bem. Só o que primeiramente foi bom pode se tornar mau. O mal é
definido em sua relação com o conceito anterior do bem. O mal depende do bem
para sua definição. Falamos do mal em termos de injustiça, imoralidade e
ilegalidade. O Anticristo depende de Cristo até para a sua identidade. Assim como
um parasita depende do seu hospedeiro para existir, a existência do mal depende
do bem. Tudo o que participa do ser, enquanto existe, é bom. Não ser é mau. Se
algo fosse pura ou totalmente mau, não poderia existir. O mal não é uma
substância ou coisa. É falta ou privação do bem.
Nesse nível Agostinho parece estar definindo o mal em termos puramente
ontológicos. Se fosse mesmo esse o caso, Agostinho teria de dizer que o mal é uma
conseqüência necessária da finitude. Deus não pode criar uma coisa
ontologicamente “perfeita”. Com isso, estaria criando outro Deus. Nem Deus pode
criar outro Deus, porque o segundo Deus seria, por definição, uma criatura.
Para evitar a necessidade ontológica do mal, Agostinho se voltou para o
livre-arbítrio. Deus criou o ser humano com uma vontade livre (liberum arbitrium),
na qual ele também tinha liberdade (libertas) perfeita. O ser humano tinha a
capacidade de escolher o que quisesse. Tinha a possibilidade de pecar (posse
peccare) e de não pecar (posse non peccare). Ele escolheu livremente pecar,
atendendo à sua concupiscência (a inclinação que pende para o pecado, mas não é
pecado).
Como resultado do primeiro pecado, o ser humano perdeu sua liberdade, mas
não seu livre-arbítrio. A título de punição divina, ele foi lançado em um estado
corrompido conhecido como pecado original, perdendo a capacidade de buscar por
si mesmo as coisas de Deus. Isso resultou na dependência absoluta do ser humano
de uma obra de graça divina em sua alma, para poder caminhar em direção a Deus.
O ser humano caído está escravizado ao pecado. Ele ainda tem a capacidade de
7 SROUL, R. C. FILOSOFIA PARA INICIANTE. 1ª ed. São Paulo. Editora Vida Nova, 2002, p. 63-65.
11
escolher, uma vontade livre de coerção, mas agora está livre apenas para pecar,
porque seus desejos se inclinam para o pecado e o desviam de Deus. Agora, posse
non peccare, “a capacidade de não pecar”, se perdeu, e em seu lugar está non posse
non peccare, “a incapacidade de não pecar”. Com essa definição Agostinho
combateu o herege Pelágio, que negava o pecado original. Pelágio afirmava que o
pecado de Adão afetara apenas Adão, e que todas as pessoas têm a possibilidade de
viver de modo perfeito.
Agostinho é até hoje um santo da Igreja Católica Romana, mas os líderes da
doutrina protestante, Martinho Lutero e João Calvino, também o consideravam seu
principal mentor teológico.
A humanidade criada e decaída
A humanidade criada
A humanidade decaída
Termo latino
Livre-arbítrio sim
sim liberum arbitrium
Liberdade sim
não libertas
A capacidade de pecar
sim sim posse peccare
A capacidade de não pecar
sim
não posse non peccare
A incapacidade de não pecar
não sim non posse non peccare
2.1.4. O CARÁTER DO PRIMEIRO PECADO
Do ponto de vista formal, o primeiro pecado consistiu em o homem comer da
“árvore do conhecimento do bem e do mal”. A árvore poderia ter sido uma árvore
comum, cujo fruto em si não faria mal alguém comer se Deus não tivesse proibido (Gn
2.17). Ou poderia ser algo simbólico que representava o mandamento de Deus para o
homem, para servir de prova de obediência. Talvez ela fosse assim chamada, “árvore
do conhecimento do bem e do mal”, porque fora destinada a revelar se o estado futuro
do homem seria bom ou mau ao invés de ele mesmo se encarregar de determiná-lo por
si e para si.
12
Do ponto de vista essencial e material, o primeiro pecado consistiu numa
oposição de Adão a Deus, recusando-se que Deus determinasse o curso de sua vida e de
suas gerações. Foi uma prova de obediência e uma escolha fundamental para Adão.
Feito em estado de santidade, mas livre para escolher amar e obedecer a Deus, o
primeiro homem foi submetido a um mandamento para que exercesse, pessoalmente, a
sua vontade de viver submisso e dependente do Criador. Fazendo esta escolha uma vez,
parece que Deus confirmaria o homem no seu estado de santidade original, e nunca
mais estaria sujeito a pecar, à semelhança dos anjos que não caíram. Mas se o homem,
ali escolhesse desobedecer, estaria escolhendo uma vida afastada de Deus, debatendo-
se sempre com os seus erros (pecados), até que fosse salvo, se, desta feita, escolher
viver submisso e obediente a Deus. O homem desobedeceu, caiu do seu estado de
santidade original, vive em pecado, dependendo da graça redentora.
2.2. CONSEQÜÊNCIAS DA QUEDA
O pecado afetou o homem em todo o seu ser e nos seus relacionamentos. Bruce
Milne diz que o pecado transtornou o homem na sua relação com Deus, com o
próximo, com o próprio homem, com a ordem e o tempo.8 J. Scott Horrell descreve os
efeitos do pecado de Adão falando de cinco divisões que ele causou:
1. Espiritual : o homem e o Criador;
2. Psicossomática: o homem em si mesmo;
3. Sociológica: o homem do homem;
4. Antro-ecológica: o homem da natureza;
5. Ecológica: a natureza da natureza;
6. Divisão da cruz, na morte de Jesus Cristo, que trouxe solução para cada divisão da
queda.9
Para uma análise mais detalhada das conseqüências do pecado de Adão na vida
dele mesmo e da humanidade, destacamos os seguintes aspectos.
Ib., idib., p. 109-113. 9 HORRELL, J. Scott, Op., cit., p.38.
13
2.2.1. SEPARAÇÃO ENTRE O HOMEM E DEUS
A separação do homem com Deus está na própria essência do pecado. Foi,
naturalmente, o efeito mais fundamental da queda. O homem afastou-se da fonte da
vida, do centro de todo bem. Esse efeito é revelado pelo comportamento de Adão e
Eva: esconderam-se da presença de Deus quando ouviram a Sua voz, porque tiveram
medo (Gn 3.8-10). Esta situação estende-se por todas as gerações e atinge toda a
humanidade. Com o pecado, o homem perdeu sua dignidade para estar diante de Deus
(Gn 3.23,24). Ele não tem a aprovação divina, mas encontra-se sob a ira de Deus (Mt
3.7; Jo 3.36; Rm 1.18; Ef 2.3). Há uma inimizade entre o homem e Deus (Rm 8.7,8).
Com a perda da comunhão com Deus, o homem tornou-se presa fácil de Satanás, que
agora exerce poder sobre ele (2Co 4.3,4; Hb 2.14,15; Ef 2.1,2; 5.8; 1Jo 3.7-10; Jo
8.44).
2.2.2. CORRUPÇÃO DA NATUREZA DO HOMEM
Com a queda, a natureza humana ficou corrompida. Ela adquiriu uma propensão
natural para a maldade (Gn 6.5; Rm 1.20ss; 8.7,8). Tradicionalmente, essa corrupção é
denominada depravação total, que significa que o homem foi corrompido em toda a
sua natureza e em todos seus poderes. A depravação foi total porque atingiu o homem
todo, contaminando todos os poderes do corpo e da alma. Depravação total não
significa, portanto, que o homem de imediato chegou a atingir o mais alto grau de
corrupção, nem que todos sejam igualmente maus, e nem que a natureza humana seja
destituída de qualquer bem moral. Quer dizer, sim, que todas as partes da natureza
humana foram atingidas e o homem vive marcado em tudo pelo pecado. Os
pensamentos, os sentimentos, a vontade, a consciência, o corpo, a alma, tudo no
homem está corrompido (is 1.5,6). Ele é escravo do pecado (Jo 8.34; Rm 6.16-22), não
tem retidão diante de Deus (Is 64.6,7; Rm 1.29-31; 3.10-18), é insensível diante da
Palavra de Deus, orgulhoso. Há uma certa antipatia de Deus no homem. Ele está morto
em “delitos e pecados” (Ef 2.1).
14
O Espírito também peca, ou somente a alma e o corpo cometem pecados? 10
Quando Paulo encoraja os coríntios a se purificarem “de toda impureza, tanto da
carne como do espírito” (2 Co 7.1), ele sugere nitidamente que pode haver impureza
(ou pecado) no espírito. Do mesmo, fala da mulher solteira que se preocupa em ser
santa “assim no corpo como no espírito” (1 Co 7.34). Outros versículos falam de modo
semelhante. Por exemplo, o Senhor endureceu o “espírito” de Seom, rei de Hebrom (Dt
2.30). O salmo 78 fala do povo rebelde de Israel, “cujo espírito não foi fiel a Deus” (Sl
78.8). A “altivez do espírito” precede a queda (Pv 16.18), e é possível pessoas que
pecadoras sejam “orgulhosas em espírito” (Ec 7.8). Isaías fala daqueles “que erram de
espírito” (Is 29.24). Em Daniel 5.20, lemos que “o seu espírito [de Nabucodonosor] se
tornou soberbo e arrogante”. O fato de que “todos os caminhos do homem são puros
aos seus olhos, mas o Senhor pesa o espírito” (Pv 16.2) implica a possibilidade de que
nosso espírito esteja errado aos olhos de Deus. Outros versículos implicam a
possibilidade da existência do pecado no nosso espírito (Sl 32.2; 51.10). Finalmente, o
fato de as Escrituras aprovarem aquele “que domina o seu espírito” (Pv 16.32) implica
que nosso espírito não é simplesmente a parte espiritualmente pura da nossa vida, que
deve ser acatada sempre, mas que também pode ter inclinações ou desejos
pecaminosos.
2.2.3. CONSCIÊNCIA DE CULPA
Com a queda, o homem passou a sentir-se culpado diante de Deus (Gn 3.7-10).
Isto ficou revelado por Adão e Eva quando perceberam sua nudez, sentiram vergonha e
necessidade de cobrir o corpo, e também pelo medo que tiveram de Deu quando
ouviram a Sua voz. Houve uma consciência de um estado de corrupção e de
necessidade, por culpa exclusiva deles. Procuraram se esconder da presença de Deus e
um do outro. A culpa significa sentimento de ter feito o que não devia e por isto
merecer punição, ou obrigação de prestar satisfação à justiça de Deus pela violação da
lei. A culpa não faz parte da essência do pecado, mas é, antes, uma relação com a
10 BENTES, A. Carlos G. Apostila de Antropologia. P.26,27.
15
sanção penal da lei. Ela é a autocondenação do homem, baseada na desaprovação de
Deus pelos seus atos.
A culpa não tem o mesmo grau para todos os pecadores e pessoas. Há um grau
de culpa para os pecados das crianças e outro para os pecados praticados pelos líderes
religiosos à plena luz da revelação (Mt 19.14; 23.32,33). Há uma culpa pelos pecados
cometidos na ignorância e outra pelos pecados feitos quando se tem conhecimento da
vontade de Deus (Mt 10.15; Lc 12.47,48; 23. 34; Rm 2.12).
2.2.4. DISTÚRBIOS SOCIAIS
A queda logo manifestou sua conseqüência na relação do homem com o próximo.
A relação do homem com a mulher foi alterada. Ao invés de amor e ajuda mútua, agora
vemos o homem acusando a mulher (Gn 3.12) e doravante viverão em conflito,
marcados por um desejo de domínio (Gn 3.16). Só pelo poder do evangelho de Cristo
esse espírito de conflito pode ser transformado e substituído por um espírito de
submissão e de liderança amorosa (Ef 5.22-28).
Esse conflito com o próximo também logo se manifestou entre os irmãos,
chegando ao ponto do fratricídio (Gn 4.6ss). Mais adiante, Lameque canta suas proezas
maldosas, matando pessoas por quase nada (Gn 4.23). A história mostra como que o
pecado afetou a relação do homem com o seu próximo. Surgem as guerras, as nações
dominadoras, as injustiças sociais, exploração do próximo, tudo como fruto do pecado
na natureza humana. A solução está em Cristo, que reconcilia os homens com Deus e
uns com os outros (Ef 2.14-17).
2.2.5. SOFRIMENTO
O mundo passou a ser um palco de sofrimentos. O ser humano sofre pela falta de
unidade em si mesmo, carência de significado e amor; sofre pelos conflitos sociais. No
caso da mulher, sofre com a gravidez (Gn 3.16). A relação da mulher com o marido,
como já vimos, não é pacífica. A terra se tomou maldita (Gn 3.17; Rm 8.20). O
trabalho agora é muito mais difícil, pois a terra vai apresentar dificuldades para que o
homem tire dela o seu sustento (Gn 3.17-19). O homem não pode mais viver no
paraíso, mas fora dele, lavrando a terra de onde fora tomado.
16
2.2.6. MORTE
A conseqüência mais drástica do pecado é a morte (Gn 2.17; Ez 18.20; Rm
6.23). O pecado trouxe uma morte tríplice: morte espiritual (Ef 2.1,4; Cl 2.13; Jo 3.36;
1 Jo 5.11,12), morte física (Gn 3.19; Rm 5.12-14; Hb 2.14,15) e morte eterna (2 Ts
1.9; Ap20.11-15). De um estado de posso não morrer o homem desceu a uma condição
de não posso não morrer. Ele fora condenado a voltar ao pó de onde fora tomado.
Morte é, basicamente, um estado de separação: separação entre o corpo e a alma
ou espírito (morte física), entre o espírito e Deus nesta existência (morte espiritual) e a
pessoa e Deus na existência além (morte eterna). De Gênesis 3.22-24 podemos
entender que o homem foi criado com a possibilidade de adquirir a imortalidade
comendo da árvore da vida. Mas por ter comida da “árvore do conhecimento do bem e
do mal”, ele perdeu sua liberdade de comer da árvore da vida. A partir do momento que
o homem comeu da árvore proibida, ele morreu espiritualmente, enveredou-se pelo
caminho da morte física, até que chega o momento final quando se pode dizer dele:
“morreu”. É assim que termina a biografia de cada um na “Genealogia de Sete”: “e
morreu” (Gn 5). E se morrer fisicamente estando ainda morto espiritualmente, terá a
morte eterna.
A redenção restaura o homem em tudo aquilo que o pecado afetou. Na
consumação dos séculos, o salvo terá sua comunhão com Deus plenamente
restabelecida (Hb 12.22-24; Ap 21.4), o seu corpo estará ressuscitado e glorificado (1
Co 15.51ss), alcançando, assim, o estado de imortalidade (Lc 20.36); ele chegará ao
estado de pureza e perfeição (1 Jo 3.2,3; 2 Pe 1.4), e terá “novo céu e nova terra” (Ap
21.1; Rm 8.21). Assim será “para que Deus seja tudo em todos” (1 Co 15.28).
TRÊS ELEMENTOS FORAM PERDIDOS COM O PECADO
1) A Alma - “Porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás”. 2) O Corpo - Não poderia comer da Árvore da Vida.
3) A Terra - Ele perdeu o domínio. Foi amaldiçoada.
17
Os três principais eventos da Redenção seguem os três elementos implicados na perda: 1) A Conversão: Redenção da alma (Gl 3.13). 2) A Ressurreição: Redenção do corpo (Rm 8.23).
3) A Segunda Vinda de Cristo: Redenção da Terra (Rm 8.21; At 3.21; Mt 19.28).
III. TRANSMISSÃO DO PECADO
A questão que se levanta aqui é por que e como que o pecado de Adão chegou a
atingir toda a humanidade. Vamos considerar primeiro o fato da universalidade do
pecado e depois a questão da relação do pecado de Adão com a sua posteridade.
3.1. UNIVERSALIDADE DO PECADO
A universalidade do pecado é uma realidade comprovada tanto pela história das
religiões e da filosofia como pelos ensinos da Escritura. A história das religiões dá
testemunho da universalidade do pecado. Há uma consciência universal do pecado, e o
homem sente a necessidade de reconciliar-se com a divindade. Existe um sentimento
generalizado de que a divindade está ofendida e deve ser satisfeita de algum modo, sob
pena de condenação. Na história da filosofia encontramos o mesmo fato. Os filósofos,
dos mais antigos até aos mais modernos, têm lutado com o problema do mal no
mundo. Ninguém pode ignorá-lo.
A Bíblia ensina claramente que há uma pecaminosidade universal (1 Rs 8.46; Sl
143.2; Pv 20.9; Ec 7.20; Rm 3.10-12,19,23; G1 3.22; Tg 3.2; 1 Jo 1.8,10). Várias
passagens ensinam que a presença do pecado no homem é desde o seu nascimento (S1
51.5; 58.3; Jó 14.4; Jo 3.6). Em Efésios 2.3 é declarado que os homens “por natureza”
são filhos da ira. Além disto, a morte vem até mesmo sobre aqueles que não exerceram
a vontade de pecar (Rm 5.12-14). Além do mais, a Escritura ensina que todos os
homens estão debaixo da condenação, e isto, naturalmente, porque todos estão debaixo
do pecado.
18
3.2. RELAÇÃO DO PECADO DE ADÃO COM A RAÇA HUMANA
Como que o pecado atingiu toda a humanidade?
Há alguma ligação da raça com o pecado original de Adão ou cada indivíduo tem
o seu momento de queda? Há algumas teorias que procuram explicar esta questão,
algumas negando qualquer relação do pecado de Adão com a humanidade, outras
afirmando essa relação.
3.2.1. INTERPRETAÇÕES QUE NEGAM A RELAÇÃO DO PECADO DE ADÃO COM A RAÇA.
3.2.1.1. INTERPRETAÇÃO PELAGIANA
Há uma explicação conhecida como pelagianismo (Pelágio) segundo a qual o
pecado de Adão não tem nenhuma relação real com o pecado de cada pessoa. Isto é, o
homem não herda a natureza pecaminosa de Adão nem sua culpa. Cada qual peca
porque escolhe pecar. A única relação do pecado de Adão com as pessoas é que ele se
constituiu num mau exemplo para todos. Cada pessoa é um novo homem e tem a
chance de viver sem pecado. Ele não nasce com sua natureza corrupta. A base do
argumento de Pelágio é que Deus pede que o homem Lhe obedeça, e se Deus requer
isto é porque de fato o homem tem capacidade de cumprir o que Deus quer, afirma.
Mas esta interpretação não tem apoio bíblico, pois a Escritura ensina que todos
pecaram em Adão e nascem em pecado. As idéias de Pelágio foram condenadas no
Concílio de Cartago, em 418.
3.2.1.2. INTERPRETAÇÃO LIBERAL
Uma forma modificada do pelagianismo é a posição defendida por alguns
teólogos liberais. Eles propõem a evolução do homem e negam a historicidade de
Adão; por conseguinte, não há qualquer transmissão do pecado. O liberalismo é
marcado pelo seu otimismo para com a natureza humana. Ele acentua a paternidade de
Deus e a fraternidade humana. Esta também é uma posição que não tem base na
revelação bíblica.
19
3.2.1.3. INTERPRETAÇÃO NEO-ORTODOXA
Alguns teólogos neo-ortodoxos consideram o relato da queda como lenda, mito,
que embora aponte para uma verdade espiritual, contudo não se refere a fato histórico.
Reinhold Niebuhr, Emil Brunner, A. Richardson, Oscar Culmann e alguns outros
dizem que Adão é um símbolo de todo o homem, e que a queda é um ato universal:
todos têm a sua queda.
Como negar a relação do pecado de Adão com a raça à luz de Romanos 5.12-19
e 1 Coríntios 15.21,22? Estes textos indicam: (1) que todos pecaram em Adão; (2) que
mesmo aqueles que não pecaram no sentido de quebrar a lei de Deus, eles morreram
por causa do pecado de Adão; (3) que há uma comparação e um contraste entre Cristo e
Adão: em cada caso, a ação de uma só pessoa é decisiva, e tem implicações para todos.
3.2.2. INTERPRETAÇÕES QUE AFIRMAM A RELAÇÃO DO PECADO
DE ADÃO COM A RAÇA
3.2.2.1. INTERPRETAÇÃO ARMINIANA
Uma posição adotada por alguns primitivos arminianos (Armínio) afirma que o
homem herda a natureza pecaminosa de Adão, mas não é responsável nem tem culpa
por isto. Por esta razão, Deus deve a cada um, em nome da justiça, uma influência
especial do Espírito Santo, e assim cada pessoa fica na mesma condição de Adão para
obedecer. Mas a Bíblia não fala dessa dívida de Deus com os homens. E como afirmar
que os homens não têm culpa com Adão diante de textos como o de Rm 5.12,14,18 e 1
Co 15.21,22?
3.2.2.2. INTERPRETAÇÃO FEDERALISTA
Esta teoria é também chamada de “aliança das obras”. Deus teria feito um pacto
com Adão, envolvendo todas as suas gerações. Adão teria duas relações com a
humanidade: a de chefe natural e a de chefe representativo de toda a raça humana na
“aliança das obras”. Pela sua relação natural com a humanidade, Adão não poderia
lançar sobre os seus descendentes a culpa dos seus erros, mas pela relação pactual, sim.
Na “aliança das obras” Deus colocou vários elementos: um elemento de representação,
20
um de prova e outro de recompensa ou punição. Na representação, Adão estaria
representando toda a humanidade, um representante federal. Sem a aliança, Adão e
seus descendentes estariam constantemente sujeitos a provas e sempre com a
possibilidade de pecar, mas com a aliança, a perseverança persistente por um certo
tempo de prova seria recompensada com o estabelecimento do homem num estado de
santidade, de onde não poderia cair jamais.
Se Adão cumprisse os termos da aliança, obteria o direito de vida eterna para si e
para os seus descendentes. Por outro lado, o descumprimento da aliança traria sobre si
e sobre toda a humanidade a morte. Como Adão não cumpriu a aliança, Deus lançou
sobre todos os que estavam ligados a Adão, pelo pacto, a culpa e a pena do primeiro
pecado. Só Jesus ficou livre dessa imputação porque ele não estava ligado ao cabeça
federal. A maior dificuldade desta teoria é que a Bíblia não fala desse pacto de obras,
com exceção, talvez, de Oséias 6.7.
3.2.2.3. INTERPRETAÇÃO REALISTA
Outra maneira de explicar a relação do pecado de Adão com a humanidade é a
que vê Adão não apenas como um indivíduo, mas como o cabeça natural da
humanidade. Do ponto de vista orgânico e vital, todas as pessoas estavam presentes na
natureza de Adão quando ele pecou. Uma possível base bíblica para esta interpretação
é Hebreus 7,9,10, onde se diz que Levi estava em Abraão quando este pagou dízimo a
Melquisedeque, embora Abraão tivesse vivido há mais de quatrocentos anos antes de
Levi.
Nesta perspectiva, na geração dos filhos, a natureza corrompida e culpada de
Adão é transmitida de geração em geração, e assim todos são herdeiros do pecado.
Agostinho, Anselmo, Boaventura e alguns outros teólogos defenderam esta idéia; antes
deles, Tertuliano. Calvino descreve Adão como a raiz da raça humana. Somos todos
ramos e participamos da mesma natureza na raiz. Jesus ficou fora dessa herança
pecaminosa porque não veio do mesmo tronco, mas foi gerado diretamente pelo
Espírito de Deus. “O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é
espírito” (Jo 3.6).
21
3.2.3. CONSIDERÇÃOS FINAIS
Creio que o que não se pode negar é que o pecado de Adão afetou toda a raça
humana, fazendo-a culpada e digna de condenação (Rm 5.12-19; 1Co 15.21,22). Do
mesmo modo, a obra de justiça de Cristo, como o “segundo Adão”, alcança os que se
unem a Ele pela fé. Na raça humana somos solidários. Ninguém vive isoladamente. A
solidariedade é para a morte, mas também é para a vida. A base dessa justiça não é
ainda bem compreendida por nós, tão marcados que somos pela ênfase no indivíduo e
na responsabilidade individual. Precisamos pensar mais sobre a unidade e a
solidariedade da raça humana. Mesmo porque sem isto não podemos entender nossa
participação com Cristo. Se o pecado foi abundante em Adão, em Cristo a graça foi
superabundante (Rm 5.20).
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Teologia Sistemática de Wayne Grudem
Hamartiologia
D. PECADOS REAIS QUE COMETEMOS 11
1. Todas as pessoas são pecadoras perante Deus. As Escrituras em muitas
passagens dão testemunho da pecaminosidade universal da humanidade. “Todos se
extraviaram e juntamente se corromperam; não há quem faça o bem, não há nem um
sequer” (Sl 14.3). Diz Davi: “À tua vista não há justo nenhum vivente” (Sl 143.2). E
diz Salomão: “Não há homem que não peque” (1Rs 8.46; cf. Pv 20.9).
No Novo Testamento, Paulo tece uma extensa argumentação em Romanos 1.18-
3.20, mostrando que todas as pessoas, tanto judeus, como gregos, apresentam-se
culpados perante Deus. Diz ele: “Todos, tanto judeus como gregos, estão debaixo do
pecado; como está escrito: Não há justo, nem um sequer” (Rm 3.9-10). Ele está certo
de que “todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Rm 3.23). Tiago, o irmão do
Senhor, admite: “Todos tropeçamos em muitas coisas” (Tg 3.2), e se ele, que era
apóstolo e líder da igreja primitiva, admitiu que cometia muitos erros, então também
nós devemos nos dispor a admiti-lo. João, o discípulo amado, que era especialmente
íntimo de Jesus, disse: Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos
enganamos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel
e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça. Se dissermos que
não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós (1Jo
1.8-10).
2. Será que nossa capacidade limita a nossa responsabilidade? Pelágio,
popular mestre cristão que pregou em Roma por volta de 383-410 d.C., e mais tarde
(até 424 d.C.) na Palestina, ensinava que Deus responsabiliza o homem só pelas coisas
que este é capaz de fazer. Logo, como Deus nos exorta a fazer o bem, temos
necessariamente a capacidade de fazer o bem que Deus exige. A posição pelagiana
rejeita a doutrina do “pecado herdado” (ou “pecado original”) e sustenta que o pecado
consiste somente em atos pecaminosos isolados.
11 GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. Editora Vida Nova. P. 410-421.
23
Contudo, essa idéia de que somos responsáveis perante Deus somente por aquilo
que podemos fazer contraria o testemunho bíblico, que afirma tanto que estávamos
“mortos nos [...] delitos e pecados” nos quais andávamos antes (Ef 2.l) quanto que
somos incapazes de fazer qualquer bem espiritual, e também que somos todos culpados
diante de Deus. Além do mais, se nossa responsabilidade perante Deus se limitasse à
nossa capacidade, então pecadores extremamente empedernidos, sob pesado jugo do
pecado, poderiam ser menos culpados diante de Deus do que cristãos maduros que se
esforçam diariamente por obedecer-lhe. E o próprio Satanás, que eternamente só é
capaz de fazer o mal, estaria completamente livre de culpa - sem dúvida nenhuma uma
conclusão equivocada.
A verdadeira medida da nossa responsabilidade e da nossa culpa não é a nossa
capacidade de obedecer a Deus, mas antes a perfeição absoluta da lei moral de Deus e a
sua própria santidade (que se reflete nessa lei). “Portanto, sede vós perfeitos como
perfeito é o vosso Pai celeste” (Mt 5.48).
3. Será que as crianças são culpadas mesmo antes de pecar efetivamente?
Segundo alguns, as Escrituras pregam determinada “idade da imputabilidade”,
antes da qual as crianças pequenas não são responsáveis pelo pecado nem tidas como
culpadas perante Deus. Porém, as passagens citadas acima, na seção C, sobre o “pecado
herdado”, indicam que mesmo antes do nascimento as crianças já são culpadas perante
Deus e dotadas de uma natureza pecaminosa, o que não só lhes confere a tendência ao
pecado, mas também faz que Deus as veja como “pecadoras”. “Eu nasci na iniqüidade,
e em pecado me concebeu minha mãe” (SI 51.5). As passagens que concebem que no
juízo final se considerarão os atos pecaminosos efetivamente cometidos (e.g., Rm 2.6-
11) nada dizem sobre o fundamento do juízo nos casos em que não houve atos
individuais certos ou errados, como ocorre com as crianças que morrem muito novas.
Nesses casos, devemos aceitar as passagens bíblicas que afirmam que temos uma
natureza pecaminosa antes do momento do nascimento. Além do mais, precisamos
compreender que a natureza pecaminosa da criança se manifesta já bem cedo,
certamente nos primeiros dois anos de vida, como qualquer um que já criou filhos pode
confirmar. (Diz Davi, noutra passagem: “Desviam-se os ímpios desde a sua concepção;
24
nascem e já se desencaminham” , SI 58.3.) Mas então que dizer das crianças que
morrem antes de ter idade bastante para compreender e aceitar o evangelho? Será que
podem ser salvas?
Aqui só nos resta dizer que, se essas crianças forem salvas, não será pelos seus
próprios méritos, nem com base na sua justiça ou inocência, mas inteiramente com
base na obra redentora de Cristo e na regeneração operada pelo Espírito Santo dentro
delas. “Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo
Jesus, homem” (1Tm 2.5). “Se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de
Deus” (Jo 3.3).
Todavia, certamente é possível que Deus conceda regeneração (ou seja, nova
vida espiritual a uma criança mesmo antes que ela nasça. Isso aconteceu a João Batista,
pois o anjo Gabriel, antes de João nascer, disse: “[...] será grande diante do Senhor, já
do ventre materno” (Lc 1.15). Podemos dizer que João Batista “nasceu de novo” antes
de nascer!12. Encontramos exemplos semelhantes Salmo 22.10, onde diz Davi: “A ti
me entreguei desde o meu nascimento; desde o ventre de minha mãe, tu és meu Deus”.
É evidente, portanto, que Deus é capaz de salvar as crianças de um modo incomum,
sem que ouçam e compreendam o evangelho, concedendo-lhes regeneração bem cedo,
às vezes antes mesmo do nascimento (físico). É provável que imediatamente depois
dessa regeneração surja, em idade bastante precoce, uma consciência incipiente e
intuitiva de Deus e a fé nele, mas isso é algo que simplesmente não podemos entender.
Devemos, entretanto afirmar bem claramente que essa não é a maneira normal de
Deus salvar as pessoas. A salvação geralmente ocorre quando a pessoa ouve e
compreende o evangelho, e então passa a ter fé em Cristo. Mas em casos incomuns
como o de João Batista, Deus concede salvação mesmo antes dessa compreensão. E
isso nos leva a concluir que é certamente possível que Deus também o faça ao saber
que a criança morrerá antes de ouvir o evangelho.
Quantas crianças Deus salva dessa forma? Como as Escrituras não nos dão
resposta para isso, simplesmente não temos como saber. Quando a Bíblia cala, não é
12 Nota dos editores {É muito difícil aceitar que todos os casos em que alguém está ou é cheio do Espírito Santo nas Escrituras impliquem necessariamente que tal pessoa tenha sido espiritualmente regenerada (veja o caso de Saul em 1Sm 19.23,24)}.
25
sensato fazer declarações taxativas. No entanto, devemos reconhecer que Deus, nas
Escrituras, freqüentemente salva os filhos daqueles que crêem nele (ver Gn 7.1; cf. Hb
11.7; Js 2.18; Sl 103.17; Jo 4.53; At 2.39; 11.14(?); 16.31; 18.8; 1Co 1.16; 7.14; Tt
1.6). Essas passagens não mostram que Deus automaticamente salva os filhos de todos
os crentes (pois conhecemos filhos de pais piedosos que, crescendo, rejeitam ao
Senhor, e as Escrituras nos dão exemplos, como Esaú e Absalão), mas indicam
realmente que a conduta habitual de Deus, seu modo “normal” ou esperado de agir, é
aproximar de si os filhos dos crentes. Com respeito aos filhos dos crentes que morrem
muito novos, não temos razão para pensar de outra maneira.
Especialmente relevante aqui é o caso do primeiro filho que Bate-Seba deu ao rei
Davi. Depois da morte da criança, disse Davi: “Eu irei a ela, porém ela não voltará
para mim” (2Sm 12.23). Davi, que ao longo da sua vida exibiu grande confiança de
que viveria para sempre na presença do Senhor (ver Sl 23.6 e muitos outros salmos de
Davi), também acreditaria que voltaria a ver seu filho depois de morrer. Isso só pode
implicar que ele estaria com o seu filho na presença do Senhor para sempre. Essa
passagem, ao lado outras mencionadas acima, deve servir igualmente como garantia,
para todos os crentes que perderam filhos pequenos, de que um dia os verão novamente
na glória do reino celeste.
Com respeito aos filhos dos descrentes que morrem em idade muito tenra, as
Escrituras se calam. Simplesmente devemos deixar a questão nas mãos de Deus,
confiando na sua justiça e misericórdia. Se forem salvos, não será com base em algum
mérito próprio, nem na inocência que lhes possamos atribuir. Se forem salvos, será
com base na obra redentora de Cristo; e sua regeneração, como a de João Batista antes
do nascimento (físico), será pela misericórdia e graça de Deus. A salvação sempre vem
em virtude da misericórdia divina, e não por causa dos nossos méritos (ver Rm 9.14-
18). As Escrituras não nos permitem dizer nada além disso.
4. Existem graus de pecado? Serão alguns pecados piores do que outros? A
pergunta pode ser respondida de modo afirmativo ou negativo, dependendo do sentido
que se lhe dê.
a. Culpa legal. No tocante à nossa posição legal perante Deus, qualquer pecado,
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mesmo aquilo que nos pareça um pecado leve, torna-nos legalmente culpados perante
Deus e, portanto, dignos de castigo eterno. Adão e Eva aprenderam isso no jardim do
Éden, onde Deus lhes disse que um só ato de desobediência resultaria na pena de morte
(Gn 2.17). E Paulo afirma que “o julgamento derivou de uma só ofensa, para a
condenação” (Rm 5.16). Esse único pecado tornou Adão e Eva pecadores perante
Deus, já incapazes de permanecer na santa presença divina.
Essa verdade permanece válida durante toda a história da raça humana. Paulo
(citando Dt 27.26) a confirma: “Maldito todo aquele que não permanece em todas as
coisas escritas no Livro da Lei, para praticá-las” (GI3.10). E Tiago declara: “Qualquer
que guarda toda a lei, mas tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos.
Porquanto, aquele que disse: Não adulterarás também ordenou: Não matarás. Ora, se
não adulteras, porém matas, vens a ser transgressor da lei” (Tg 2.10-11).
Portanto, em termos de culpa legal, todos os pecados são igualmente maus, pois
nos fazem legalmente culpados perante Deus e nos constituem pecadores.
b. Conseqüências na vida e no relacionamento com Deus. Por outro lado,
alguns pecados são piores do que outros, pois trazem conseqüências mais danosas para
nós e para os outros e, no tocante ao nosso relacionamento pessoal com Deus Pai,
provocam-lhe desprazer e geram ruptura mais grave na nossa comunhão com ele.
As Escrituras às vezes falam de níveis de gravidade do pecado. Estando Jesus
diante de Pôncio Pilatos, disse ele: “Quem me entrega a ti maior pecado tem” (Jo
19.11). A referência é aparentemente a Judas, que convivera com Jesus durante três
anos e, no entanto, deliberadamente o traia entregando-o à morte. Embora Pilatos
tivesse autoridade sobre Jesus em virtude do seu cargo no governo, mesmo sendo
errado permitir que um homem inocente fosse condenado à morte, o pecado de Judas
era bem “maior”, provavelmente por causa do conhecimento bem maior e da malícia
associada e esse conhecimento.
Quando Deus revelou a Ezequiel visões de pecados no templo de Jerusalém,
disse-lhes o seguinte depois de mostrar algumas coisas ao profeta: “Pois verás ainda
maiores abominações” (Ez 8.6). A seguir mostrou a Ezequiel os pecados secretos de
alguns dos anciãos de Israel, dizendo-lhe: “Tornarás a ver maiores abominações que
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eles estão fazendo” (Ez 8.13). Então o Senhor revelou a Ezequiel a imagem de
mulheres chorando diante de uma divindade babilônia, e disse: “Vês isto, filho do
homem? Verás ainda abominações maiores do que estas” (Ez 8.15). Finalmente,
mostrou a Ezequiel vinte e cinco homens no templo, que, de costas para o Senhor,
adoravam o sol. Aqui claramente temos graus crescentes de pecado e odiosidade
perante Deus.
No Sermão do Monte, ao dizer: “Aquele, pois, que violar um destes
mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado
mínimo no reino dos céus” (Mt 5.19), Jesus sugere que há mandamentos menores e
maiores. Do mesmo modo, embora admita que é correto dar o dízimo mesmo sobre os
condimentos usados em casa, profere condenações contra os fariseus por eles
negligenciarem “os preceitos mais importantes da Lei: a justiça, a misericórdia e a fé”
(Mt 23.23). Nos dois casos, Jesus distingue os mandamentos menores dos maiores,
sugerindo assim que alguns pecados são piores do que outros no tocante à própria
avaliação divina da sua importância.
Em geral, podemos dizer que certos pecados trazem conseqüências mais danosas
do que outros se desonram mais a Deus, ou se geram mais dano a nós mesmos, aos
outros ou à igreja. Além disso, os pecados cometidos deliberada, repetida e
conscientemente, de coração empedernido, desagradam mais a Deus do que aqueles
que se cometem por ignorância e que não são repetidos, ou cometidos com uma
combinação de motivos bons e impuros e seguidos por remorso e arrependimento.
Assim as leis que Deus transmitiu a Moisés em Levítico tratam de casos em que as
pessoas pecam “por ignorância” (Lv 4.2,13,22). Pecado não intencional é assim
mesmo pecado: “Se alguma pessoa pecar e fizer contra algum de todos os
mandamentos do SENHOR aquilo que se não deve fazer, ainda que o não soubesse,
contudo, será culpada e levará a sua iniqüidade” (Lv 5.17). Porém, as penalidades
impostas e o grau de desagrado de Deus resultante do pecado são menores do que no
caso do pecado intencional.
Por outro lado, os pecados cometidos “atrevidamente”, isto é, com arrogância e
desdém pelos mandamentos de Deus, eram encarados com muita gravidade: “Mas a
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pessoa que fizer alguma coisa atrevidamente, quer seja dos naturais quer dos
estrangeiros, injuria ao SENHOR; tal pessoa será eliminada do meio do seu povo” (Nm
15.30; cf. vv. 27-29).
É fácil perceber que alguns pecados trazem conseqüências muito mais
desastrosas para nós, para os outros e para o nosso relacionamento com Deus. Se eu
cobiçasse o carro do vizinho, isso seria pecado perante Deus. Mas se essa cobiça me
levasse de fato a roubarlhe o carro, o pecado então seria mais grave. Se no ato do roubo
eu lutasse contra o meu vizinho e o ferisse, ou descuidadamente ferisse outra pessoa
dirigindo o carro, o pecado seria ainda mais grave.
Do mesmo modo, se um recém-convertido, anteriormente afligido por uma
tendência de perder a cabeça e meter-se em brigas, passa a testemunhar aos seus
amigos descrentes e, um dia, recebe tanta provocação que perde a calma e acerta
alguém, sem dúvida isso será pecado aos olhos de Deus. Mas se um pastor maduro, ou
outro eminente líder cristão, perde a cabeça em público e bate em alguém, isso é ainda
mais grave aos olhos de Deus, por causa do dano causado à reputação do evangelho e
porque os homens que ocupam cargos de liderança são tidos por Deus num patamar
mais elevado de responsabilidade: “Havemos [os mestres] de receber maior juízo” (Tg
3.1; cf. Lc 12.48). Nossa conclusão, então, é que em termos de conseqüências e em
termos do grau do desprazer de Deus, alguns pecados são certamente piores que outros.
Contudo, a distinção entre níveis de gravidade de pecado não implica endosso à
doutrina católica da classificação dos pecados em duas categorias: “venial” e “mortal”.
Na doutrina católica, o pecado venial pode ser perdoado, mas muitas vezes após
castigos nesta vida ou no purgatório (depois da morte, mas antes da entrada no céu). O
pecado mortal é aquele que provoca a morte espiritual, e não pode ser perdoado; exclui
as pessoas do reino de Deus.
Segundo as Escrituras, porém, todos os pecados são “mortais”, pois mesmo o
mais leve deles nos torna legalmente culpados perante Deus e merecedores de castigo
eterno. No entanto, até o mais grave dos pecados é perdoado quando a pessoa se
entrega a Cristo em busca de salvação (repare, em 1 Co 6.9-11, a combinação de uma
lista de pecados que excluem do reino de Deus e a afirmação de que os coríntios que os
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haviam cometido foram salvos por Cristo). Assim, nesse sentido, todos os pecados são
“veniais”. A classificação católica dos pecados, que chama alguns de “mortais” (como
o suicídio) e outros (como a desonestidade, a ira ou a luxúria) de “veniais”, pode muito
facilmente levar ou à negligência em relação a alguns pecados que obstruem bastante a
santificação e a eficácia na obra do Senhor, ou, com respeito a outros pecados, a um
medo excessivo, ao desespero e à impossibilidade da certeza do perdão. E convém
perceber que exatamente o mesmo ato (como, no exemplo acima, perder a cabeça e
bater em alguém) pode ser mais ou menos grave, dependendo das pessoas envolvidas e
das circunstâncias. Muito melhor é simplesmente reconhecer que os pecados podem
variar segundo as conseqüências e o grau em que perturbam nosso relacionamento com
Deus, acarretando-lhe desagrado. Assim não extrapolamos o ensino geral das
Escrituras sobre o assunto.
A distinção que as Escrituras fazem dos graus de pecado têm de fato valor
positivo. Primeiro, ajuda-nos a saber em que aspectos devemos mais nos esforçar a fim
de crescer em santidade. Segundo, ajuda-nos a decidir se o melhor é simplesmente
desprezar uma falta menor de um amigo ou familiar, ou então conversar com a pessoa
sobre algum pecado mais grave (ver Tg 5.19,20). Terceiro, pode nos ajudar a decidir se
cabe exercer a disciplina na igreja, e dá uma resposta à objeção que às vezes se faz
contra o exercício da disciplina na igreja, na qual se diz que “somos todos culpados de
pecado; portanto não devemos nos intrometer na vida de ninguém”. Embora sejamos
todos de fato culpados de pecado, alguns pecados prejudicam tão gravemente a igreja e
as relações dentro dela que precisam ser abordados diretamente. Quarto, essa distinção
também pode nos ajudar a compreender que há algum fundamento no fato de os
governos civis estabelecerem leis e penalidades para coibir determinados tipos de erro
(como o assassinato ou o roubo), mas não outros (como a ira, o ciúme, a ganância ou o
uso egoísta dos bens). Não é incoerente dizer que alguns tipos de erros demandam
punição civil, mas nem todos.
5. O que acontece quando um cristão peca?
a. Nossa posição legal perante Deus fica inalterada. Embora esse assunto
pudesse ser abordado adiante, juntamente com a adoção ou a santificação dentro da
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vida cristã, convém certamente abordá-lo aqui.
Quando o cristão peca, sua posição legal perante Deus permanece inalterada. Ele
ainda assim é perdoado, pois “já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo
Jesus” (Rm 8.1). A salvação não se baseia nos nossos méritos, mas é dádiva gratuita de
Deus (Rm 6.23), e a morte de Cristo sem dúvida nenhuma expiou todos os nossos
Biografia do autor O pastor Antônio Carlos Gonçalves Bentes é capitão do Comando da Aeronáutica,
Doutor em Teologia, conferencista, filiado à ORMIBAN – Ordem dos Ministros Batistas Nacionais, cuja matrícula é 745, professor dos seminários batistas: STEB, SEBEMGE e Escola Teológica Koinonia e também das instituições: Seminário Teológico Hosana, UNITHEO, Escola Bíblica Central do Brasil e JAMI (Junta Administrativa de Missões da CBN) atuando nas áreas de Teologia Sistemática, Teologia Contemporânea, Apologética, Escatologia, Pneumatologia, Teologia Bíblica do Velho e Novo Testamento, Hermenêutica, e Homilética. Reside atualmente em Lagoa Santa, Minas Gerais. Exerce o ministério pastoral na Igreja Batista Getsêmani em Belo Horizonte - Minas Gerais. É casado com a pastora Rute Guimarães de Andrade Bentes, tem três filhos: Joelma, Telma e Charles Reuel, e duas netas: Eliza Bentes Zier e Ana Clara Bentes Rodrigues. Pedidos ao Pr. A. Carlos G. Bentes Tel. (031) 3681.4770; Cel. (031) 8661.4070; 9684.9869 E-mail: [email protected]
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