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Habitação de interesse social no Brasil

Oct 07, 2015

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Camila Mesquita

Habitação de interesse social no Brasil
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    Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX

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    Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias

    1.Desafios da Habitao Popular no Brasil:

    polticas recentes e tendnciasSrgio Azevedo

    O artigo busca realizar um balano da poltica habitacional brasileira recente, para, posteriormen-

    te, refletir sobre as tendncias e alguns dos novos desafios que se apresentam nesse incio de

    sculo. Para tanto, na primeira seo discutimos as interfaces da questo habitacional com as

    demais polticas urbanas. A segunda seo dedicada a contrastar de forma sucinta a retrica e a prtica da

    poltica habitacional logo aps o perodo de redemocratizao do pas. Na terceira parte do texto, analisar-se-

    a trajetria da poltica habitacional nos anos 1990, seus impasses, constrangimentos e desafios. Por fim, a ltima

    seo do artigo ser dedicada avaliao de algumas das alternativas de enfrentamento da questo habitacional

    com nfase nos setores populares e reflexo sobre as possibilidades e perspectivas de atuao dos dife-

    rentes nveis de governo nessa rea.

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    Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX

    1. As interfaces da questo habitacional com as demais polticas urbanas

    A maioria das unidades habitacionais constru-

    das no pas nos ltimos anos no contou com linhas

    de crdito governamentais, e a autoconstruo foi o

    tipo predominante do sistema construtivo1.

    Ao definir formas de apropriao e utilizao

    do espao permitidas ou proibidas no contexto de

    uma economia de mercado extremamente hierar-

    quizada e marcada por profundas desigualdades de

    renda, a legislao urbana brasileira termina por se-

    parar a cidade legal ocupada pelas classes mdias,

    grupos de alta renda e apenas por parte dos setores

    populares da cidade ilegal destinada maior parte

    das classes de baixa renda. Assim, a legislao acaba

    por definir territrios dentro e fora da lei, ou seja,

    configura regies de plena cidadania e regies de ci-

    dadania limitada (Rolnik, 1997, p. 13).

    Essa hierarquizao espacial agrava tambm

    as condies sociais dos mais pobres, ao desvalori-

    zar fortemente tanto no plano simblico quanto

    no econmico as reas no reguladas pelo Esta-

    do. Nesse sentido, pode-se dizer que a ilegalidade

    sem dvida um critrio que permite a aplicao de

    conceitos como excluso, segregao ou at mesmo

    apartheid ambiental (Maricato, 1996, p. 57).

    Em funo da interdependncia da questo da

    moradia com outras esferas recorrentes e comple-

    mentares, nem sempre um simples incremento dos

    programas de habitao se apresenta como a soluo

    mais indicada para melhorar as condies habitacio-

    nais da populao mais pobre. Em primeiro lugar,

    porque esses programas podem ser inviabilizados

    caso outras polticas urbanas, como as de transpor-

    te, de energia eltrica, de esgotamento sanitrio e de

    abastecimento de gua, no estejam integradas (Aze-

    vedo, 1990). Em segundo lugar, porque em certas

    ocasies, em funo do trade-off entre diversas pol-

    ticas pblicas, mudanas em outros setores] como

    maior investimento em saneamento bsico (esgoto e

    gua), incremento no nvel de emprego, aumento do

    salrio mnimo, regularizao fundiria, entre outras

    podem ter um impacto muito maior nas condies

    habitacionais das famlias de baixa renda do que um

    simples reforo dos investimentos no setor.

    Diante de um contexto desse tipo, no por

    acaso que nas grandes metrpoles brasileiras os pro-

    gramas de regularizao fundiria vinculados a

    melhorias urbanas tm sido crescentemente vistos

    como um instrumento de poltica habitacional extre-

    mamente importante na luta de um grande contigen-

    te de moradores de favelas e de bairros clandestinos

    em busca da integrao socioeconmica.

    1Mesmo no perodo do Banco Nacional da Habitao (BNH) (1964/86), quando foi marcante a presena do Estado, calcula-se que cerca de 26% das novas construes contaram com financiamento do Sistema Financeiro da Habitao (Melo, 1988).

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    Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias

    2. Poltica habitacional e redemocratizao: retrica e prtica

    No incio de 1985, quando se implantou a en-

    to chamada Nova Repblica, o quadro existente

    no setor habitacional apresentava, resumidamente,

    as seguintes caractersticas: baixo desempenho so-

    cial, alto nvel de inadimplncia, baixa liquidez do

    sistema, movimentos de muturios organizados na-

    cionalmente e grande expectativa de que as novas

    autoridades pudessem resolver a crise do sistema

    sem a penalizao dos muturios.

    Em maro daquele ano, foi formado, por inicia-

    tiva do ento presidente do Banco Nacional da Habi-

    tao (BNH), um grupo de trabalho de alto nvel, com

    atribuies de propor um encaminhamento para o

    problema. Participavam desse grupo representan-

    tes da Comisso Nacional dos Muturios (CNM), do

    Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos

    Scio-Econmicos (Dieese), da Associao Brasileira

    das Companhias Habitacionais (ABC) e da Associa-

    o Brasileira das Entidades de Crdito Imobilirio e

    de Poupana (Abecip). Aps trinta dias de negocia-

    es, as entidades envolvidas no lograram chegar a

    um consenso sobre a melhor de forma de enfrentar

    a inadimplncia, a falta de liquidez e o dficit do SFH.

    Aps presses e contrapresses, mobilizao de par-

    lamentares e partidos, e muita discusso interna, o

    governo finalmente tomou a deciso final. Todos os

    muturios teriam um reajuste de 112%, desde que

    optassem pela semestralidade das correes (Uni-

    camp, 1991).

    Os que desejassem manter as indexaes anu-

    ais teriam um aumento correspondente correo

    monetria plena, ou seja, de 246,3%. Desnecessrio

    dizer que, excetuando uma minoria de mal-informa-

    dos e de decises no-racionais, a quase totalidade

    dos muturios optou pela primeira alternativa, que

    incorporava a principal reivindicao da Coordena-

    o Nacional dos Muturios (112% de reajuste).

    Analisemos brevemente os impactos dessa de-

    ciso para o SFH e para os vrios atores envolvidos

    nas negociaes. Ressaltando inicialmente os aspec-

    tos positivos, podemos dizer que, no essencial, o plei-

    to dos muturios foi atendido, tanto que podemos

    considerar o primeiro ano da administrao Sarney

    (1985) como o fim das mobilizaes e dos movimen-

    tos regionais e nacionais de muturios. As entidades,

    quando no se desintegraram, continuaram a existir

    exclusivamente no papel, sem maior capacidade de

    aglutinao. O SFH e as entidades de crdito imobili-

    rio tiveram a curto prazo uma melhora sensvel, pois

    diminuram-se os ndices de inadimplncia e cresceu

    substancialmente a liquidez do sistema.

    Entretanto, os efeitos perversos no podem

    ser subestimados. Primeiramente, ao se conceder um

    subsdio dessa magnitude aos muturios, sem nenhu-

    ma outra medida compensatria de receita, agravou-

    se substancialmente o j existente dficit do SFH. Em

    segundo lugar, como a maioria dos muturios do en-

    to BNH era composto por famlias de renda mdia

    e alta, um subsdio nico para todas as faixas de fi-

    nanciamento, na prtica, converteu-se numa poltica

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    Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX

    pblica de redistribuio de rendas s avessas. Alis,

    de conhecimento pblico que o valor da maioria

    das prestaes de imveis situados em bairros no-

    bres das principais cidades brasileiras adquiridos

    atravs do SFH, poucos anos antes do citado reajuste

    no era, alguns anos depois, suficiente para alugar

    casas relativamente modestas em reas de periferia.

    No mbito institucional, o governo Sarney to-

    mou diversas medidas iniciais que aparentemente

    indicavam uma predisposio a profundas reformas.

    Foi criada uma comisso de alto nvel para propor su-

    gestes, e, mais tarde, sob patrocnio federal e com o

    apoio da Associao dos Arquitetos do Brasil, desen-

    volveram-se debates regionais sobre as propostas em

    pauta, envolvendo setores universitrios, entidades

    de classe e associaes de muturios (Valena, 1992).

    Os temas abordados eram os mais variados possveis:

    discutiam-se medidas de descentralizao do BNH,

    com o fortalecimento das delegacias regionais, e at

    mudanas no sistema de financiamento, operao e

    receita do sistema. Em funo da complexidade da

    questo, da forma de encaminhamento das discus-

    ses e dos diferentes interesses envolvidos, estava-se

    ainda longe de se alcanar consenso sobre pontos

    bsicos da reforma, quando o governo decretou a ex-

    tino do Banco (Melo, 1990).

    A forma como se deu essa deciso foi motivo

    de surpresa para as entidades envolvidas na refor-

    mulao do SFH, uma vez que ocorreu de maneira

    abrupta e sem margem para contrapropostas. Esse

    procedimento se chocava com as declaraes de in-

    tenes e encaminhamentos anteriores, feitos pelo

    prprio governo. No referente ao contedo, a perple-

    xidade foi ainda maior, j que quase nada se resgatou

    do controvertido processo de discusso em curso.

    A maneira como o governo incorporou o an-

    tigo BNH Caixa Econmica Federal tornou expl-

    cita a falta de proposta clara para o setor. Em outras

    palavras, nenhuma soluo foi encaminhada para os

    temas controvertidos que permeavam o debate ante-

    rior. Nesse sentido, a pura desarticulao institucional

    do Banco, sem o enfrentamento de questes subs-

    tantivas, somente agravou os problemas existentes.

    Constrangimentos como o do desequilbrio financei-

    ro do sistema no foram sequer tocados (Azevedo,

    1988; Melo, 1988).

    A incorporao das atividades do BNH Caixa

    Econmica Federal fez com que a questo urbana, e

    em especial a habitacional, passasse a depender de

    uma instituio em que esses temas, embora impor-

    tantes, fossem objetivos setoriais. Do mesmo modo,

    ainda que considerada como agncia financeira de

    vocao social, a Caixa possui, como natural, alguns

    paradigmas institucionais de um banco comercial,

    como a busca de equilbrio financeiro, retorno do ca-

    pital aplicado etc. Nesse contexto, tornou-se difcil,

    por exemplo, dinamizar programas alternativos, vol-

    tados para os setores de menor renda e que exigem

    elevado grau de subsdios, envolvimento institucio-

    nal, desenvolvimento de pesquisas etc.

    Evidentemente, poder-se-ia argumentar que a

    poltica urbana e habitacional estar sempre a car-

    go do respectivo ministrio, atuando a Caixa apenas

    como rgo gerenciador do sistema. Convm lem-

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    Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias

    brar, entretanto, que tambm no passado a poltica

    urbana e habitacional esteve vinculada formalmente

    a outros rgos Servio Federal de Habitao e Ur-

    banismo (Serfhau), Conselho Nacional de Desenvol-

    vimento Urbano (CNDU) e Ministrio do Desenvol-

    vimento Urbano.

    Apesar disso, na prtica, por ter controle so-

    bre recursos crticos, couberam ao BNH a definio

    e a implementao concreta da poltica. No havia

    por que supor que com a Caixa Econmica ocorres-

    se uma situao muito diferente. Assim, apesar dos

    discursos e das diversas mudanas ministeriais Mi-

    nistrio do Desenvolvimento Urbano, Ministrio da

    Habitao e Urbanismo, Ministrio da Habitao e

    Bem-Estar Social , a Caixa Econmica Federal foi o

    carro-chefe da poltica habitacional vinculada ao Sis-

    tema Financeiro da Habitao.

    Ressalte-se que no primeiro ano aps a extin-

    o do BNH 1987 as Companhias Habitacionais

    (Cohab) financiaram 113.389 casas populares. Du-

    rante o primeiro semestre de 1988, esse nmero caiu

    drasticamente para 30.646 unidades devido s mu-

    danas da poltica habitacional a partir da Resoluo

    1464, de 26/02/88, do Conselho Monetrio Nacional,

    e normas posteriores (CAIXA, 2000). Sob a alegao

    da necessidade de controle das dvidas dos estados e

    municpios, essa resoluo criou medidas restritivas

    ao acesso a crditos por parte das Cohab. Do mesmo

    modo, ao criar novas normas para se adaptar cita-

    da resoluo e a outras que lhe sucederam, a Caixa

    Econmica Federal terminou, na prtica, no s por

    transferir iniciativa privada os crditos para a habi-

    tao popular, como tambm diminuiu a capacidade

    dos estados e municpios em disciplinar a questo

    habitacional. Assim, a transformao das Cohab de

    agentes promotores em simples rgos assessores

    e a obrigatoriedade dos muturios finais de assumi-

    rem os custos totais dos terrenos e da urbanizao

    acarretaram inmeras conseqncias negativas no

    final dos anos 1980. Entre elas, podem-se citar:

    a) a paulatina diminuio de poder por parte

    das companhias habitacionais;

    b) a elevao da exigncia de renda da cliente-

    la dos programas tradicionais, que passaram a voltar-

    se fundamentalmente para famlias com rendimen-

    tos mensais acima de cinco salrios mnimos;

    c) a desacelerao dos programas alternativos

    (Azevedo, 1990).

    Essa tendncia elitista da poltica de habita-

    o popular vinculada ao SFH no significou, entre-

    tanto, que os programas alternativos durante os pri-

    meiros anos da Nova Repblica tenham tido pouca

    importncia. Pelo contrrio, eles nunca foram to

    fortes. Entre os desenvolvidos margem do SFH, me-

    rece destaque especial o Programa Nacional de Mu-

    tires Habitacionais, da Secretaria Especial de Ao

    Comunitria (Seac). Apesar de suas especificidades

    e dinamismo sem precedentes, ele apresenta muitos

    pontos em comum com os programas alternativos

    que o antecederam (Profilub, Promorar, Joo de Bar-

    ro etc.), tanto no referente ao papel do poder p-

    blico local, quanto no que diz respeito atuao da

    populao beneficiada.

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    Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX

    Por outro lado, em seus poucos anos de vida,

    a trajetria institucional da Seac exemplifica bem

    a falta de uma poltica clara para o setor. Vinculada

    inicialmente Secretaria de Planejamento, ela passa

    posteriormente para a Casa Civil da Presidncia da

    Repblica, Ministrio da Habitao e do Bem-Estar

    Social, Ministrio da Previdncia e, por fim, ao Mi-

    nistrio do Interior.

    O programa habitacional da Seac funcionava

    com verba a fundo perdido do Oramento Geral

    da Unio (OGU) e se propunha a atingir as famlias

    com renda mensal inferior a trs salrios mnimos,

    normalmente preteridas pelos programas tradicio-

    nais. Seu formato institucional previa o estabeleci-

    mento de um convnio entre a Seac, a instituio

    conveniada que poderia ser a prefeitura ou um

    rgo do governo estadual e a sociedade comu-

    nitria habitacional, formada pelos participantes de

    cada projeto.

    Na maioria dos estados, o escritrio local da

    Seac realizava diretamente convnios com as prefei-

    turas. Em alguns deles, no entanto, as atividades da

    Seac foram centralizadas em um nico rgo esta-

    dual, que coordenava e promovia o programa, nor-

    malmente com um nome de identificao estadual.

    Do ponto de vista formal, pode-se dizer que

    no curto espao de menos de dois anos o progra-

    ma se props a financiar cerca de 550.000 unidades

    habitacionais (Seac, 1988), enquanto nesse mesmo

    perodo as Cohab financiaram menos de 150.000

    (CAIXA, 2000). Supe-se que mais de um tero das

    unidades financiadas no tenham sido construdas,

    em razo, entre outros fatores, do baixo financia-

    mento unitrio aliado inflao galopante e m

    utilizao dos recursos.

    O processo inflacionrio, por si s, dificultou

    enormemente o cumprimento das metas fsicas

    programadas, em virtude do aumento exorbitante

    dos preos dos materiais de construo e servios.

    Por outro lado, a dependncia exclusiva de verbas

    oramentrias, somada situao de crise econmi-

    ca e fiscal, levava ao temor de que no se consegui-

    ria manter o programa com o mesmo dinamismo

    dos dois anos anteriores. Havia ainda o desafio da

    busca de um maior controle das metas quantitati-

    vas do programa, sem tornar a sua estrutura pesada

    e onerosa. Ressalte-se tambm que a inexistncia

    de uma poltica clara de prioridades para alocao

    de recursos tornou o programa uma presa fcil do

    clientelismo e de toda sorte de trfico de influn-

    cias (Valena, 1999).

    A experincia histrica brasileira mostra que

    sempre que um programa habitacional altamente

    subsidiado permite um grau muito alto de liberdade

    na alocao de recursos, as regies menos desenvol-

    vidas e os estados com dificuldades polticas junto

    ao governo central terminam seriamente prejudica-

    dos, como ocorreu com a Fundao da Casa Popular

    durante o perodo populista (1946/1963) (Azevedo

    e Andrade, 1982). Assim, por exemplo, enquanto o

    Nordeste abriga aproximadamente 35% da popula-

    o brasileira, somente 15,6% dos recursos do Pro-

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    Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias

    grama Nacional de Mutires Habitacionais (85.914

    unidades) foram investidos na regio (Seac, 1988).

    Apesar de todos esses constrangimentos e de-

    ficincias, no se pode negar-lhe o impacto. Foi a

    primeira vez na trajetria da poltica popular brasilei-

    ra que um programa alternativo apresentou melhor

    desempenho quantitativo do que os convencionais.

    Devido ao seu frgil formato institucional, ele termi-

    nou junto com o mandato do primeiro presidente

    civil da chamada Nova Repblica.

    3. A poltica habitacional nos anos 1990: as ambigidades e a busca de democratizao

    O governo Collor pouco inovou nos seus dois

    anos e meio de mandato em relao administrao

    anterior no referente a mudanas no Sistema Finan-

    ceiro da Habitao. Possivelmente, devido nfase e

    primazia no combate inflao, todos os programas

    sociais de maior envergadura, prometidos durante

    a campanha, foram postergados para um segundo

    momento. Em relao especificamente habitao

    popular, houve o que Marcus Andr Melo chama de

    banalizao da poltica, com dissociao das ativi-

    dades de saneamento e desenvolvimento urbano e

    sua transformao em uma poltica distributiva, ago-

    ra vinculada ao novo Ministrio da Ao Social. Da

    mesma forma que o governo anterior, a alocao das

    unidades construdas tanto pelos programas popu-

    lares convencionais quanto pelos alternativos es-

    tes ltimos baseados na autoconstruo continuou

    sendo feita por critrios aleatrios, no respeitando

    na prtica a distribuio estabelecida pelo Conse-

    lho Curador do FGTS, atravs da Resoluo 25, de

    26/10/90 (Unicamp, 1991, p. 42). A construo de

    unidades convencionais tambm continuou privile-

    giando setores populares de renda mais elevada.

    O Plano de Ao Imediata para a Habitao

    (Paih), lanado em maio de 1990 e apresentado

    como medida de carter emergencial, se propunha

    a financiar em 180 dias cerca de 245 mil habitaes,

    correspondente a investimento da ordem de 140 mi-

    lhes de VRF, montante que significa um custo m-

    dio de 570 VRF por unidade. Totalmente financiado

    com recursos do FGTS, com juros reais entre 3,5%

    e 5,55 ao ano para o muturio final, o plano tinha

    como populao-alvo as famlias com renda mdia

    de at cinco salrios mnimos. O Paih possua trs

    vertentes: programa de moradias populares (uni-

    dades acabadas), programa de lotes urbanizados

    (com ou sem cesta bsica de materiais) e programa

    de ao municipal para habitao popular (unida-

    des acabadas e lotes urbanizados). Enquanto para

    os dois primeiros programas os agentes promotores

    eram variados (Cohab, Cooperativas, Entidades de

    Previdncia, Carteiras Militares etc.), para o ltimo

    este papel caberia exclusivamente prefeitura. A co-

    ordenao geral ficaria a cargo do Ministrio de Ao

    Social / Secretaria Nacional da Habitao, atuando a

    Caixa Econmica Federal como banco de segunda

    linha, isto , com a responsabilidade de implementar

    os programas atravs dos agentes promotores. A CAI-

    XApoderia atuar tambm como agente financeiro, do

    mesmo modo que os bancos e as Caixas Econmicas

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    Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX

    estaduais ento existentes, as sociedades de crdito

    imobilirio e as companhias habitacionais.

    A avaliao do Paih mostra o no-cumprimento

    de vrias das metas estabelecidas: o prazo estimado

    de 180 dias alongou-se por mais de 18 meses; o custo

    unitrio mdio foi de cerca de 670 VRFs, bem supe-

    rior ao previsto inicialmente (570 VRFs), ocasionan-

    do uma diminuio de 245 mil para 210 mil unidades

    (Unicamp, 1991). Por fim, por motivos clientelistas e

    lobby de setores empresarias da construo civil de

    regies menos desenvolvidas, especialmente do Nor-

    deste, o plano no logrou seguir os percentuais de

    alocao de recursos definidos pelo Conselho Cura-

    dor do FGTS para os diversos estados da federao

    (Schvasberg, 1993).

    Durante a administrao Collor, no houve tam-

    bm nenhuma iniciativa para rediscutir em profundi-

    dade o SFH. Houve apenas maquiagens de efeitos e

    legalidade duvidosa como as contidas na Medida Pro-

    visria 294, de 31 de janeiro de 1991. Em seu artigo

    20, modifica-se o reajuste das prestaes, vinculadas

    ao Plano de Equivalncia Salarial, supondo que o au-

    mento real de salrios semestrais deve ser maior que

    a remunerao da caderneta de poupana. Assim, as

    prestaes seriam reajustadas mensalmente pela re-

    munerao das cadernetas e na data-base seria acres-

    cido o ganho real de salrio porventura existente.

    Procurava-se, com esta medida, diminuir atravs de

    artifcio legal contestado pelos muturios e poste-

    riormente derrubado pela justia o rombo histrico

    do Sistema Financeiro da Habitao. Ainda em 1991,

    foi facilitada a quitao da casa prpria pela metade

    do saldo devedor, ou pelo pagamento das mensalida-

    des restantes, sem correo e juros. Normalmente, a

    segunda opo de quitao foi a mais vantajosa, oca-

    sionando na prtica subsdios substanciais. Permitiu-

    se tambm o uso do FGTS para a quitao antecipa-

    da. Boa parte dos muturios de classe mdia logrou

    liberar seus imveis por preos bastante acessveis.

    O governo conseguiu momentaneamente aumentar

    o fluxo de caixa para financiamentos habitacionais,

    mas seguramente isso significou maiores subsdios

    e agravamento ainda maior da crise. O contra-argu-

    mento do governo era que essa receita estava perdi-

    da devido aos baixos valores das prestaes e que,

    assim, pelo menos, fora possvel resgatar parte dessa

    verba. Para os setores mdios, foi extinto o Plano de

    Equivalncia Salarial e terminou-se com o perdo

    dos resduos do saldo devedor, atravs do Fundo de

    Compensao das Variaes Salariais (FCVS).

    Com a destituio de Collor e a posse do pre-

    sidente Itamar, houve uma busca de mudana nos

    rumos da poltica habitacional especialmente no re-

    ferente s classes de baixa renda, por meio dos pro-

    gramas Habitar Brasil e Morar Municpio, que funcio-

    navam por fora do Sistema Financeiro da Habitao.

    Entretanto, pouco foi feito para mudar o qua-

    dro conhecido de crise estrutural do SFH. Com a ex-

    tino do FCVS, criou-se um plano de amortizao

    baseado no comprometimento de renda (em subs-

    tituio ao antigo Plano de Equivalncia Salarial) e

    definiram-se percentuais mximos de cobranas de

    taxas e despesas cartoriais etc. Alm disso, houve um

    esforo de obrigar os bancos a respeitarem a lei e a

  • 21

    Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias

    canalizarem pelo menos parte da arrecadao das ca-

    dernetas para investimentos habitacionais direciona-

    dos classe mdia. Esperava-se com isso alcanar, at

    o final do governo Itamar, investimentos da ordem de

    1,4 bilho de dlares (Azevedo, 1996).

    Em relao produo de casas populares, a

    administrao Itamar procurou atuar em duas fren-

    tes. Primeiramente, buscou terminar at meados de

    1994 cerca de 260 mil casas financiadas pelo gover-

    no anterior, atravs das linhas de financiamento tra-

    dicionais (FGTS), recursos do Fundo de Desenvolvi-

    mento Social (FDS) e verbas oramentrias. Previa-se,

    segundo declarao do ento secretrio Nacional da

    Habitao, a aplicao de aproximadamente 800 mil

    dlares para a concluso dessas casas. Em segundo

    lugar, lanou o Programa Habitar Brasil, voltado para

    municpios de mais de 50 mil habitantes, e o Morar

    Municpio, destinado aos municpios de menor por-

    te. O financiamento federal para esses programas

    estimados em 100 mil dlares para o ano de 1993

    previa verbas oramentrias e parte dos recursos

    arrecadados pelo Imposto Provisrio sobre Movi-

    mentaes Financeiras (IPMF), que terminou no

    ocorrendo dentro do montante previsto, em funo

    de prioridades do Plano de Estabilizao Econmica

    (Azevedo, 1996).

    Na verdade, apesar de nomenclaturas diferen-

    tes, os referidos programas tinham as mesmas carac-

    tersticas bsicas. Capitaneados, na poca, pelo Mi-

    nistrio do Bem-Estar Social, previam a participao

    de governos estaduais e prefeitura municipais. Sua

    populao-alvo seriam as famlias de baixa renda e as

    que vivem em reas de risco.

    Para se ter acesso a estes financiamentos, en-

    tre outras exigncias, era obrigatria a criao de um

    Conselho Estadual ou Municipal de Bem-Estar Social,

    bem como de um respectivo Fundo Estadual ou Mu-

    nicipal de Bem-Estar Social, para onde os recursos

    deveriam ser canalizados.

    Alm dos custos de urbanizao dos terrenos,

    legalizao, elaborao do projeto tcnico, pavimen-

    tao de ruas e eletrificao era exigida uma contra-

    partida claramente definida do governo estadual ou

    municipal envolvido (10% do investimento federal

    para as regies menos desenvolvidas e 20% para as

    demais). Todo o projeto deveria ser feito em parceria

    com organizaes comunitrias locais.

    Os projetos poderiam prever construo de

    moradias, urbanizao de favelas, produo de lotes

    urbanizados e melhorias habitacionais, mas os bene-

    ficirios desses programas deveriam ser propriet-

    rios ou ter a posse dos terrenos.

    No caso de construo de moradias ou melho-

    rias habitacionais, o regime de trabalho deveria ser

    de ajuda mtua ou auto-ajuda, enquanto caberia

    ao governo estadual ou municipal a obrigao de

    prestar assistncia tcnica, atravs de equipe inter-

    disciplinar. Esse custo, no entanto, no poderia ultra-

    passar 5% do financiamento fornecido pela Unio.

    No caso de obras de infra-estrutura e equipamentos

    comunitrios, alm das modalidades citadas, eram

  • 22

    Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX

    permitidos administrao direta ou contrato de em-

    preitada a firmas particulares.

    Em se tratando de produo de moradias e lo-

    tes urbanizados, seriam cobradas dos beneficirios

    parcelas mensais de pelo menos 5% do salrio mni-

    mo vigente, pelo perodo mnimo de cinco anos. Os

    recursos arrecadados seriam reaplicados no Fundo

    Estadual ou Municipal de Bem-Estar Social. Caberia

    ao Conselho estadual ou municipal criar as normas

    complementares necessrias matria.

    Por fim, durante esse prazo de carncia mni-

    mo de cinco anos, as casas e os lotes urbanizados

    deveriam permanecer como patrimnio do fundo

    estadual ou municipal. Nesse perodo, os benefici-

    rios firmariam um contrato de concesso de uso, dis-

    positivo que no se aplicaria quando o terreno fosse

    de sua propriedade.

    Apesar de apresentarem um avano significati-

    vo, ao proporem a formao de Conselhos para gerir

    a poltica habitacional em que, alm de membros

    indicados pelo governo, previa-se a participao de

    representantes da sociedade civil e a criao de

    fundos especficos que permitiriam, em princpio,

    verbas constantes e pontuais para a produo de

    habitaes populares, alm de evitarem possveis

    tentativas de desvios dos recursos repassados pela

    Unio, os programas mencionados possuam vrios

    constrangimentos. Mesmo sendo uma iniciativa de

    poltica descentralizadora, eles pecavam por uma

    excessiva padronizao. Em outras palavras, faziam

    tbula rasa da enorme heterogeneidade dos muni-

    cpios brasileiros, exigindo de todos a formao de

    Conselhos e fundos. No h dvida de que, para a

    maioria dos pequenos municpios, corria-se o risco

    da criao apenas formal desses mecanismos, como

    ocorreu nos ltimos anos com outras exigncias si-

    milares feitas por leis federais e estaduais (Conselho

    de Sade, Educao, Criana e Adolescente, Assistn-

    cia Social etc.).

    Convm lembrar que, apesar de propor a cria-

    o de fundos estaduais e municipais, o governo

    no logrou, at o final da administrao Itamar, a for-

    mao de um fundo federal. Os mencionados pro-

    gramas dependeram fundamentalmente de verbas

    oramentrias ou de recursos provisrios (IPMF), o

    que os fragilizou institucionalmente. Tampouco se

    conseguiu avanar na formao de um Conselho

    federal, similar aos propostos para os governos esta-

    duais e municipais.

    Ressalte-se, entretanto, que, com o objetivo de

    reformar e criar um novo arranjo institucional para

    o setor, tanto a proposta de criao de um Conselho

    quanto a de criao de um fundo federal voltados

    para a rea habitacional foram no incio dos anos

    1990 questes em pauta na Cmara de Deputados.

    Essa discusso, iniciada em 1992 por meio da

    constituio de um Frum Nacional de Habitao,

    envolvendo inmeras instituies da sociedade civil

    e rgos pblicos vinculados questo habitacional,

    se organizou em torno de trs propostas, cada uma

    representando determinados blocos de interesses:

    parte da burocracia pblica da poltica habitacional

    (Frum dos Secretrios Estaduais de Habitao), os

    construtores e o setor popular organizado. Elas ti-

  • 23

    Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias

    nham como ponto comum a busca da restaurao de

    uma nova aliana entre os interesses envolvidos no

    financiamento, produo e uso da moradia, atravs

    da criao de um Conselho Nacional de Habitao,

    com a funo de gerir a poltica habitacional, e de

    um fundo especfico para garantir o financiamento

    do setor. Evidencia tambm a preocupao de no

    deixar exclusivamente na mo de um rgo gover-

    namental os rumos da poltica habitacional, abrindo

    perspectivas de um tipo de participao neocorpo-

    rativa em que segmentos da sociedade civil teriam

    assento. As sugestes sobre o formato institucional

    deste Conselho variavam bastante, e a proposta do

    movimento popular era a nica em que os represen-

    tantes da sociedade civil seriam majoritrios.

    A administrao Fernando Henrique, que to-

    mou posse no incio de 1995, apresentou como

    proposta para o trinio 1996-1999 a aplicao de

    R$ 26,5 bilhes para beneficiar 1.394.900 famlias,

    utilizando aproximadamente R$ 19,6 bilhes de re-

    cursos oriundos do FGTS e R$ 6,9 milhes prove-

    nientes da contrapartida de estados e municpios

    (Sepurb, 1996c).

    Em linhas gerais, do ponto de vista financeiro,

    as iniciativas para viabilizar essa proposta seriam:

    a) continuar os esforos visando o saneamento

    do FGTS, com o objetivo de proteger os recursos dos

    trabalhadores, bem como ampliar a capacidade de in-

    vestimento habitacional do fundo;

    b) securitizar a dvida do Fundo de Compen-

    sao das Variaes Salariais (FCVS) com os agentes

    financeiros e o FGTS;

    c) implementar novas formas de captao de

    recursos para o setor imobilirio a partir de empre-

    sas de capitalizao e seguros, fundos mtuos e fun-

    daes de previdncia privada, entre outros.

    Como elemento chave da nova poltica, passa-

    se a discutir a questo habitacional de forma inte-

    grada poltica urbana e poltica de saneamento

    ambiental, atravs da Secretaria de Poltica Urbana.

    Nessa mesma linha de busca de articulao entre

    polticas complementares e recorrentes, defende

    uma poltica fundiria urbana adequada de modo a

    desestimular a formao de estoques de terras para

    fins especulativos.

    Ainda, segundo o programa habitacional da

    primeira administrao Fernando Henrique Cardoso,

    sugeria-se reforar o papel dos governos municipais

    como agentes promotores da habitao popular, in-

    centivando-os inclusive a adotar linhas de ao diver-

    sificadas, voltadas para urbanizao de favelas e recu-

    perao de reas degradadas. Eram propostas, entre

    outras, as seguintes medidas no campo da habitao

    popular: apoiar programas geradores de tecnologia

    simplificada que possibilitassem a construo de

    moradias de qualidade a custo reduzido; privilegiar

    as formas associativas e cooperativas de produo

    de habitaes e incentivar programas de assistncia

    tcnica aos rgos, entidades e organizaes comu-

    nitrias, comprometidas com solues locais e inte-

    gradas de interesse social.

  • 24

    Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX

    Quanto s iniciativas de alcance social do in-

    cio da primeira administrao FHC, merece desta-

    que o Programa de Concluso de Empreendimentos

    Habitacionais, que visava recuperar investimentos j

    realizados com recursos do FGTS que no geraram

    os benefcios esperados, especialmente para viabi-

    lizar a comercializao de conjuntos habitacionais

    contratados at 1991 por empresas privadas, que se

    encontravam inacabados em virtude de problemas

    de financiamento na poca.

    Por sua vez, os Programas de Crdito Direto

    ao Cidado, denominados Cred-Mac e Cred-Casa,

    voltados para famlias com at oito salrios mnimos

    de renda mdia mensal (atuando, inclusive, no setor

    informal), possibilitariam a oferta de crdito para a

    aquisio de materiais de construo, visando me-

    lhoria ou construo de habitaes. Sua principal

    caracterstica residia na forma de financiamento mais

    simplificada, j que esses programas no seguiam as

    regras do Sistema Financeiro da Habitao.

    No setor social, destacam-se o Pr-Moradia e

    o Programa Habitar Brasil, voltados para o poder p-

    blico (estados e municpios) e financiados, respec-

    tivamente, com recursos do FGTS e do Oramento

    Geral da Unio. Seus principais objetivos seriam a

    urbanizao de reas degradadas para fins habita-

    cionais, a regularizao fundiria e a produo de

    lotes urbanizados. Nessas duas iniciativas, buscava-

    se beneficiar 677.100 famlias, investindo R$ 5,2

    bilhes, sendo R$ 4 bilhes de recursos do FGTS

    e R$ 1,2 milho da contrapartida de estados e muni-

    cpios (Sepurb, 1996a, 1996b).

    Entre 1996 e 2000, o desempenho do governo,

    no que diz respeito poltica de habitao popular

    stricto sensu, ficou aqum do inicialmente planejado,

    pois para o Pr-Moradia foram investidos cerca de R$

    830 milhes, em recursos do FGTS, para a construo

    de 155.219 unidades residenciais, a um custo mdio

    unitrio de R$ 5.400,00. No mesmo perodo, com re-

    cursos a fundo perdido do OGU, foram alocados no

    Morar Melhor / Habitar Brasil em torno de R$ 860

    milhes que resultaram na construo de 294.595

    moradias, com custo unitrio mdio de R$ 2.920,00

    (CAIXA, 2000).

    Ressalte-se, entretanto, que em polticas recor-

    rentes e complementares s polticas habitacionais

    populares os aportes da Unio foram bem mais subs-

    tanciais. Por meio de financiamento do FGTS, o go-

    verno federal investiu, entre 1996 e 2000, em torno

    de R$ 2,7 bilhes em saneamento bsico (Pr-Sanea-

    mento). No citado perodo, foram aplicados cerca de

    R$ 2,5 bilhes de recursos oramentrios do OGU

    em diversos programas de infra-estrutura e sanea-

    mento (CAIXA, 2000).

    Por fim, quanto s propostas no dinamizadas

    de novas polticas habitacionais, deve ser lembrado

    o Programa de Arrendamento Residencial (PAR), vol-

    tado para atingir uma clientela na faixa entre qua-

    tro e seis salrios mnimos de renda familiar. Ainda

    que proposto como forma de leasing habitacional,

    esse programa parece no ter sido pensado com a

    mesma filosofia de seus congneres europeus. O ar-

  • 25

    Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias

    rendamento aqui teria mais o objetivo de facilitar a

    retomada dos imveis em caso de inadimplncia do

    muturio, evitando longas batalhas judiciais2.

    Para os setores mdios (renda familiar mensal

    de at 12 salrios mnimos), tem se destacado ao lon-

    go dos ltimos anos o Programa Carta de Crdito,

    que utiliza recursos do FGTS e das cadernetas de

    poupana. Trata-se de fornecer uma linha de crdito

    direta ao cidado, que pode escolher a melhor alter-

    nativa para resolver seu problema de moradia, den-

    tre as modalidades de aquisio de habitao pronta,

    nova ou usada.

    Merece tambm destaque o Programa de Fi-

    nanciamento Produo e ao Crdito Individual,

    voltado para apoiar a indstria da construo civil

    na produo de projetos habitacionais destinados

    parcela da populao de renda mdia e alta que

    opte por um contrato de financiamento vinculado

    ao imvel. Trata-se de programa praticamente similar

    ao que foi hegemnico durante o perodo BNH para

    os setores de maior renda, exceto no que respeita ao

    financiamento que, alm dos recursos das cadernetas

    de poupana, abre a possibilidade de outras fontes

    complementares (Companhias Hipotecrias e Fun-

    dos de Investimento Imobilirio).

    Mas, a maior novidade na rea habitacional

    nos anos 1990 foi a aprovao, atravs da Lei Fede-

    ral 9.512 / 97, do denominado Sistema Financeiro

    Imobilirio (SFI), em moldes totalmente diferentes

    do SFH, criado junto com o extinto Banco Nacional

    da Habitao e que at hoje financia a maior par-

    te dos programas existentes, por meio de recursos

    da caderneta de poupana e do FGTS. Inspirado na

    experincia norte-americana, o novo sistema opera

    exclusivamente com recursos da iniciativa privada

    nacional e internacional. O ponto de destaque do SFI

    a chamada alienao fiduciria, pela qual o mutu-

    rio somente torna-se proprietrio do imvel quando

    quita o financiamento. Com isso, o financiador pode

    retomar rapidamente os imveis em inadimplncia.

    Tanto o perodo permitido para atrasos quanto os

    prazos de financiamento e as taxas de juros sero fi-

    xados, atravs de contrato, entre os agentes fiducirio

    e fiduciante, sem interferncia do Estado. Pelo texto

    da lei, os assalariados podero utilizar os recursos

    do FGTS para abater as dvidas. O objetivo de seus

    mentores seria atrair no s capitais internacionais

    como recursos dos fundos de penso, uma vez que

    financiando apenas parte do custo do imvel (cabe

    ao comprador arcar diretamente com parte dos cus-

    tos) e com a possibilidade de rpida retomada em

    caso de inadimplncia alm da inexistncia de re-

    gulao governamental para prazos, taxa de juros e

    comprometimento mximo de renda familiar com

    as prestaes dificilmente haveria possibilidade de

    prejuzo para o investidor.

    2Tradicionalmente, nos casos graves de inadimplncia, a CAIXA tem optado pelo leilo com as residncias ocupadas, mas isso acarreta uma diminuio nos preos dos arremates das mesmas.

    Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias

  • 26

    Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX

    Um eventual revigoramento do atual Sistema

    Financeiro da Habitao depende da resoluo de

    uma complicada questo poltica sobre como co-

    brir o dficit acumulado ao longo das ltimas dca-

    das. Por outro lado, o desempenho do novo Sistema

    Financeiro Imobilirio, ainda em fase de implemen-

    tao, depende de inmeras variveis financeiras e

    econmicas, bem como de alianas de interesses e

    de um formato institucional que lhe permitam con-

    ceder financiamentos em larga escala e em fluxo

    constante. Evidentemente, este um sistema que

    somente pode ser utilizado para setores de renda

    mais alta, uma vez que seria duvidoso que, em uma

    conjuntura de juros altos, fosse capaz de atingir uma

    clientela mais ampla.

    4. Perspectivas e cenrios para a questo da moradia no incio do novo sculo

    A rpida urbanizao das ltimas dcadas do

    sculo XX aliada a um processo de industrializa-

    o tardia que incorporou somente uma pequena

    parcela dos trabalhadores urbanos acarretou pro-

    blemas urbanos complexos e de difcil enfrentamen-

    to por parte do poder pblico.

    Entre as diversas carncias da populao de bai-

    xa renda vinculadas ao habitat (saneamento, abaste-

    cimento de gua, energia eltrica, transporte etc.), a

    que apareceu com mais evidncia e centralidade foi

    o dficit de moradia. Esse contexto explica, em parte,

    no s por que o poder pblico, em termos de poltica

    urbana, priorizou historicamente a questo habitacio-

    nal, como tambm a pouca amplitude e o fracasso da

    maior parte dessas intervenes governamentais.

    Em uma sociedade extremamente heterognea

    e desigual como a brasileira, questes aparentemente

    universais como educao, servios de sade, sanea-

    mento e habitao no so facilmente comparveis e

    muito menos intercambiveis entre alguns dos diver-

    sos submundos sociais. Assim, no referente ao habi-

    tat, temas como necessidades habitacionais, aluguel,

    habitao adequada, tamanho de terreno, infra-estru-

    tura, entre outros que em geral so tratados como

    se estivessem vinculados a um nico mercado , tm,

    na verdade, significados muito variados, dependendo

    dos setores sociais a que se referem.

    Comecemos pelas alternativas que se abrem

    para os setores populares, que mesmo durante a fase

    urea do BNH foram os menos beneficiados. Nessas

    condies, a opo habitacional para a maioria da

    populao pobre, formada por um considervel con-

    tingente de desempregados e de trabalhadores even-

    tuais, tm sido os cortios, favelas e bairros clandes-

    tinos, localizados fundamentalmente nas metrpoles

    e grandes cidades. Assim, a autoconstruo torna-se

    a soluo possvel para amplas camadas populares

    resolverem seus problemas habitacionais. Em funo

    da escassez de recursos e de tempo disponvel, essas

    construes prolongam-se por um largo perodo de

    tempo e se caracterizam pelo tamanho reduzido, bai-

    xa qualidade dos materiais empregados, acabamento

    precrio e tendncia deteriorao precoce (Marica-

    to, 1979; Ribeiro e Azevedo, 1996).

  • 27

    Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias

    A experincia tem demonstrado que, apesar

    dos subsdios diretos e indiretos, nos pases subde-

    senvolvidos as casas populares so ainda muito caras

    para a maioria dos setores de baixa renda. Nessas cir-

    cunstncias, a poltica habitacional enfrenta um di-

    lema de difcil soluo: se subsidia em maior escala,

    compromete drasticamente a produo quantitativa

    de casas; se busca um nvel maior de eficcia atra-

    vs do retorno de parte do capital aplicado , exclui

    uma considervel parcela da populao dos progra-

    mas tradicionais de habitao popular.

    por esse motivo que, nas ltimas dcadas,

    tanto no Brasil como em muitos outros pases em

    desenvolvimento, pesquisadores, autoridades gover-

    namentais e lderes comunitrios vem os chamados

    programas alternativos de habitao popular como

    uma das formas de tentar responder s necessidades

    habitacionais das populaes de baixa renda.

    Embora a retrica oficial continue a exaltar

    as qualidades dos chamados programas alternativos

    como forma de enfrentar os problemas habitacionais

    dos setores populares, os impactos concretos dessas

    iniciativas ainda necessitam de estudos mais detalha-

    dos3. Em contraposio e como estratgia para en-

    frentar a crise de moradia, parte dos setores mdios

    e altos optou, entre outras alternativas, pela partici-

    pao em condomnios fechados afastados das reas

    nobres, mas com acesso relativamente rpido atravs

    de servios de transportes (auto-estradas, metrs de

    superfcie etc.), e pela recuperao de parte de an-

    tigos bairros populares, bem localizados na estrutu-

    ra das cidades, impondo-lhes uma nova significao

    simblica, concomitante com a criao de externali-

    dades exclusivas, que os diferenciariam do resto da

    rea (Ribeiro e Azevedo, 1996).

    As estratgias de parte dos setores mdios e

    de alta renda supracitadas significam a criao de

    ilhas de classe mdia incrustadas na periferia ou

    em antigos bairros populares. Se atentarmos para

    o fato de que, concomitantemente a esse proces-

    so, est em curso o adensamento das favelas e dos

    bairros populares j consolidados, podemos ante-

    ver o que chamaramos de diminuio perversa da

    segregao espacial. O maior convvio forado,

    em espaos contguos, dos estratos mdios e altos

    com setores populares, em um contexto de desa-

    gregao social e de baixo crescimento econmico,

    tende a desencadear um recrudescimento dos pre-

    conceitos sociais e uma identificao mecanicista

    de pobres como sinnimo de classes perigosas

    (Ribeiro e Azevedo, 1996).

    Parte desse comportamento das classes m-

    dias est relacionada com a trajetria ascendente da

    violncia urbana. Entretanto, a tendncia de ver o

    3Durante o perodo BNH, esses programas corresponderam a cerca de 265 mil unidades habitacionais, significando apenas 5,95% do total dos financiamentos do Banco (Azevedo, 1988, p. 117). Convm lembrar, entretanto, que aps 1985 a maioria dos programas de habitao popular nos trs nveis de governo, imple-mentados fora do SFH, privilegiaram os programas alternativos (mutiro, autoconstruo, cooperativas de autogesto etc.) que, em muitos casos, apresentaram resultados satisfatrios (Azevedo, 1990).

    Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias

  • 28

    Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX

    outro de classe inferior como um inimigo em po-

    tencial tende a cristalizar preconceitos ideolgicos

    nas elites, que obscurecem a necessidade da busca

    de solues econmicas e polticas de mbito mais

    amplo (diminuio dos nveis de pobreza absoluta,

    ampliao das possibilidades de ascenso social, re-

    forma do Estado etc.) e terminam por enfatizar res-

    postas individuais imediatistas, incapazes de atacar

    as razes do problema. Alm disso, acarretam proble-

    mas que no s afetam negativamente a estrutura

    urbana das cidades como tambm as prprias con-

    dies habitacionais desses setores. Ou seja, levam

    a um aumento exacerbado nos servios de seguran-

    a e de taxas de condomnios, ao aprisionamento

    das pessoas em suas residncias e diminuio da

    importncia da rua, enquanto espao pblico de

    convvio social, intercmbio, socializao e lazer.

    (Ribeiro e Azevedo, 1996).

    Por outro lado, tambm se poderia supor al-

    guns efeitos positivos no esperados decorrentes des-

    sa conjuntura. Em primeiro lugar, uma maior presso

    dos setores populares cobrando do poder pblico

    maiores investimentos de infra-estrutura, equipamen-

    tos comunitrios e outras melhorias habitacionais,

    tendo em vista o efeito demonstrao. Numa con-

    juntura democrtica, em que o voto possui o mesmo

    peso, independente da classe social do votante, este

    um cacife no desprezvel. Alis, apesar da crise fiscal

    e econmica, a melhora dos indicadores sociais nas

    duas ltimas dcadas pode ser explicada, em grande

    parte, por fatores de ordem poltica.

    O debate sobre as possibilidades de reforma

    do SFH, iniciado em dezembro de 1992 na Cmara

    dos Deputados por ocasio do Simpsio Nacional da

    Habitao, do qual participaram parlamentares de v-

    rios partidos, representantes de sindicatos e numero-

    sas associaes da sociedade organizada, no logrou

    restaurar uma aliana suficientemente forte entre os

    diversos atores envolvidos no financiamento, na pro-

    duo e no uso da moradia, para ensejar modifica-

    es estruturais no Sistema Financeiro da Habitao.

    Nas discusses sobre as reformas do SFH, des-

    de a primeira metade dos anos 1990, as propostas

    de descentralizao estavam sempre amarradas aos

    possveis novos formatos institucionais da poltica

    federal. Apesar de suas diferenas, no que diz respei-

    to ao papel dos diferentes mbitos de governo, elas

    apresentavam uma certa similitude. Unio caberia

    definir a macropoltica e arcar com a maior parte dos

    financiamentos; aos estados federados, realizar ativida-

    de reguladora dentro de seus respectivos territrios,

    suplementar uma parte dos recursos, desenvolver

    os programas clssicos das Cohab e eventualmente

    quando por fragilidade de setores organizados da

    sociedade ou do poder municipal implementar di-

    retamente alguns projetos alternativos para os seto-

    res de baixa renda. Aos governos locais era destinada

    uma grande responsabilidade pela implementao

    da poltica na ponta da linha: seja oferecendo ter-

    renos e/ou participando de obras de infra-estrutura

    como contrapartida de recursos repassados de ou-

    tros nveis de governo, seja se responsabilizando di-

    retamente pela execuo das obras, seja ainda acom-

    panhando ou orientando os setores organizados da

  • 29

    Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias

    sociedade (cooperativas, grupos de mutiro etc.) en-

    volvidos com os diferentes projetos.

    Essas propostas de descentralizao no tinham

    como objetivo a criao de sistemas autnomos em

    mbito estadual e municipal. Entretanto, com a desar-

    ticulao do Sistema Financeiro da Habitao, a par-

    tir de 1987 tanto alguns estados, ao se organizarem

    para fazerem jus a possveis repasses federais, quanto

    muitos municpios de grande porte, para se habilita-

    rem a repasses federais e estaduais, terminaram por

    criar uma estrutura institucional que lhes permitiu a

    criao de sistemas hbridos capazes, de um lado, de

    se articularem com iniciativas oriundas de um nvel

    mais alto de governo e, de outro, de experimentarem,

    com diferentes graus de institucionalizao e de so-

    fisticao, polticas habitacionais autnomas.

    No que se refere aos governos estaduais, o n

    grdio dessas polticas independentes foi a busca de

    uma fonte de financiamento prpria, ao mesmo tem-

    po significativa e constante, de modo a assegurar um

    desempenho regular e consistente.

    Nesse sentido, a experincia do estado de So

    Paulo foi a nica que at o momento apresentou xi-

    to na configurao de um completo Sistema Estadual

    de Habitao. A experincia paulista incentivou ou-

    tros governos por exemplo, Bahia, Minas Gerais e

    Rio Grande do Sul a buscar, em suas respectivas

    Assemblias Legislativas, apoio para a criao de Sis-

    temas Estaduais de Habitao autnomos. O malogro

    desses projetos se deveu, principalmente, s dificul-

    dades dos governadores em obter, dos legislativos,

    consenso sobre fontes de recursos oramentrios

    permanentes (Arretche, 2000).

    O governo paulista logrou, em 1989, aprovar

    uma lei na Assemblia Legislativa que aumentava o

    ICMS em 1%, com objetivo de criar uma fonte cons-

    tante e livre para aplicao em habitao popular.

    Isto permitiu que a Companhia Habitacional Estadual

    (CDHU) elaborasse uma poltica prpria, abrangendo

    programas, mecanismos de comercializao e formas

    de subsdios prprios. Os recursos oriundos do ICMS

    tm permitido desde ento um aporte constante e

    extremamente significativo para a produo de ha-

    bitaes de interesse social naquele estado. Basta ver

    que os gastos oramentrios nessa rubrica passaram

    de R$ 167 milhes, em 1988, para mais de R$ 400

    milhes em 1994 (Arretche, 2000, p. 107-109).

    Alm do estado de So Paulo, tambm o Cea-

    r, nas administraes Tasso e Ciro, utilizou primor-

    dialmente verbas oramentrias para financiamento

    de sua poltica de habitao popular com formato

    institucional prprio e s margens das agncias fede-

    rais, lanando mo dos recursos do FGTS apenas de

    forma suplementar. Ainda assim, no se pode afirmar

    que se tenha constitudo no estado do Cear um Sis-

    tema Estadual de Habitao, dado que no se registra

    a institucionalizao de recursos fiscais que garan-

    tam um fluxo contnuo de oferta de bens (Arretche,

    2000, p. 118).

    Ao longo da dcada de 1990, a maioria dos es-

    tados optou por manter sua dependncia de fontes

    federais, ainda que muitos desses programas nacio-

    nais tenham ganhado na esfera estadual nomes fanta-

  • 30

    Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX

    sia, como estratgia de vrios governos para angariar

    maior legitimidade poltica em suas respectivas po-

    pulaes (Azevedo, 1996). Entre esses, alguns poucos

    estados como foi o caso, entre outros, da Bahia, Per-

    nambuco e Paran conseguiram, por diferentes mo-

    tivos, angariar vultosos repasses do governo federal,

    distintamente da maior parte das administraes es-

    taduais, que, em virtude de questes endgenas, no

    logrou captar recursos relevantes, como ocorreu, por

    exemplo, com o Rio Grande do Sul (Arretche, 2000).

    Deve ser ressaltado que, alm de programas fe-

    derais e estaduais, h uma tendncia ao surgimento

    de um sem-nmero de programas de mbito local,

    para esta faixa de menor renda, abrangendo desde a

    construo de conjuntos, reurbanizao de reas de-

    gradadas, mutiro e lotes urbanizados (Pnud, 1996). A

    crise fiscal do Estado, especialmente nos mbitos fe-

    deral e estadual, e a conseqente diminuio de ver-

    bas para as necessidades habitacionais, aliadas a um

    contexto democrtico que amplia a presso popular,

    acarretaram um processo difuso e no planejado de

    descentralizao, que poderamos chamar de uma

    municipalizao selvagem da poltica habitacional

    para os setores de menor renda ou, como preferem

    Adauto e Luiz Csar, de uma descentralizao por

    ausncia (Cardoso e Ribeiro, 1999).

    Esses programas podem apresentar diversas

    vertentes e envolver diferentes agncias, esferas de

    governo e mesmo Organizaes No-Governamen-

    tais, bem como priorizar projetos tradicionais (cons-

    truo de conjuntos) ou programas alternativos cls-

    sicos: autoconstruo, mutiro, legalizao de lotes,

    urbanizao de favelas etc.

    As dificuldades de se realizar atualmente um

    balano geral sobre a ao municipal na rea habi-

    tacional no Brasil decorrem da amplitude dessa in-

    terveno, da diversidade de programas, da carncia

    de informaes e das distintas metodologias empre-

    gadas nas diversas pesquisas realizadas, o que nem

    sempre possibilita a comparabilidade dessas experi-

    ncias. Apesar disso, os estudos j realizados explici-

    tam no s diversos constrangimentos, mas tambm

    potencialidades e impactos no negligenciveis des-

    ses programas.

    No que diz respeito aos constrangimentos,

    para parte da literatura especializada, ainda que em

    determinadas circunstncias essas aes possam at

    vir a ter um impacto relevante, na maioria dos casos,

    a dependncia de verbas oramentrias e a inexis-

    tncia de fontes de recursos especficos e constan-

    tes pressupem a sujeio dessas iniciativas s prio-

    ridades conjunturais do governo. Por no possuir o

    controle sobre verbas ou fundos especiais e por seu

    carter distributivo, esses programas tenderiam a se

    transformar a mdio prazo em um poo sem fun-

    do, em que os recursos so sempre muito inferiores

    s demandas. Alm disso, com o passar do tempo, a

    disputa com outros programas sociais por dotaes

    oramentrias possivelmente se tornaria constante e

    acirrada (Azevedo, 1996).

    A enorme clientela potencial dessas iniciativas,

    aliada escassez e no previsibilidade de recursos, e,

  • 31

    Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias

    em muitos casos, falta de critrios bem definidos de

    prioridades, favoreceria o surgimento de prticas de

    favoritismo e de clientelismo poltico. Assim, embora

    a lgica de alocao desses recursos possa ser bastan-

    te variada, o fator de legitimao poltica e de apoio

    eleitoral tende a ter grande importncia na definio

    da populao-alvo desses programas, na maioria dos

    casos pontuais e/ou intermitentes e vinculados a

    uma determinada administrao. Mesmo tratando-se

    de bens escassos e de impacto pouco significativo

    para a maioria da populao pobre dos respectivos

    municpios, esse modelo teria a capacidade de criar

    forte expectativa nos setores populares. No por

    outro motivo que, nas ltimas campanhas eleitorais

    municipais, muitos candidatos venham usando o so-

    nho da casa prpria como uma das bandeiras para

    lograr apoio popular (Azevedo, 1996).

    No que se refere s potencialidades desses

    programas municipais, desenvolvidos especialmente

    nos anos 1990, estudos recentes tm demonstrado

    as grandes possibilidades de inovao institucional

    e de adaptabilidade s idiossincrasias locais. Em ou-

    tras palavras, essas iniciativas tm funcionado como

    um grande laboratrio que permite a socializao

    de inmeras experincias bem-sucedidas, muitas das

    quais premiadas internacionalmente (Bonduki, 1996;

    Souza, 1997).

    Alm disso, pesquisa recente envolvendo 45

    cidades grandes e mdias nas diferentes regies do

    pas revelou que em muitas delas o impacto dessas

    aes est longe de poder ser considerado despre-

    zvel para o pblico-alvo das polticas habitacionais

    implementadas. Assim, do ponto de vista da origem

    dos recursos utilizados, os municpios foram respon-

    sveis, de forma autnoma, pelo financiamento de

    aes que beneficiaram cerca de 37% das famlias, e

    participaram do financiamento de outros programas,

    que beneficiaram cerca de 21% das famlias (Cardo-

    so e Ribeiro, 1999, p. 17. Grifo nosso). Em outras pala-

    vras, nas cidades estudadas, em mdia, quase 60% das

    famlias atendidas por projetos habitacionais tiveram

    algum tipo de aporte oriundo dos cofres municipais,

    e mais de um tero delas foi atendido exclusivamen-

    te com recursos oramentrios dos governos locais.

    Essa mesma pesquisa revela diferenas signifi-

    cativas entre as vrias regies do pas. Nesse sentido,

    o Nordeste, que apresenta um quadro de carncias

    mais dramtico, justamente onde se localizam as

    piores performances, em comparao s cidades do

    Sul regio em que os municpios apresentam situa-

    o financeira relativamente mais confortvel e onde

    se pde constatar, em mdia, um melhor desempe-

    nho. Segundo os pesquisadores, seria possvel supor

    que esse diferencial

    diz respeito, por um lado, ao volume de recur-

    sos financeiros, tcnicos e administrativos

    que esses municpios dispem para fazer face

    s suas necessidades; por outro lado, no caso

    do Nordeste, tambm conseqncia da cul-

    tura poltica local, onde as prticas clientelistas

    esto mais enraizadas no cotidiano e corres-

    pondem a mecanismos ainda no superados

    de reproduo do poder, a nvel local. (Ibid.)

  • 32

    Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX

    No que concerne ao Nordeste, essa anlise basea-

    da na cultura poltica local acaba sendo matizada

    pelos prprios autores, quando afirmam encontrar

    fortes similaridades em municpios metropolitanos

    do Sudeste.

    Outro fator que merece destaque diz respei-

    to importncia da questo institucional, pois foi

    constatada uma forte correlao entre a existncia

    de estruturas administrativas mais sofisticadas (Co-

    hab, rgos de planejamento, secretarias de habi-

    tao, instrumentos de poltica urbana etc.) e um

    melhor desempenho na rea habitacional. Ressal-

    te-se, particularmente, a importncia da legislao

    sobre as conhecidas reas Especiais de Interesse

    Social, que foram responsveis por importantes

    avanos na regularizao fundiria, permitindo

    que considervel contigente de setores de baixa

    renda se incorporasse cidade legal (Cardoso e

    Ribeiro, 1999).

    A poltica do novo governo seria a de estabe-

    lecer parcerias com os estados federados e, especial-

    mente, com os municpios envolvendo a partici-

    pao de setores organizados da sociedade , como

    forma tanto de democratizar o processo de acesso

    casa prpria aumentando sua transparncia e

    colaborando para minimizar as prticas clientelistas

    tradicionais (Cardoso, 2003) quanto de dinamizar

    a produo da habitao popular e a urbanizao e

    regularizao fundiria de assentamentos precrios

    (vilas, favelas e bairros clandestinos etc.).

    5. Posfcio: guisa de concluso

    A partir da ascenso do governo Lula e da cria-

    o do Ministrio das Cidades, um cenrio baseado

    na aproximao institucional da poltica urbana (lato

    sensu), habitacional, de saneamento e de transporte,

    com caractersticas de polticas regulatrias centra-

    lizadas, buscando envolver as trs esferas de gover-

    no, possibilitou avanos significativos nos primeiros

    trinta meses de governo. Ressalte-se que a proposta

    do Ministrio das Cidades apresenta desde o incio

    do governo apoio de atores relevantes: possua de-

    fensores nas burocracias estaduais (Associao Bra-

    sileira de Cohab; Frum Nacional de Secretrios de

    Habitao) e em setores organizados da populao

    civil (Frum Nacional de Reforma Urbana, Movimen-

    to Nacional de Luta pela Moradia, Frente Nacional

    do Saneamento, movimentos voltados para trans-

    porte pblico urbano de passageiros, alm de redes

    voltadas para equacionar a governana metropolita-

    na), estes ltimos aliados de longa data dos partidos

    hegemnicos na coalizo governamental e, portanto,

    com poder de presso no desprezvel sobre a atual

    administrao federal.

    O Ministrio capitaneado por Olvio Dutra,

    tendo como secretria executiva Ermnia Maricato,

    conseguiu recrutar tanto nos quadros efetivos da

    Administrao federal quanto nos de outras institui-

    es pblicas e universidades do pas uma equipe

    extremamente qualificada. Apesar das idiossincrasias

    das diferentes reas e de frices decorrentes das es-

    pecificidades das lideranas das diversas diretorias, a

    cpula ministerial, por meio de um trabalho de co-

  • 33

    Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias

    ordenao interna apoiado por inmeros semin-

    rios envolvendo entidades da sociedade organizada

    de vocao urbana e especialistas e consultores de

    diversas tendncias , logrou aparar arestas e avanar

    em propostas de regulao de polticas essenciais

    para as cidades brasileiras. Alm disso, percebendo

    que muitas dessas polticas transcendiam o Minist-

    rio, envidou-se para envolver no s outras agncias

    e Ministrios que apresentavam fortes interfaces com

    as aes em curso, como tambm buscou integrar

    outros nveis de governo, sempre com a participao

    dos diferentes movimentos urbanos.

    Em relao Habitao, esse tema passou a

    receber uma viso mais holstica levando em conta

    no s a construo de novas moradias, mas tambm

    issues, que, por vezes, so at mais importante para

    enfrentar a questo do habitat, como regularizao

    fundiria, saneamento, infra-estrutura, transporte p-

    blico, entre outros.

    Como lembra Ermnia Maricato (Maricato, 2005),

    nos 30 meses da gesto do Ministro Olvio Dutra, entre

    os diversos xitos alcanados, podem-se ressaltar:

    1. Nova poltica nacional de habitao: mudana de paradigma

    Aps longa ausncia, o novo Sistema Nacional

    de Habitao inclui o mercado privado (para ampliar

    a oferta para a classe mdia) e a habitao de inte-

    resse social. O novo marco regulatrio e a nova es-

    trutura sero complementados pelo Fundo Nacional

    de Habitao de Interesse Social (FNHIS) e o Sistema

    Nacional de Habitao de Interesse Social (SNHIS)

    previstos na Lei Federal 11.124/2005, aprovada no

    Congresso Nacional aps 13 anos de tramitao. A

    tese perseguida para a mudana de paradigma na

    rea de habitao a seguinte:

    a) buscar segurana jurdica e ampliar recursos

    financeiros para o mercado privado de moradias para

    a classe mdia. Dessa forma, espera-se que a classe m-

    dia no dispute recursos federais com as faixas de bai-

    xa renda, como aconteceu nos governos anteriores;

    b) ampliar os recursos e dar prioridade de in-

    vestimentos que esto sob gesto federal e nacional

    para as faixas de rendas mais baixas (92% do dficit

    habitacional est situado abaixo de cinco salrios m-

    nimos). Dessa forma, espera-se conter o crescimento

    das favelas e das ocupaes urbanas ilegais.

    2. Ampliao dos recursos federais e nova orientao para o enfrentamento da questo habitacional

    Com recursos geridos pelo governo federal,

    em 2003 e 2004 foram contratados R$ 10,7 bilhes

    para atender a 760 mil famlias com imveis novos e

    usados, aquisio de material para construo, refor-

    mas de moradia e urbanizao de favelas. Em 2005, as

    metas de contratao so atender a 640 mil famlias

    com a aplicao de R$ 10,6 bilhes.

    Enquanto a aplicao dos recursos sob gesto

    federal estava fortalecendo a concentrao da renda

    no pas, j que a maior parte deles era dirigida para

    as faixas de renda situadas acima de cinco salrios

    mnimos, a atual administrao priorizou os inves-

  • 34

    Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX

    timentos pblicos subsidiados abaixo dessa faixa,

    em que se encontra 92% do dficit habitacional.

    A mudana normativa nos programas habi-

    tacionais federais (PSH, PAR), a criao de novos

    programas (PCS, PEHP) e uma resoluo aprova-

    da pelo Conselho Curador do FGTS (Resoluo

    460/2005) permitiram ampliar os recursos de sub-

    sdios para baixa renda.

    Pela primeira vez o governo federal atuou ativa-

    mente na questo da regularizao fundiria. O novo

    programa j deu incio a processos para fornecer a

    documentao do imvel habitacional para mais de

    500 mil famlias de baixa renda moradoras de assen-

    tamentos informais situados em 26 estados, em espe-

    cial nas 11 maiores metrpoles brasileiras. O Minis-

    trio das Cidades fez convnio com a Associao dos

    Notrios e Registradores do Brasil (Anoreg) para o

    registro gratuito de moradias sociais regularizadas.

    3. Proposta de uma poltica nacional do sanea-mento ambiental e ampliao dos investimentos

    A ausncia de regras no setor, que inviabiliza

    investimentos pblicos e privados, pode ter um fim

    com o Plano do Saneamento Ambiental, que aguar-

    da votao no Congresso Nacional. O Plano institui

    a obrigatoriedade de planos, metas, indicadores e

    transparncia para a gesto. Esse instrumento no

    inviabiliza as empresas estaduais, mas fixa deveres

    e obrigaes para os titulares do servio. Essa pro-

    posta, debatida em 11 audincias pblicas em todo o

    pas, pretende proporcionar um horizonte sustent-

    vel para o desenvolvimento do setor.

    Convm assinalar que pela primeira vez o Mi-

    nistrio das Cidades, em parceria com os Ministrios

    da Sade, do Meio Ambiente e da Integrao Nacio-

    nal, investiu em 2003 e 2004 uma soma indita de R$

    6,1 bilhes de reais (gua esgoto, resduos slidos e

    drenagem) integrando e racionalizando os diversos

    programas.

    A abertura de financiamentos com recursos do

    FGTS mostra uma reverso de orientao em relao

    aos governos anteriores, pois em apenas dois anos

    (2003/2004) se investiu um montante de recursos

    quase igual ao alocado entre 1995 e 2002 (Maricato,

    2005, p. 1).

    Tambm de forma inovadora, a seleo de pro-

    jetos obedeceu a chamamento pblico via internet, e

    a escolha das propostas ocorreu via pontuao com

    critrios divulgados publicamente.

    4. Campanha nacional sobre o Plano Diretor Participativo

    Mais de 1.700 municpios aqueles com mais

    de 20 mil habitantes e os metropolitanos de qual-

    quer porte esto obrigados a elaborar seus planos

    diretores at outubro de 2006, de acordo com o Es-

    tatuto da Cidade. O Ministrio das Cidades, nos pri-

    meiros 30 meses do governo Lula, conseguiu apoiar

    diretamente um nmero no-desprezvel de munic-

    pios nessa ao, seja por meio de financiamento (370

    municpios), seja por meio de cursos de capacitao

    s equipes (173).

    A Campanha Nacional Plano Diretor Parti-

    cipativo, coordenada pelo Ministrio das Cidades,

  • 35

    Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias

    j conta com 25 ncleos estaduais formados por

    gestores pblicos, tcnicos, lideranas sociais, uni-

    versidades, parlamentares, promotores pblicos e

    empresrios, abrangendo aproximadamente 900

    municpios brasileiros.

    5. Marco regulatrio da mobilidade, dos trans-portes coletivos e trnsito

    As diretrizes da Poltica Nacional de Mobilida-

    de e Transporte foram aprovadas no Conselho das Ci-

    dades, e est em andamento a definio de um marco

    regulatrio para o setor. As leis que tratam da acessi-

    bilidade para idosos e portadores de deficincia fo-

    ram regulamentadas, e uma parceria entre o Minist-

    rio das Cidades e diversas entidades governamentais

    e no-governamentais busca sua implementao.

    Quanto preveno de acidentes no trnsito,

    foram ministrados 47 cursos de capacitao para 5 mil

    tcnicos de trnsito pertencentes a 400 municpios. A

    resoluo 168 do Contran determinou a realizao de

    cursos de habilitao para 25 milhes de condutores.

    Essas medidas visam diminuir os acidentes de trnsi-

    to, que matam aproximadamente 40 mil pessoas por

    ano e incapacitam outras centenas de milhares.

    6. Poltica nacional de desenvolvimento urbano com participao democrtica

    Considerando a dimenso e a diversidade re-

    gional e urbana do pas e considerando ainda o pou-

    co conhecimento social acumulado sobre a poltica

    urbana (ou o pouco conhecimento acumulado sobre

    a participao social em polticas pblicas), o Mi-

    nistrio das Cidades enfrentou dificuldades para

    lograr uma participao democrtica ampla na de-

    finio da Poltica Nacional de Desenvolvimento

    Urbano (PNDU).

    Em 2003, a Conferncia Nacional das Cidades

    definiu as diretrizes e prioridades da Poltica Ur-

    bana Brasileira. Participaram do processo de cons-

    truo da Conferncia mais de 3.400 municpios e

    26 estados da Federao. Os 2.800 delegados que

    participaram da Conferncia Nacional, em Braslia,

    foram eleitos nessas Conferncias Municipais e Es-

    taduais, que alm de representantes de rgos do

    poder executivo dos governos estaduais e munici-

    pais de vocao urbana, das cmaras de vereadores,

    das assemblias legislativas e das universidades e

    centros de pesquisas possuam, majoritariamente,

    representantes de entidades da sociedade organiza-

    da, como, entre outras, ONGs, movimentos sociais,

    associaes reivindicativas de polticas setoriais,

    sindicatos e associaes profissionais.

    A I Conferncia Nacional das Cidades (CNC)

    elegeu o Conselho das Cidades, que conta com re-

    presentantes de todos os segmentos supracitados.

    Esse Conselho aprovou, em 18 meses de vida, as

    principais aes e polticas definidas pelo Minist-

    rio das Cidades.

    Em relao II CNC, as conferncias munici-

    pais ocorreram nos meses de junho e julho de 2005.

    As conferncias estaduais devem ocorrer em agosto,

    setembro e outubro, e a Conferncia Nacional est

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    Coleo Habitare - Habitao Social nas Metrpoles Brasileiras - Uma avaliao das polticas habitacionais em Belm, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo no final do sculo XX

    programada para o ms de novembro, em Braslia.

    Em suma, apesar das fragilidades enfrentadas

    pela Poltica Nacional de Desenvolvimento Urbano,

    que se prope envolver os trs mbitos de governo,

    com o pressuposto de uma relao federativa de co-

    operao ainda longe de ser uma realidade , o Mi-

    nistrio das Cidades, por sua atuao nos primeiros

    30 meses da gesto de Olvio Dutra, no pode, de

    modo algum, ser qualificado de inoperante e pouco

    objetivo, como tentou caracteriz-lo parte da mdia e

    de setores aliados do prprio governo.

    A ironia da histria que a citada administra-

    o priorizou o enfrentamento de polticas regula-

    trias, extremamente estratgicas a mdio e longo

    prazo para melhorar a qualidade de vida e conferir

    maior justia social s cidades brasileiras, mas que

    no guardam uma relao simtrica com o calend-

    rio poltico e eleitoral de curto prazo. E, alm disso,

    causa espanto que mesmo os numerosos avanos de

    aes concretas na rea de habitao e saneamento

    no tenham sido devidamente capitalizados e divul-

    gados pelo governo.

    A explicao para esse fato pode ser debitada

    relutncia do ncleo duro do governo em aceitar a

    priorizao das atividades do Ministrio em relao

    s demais polticas do governo federal.

    A crise poltica que se abateu sobre o governo

    e sua base de sustentao parlamentar e social, em

    funo da torrente de denncias e da comprovao

    de atos de corrupo ativa e passiva envolvendo r-

    gos governamentais, parte da cpula do Partido dos

    Trabalhadores e alguns partidos aliados, fragilizou

    fortemente a administrao do presidente Lula.

    Sem entrar na discusso do mrito e da efic-

    cia das diversas iniciativas de defesa tomadas por

    um governo acuado, uma delas foi tentar recompor

    ou pelo menos minimizar a perda de sua base par-

    lamentar, atravs de uma minirreforma ministerial.

    No rol dessas iniciativas, o Ministrio das Cidades

    foi oferecido a um partido conservador, aliado de

    segunda hora, cabendo ao presidente da Cmara in-

    dicar uma pessoa de sua confiana para ocupar o

    cargo de ministro.

    A nova administrao do Ministrio, prevale-

    cendo o comportamento dos primeiros meses dessa

    segunda gesto, deve priorizar as polticas habitacio-

    nais distributivas, por meio de relaes tte--tte

    com governadores e prefeitos, que acarretaro, en-

    tre outros efeitos discutveis, a diminuio do papel

    ativo da Caixa Econmica Federal nas polticas de

    habitao popular, inclusive no que diz respeito

    utilizao de critrios universalistas e explcitos na

    definio de prioridades para alocao de recursos.

    Tambm so provveis a supresso ou a desa-

    celerao das aes voltadas para a discusso, a ela-

    borao, a aprovao parlamentar e a implementao

    de polticas regulatrias recorrentes e complementa-

    res, agenda que marcou os primeiros 30 meses da

    gesto do ministro Olvio Dutra, com apoio explci-

    to de instituies, associaes profissionais, ONGs e

    movimentos sociais, alm de parlamentares, tcnicos

    e pesquisadores que vm atuando nas ltimas dca-

    das na rea urbana.

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    Desafios da Habitao Popular no Brasil: polticas recentes e tendncias

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