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Consideraes
sobre a constituio e a utilizao de um corpus fotogrfico na
pesquisa
antropolgica para download, assim como para cpia, distribuio,
exibio do
trabalho protegido por direitos autorais. Os trabalhos derivados
feitos com base
nele, devero possuir crdito autora e propsitos no
comerciais.
Rio de Janeiro, 21 de maio de 2011.
_______________________________________________________________
Milton Guran
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Consideraes sobre a constituio e a utilizao de um corpus
fotogrfico na pesquisa antropolgica*
Milton Guran** Resumo: O texto trata da utilizao da fotografia
como instrumento de pesquisa na antropologia e cincias afins, e est
organizado em duas partes distintas. Na primeira apresentamos um
breve inventrio das possibilidades de utilizao da fotografia pelas
Cincias Sociais, acompanhado de uma reflexo sobre sua implementao
prtica. Na segunda parte, relatamos uma experincia didtica tomada
como laboratrio para a prtica deste conjunto de reflexes,
consubstanciada na disciplina Fotografia como instrumento de
pesquisa, oferecida em 2004.2 no PPGAS FFLCH USP, como parte
integrante do projeto de ps-doutorado. Aberta a estudantes de
diversas reas das cincias humanas, a disciplina reuniu mestrandos e
doutorandos em antropologia, sociologia, comunicao social e
geografia dos programas de ps-graduao da USP, PUC-SP e Unicamp, alm
de uma professora do Curso Superior de Fotografia do SENAC-SP. A
diversidade de formao do grupo contribuiu para a elaborao de um
conjunto variado de abordagens sobre os usos e funes da fotografia
na pesquisa social, tambm analisadas nesse artigo. As cincias
sociais incorporaram efetivamente a visualidade como plataforma de
produo de conhecimento sobre a sociedade pelos trabalhos pioneiros
de Bateson & Mead e Coolier Jr, consagrados como referncias
nesse campo. Desde ento, o investimento neste campo tem sido no
sentido de consolidar uma base terico-metodolgica adaptada as
diferentes condies de pesquisa, bem como as transformaes histricas
da prtica fotogrfica e suas implicaes nos modos que cada sociedade
produz um olhar e se revela atravs dele. Neste sentido, me proponho
a abordar a utilizao da fotografia como instrumento de pesquisa na
antropologia e cincias afins, em dois momentos distintos. No
primeiro, apresento um breve inventrio das * Texto apresentado ao
Programa de Ps-Graduao em Antropologia Social da Faculdade de
Filosofia Letras e Cincias Humanas da USP Universidade de So Paulo
como parte integrante do relatrio final de ps-doutorado
(2004-2005), efetuado sob a superviso da Prof. Dra. Sylvia Caiuby
Noavaes, com apoio do CNPq. Agradeo a Ana Maria Mauad as sugestes
para a verso final deste texto. * * Doutor em Antropologia (EHESS,
1996), pesquisador associado do LABHOI Laboratrio de Histria Oral e
Imagem da UFF - Universidade Federal Fluminense e do Programa de
Ps-Graduao em Cincias Sociais da UFPR Universidade Federal do
Paran, e autor de Linguagem Fotografica e e Informao (Ed. Gama
Filho, 2000. 3 ed.) e Aguds os brasileiros do Benim (Rio de
Janeiro: Ed. Nova Fronteira / Ed. Gama Filho, 2000)
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possibilidades de utilizao da fotografia pelas Cincias Sociais,
acompanhado de uma reflexo sobre sua implementao prtica. Para
tanto, recorro literatura j consagrada na disciplina, cotejando-a
com trabalhos de pesquisa mais recentes, entre eles a nossa prpria
experincia, e com as reflexes da advindas. Na sequncia, tomo um
segundo caminho que tem como proposta o relato de uma experincia
didtica tomada como laboratrio para a prtica deste conjunto de
reflexes. Tal experincia realizou-se no mbito da disciplina
Fotografia como instrumento de pesquisa, oferecida em 2004.2 no
PPGAS FFLCH USP, como parte integrante do projeto de ps-doutorado
sob a superviso da Prof Dra. Sylvia Caiuby Novaes. Aberta a
estudantes de diversas reas das cincias humanas, a disciplina
reuniu mestrandos e doutorandos em antropologia, sociologia,
comunicao social e geografia dos programas de ps-graduao da USP,
PUC-SP e Unicamp, alm de uma professora do Curso Superior de
Fotografia do SENAC-SP. Esta diversidade de formao em muito
contribuiu para o enriquecimento das abordagens da fotografia nos
trabalhos de final de curso. Estes trabalhos integram a reflexo
aqui apresentada de modo a substantivar atravs da prtica de
pesquisa os diversos caminhos que a fotografia pode trilhar no
campo das cincias sociais, alm daqueles j consagrados pelos
trabalhos clssicos de Bateson & Mead e Coolier Jr e pelos que
lhes seguiram os passos. 1. A fotografia como instrumento e como
objeto Uma fotografia pode ser o ponto de partida de uma reflexo
antropolgica, ou o resultado dessa reflexo. No entanto, jamais
poder se constituir na prpria reflexo em si, j que a fotografia,
por natureza, eminentemente descritiva, sem prejuzo das suas
dimenses simblicas e opinativas. Ela descreve, representa ou at
mesmo interpreta tudo o que pode ser visto, e somente isso, ficando
fora do seu alcance a apresentao de conceitos, idias e processos de
raciocnio. Produto de uma srie de escolhas, a fotografia um ato
cultural que reflete a maneira de pensar e ver o mundo do seu autor
(Novaes, 1998:117) tanto quanto os objetivos que motivaram a sua
produo. Voc fotografa o que v, e v o que , j sentenciou o fotgrafo
Jos Medeiros, um dos mais reconhecidos olhares sobre a realidade
brasileira da segunda metade do sculo XX. Alm disso, como demonstra
Bezerra de Menezes (2003), a fotografia s pode ser corretamente
apreendida quando se leva em conta toda a sua biografia, da produo
ao circuito de exibio. Isto
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particularmente importante no caso de imagens produzidas por
terceiros que venham a fazer parte do corpus fotogrfico da
pesquisa. Quando produzida por antroplogos no mbito de uma
pesquisa, de se esperar que tenha mais densidade de contedo, at
porque o olhar do autor j est instrumentalizado pela disciplina,
tendo sido treinado para localizar e destacar aspectos do mundo
visvel que ensejam ou atestam questes de relevncia antropolgica. A
fotografia pode colocar-se, ento, como um ponto de partida para uma
reflexo antropolgica. este o caso, tambm, de quando ela produzida
por indivduos pertencentes ao universo em estudo, e a se constituem
em objeto da prpria pesquisa. Quando produzida pelo pesquisador com
a funo especfica de atestar concluses, por sua vez, a fotografia se
apresenta como o resultado de uma reflexo. Em situao alguma, porm,
ela pode explicitar o processo mesmo de reflexo, discriminar os
conceitos e suas articulaes e tudo mais que rege o tratamento
reflexivo das informaes prospectadas pela pesquisa. Alm disso,
somente no campo da arte ou em alguns momentos do fotojornalismo a
fotografia pode ser completa em si mesma, prescindindo de uma
legenda. No contexto da construo de um saber no campo das cincias
sociais, para produzir sentido, ela precisa ser lida de forma
especfica, ou seja, ter seu contedo redescrito e reinterpretado
atravs do discurso textual, oral ou escrito. Isso porque, neste
caso, ela no pode ficar limitada a uma dimenso sensorial de percepo
nem informao mais evidente e literal. O sentido de uma imagem para
as cincias sociais depende de como seu contedo percebido luz dos
pressupostos tericos e procedimentos metodolgicos que presidem a
reflexo cientfica deste campo do conhecimento. Isso posto, podemos
considerar que a utilizao da fotografia pelas cincias sociais seja
como fonte de dados, instrumento auxiliar para pesquisa ou mais um
elemento do discurso final coloca, como questes maiores a serem
estudadas: 1) a constituio de um corpus fotogrfico; 2) a produo da
fotografia no curso da pesquisa; 3) a leitura da fotografia; e 4) a
articulao entre texto e foto visando construo de um discurso
cientfico. A leitura da imagem perpassa todas estas questes como um
elemento fundamental na medida em que atravs da anlise e da
interpretao da fotografia que se chega informao propriamente dita,
ou seja, ao dado antropolgico que a razo de ser da pesquisa. A
natureza desta informao depende diretamente da abordagem de
interpretao que tenha sido efetivada. Tomando a questo no sentido
inverso, que tipo de
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informao a fotografia, e somente a fotografia, pode aportar
pesquisa antropolgica, e como se poderia acessar a essa informao?
Os principais autores que tm trabalhado nesta rea, citados ao longo
deste texto, destacam as especificidades da informao visual e sua
capacidade de incorporar novas dimenses pesquisa antropolgica.
nessa linha de raciocnio de que a fotografia, alm de reforar o
desempenho de outros instrumentos de pesquisa, tem em si um
potencial de prospeco e de explicitao de informao que lhe prprio e
exclusivo - que o nosso trabalho se inscreve. Para chegarmos a este
aspecto da questo, convm considerarmos algumas caractersticas
inerentes ao corpus fotogrfico de uma pesquisa. Ele pode
compreender, alm das fotografias produzidas no mbito da pesquisa,
imagens de diversas procedncias, tais como lbuns de famlia e
similares, reportagens e outros tipos de documentao fotogrfica,
como relatrios cientficos ou administrativos, registros policiais
etc. Toda e qualquer fotografia desse conjunto deve ser analisada e
conseqentemente utilizada tendo em conta as suas especificidades e
o contexto de sua produo, inclusive os aspectos estritamente
tcnicos. Uma distino fundamental a ser considerada em primeiro
lugar a natureza endgena ou exgena da imagem, tambm denominada mica
ou tica. As fotografias de natureza mica so aquelas produzidas
pelos membros da comunidade estudada e esto impregnadas,
forosamente, da representao que eles fazem de si prprios. Assim
sendo, essas fotografias expressam de alguma forma a identidade
social do grupo em questo. J a fotografia feita pelo pesquisador,
de natureza tica, pelas mesmas razes sempre uma hiptese a ser
confirmada com base no conjunto de dados recolhidos pelos diversos
procedimentos de pesquisa. As fotografias, portanto, podem
funcionar como instrumentos de investigao ou se constiturem no
prprio objeto da pesquisa, como o caso das imagens de natureza
mica. Vale lembrar que uma mesma imagem pode mudar de natureza e at
cumprir diversas funes ao longo da pesquisa. o caso, por exemplo,
de uma fotografia feita pelo pesquisador que acaba na parede da
casa de seu informante, passando assim de tica mica. Ou, ainda,
quando uma fotografia produzida nos primrdios da pesquisa e
utilizada primeiramente como apoio a uma entrevista tcnica que
abordaremos adiante - acaba sendo utilizada no discurso final, como
evidncia ou elemento esclarecedor.
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Quanto s imagens produzidas no curso da pesquisa, h aquelas
feitas pelo prprio pesquisador ou por algum da sua equipe e as
tiradas por membros da comunidade estudada, sob a coordenao do
pesquisador ou de forma independente (Tacca, 1986). Enquanto
instrumentos de pesquisa, essas imagens podem ser dois tipos, que
correspondem a dois momentos do trabalho do pesquisador: h a
fotografia feita com objetivo de se obter informaes e a fotografia
feita para demonstrar ou enunciar concluses (Guran, 1997). A
fotografia produzida para descobrir corresponde quele momento da
observao participante em que o pesquisador se familiariza com seu
objeto de estudo e formula as primeiras questes prticas com relao
ao trabalho de campo propriamente dito. nesse momento que o
pesquisador negocia, de fato, a aceitao da sua presena no grupo, o
que vai viabilizar, na prtica, a prpria pesquisa. Em muitas situaes
a fotografia, embora possa parecer a princpio um fator complicador,
acaba por estabelecer um elo entre pesquisador e o grupo e pode at
se constituir em moeda de troca simblica, numa espcie de dom e
contradom que contribui para viabilizar a pesquisa (Travassos,
1996). Este primeiro momento marcado pela impregnao, no sentido
utilizado por Olivier de Sardan (1995:79), quando o pesquisador
vivencia pela primeira vez o cotidiano de uma comunidade e comea a
perceber alguma coisa sem, no entanto, saber exatamente do que se
trata. Grande parte das coisas percebidas nesta etapa fica no campo
das sensaes, no chegando a se transformar em dado, mas contribui
para balizar o trabalho de campo. O pesquisador tem, a esta altura,
mais perguntas do que respostas e as fotografias vo refletir essa
situao. As fotos obtidas nesta fase podem ser utilizadas
diretamente em entrevistas com os informantes e como referncia para
a construo progressiva do objeto de estudo. Essas imagens vo se
tornando mais ricas em informao na medida em que o pesquisador for
avanando na compreenso da problemtica estudada, podendo voltar a
ser utilizadas em outras etapas do trabalho para enunciar ou
explicitar concluses. Fotografar para contar corresponde ao momento
em que o pesquisador faz a sntese do seu trabalho, atravs da
articulao, a partir do seu instrumental terico, entre as suas
premissas e as informaes obtidas ao longo da pesquisa. A fotografia
pode, neste momento, ser utilizada para destacar, com segurana,
aspectos e situaes marcantes da cultura estudada, e para dar
suporte reflexo apoiada nas evidncias que a prpria imagem
apresentar. Embora estejam aqui didaticamente apresentadas como
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separadas no tempo, importante notar que essas etapas tornam-se
mais e mais concomitantes na medida em que avana a pesquisa de
campo. O que descobrir com a fotografia So muitas as contribuies
que a fotografia pode trazer ao processo de pesquisa nas Cincias
Sociais, e vamos tentar inventari-las a seguir. Cabe ressaltar,
porm, alguns aspectos inerentes prpria natureza da fotografia que
so indicadores do que ela pode nos dar. Por ser uma imagem, a
fotografia pertence ao que Vilm Flusser (1985) classifica com o
mundo da magia, por oposio ao mundo da conscincia histrica,
constitudo a partir da inveno da escrita linear. Segundo Flusser, a
escrita linear funda uma nova ordem no processo de construo da
cultura, estabelecendo a primazia de um sistema linear de
pensamento lgico baseado precipuamente no princpio de causa e
conseqncia que se desenvolve no tempo linear da histria. Isto
porque, ainda segundo Flusser, justamente o advento da escrita
linear que marca o nascimento da histria. At ento, a percepo e a
representao do mundo se inscreviam no tempo circular do mito, ou
seja, do mundo da magia. A partir da ruptura representada pela
escrita, o processo de produo do conhecimento vai cada vez mais se
sedimentando e se apoiando em textos escritos em detrimento das
imagens, que passam a ser consideradas vlidas apenas para o deleite
do esprito. Esta situao se inverte definitivamente com o advento da
fotografia, primeira imagem tcnica, um produto dos textos
cientficos, portanto pertencente ao mundo da conscincia histrica,
mas tambm ao mundo da magia, j que , antes de mais nada, uma imagem
(Flusser, op. cit.; Machado, 1998). Este duplo pertencimento faz da
fotografia uma ponte entre esses dois mundos. Por ser resultado da
ao de um aparelho tributria da credibilidade acordada tecnologia, e
por isso quase que substitui o prprio mundo visvel a princpio, se
acredita na fotografia como nos prprios olhos mas, por ser imagem,
fala aos sentidos primeiro que razo. Alm disso, sua capacidade de
apreender muito rapidamente uma situao lhe permite inventariar
cenrios, eventos e circunstncias com preciso e abrangncia muito
superior memria ou ao resultado obtido com apontamentos. Ela
registra ainda o fugidio, o apenas entrevisto, o inusitado, e,
desta forma, abre novas perspectivas para a observao de um
fato.
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O poder da fotografia - explica o fotgrafo Edward Weston
(1966:154) reside na sua capacidade de recriar o seu objeto nos
termos da realidade bsica dela e de apresentar esta recriao de tal
forma que o espectador sinta que est diante no apenas do smbolo
daquele objeto, mas da prpria essncia dele revelada pela primeira
vez. Do ponto de vista da histria, a fotografia se define tanto
como imagem-documento quanto imagem-monumento. Na sua dimenso de
imagem-documento, a fotografia nos informa sobre dados das condies
materiais da sociedade que produziu a imagem, dentre as quais se
destacam elementos de infra-estrutura urbana e rural,
caractersticas arquitetnicas, elementos da indumentria, espaos de
sociabilidade, enfim, um conjunto de aspectos que descrevem o mundo
visvel que lhe serve como tema. Entretanto, ao mesmo tempo em que a
fotografia apresenta o mundo visvel, ela o representa por uma
linguagem mediada por escolhas formais e estticas. Assim, a
fotografia constri uma representao do mundo social, intimamente
ligada aos detentores dos meios tcnicos de produo cultural. Nesse
caso a fotografia uma imagem-monumento, aquilo que o passado nos
deixa de legado, uma imagem passada projetada no futuro como uma
prescrio. Portanto, se a fotografia informa tambm conforma uma viso
de mundo (Mauad, 2008, 1 parte). Por tudo isso, creio que a
contribuio mais importante que a fotografia pode trazer pesquisa e
ao discurso em cincias sociais reside no fato de que, pela sua
prpria natureza, ela abre as vias para uma percepo do mundo visvel
diferente daquela propiciada por outros mtodos de investigao. Na
percepo acurada de Pierre Bourdieu1, a fotografia , de fato, uma
manifestao da distncia do observador que registra e que no esquece
que registra (...) mas que pressupe tambm toda a proximidade do
familiar, atento e sensvel aos detalhes imperceptveis que a
familiaridade lhe permite apreender e interpretar de imediato (...)
tudo o que, por ser infinitamente pequeno, escapa freqentemente ao
etnlogo mais atento. Assim sendo, transforma-se em via de acesso a
informaes que quase certamente no poderiam ser obtidas por outros
meios. Definidas por Maresca (1996:113) com as trocas que passam
pelo silncio, pelos olhares, expresses faciais, mmicas, gestos,
distncia etc, essas informaes podem ser teis mesmo quando no nos
possvel enquadr-las no contexto lgico do discurso cientfico. 1
Trecho extrado do texto de Pierre Bourdieu Ein Soziologischer
Selbstversuch, Frankfur: Suhkamp, 2002, citado por Franz Schultheis
no prefcio de Images dAlgrie une affinit lctive, de Pierre Bourdieu
(2003)
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exatamente essa possibilidade de uma percepo diferenciada de uma
realidade social obtida pela fotografia que viabiliza o estudo do
que Piette (1992:11) chama de mode mineur de la realit, que so
identificaes laterais, aspectos irrisrios, algumas indeterminaes,
coisas a considerar ou a desprezar, que so e ao mesmo tempo no so.
A fotografia, afirma Piette (1996:149), o meio ideal para se
descobrir esses detalhes e estimular um novo olhar sobre a vida
social. Nem tudo o que perceptvel atravs da fotografia se
concretiza em dado manipulvel cientificamente, mas, mesmo quando se
trata de uma simples impresso, o registro fotogrfico pode ajudar a
fazer emergir algumas pistas que permitiro uma melhor compreenso da
dimenso social estudada (Olivier de Sardan, 1987; 1995). o que nos
diz Cauiby Novaes (1998:116), quando afirma que (...) o uso da
imagem acrescenta novas dimenses interpretao da histria cultural,
permitindo aprofundar a compreenso do universo simblico, que se
exprime em sistemas de atitudes por meio dos quais grupos sociais
se definem, constroem identidades e aprendem mentalidades. (...)
Certos fenmenos, embora implcitos na lgica da cultura, s podem
explicitar no plano das formas o seu significado mais profundo.
Como enuncia Edwards (1997:53-54), justamente por isso que, no
campo da antropologia, a fotografia torna-se o espao para a
articulao de outras abordagens e outras formas de expresso e
consumo. Ao fazer isso, ela estabelece uma fluidez entre o
cientfico e o popular, realismo e expressionismo, assimilando um
uso mais amplo da fotografia e de imagens normalmente descritas
como etnogrficas. Na prtica de uma pesquisa, um dos aspectos mais
importantes, a meu ver, que a fotografia pode ser ao mesmo tempo o
ponto de partida de uma reflexo e o resultado final. Ou seja, ela
pode, em termos visuais, fazer uma pergunta e buscar a resposta a
essa mesma pergunta (Cartier-Bresson, 1976:7). Isso porque, como
foi enunciado, a fotografia capaz de captar indcios que podem abrir
novas possibilidades para a compreenso e absoro de um fato (Krebs,
1975). Nesta linha de raciocnio, uma das potencialidades da
fotografia a sua capacidade de destacar um aspecto particular de
uma situao que se encontra diludo em um vasto campo de viso,
explicitando desta forma a singularidade e a transcendncia de uma
cena. Como explica Pierre Fatumbi Verger (1991:168) a fotografia
tem a vantagem de parar as coisas (...) e, desta maneira, permitir
que se veja o que s tinha sido entrevisto e imediatamente
esquecido, porque uma nova impresso veio
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apagar a precedente, e assim por diante, e o visto vira uma
coisa esquecida (...). justamente essa especificidade do registro
fotogrfico, que faz com que a fotografia fornea de imediato esses
detalhes que constituem o prprio material do saber etnolgico, como
observou Roland Barthes (apud Scherer, 1992:34), na mesma linha do
que Piette iria propor mais tarde. Em um plano mais concreto, a
fotografia tem se mostrado muito eficaz no estudo das relaes
sociais a partir da postura corporal e da linguagem gestual, a
exemplo da obra seminal de Bateson & Mead. neste campo que a
fotografia mostra sua capacidade inquiridora, quando apresentada s
pessoas fotografadas ou a outras do mesmo grupo, cumprindo o papel
de perguntas (instrumento-chave). Ela contm um inventrio complexo e
revelador de elementos que so sempre vistos com interesse por
aqueles que esto nela representados. Isso porque atravs da imagem
as pessoas podem reconhecer a sua prpria realidade ali representada
(Collier, 1968; Guran, 1986 e 1996a). Deste dilogo do indivduo com
a sua representao nascem observaes que se constituem em preciosas
informaes que a partir da tero vida prpria e passaro a ser
independentes da imagem que as motivou. Estimulados pelas
fotografias, os informantes vo muito alm do que est representado na
imagem, j que uma das caractersticas da fotografia justamente esse
poder de desencadear idias recorrentes em um processo que tem tanto
de sensvel como de racional. Este procedimento de restituio da
imagem, justamente por estabelecer uma relao de tipo no apenas
racional com as pessoas estudadas, muito frequentemente se revela
determinante para os rumos da pesquisa. Isso porque, como observou
Malinowski (1989: iv) a partir das populaes das Ilhas Trobiand,
(...) o conjunto da tradio tribal como o conjunto da estrutura
social se encontram guardados no mais inacessvel dos materiais: o
ser humano (...) Exatamente como eles (os seres humanos) obedecem a
seus instintos e aos seus impulsos sem saber estabelecer uma s lei
de psicologia, os indgenas se submetem ao poder coercitivo e s
obrigaes do cdigo tribal sem compreend-los. Para no se perder a
relao mgica que tem esse mecanismo de leitura pessoal da imagem
pelo observador, aconselhvel se conservar a associao das observaes
do informante com os elementos da imagem que as propiciaram. Isto
pode ser feito atravs do registro gravado ou, quando este no for
possvel, com anotaes em torno da prpria imagem fotocopiada em um
papel maior. Assim, quando um personagem ou detalhe motivar um
comentrio especfico, este comentrio anotado nas margens da imagem,
com um trao ligando as anotaes ao respectivo elemento da
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imagem. Esse procedimento particularmente eficaz na descrio de
realidades visualmente complexas, de cenas rituais, postura
corporal, indumentria, trabalhos manuais etc. Sobre a eficincia de
uma fotografia Para que uma fotografia cumpra suas funes na
pesquisa, necessrio que ela seja eficiente na tarefa de recolher e
transmitir informaes: uma fotografia malfeita como um texto mal
escrito cujo sentido escapa ao leitor. A utilizao da fotografia se
d atravs da leitura da imagem, isto , do reconhecimento das
informaes contidas na imagem, as quais propiciam uma reflexo
cientfica. Por sua vez, uma fotografia to mais rica em informao
quanto for a capacidade do leitor de perceber as suas nuances de
representao. Esse processo implica em uma precisa articulao entre
forma e contedo, cabendo primeira dar evidncia ao segundo. Para
melhor compreendermos esta noo de eficincia da imagem fotogrfica,
temos de levar em conta as especificidades da fotografia como meio
de expresso, bem como a lgica do seu processo de produo.2 Temos de
considerar tambm que nem tudo que se v pode ser fotografado, ou
seja, pode ser traduzido de forma eficaz atravs da linguagem
fotogrfica. No que concerne sua prpria natureza, o ato de
fotografar implica sempre e necessariamente na escolha de um
enquadramento no espao e de um instante no tempo" (Horvat, F.
1990). A fotografia se realiza em um espao de tempo muito curto, e
esta particularidade resume toda sua singularidade e complexidade:
trata-se de efetuar um reconhecimento antecipado de uma determinada
cena, j que o que visto no mais foto, uma vez que j ser passado no
momento do click. Esta caracterstica singular da fotografia - a
escolha do momento -, que a diferencia do cinema e do vdeo,
determinante para sua utilizao como instrumento de pesquisa de
campo. No caso do cinema e do vdeo, que trabalham com o plano
contnuo, uma troca de idias ao longo da filmagem entre aquele que
opera a cmera e aquele que dirige a pesquisa perfeitamente possvel,
assim como uma espcie de direo de cena. Ainda que seja desejvel que
o antroplogo acumule as funes de realizador, isto no constitui uma
questo fundamental no caso do cinema e do vdeo como
2 A esse respeito, ver Achutti (1997) e Guran (1986, 1992, 1994
e 1996b)
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instrumentos de pesquisa (Mead, M. 1975:197). No que toca
fotografia, entretanto, as coisas so bem diferentes, uma vez que
todo o processo se conclui em uma frao de segundo e repousa sobre
um momento intudo. No se trata, ento, de compartilhar o
enquadramento da realidade, mas sobretudo de prever (ou melhor,
intuir) e captar um momento-sntese representativo de um aspecto do
universo em estudo. Estas peculiaridades fazem da fotografia uma
realizao estritamente pessoal, resultado direto da interao entre o
fotgrafo e o contedo da cena registrada. Contrariamente utilizao do
cinema e do vdeo, o emprego da fotografia como instrumento de
pesquisa , portanto, uma tarefa a ser realizada pelo prprio
pesquisador. Tanto mais que, tal como os outros procedimentos da
pesquisa de campo, as operaes para a tomada de fotografias so ao
mesmo tempo de contedo e de forma (Olivier de Sardan, J.-P., 1987),
uma vez que a postura do pesquisador-fotgrafo tambm faz parte da
tcnica de pesquisa, como veremos a seguir. A percepo dos
acontecimentos visando sua traduo em imagens requer um certo tipo
de interao com a realidade que condicionada pelas necessidades
especficas do ato fotogrfico. Ao antroplogo no se pede que abandone
sua condio de pesquisador - isto , seus pressupostos cientficos -
para se tornar um artista - ou seja, algum que est exclusivamente
voltado para a expresso plstica. Entretanto, o pesquisador-fotgrafo
precisa se colocar em um certo comprimento de ondas face aos
acontecimentos, de modo que o raciocnio possa, por um momento,
ceder a primazia sensibilidade e intuio. Na produo de uma
fotografia, o essencial a luz que desenha volumes e d profundidade
cena, bem como as linhas e massas que se combinam para, dentro do
recorte do visor, dar sentido ao que registrado. Esta
especificidade do ato fotogrfico condiciona o trabalho de campo. Em
conseqncia, o pesquisador que tenha a responsabilidade de conduzir
sozinho uma pesquisa no poder, ele mesmo, explorar todas as
potencialidades da fotografia como instrumento de pesquisa. Isto
porque em vrias situaes ele seria obrigado a operar em dois
registros diferentes. Por um lado, na sua tarefa de observao, teria
de dar prioridade seqncia lgica de um ritual, por exemplo,
inventariando por escrito os acontecimentos; e por outro lado, se
fosse documentar fotograficamente, teria de dar prioridade percepo
plstica destes mesmos acontecimentos.3 3 Como veremos adiante, a
plena utilizao da fotografia como instrumento de pesquisa pressupe
um trabalho de equipe, no qual o pesquisador-fotgrafo no precisa
ser necessariamente o responsvel cientfico da pesquisa, podendo
atuar com um pesquisador auxiliar.
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A fotografia, enquanto extenso da nossa capacidade de ver,
constitui-se naturalmente em um instrumento da observao
participante (Rouill, A. 1991) na busca de dados antropolgicos. Ou
seja, a funo da fotografia a de destacar um aspecto de uma cena a
partir do qual seja possvel se desenvolver uma reflexo objetiva
sobre como os indivduos ou os grupos sociais representam, organizam
e classificam as suas experincias e mantm relaes entre si. Seu
papel mais importante como mtodo de observao, convm sublinhar, no
apenas expor aquilo que visvel, mas, sobretudo, tornar visvel o que
nem sempre visto, como observou Paul Klee com relao pintura (Read,
H., 1985). As entrevistas feitas com fotografias permitem, por
exemplo, que aspectos apenas percebidos ou intudos pelo pesquisador
sejam vistos - e se transformem em dados - a partir dos comentrios
dos informantes sobre a imagem. Alm disso, esses comentrios
funcionam tambm como pistas de indagaes que o pesquisador pode
fazer diante da imagem. desta maneira que se pode aprofundar a
leitura do texto visual, j que, como afirma Mauad (2005:467), a
imagem no fala por si mesma, necessrio que as perguntas sejam
formuladas. Consideradas estas questes relativas postura do
fotgrafo e s funes que a foto pode exercer no seio de um trabalho
de pesquisa, na natureza mesmo do processo fotogrfico que reside a
chave para a sua boa utilizao. A matria-prima da fotografia a face
visvel da realidade, que se encontra permanentemente em movimento.
Cabe ao fotgrafo-antroplogo observar este movimento, selecionar o
que for significativo a nvel plstico e a nvel cientfico, e
registr-lo fotograficamente. Fotografar antes de tudo atribuir (ou
reconhecer) valor a um aspecto determinado de uma cena. Este
aspecto deve ser evidente e claro desde o primeiro olhar sobre a
fotografia, como j foi observado anteriormente. Entretanto, muito
freqente que uma fotografia desperte nossa ateno, ou at nos
emocione, enquanto que uma outra, da mesma cena, no chegue nem a
reter nosso olhar. O que faz a diferena entre essas duas situaes
apenas e to-somente a boa utilizao da linguagem fotogrfica. Os
elementos principais da linguagem fotogrfica - tanto na fotografia
(ou imagem digital) a cores como na preto-e-branco - so a luz, a
escolha do momento, o foco e o enquadramento, alm das questes
colocadas pelos
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diferentes filmes e objetivas.4 Uma vez feitos os procedimentos
tcnicos - a medio da luz, o ajuste da velocidade de obturao, do
diafragma e do foco - a qualidade da luz, o enquadramento e a
escolha do momento, ou seja, o instante em que o conjunto de
fatores tcnicos e os dados de contedo se integram e atingem a
plenitude da expresso plstica que conferem toda a sua eficcia
imagem fotogrfica. Nas palavras de Cartier-Bresson (1952), uma
fotografia (...) o reconhecimento simultneo, numa mesma frao de
segundo, da significao de um fato e a organizao rigorosa das formas
percebidas visualmente que exprimem este fato". Cabe ressaltar que
esta observao feita por Henri Cartier-Bresson h mais de cinqenta
anos, como acontece com as principais questes relativas linguagem
fotogrfica, continua vlida para a imagem digital. Em que pesem as
diferenas ontolgicas entre esta e a fotografia analgica (ou
icnica-indicial), a relao do operador da cmera com o mundo visvel e
a conseqente traduo plstica da cena recortada continuam seguindo os
mesmo parmetros.5 O ato fotogrfico comea, ento, pelo reconhecimento
do contedo de uma cena, pela seleo de um aspecto que merea ser
destacado. Dentro do visor, excluem-se ou no certos elementos
visuais que, entretanto, representam tambm dados ou informaes - com
objetivo de destacar o aspecto essencial da cena segundo o ponto de
vista escolhido. fundamental eliminar ao mximo os elementos
acessrios que possam poluir a mensagem principal ou concorrer com
ela. Da mesma maneira que uma emisso radiofnica pode ser
prejudicada por rudos parasitas, a eficincia da comunicao
fotogrfica se reduz pela presena de elementos visuais
desorganizados. A imagem fotogrfica se constri a partir de um
elemento visual que constitui o ponto de partida para a sua
leitura. Este ponto deve ser reconhecido desde o primeiro olhar
sobre a fotografia. Ele deve ser o primeiro elemento visual a
despertar a nossa ateno, e espera-se que todo mundo comece a
leitura da imagem por este ponto.6 A ausncia desse ponto, ou a
existncia de vrios pontos com o mesmo nvel de evidncia, 4 Um estudo
mais completo sobre a linguagem fotogrfica pode ser encontrado em
Guran, 1992. Sobre a questo da luz na fotografia, ver Moura, 1999,
e sobre composio ver Linhares Filho, 1997 e 1998. 5 Para uma
abordagem inicial das questes colocadas pelo paradigma digital, ver
a obra pioneira de Richtin, 1990; Machado, 1998; e Guran, 2005) 6
No confundir esta noo de elemento dominante na composio de uma
fotografia com a idia de punctum desenvolvida por Roland Barthes
(1980). O punctum de Barthes o ponto de uma imagem que mais nos
toca no plano subjetivo. O punctum pode, ento, coincidir ou no com
o ponto de partida da leitura de uma imagem, ou aparecer somente
depois de uma anlise mais apurada desta.
-
14
pode ser uma soluo esttica, mas de uma forma geral torna a
imagem confusa e fraca. Os procedimentos relativos ao enquadramento
e escolha do instante so ligados s questes tcnicas (iluminao,
objetivas, diafragma, foco, tipo de filme), mas eles dependem tambm
e, sobretudo, da prpria postura do fotgrafo face ao seu objeto de
estudo. O pesquisador no de modo algum um caador de imagens, nem um
trabalho cientfico pode constituir-se de imagens "roubadas".
verdade que a foto instantnea, como um flagrante jornalstico, um
elemento essencial do discurso fotogrfico. Mas, no que concerne
pesquisa, mais importante a documentao das aes e atitudes que se
repetem - o que exige sempre a escolha do momento mais rico em
significaes - do que tirar fotos como um "paparazzo, com o risco de
perturbar uma determinada situao e at mesmo comprometer toda a
pesquisa. O respeito ao outro, tanto no que relativo s relaes
pessoais quanto s sociais (por exemplo, no que toca aos espaos
pblicos e os privados), um dos pontos mais importantes a serem
observados se queremos obter bons resultados a partir de um
trabalho fotogrfico. Como sabemos todos, a fotografia desde a sua
inveno sempre foi alvo de preconceitos e interpretaes das mais
diversas em todas as culturas.7 Esta atitude de respeito tanto s
pessoas quanto ao mtodo de trabalho foi muito bem destacada por
Bateson (1942:49), ao comentar sua pesquisa com M. Mead em Bali:
"Ns procuramos fotografar os acontecimentos normalmente e com
espontaneidade, ao invs de decidirmos segundo nossos prprios
parmetros e em seguida pedirmos aos balinenses que representassem o
que tnhamos decidido em um local mais bem iluminado. Os aparelhos
fotogrficos foram tratados em campo como instrumentos de registro,
e no como um meio para ilustrar as nossas prprias teses."
Fotografar para contar A fotografia feita para contar aquela que
visa especificamente a integrar o discurso, a apresentao das
concluses da pesquisa, somando-se s demais imagens do corpus
fotogrfico e funcionando, sobretudo, na descrio e na interpretao
dos fenmenos estudados. geralmente produzida quando o pesquisador j
pode identificar os aspectos relevantes cujo registro contribui
para a apresentao de sua reflexo. Como j foi 7 Sobre a relao com o
Outro, no contexto de uma pesquisa fotogrfica-antropolgica, ver
Guran (1996a).
-
15
dito, nada impede, porm, que fotografias feitas na primeira fase
da pesquisa - a de descobrir - passem por uma releitura e venham a
integrar o discurso final nesta categoria. Para que a utilizao da
fotografia seja eficaz na apresentao das concluses da pesquisa,
necessrio que haja uma articulao entre as duas linguagens, a
escrita e a visual, de modo que uma complemente e enriquea a outra.
Na verdade, trata-se de concatenar dois discursos distintos que s
funcionam juntos se dialogarem entre si. As fotografias, para
facilitar a leitura, devem ser ordenadas de modo a produzirem um
sentido por si mesmas em seu conjunto e, tambm, individualmente na
sua relao com o texto. Para tanto, vantajoso que elas se intercalem
ao texto, formando um todo com as informaes escritas. Desta forma,
a narrativa enriquecida, par e passo, pela informao visual, que
dialeticamente ganha fora, por sua vez, pela leitura textual do que
representa. Nesta articulao, a fotografia pode: a) suceder ao texto
apresentando-se como explicao complementar ou como evidncia de um
aspecto descrito ou comentado; ou b) funcionar como ponto de
partida para uma reflexo.8 O primeiro caso aquele em que a
fotografia participa da descrio do universo fsico da pesquisa, bem
como de rituais, procedimentos tecnolgicos, relaes sociais, etc. O
apoio da fotografia propicia uma descrio mais completa e detalhada
de situaes complexas, de aes rpidas. Ela pode, por exemplo, marcar
as etapas de um ritual, destacar a posio precisa dos personagens,
seus gestos, indumentrias, pondo em evidncia aspectos que
dificilmente poderiam ser traduzidos claramente apenas pela
linguagem escrita. A preocupao em bem descrever as situaes em campo
foi o que levou Malinowski (1985) a investir tanto na documentao
fotogrfica, como podemos constatar pela leitura do seu dirio de
campo.9 A fotografia pode funcionar, tambm, como uma espcie de
encenao da reflexo antropolgica, a qual passa a se desenvolver a
partir da imagem. A funo da fotografia ento definida como ilustrao
interpretativa por Attan & Langewiesche (1997), que explicam
que a fotografia pe em evidncia aspectos da realidade estudada que
so detectados tanto no discurso dos informantes quanto nas
entrevistas ou nas diversas formas de observao. Ela constitui-se,
ento, em dado suplementar ao mesmo tempo em que ilustra uma etapa
da reflexo antropolgica. Sua utilizao implica em um vai-e-vem
constante entre a reflexo antropolgica e os dados apresentados na
imagem. Um exemplo 8 Cf. Attan & Langewiesche (1997). 9 Cf.
Samain (1995).
-
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da utilizao radical deste recurso o clssico de Bateson &
Mead, Balinese Character - A photographic analysis, que continua
sendo, mais de cinqenta anos depois da sua publicao, a principal
obra de referncia quanto utilizao da fotografia tanto para
descobrir quanto para contar no campo da antropologia. 2. Sobre os
dilogos possveis entre a fotografia e o saber antropolgico Em
resumo, a utilizao da fotografia pela antropologia pressupe, como
condio prvia e imprescindvel, que cada campo se familiarize com as
especificidades do outro. Na prtica, necessrio que o antroplogo se
alfabetize visualmente e que o fotgrafo tenha pleno conhecimento
dos fundamentos tericos e metodolgicos da pesquisa antropolgica.
Foi a partir dessa premissa que montamos o programa da disciplina
Fotografia como instrumento de pesquisa, baseado na experincia do
curso de ps-graduao latu senso (Especializao, 360 h/a) Fotografia
como instrumento de pesquisa nas Cincias Sociais, do Instituto de
Humanidades da Universidade Candido Mendes (Rio de Janeiro).10
Reunindo estudantes de graduao e de ps-graduao da USP, mestrandos
da PUC-SP e da Unicamp, e uma professora de fotografia,11 esta
disciplina constituiu-se em um campo emprico sobre a problemtica de
utilizao da fotografia na pesquisa antropolgica, sendo ao mesmo
tempo um espao de reflexo e de treinamento nesta prtica. O programa
da disciplina contemplou a apresentao e discusso de aspectos
tericos e metodolgicos relativos produo fotogrfica em si e aplicada
pesquisa. Foram organizados 12 encontros, a saber: 1. Apresentao do
curso. A funo do olhar e a natureza da imagem. O campo da
imagem na construo da cultura. Textos: Flusser e Chau 2. Do olho
nu ao olhar fotogrfico: dilogo entre a pintura e a fotografia,
das
imagens rupestres aos nossos dias. Projeo e notas de aula. 3. O
ato de fotografar e a expresso fotogrfica: os grandes mestres da
fotografia,
rupturas e novos caminhos. Projeo: Grandes mestres 4. Linguagem
fotogrfica. A foto eficiente. Anlise dos principais elementos
de
produo de uma fotografia que conferem ou no eficincia a uma
imagem na sua funo de captar e transmitir informao. Texto:
Linguagem... Projeo: Todo dia
10 Este curso, proposto e coordenado por mim, foi pioneiro no
pas, tendo formado quatro turmas, de 2001 a 2004. Em 2005, foi
reformulado e passou a denominar-se Fotografia: linguagem e
expresso. Deixou de ser oferecido a partir de 2006. 11 No total,
inscreveram-se 15 estudantes que trabalhavam ou pretendiam
trabalhar com a fotografia nas suas respectivas pesquisas, alm de
estudantes que se preparavam para ingressar na ps-graduao.
-
17
dia... e fotos do livro 5. A construo da representao do Outro
atravs da imagem. A postura do
fotgrafo pesquisador diante do seu objeto de estudo. Fotgrafos
pioneiros da documentao fotogrfica. Projeo: Etrange Etranger (coleo
Photo Poche); Pioneiros da documentao fotogrfica no sc XIX Lewis
Hime e Jacob Riis; Curtis; Comisso Rondon; FSA
6. Fotografia e cincias sociais histrico e campo de trabalho. A
fotografia como
objeto de estudo e como instrumento de pesquisa. Leitura de uma
foto contextualizao histrica, etnogrfica, industrial. Natureza
mgica. Projeo: Pierre Verger e Cludia Andujar.
7. Balinese character a photographic analysis: apresentao e
anlise da obra
clssica de Margaret Mead e Gregory Bateson. Texto: E. Samain 8.
A constituio de um corpus fotogrfico material produzido por
terceiros e pelo
prprio pesquisador. A problemtica relativa produo e utilizao das
imagens de natureza mica e tica.
9. Fotografar para descobrir a produo da fotografia de campo e
sua utilizao na
busca de dados. Observao participante, entrevistas, estudos de
caso. 10. Fotografar para contar utilizao da foto no discurso
antropolgico. Descrio
do universo de estudo, apresentao das concluses, ilustrao
interpretativa. Discurso fotogrfico. Projeo UNE
11. Aguds os brasileiros do Benim apresentao e discusso de um
estudo
antropolgico no qual a fotografia teve destacado papel como
instrumento de pesquisa.
12. - Apresentao e anlise de trabalhos em curso. Como forma de
avaliao da disciplina, foi proposto um trabalho final nos seguintes
termos:
1. O trabalho de final de curso, obrigatrio para a validao da
disciplina, pode ser de dois tipos:
documentao fotogrfica sobre tema escolhido pelo aluno em
conjunto com o orientador, compreendendo entre cinco e vinte
fotografias, em preto-e-branco ou cores (papel), acompanhadas de
memorial descritivo do trabalho (segundo modelo definido pelo
orientador);
dissertao terica sobre tema escolhido pelo aluno em conjunto com
o orientador, compreendendo entre 10 e 20 pginas, incluindo
bibliografia.
-
18
2. Da documentao fotogrfica: Este tipo de trabalho constitudo
por uma documentao fotogrfica propriamente dita, precedida de um
memorial descritivo, segundo modelo seguinte:
Memorial descritivo, com at 10 pginas, composto por: 1.
Apresentao onde o trabalho como um todo apresentado,
contextualizando o objeto principal e enunciando as linhas
mestras do trabalho.
2. Objeto sobre o que o trabalho (definio do objeto), apresentao
de como o assunto foi construdo como objeto.
3. Metodologia como o trabalho foi feito; descrio dos
procedimentos de campo, postura, equipamento, etc.
4. Referncias bibliogrficas relao por ordem alfabtica de autor
de todas as obras citadas.
Documentao fotogrfica, conjunto de 05 a 20 fotos, com ttulo,
pequeno texto de abertura (opcional), e texto-legenda em cada
foto ou conjunto de fotos. fundamental contextualizar as fotos,
indicar quem so as pessoas envolvidas, e em que rede de relaes
sociais se inserem.
Este trabalho final apresentado por dez alunos, entre regulares,
especiais e ouvintes se constituiu em campo emprico para apresentao
das diversas possibilidades de formao de um corpus fotogrfico,
tendo sido apresentado e discutido em sala de aula, se tornando,
assim, na principal matria de reflexo ao longo do curso. Oito
alunos optaram pelo trabalho prtico com produo de fotografias, e
dois outros produziram reflexes sobre fotografias de terceiros. Os
temas so bastante variados, como se segue: - Palavras e performance
A linguagem do corpo no sistema de comunicao cerimonial Yanomami
Rogrio Duarte do Pateo (PPGAS-USP) Rogrio apresenta e analisa a
linguagem gestual cerimonial dos Yanomami atravs de fotografias e
imagens tiradas de vdeo, organizadas em cinco conjuntos com
diversas pranchas contendo um nmero variado de imagens, precedidas
de um texto explicativo, no modelo consagrado em Balenese
Character, de Bateson e Mead. A densidade deste trabalho exemplar
reside, sobretudo, na qualidade da observao e na competncia do
registro imagtico. - Ocupao do espao pblico da Avenida 23 de maio
Marco Antonio Dresles Hovnanian Mestrando em Cincias Sociais
(PUC-SP), Marco Antonio, que um excelente fotgrafo, apresenta a
situao de um grupo
-
19
de moradores de rua atravs de um bem articulado discurso visual
conjugado a um conciso texto analtico de cunho sociolgico. -
Festival Beltaine Simone Barreto O ponto de partida deste trabalho
foi uma documentao fotogrfica de momentos rituais de magia Wica da
Hera Mgica do Festival Beltaine, evento realizado em So Paulo em
maio de 2004. Simone fotgrafa, sem formao em cincias sociais, tendo
realizado a sua pesquisa durante o curso, o que nos permitiu
acompanhar, em grupo, os diversos procedimentos, da construo do
conjunto de fotos em objeto sua utilizao em entrevistas, e elaborao
do discurso final. So fotos realizadas noite apenas com a luz
disponvel - portanto tecnicamente problemticas - que buscam
registrar, ao lado dos aspectos factuais, o clima de fantasia e
mistrio dominante no evento. O trabalho final visou, sobretudo, a
aproximar este tipo de imagem a uma compreenso mais etnogrfica do
evento. - Elementos da festa Curuss: confraternizao e rivalidade em
Porto Espiridio MT Ricardo Burg Mlynarz A partir de documentao
fotogrfica efetuada pelo autor em fevereiro de 2001, a descrio
etnogrfica se constri com pesquisa complementar bibliogrfica e com
entrevistas com participantes e pesquisadores, o que permite a
elaborao de uma leitura bastante densa das imagens, fio condutor do
discurso etnogrfico como um todo. - Narrativas visuais do
ecoturismo e suas relaes com o patrimnio cultural e natural de
Iporanga (Alto Vale do Ribeira SP) Luiz Afonso Vaz de Figueiredo
Fotgrafo amador e doutorando em Geografia (FFLCH-DG-USP), Luiz
Afonso identifica neste trabalho as narrativas visuais do turismo a
partir das fotos realizadas ele e por pesquisadores do Grupo de
Estudos Ambientais da Serra do Mar (GESMAR), entidade ambientalista
independente. - Um olhar sobre os Ashaninka do Rio Amnia Marta
Alves Descrio de alguns momentos do cotidiano e dos processos de
produo de artefatos dos Ashaninka do rio Amnia, a partir de uma
documentao fotogrfica realizada em 1994, na aldeia Apiwtxa
(Marechal Thaumaturgo, AC), cuja leitura se apoiou principalmente
nas anotaes de campo da autora, fotgrafa com formao em cincias
sociais. - Etnografia e imagem fixa: um estudo de caso da congada
de So Sebastio do Paraso, MG Llian Sagio Cezar Parte de uma
pesquisa mais ampla para preparao de dissertao de mestrado
(Departamento de Multimeios Unicamp), fundamentada na observao
participante com
-
20
utilizao da fotografia como instrumento privilegiado de prospeco
de dados e de descrio, este trabalho tem a particularidade de ter
conjugado, desde o incio, fotografia e pesquisa etnogrfica,
permitindo um discurso perfeitamente encadeado, em que a imagem
serve de suporte reflexo etnogrfica, e tambm de instrumento para
seu enunciado. - Revisitando a Festa do Jacar: um duplo encontro
com a imagem e com a memria Tiriy Luiz Donisete Benzo Grupioni
Descrio etnogrfica da Festa do Jacar, dos Tiriy, do norte do Par, a
partir de uma documentao fotogrfica feita pelo autor em 1998,
relida em 2004 por um dos protagonistas, Joo Asiwef Tiriy, que se
encontrava em So Paulo para participar de um programa de intercmbio
entre comunidades indgenas. A leitura de Joo permitiu a valorizao
de aspectos etnogrficos no tinham sido ainda percebidos pelo
pesquisador nem explorados por trabalhos de outros autores,
constituindo-se na linha central de descrio da festa, apresentada
atravs de sete imagens emblemticas do ritual. - Lary estudo
imagtico da divindade Exu Denise Camargo (fotgrafa, professora do
Curso Superior de Fotografia do SENAC-SP) Anlise da representao de
Exu no livro Lary, de autoria de Mario Cravo Neto, na qual Denise d
especial ateno ao trabalho de autor (entrevista com MCN em novembro
de 2001), e trata as imagens em relao com a mitologia sobre a
entidade (tomando como referncia a compilao de mitos de Reginaldo
Prandi e a da tradio oral de louvor de origem ketu, por Altair B.
Oliveira), e na sua dimenso esttica. - A fotografia para contar de
Matthew Brady Rogrio Annanias Pires Anlise de duas sries de
fotografias da guerra civil americana representando a construo da
imagem do General Ulisses Simpson Grant, e a narrativa do cerco a
cidade de Petersburg, na Virgnia. Realizados com os recursos
disponveis em cada caso, esses trabalhos partiram de diversas
premissas, segundo a respectiva dinmica da pesquisa proposta por
cada um dos alunos. Encontramos nestes trabalhos quatro tipos de
corpus fotogrfico, que so emblemticos do uso da fotografia como
instrumento de pesquisa: - Fotografias produzidas no contexto de
uma pesquisa antropolgica, embora sem responder a uma inteno clara
de utilizao sistematizada na pesquisa, e que posteriormente se
constituram em tema do trabalho final. o caso dos trabalhos de
Rogrio Duarte do Pateo e de Luiz Donizete B. Grupione.
-
21
- Fotografias produzidas por razes diversas, pessoais ou de
simples documentao, cujo assunto veio a se constituir em objeto do
trabalho final. Neste caso esto os trabalhos de Ricardo B. Mylnarz,
Luiz Afonso Vaz de Figueiredo e Marta Alves. - Fotografias que
foram produzidas para o trabalho final, como complemento ao
material fotogrfico j existente, como no trabalho de Simone
Barreto. - Fotografias que foram produzidas exclusivamente como
material de pesquisa para o trabalho final, como parte integrante
do exerccio, exemplificadas pelos trabalhos de Marco Antnio D.
Hovnanian e de Llian Sagio Cezar. As questes prticas e as implicaes
tericas e metodolgicas da utilizao de cada um desses diferentes
tipos de fotografias foram objeto de anlise ao longo do curso,
representando a principal matria de reflexo do curso. Cada trabalho
foi apresentado e debatido com toda a turma, desde a construo do
objeto com apoio de imagens at as prprias imagens, que foram
projetadas e analisadas do ponto de vista da linguagem e da sua
funo na pesquisa. Dentre estes trabalhos, vale destacar, por terem
apresentado um procedimento original, aqueles que partiram de
registros feitos anteriormente pelos prprios pesquisadores, com
finalidade documental, para propor uma nova leitura das imagens
viabilizada a partir das reflexes desenvolvidas na disciplina. So
eles Palavras e Performance a linguagem do corpo no sistema de
comunicao cerimonial Yanomami, de Rogrio Duarte do Pateo; e
Revisitando a Festa do Jacar: um duplo encontro com a imagem e a
memria Tiriy, de Luis Donisete B. Grupioni. A originalidade do
trabalho de Rogrio reside, principalmente, na utilizao conjunta de
fotografias e de imagens fixas extradas de vdeo digital, tomadas
ambas com o mesmo status no discurso final que pretende descrever
os dilogos cerimoniais Yanomami. Estas imagens, produzidas em trs
diferentes visitas a campo (2000, 2001 e 2003), transitam da
objetividade documental subjetividade e buscam, nas palavras do
autor, transcender a obrigatoriedade realista para atingir uma
maior dramaticidade na transmisso de sua mensagem fundamental.
Depois de situar etnograficamente o fenmeno enfocado os dilogos
cerimoniais conhecidos como hereamu e wayamu - o autor apresenta em
39 imagens, distribudas em 12 pranchas, o que j tinha anunciado no
texto. Esse conjunto organizado em cinco etapas, cada uma
-
22
compreendendo um nmero varivel de pranchas, que descrevem
didaticamente o fenmeno estudado. Do texto introdutrio de cada
etapa constam as informaes relativas produo das imagens (como foram
obtidas, qual equipamento foi utilizado etc.), uma nota sobre a
inteno explcita do autor ao produzi-las e noes etnogrficas
imprescindveis para a compreenso do discurso visual. Este, por sua
vez, prescinde de legendas especficas para cada imagem ou conjunto
de imagens. A partir das informaes iniciais, o autor pretende que o
leitor penetre no mundo de sensaes gerado pelo prprio estmulo
visual da descrio etnogrfica. Eis a outro ponto forte da sua
proposta. J o trabalho de Lus Donisete construdo a partir da
releitura feita por um informante privilegiado, em 2004, de um
conjunto de fotos produzidas pelo pesquisador seis anos antes, na
aldeia da Misso Tiriy no Parque Indgena do Tumucumaque, norte do
Par, por ocasio de um ritual maior do grupo, a Festa do Jacar. De
visita a So Paulo, Joo Asiwef Titiy se props a colaborar com o
autor na organizao de um discurso visual que descrevesse aquele
ritual. Esse trabalho em conjunto com o informante permitiu ao
autor descobrir nas fotos vrios aspectos da Festa do Jacar que
tinham passado despercebidos na poca do registro. Nas suas
palavras: Aes, seqncias e intervenes que eu no tinha compreendido
quando assisti festa agora ganharam sentido a partir das suas (do
informante) explicaes. 12 O trabalho final alinhou sete fotografias
apresentadas cada uma com um texto legenda produzido pelo autor e
acompanhado pela transcrio literal do comentrio do informante. O
mosaico de imagens resultante do conjunto de trabalhos apresentados
revela a dimenso caleidoscpica da relao entre prtica fotografia e
experincia social. Assim, a cada movimento realizado pelo
pesquisador na escolha do seu objeto, na delimitao das etapas da
pesquisa e nas escolhas formais que realizou ao fotografar um outro
movimento se fazia correlato, o das pessoas fotografadas, das
situaes colocadas em foco, das negociaes entre sujeitos. Enfim, o
que se apresenta ao final dessa reflexo , por um lado, uma
constatao e, por outro, um desafio. A constatao aparece como quase
bvia (se no estivesse fundamentada em tudo aquilo que a antecedeu):
a fotografia efetivamente um instrumento eficiente para a produo do
conhecimento em Cincias Sociais. J o desafio reside no fato de que
o tipo 12 A descoberta de novos aspectos ou o aprofundamento da
compreenso de um fenmeno a partir da anlise de fotografias
recorrente nos trabalhos antropolgicos que se constituem
inicialmente atravs de uma pesquisa sem recurso imagem e que passam
a utilizar fotografia quando a pesquisa j est bastante avanada. Um
exemplo marcante onde esta questo problematizada pelo autor -
Universo do carnaval: imagem e reflexes, de Roberto da Matta
(1981).
-
23
de conhecimento que se revela pela dimenso visual da pesquisa
associado pragmtica fotogrfica nos coloca questes epistemolgicas
que, em grande medida, propem uma nova lgica cientfica ao dar
destaque tanto dimenso subjetiva dos sentidos quanto natureza mgica
das imagens. Precisamos tambm ter em mente que, ainda que o olhar
do fotgrafo-pesquisador seja instrumentalizado pelos pressupostos
tericos e metodolgicos da sua disciplina, ele v o que ele .
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