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GRAMTICA DO TEXTO JORNALSTICO
Por Nilson Lage
[AULA 1]
O jornalismo uma forma de conhecimento e, como tal, incumbe-se
de atualizar o nvel de informao da populao com velocidade impossvel
de alcanar por outro meio. Sua necessidade social ampliou-se na
medida em que as transformaes polticas, sociais, cientficas e
tecnolgicas se aceleraram, tornando invivel a atualizao por outros
processos, como contatos pessoais, demonstraes em auditrios
etc.
O jornalismo seria, assim, responsvel tanto pela amplitude
quanto pela superficialidade do conhecimento que as pessoas tm,
fora de suas reas especficas de atuao. No entanto, a influncia da
atividade jornalstica penetra mesmo em setores que dispem de
estruturas prprias de coleta de dados.
Uma pesquisa (SCHUCH, 1997), realizada no universo das
principais empresas de Santa Catarina, revela que seus executivos
baseiam-se em jornais (particularmente na Gazeta Mercantil) para
formular decises estratgicas. O mesmo se observa, por exemplo, na
indstria norte-americana de espetculos, com relao crtica
especializada, ou nos mercados de capitais, em que corriqueiramente
informaes da imprensa sobre desempenho de setores produtivos
provocam reaes antes de serem divulgadas oficialmente por exemplo,
nos balanos.
bvia a influncia do jornalismo em processos polticos como as
eleies. No entanto, a aferio dessa influncia costuma ser destorcida
por uma tendncia genrica dos grupos de poder: eles consideram timo
o jornalismo quando a favor e pssimo quando contra, independente da
verdade ou falsidade dos contedos. Da perspectiva profissional, os
critrios so outros: uma boa notcia no a mais bem escrita ou a mais
construtiva, mas, principalmente, a verdadeira. Parece bvio que
toda notcia apaixonante beneficia ou agrada a uns e prejudica ou
desagrada a outros.
Neste aspecto, o jornalismo tem uma confiana tal em seu discurso
que se aproxima da cincia: define verdade, maneira de Isaac Israeli
(Sculo IX), como adequao desse discurso realidade. No passou
certamente pela cabea de Isaac Newton, ao enunciar a Lei da
Gravitao Universal, discutir se seria ou no conveniente para a
humanidade continuar ignorando os princpios da gravidade, que
sempre existiu. Da mesma forma, seria insensato imaginar que Alan
Turing destrusse os originais de sua pesquisa sobre a mquina
universal de processamento de informaes, na dcada de 30, por
antever que os computadores poderiam causar desemprego.
Excludas algumas situaes chamadas de ticas, em que o prejuzo
imediato e evidente (como pode ser o caso de negociaes no curso de
seqestros ou do envolvimento de menores em crimes), a tendncia dos
jornalistas considerar adequada a divulgao de informao de interesse
pblico sobre que tm certeza. A dificuldade de distinguir o que
pblico e o que privado ou de confrontar o que se supe que as
pessoas precisam ouvir e o que elas querem realmente ouvir no
problema s do jornalismo, mas, no geral, das sociedades em que
praticado.
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No entanto, h diferenas importantes entre o discurso jornalstico
e o discurso cientfico: uma delas que o primeiro um discurso de
aparncias. Qualquer que sejam as verses difundidas numa matria de
jornal ou revista, no importando a linha editorial, o mais
importante so sempre os fatos. So estes o que os reprteres apuram e
que valorizam. J na cincia, o que se investiga so essncias: leis,
princpios e postulados que devem reger conjuntos de fatos; teorias
que se sustentam enquanto no se consegue comprovar sua
falsidade.
Quando o jornalismo tenta abordar essncias da realidade,
geralmente foge a suas caractersticas informativas, perde a
novidade, recorre ao lugar comum e torna-se subliteratura. A
literatura, a partir da forma da lngua e da vaguidade dos
conceitos, cuida de revelar verdades essenciais. O mtodo no a
inferncia dedutiva, como se pretende numa demonstrao cientfica, mas
o insight, a experincia, a induo. Assim se pode dizer que uma obra
de fico encerra realidade vises pessoais, parciais e essenciais;
esse percurso no vivel nas condies industriais em que se produz
normalmente o jornalismo. O insight, a experincia e a induo tambm
existem na cincia quando ela formula hipteses e idealiza modelos,
que so falseamentos geralmente baseados na abstrao de algum ou
alguns aspectos da realidade; a questo que hiptese e modelos tm ser
verificados e comprovados, o que no se exige da obra literria.
Em sntese, o jornalismo, como a cincia, pretende que a verdade
objetiva existe e que possvel discorrer sobre ela; no investiga
essncias e assume as verses impostas pela ideologia, procurando
preservar, no entanto, a inteireza dos fatos. No trabalha, ao menos
conscientemente, sobre a forma da lngua para aprofundar ou desvelar
algo que relata, nem se baseia na intuio, experincia ou capacidade
indutiva do autor.
Pelo jornalismo passam discursos ideolgicos que provm, em maior
escala, dos setores dominantes das sociedades. O mesmo ocorre com
outros mdia, como a universidade, as escolas de ensino mdio e
primrio, produtos artsticos e de recreao. No entanto, a
visibilidade da presena desse discurso no jornalismo maior, uma vez
que suas mensagens so mais explcitas e se reportam a assuntos de
interesse imediato.
No ensino, as turmas so relativamente homogneas, h
obrigatoriedade de freqncia e avaliaes peridicas. A informao
jornalstica, pelo contrrio, destina-se a pblico diversificado,
disperso e pode ser ignorada ou omitida basta no comprar o jornal,
p-lo de lado, desligar ou mudar a estao de rdio, de televiso, a
pgina da Internet. Isso obriga o jornalismo a ser atraente, o que
significa ser facilmente compreensvel e conformar-se a pelo menos
alguns dos valores, aspiraes e fantasias de um pblico.
Enunciados jornalsticos esto sendo tomados, modernamente, como
padro da lngua culta, tanto escrita quanto oral embora, neste caso,
haja apenas simulao de oralidade. Falas jornalsticas, no rdio ou na
televiso, correspondem leitura de textos feitos para serem lidos em
voz alta ou, no caso da narrativa simultnea de eventos (como jogos
desportivos ou desfiles de carnaval), repetio de poucas estruturas
modulares, com eventual recurso a suportes escritos e comentaristas
especializados.
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A pr-histria do jornalismo
Os sistemas sociais de difuso de informao envolviam, nos estados
clssicos, dois circuitos:
1. o oficial, constitudo por mensageiros ou arautos que levavam
populao decises e conclamaes do poder leigo; sacerdotes, incumbidos
da tarefa de convencimento e da mobilizao comunitria; e artistas
(poetas e atores, em forma lingstica, mas tambm pintores,
escultores e arquitetos), empenhados na exaltao do estado ou da
f;
2. o privado, constitudo por trovadores que receberam, em pocas
e pases diferentes, diversas denominaes (na Grcia, aedos); por eles
transitavam histrias centradas em enredos fantsticos ou
envolventes, geralmente com localizao e temporalidade imprecisas.
Pode-se acompanhar, ao longo dos anos, o trajeto de alguns desses
contos, como As aventuras de Cid, ao longo de dcadas, pela Europa
medieval.
Sempre que o nvel de alfabetizao permitia, utilizavam-se
suportes escritos. o caso das Actae Durnae do Senado romano, ou dos
Avvisi, mandados redigir por banqueiros e comerciantes nas cidades
litorneas da Itlia do Sculo XIV. Em ambos os casos, os manuscritos
eram colados nas paredes.
Passaram-se 150 anos entre a descoberta, na Europa, do tipos
mveis, e o surgimento da imprensa peridica, que s ocorreu no incio
do Sculo XVII. Dois processos dessa poca so considerados
essenciais: a difuso da alfabetizao e a expanso dos servios de
correios, que permitiam o trfego mais rpido de informaes. Um
terceiro processo foi fundamental para a rpida difuso dos jornais:
a luta da burguesia pelo poder.
Formas clssicas dos discursos no artsticos
Os discursos no-artsticos (isto , no construdos com preocupao
dominantemente esttica) sempre compuseram a maior parte dos
enunciados sociais. A preocupao de quem redige uma lei, um
documento oficial ou cientfico distribui-se por igual entre fatores
que podem ser considerados equivalentes s leis estabelecidas por
Grice para a conversao.
A cada uma das mximas de Grice corresponde uma regra da
estilstica tradicional. Assim, a informao deve ser a necessria para
os fins do documento e no excedente; ser verdadeira ou, no mnimo,
verossmil (admitindo-se que alguns documentos, como algumas falas,
so realmente maliciosos); ser relevante, no-ambgua, concisa,
estruturar-se segundo preceitos lgicos e com a clareza necessria
para ser compreendida pelo(s) destinatrio(s).
Mximas de Grice
1. Mximas da quantidade a. Faa sua contribuio to informativa
quanto necessrio (para os propsitos reais da troca de informaes);
b. No faa sua contribuio mais informativa do que o necessrio.
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2. Mximas da qualidade Tente fazer sua contribuio verdadeira a.
No diga o que acredita ser falso; b. No diga algo de que voc no tem
adequada evidncia.
3. Mxima da relao Seja relevante
4. Mximas da maneira Seja claro a. Evite a obscuridade; b. Evite
expresses vagas e ambguas; c. Seja breve (evite a prolixidade); d.
Seja ordenado
Ao lado de textos construdos com esses cuidados, existem outros,
com estrutura particular: os retricos, preocupados com o
convencimento. A oratria desenvolveu-se notavelmente nas cidades
gregas em que as assemblias enfeixavam todo ou quase todo o poder.
Prosperou em Roma, quer na forma de discursos polticos, dirigidos
elite, quer como conclamao s massas (j se chamavam assim, naquele
tempo), quer como parte da deciso jurdica, em que se arbitra o que
, a partir de ento, imposto como verdadeiro.
At que ponto a retrica encerra verdade no sentido jornalstico ou
cientfico? A pergunta no cabvel, uma vez que, no discurso retrico,
o que est em jogo no a verdade como adequao do enunciado coisa, mas
outras instncias do conceito: uma verdade relativa, ou convico, que
expressa interesses, como na publicidade; ou ento a verdade como
revelao ou deslumbramento, como nos sermes religiosos. De fato, o
que importa, no discurso de convencimento, transferir essa convico
ou impor esse deslumbramento. Em um mundo mergulhado em enunciados
retricos, a realidade tende a conformar-se ao discurso, de modo que
ele se consolida nas crenas das pessoas, transfere-se aos objetos
de cultura - e se materializa, ento.
O discurso retrico voltado para as verses ou interpretaes da
realidade; o discurso informativo, essencialmente, para os fatos.
Assim, no se pode dizer que haja m f quando o Padre Antnio Vieira
calcula em 20 milhes o nmero de ndios existente no Maranho, no
sculo XVII; o que importa a utilizao desse dado, em que h evidente
exagero, para a defesa da causa do no-extermnio, da no-escravido e
da evangelizao dos ndios. Da mesma forma, os promotores de causas
modernas costumam ampliar a relevncia de fenmenos como a prostituio
infantil, a incidncia da crie dentria ou a destruio ecolgica. As
boas intenes, nessa linha de raciocnio, inocentariam a mentira.
O exagero um recurso retrico entre outros - por exemplo, a
repetio, o uso de efeitos fonticos atraentes ou de associaes
analgicas (entre medo e escurido, entre seqncia e conseqncia, entre
revelao e claridade etc.). Discursos retricos sempre foram
esteticamente mais cuidados do que os informativos: a beleza e o
ritmo fazem parte de seu poder de atrair. No entanto, os padres da
esttica variam conforme a natureza dos pblicos destinatrios.
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Pode-se admitir, como parece bvio, que o jornalismo contemporneo
descende dos discursos informativos clssicos; e que a publicidade,
da mesma forma, decorre dos discursos retricos. No entanto, a relao
no to simples: na verdade, o universo poltico e social retrico, e o
jornalismo est imerso nele; a forma de convivncia , a, o discurso
indireto, em que opinies, interpretaes ou verses so dadas como
manifestas e, assim, citadas.
"O discurso citado", escreve Mikhail Bakhtin (BAKHTIN,1992, pp.
144 fls), " o discurso no discurso, a enunciao na enunciao, mas ,
ao mesmo tempo, um discurso sobre o discurso, uma enunciao sobre a
enunciao". O discurso citado " visto pelo falante como a enunciao
de uma outra pessoa, completamente independente na origem, dotada
de construo completa e situada fora do contexto narrativo". A
partir dessa existncia autnoma, o discurso de outrem "passa para o
contexto narrativo, conservando o seu contedo e ao menos rudimentos
de sua integridade lingstica e de sua autonomia estrutural
primitivas".
Bakhtin observa que quem apreende a enunciao de outrem "no um
ser mudo, privado de palavra, mas, ao contrrio, um ser cheio de
palavras interiores". No discurso jornalstico, pelo menos em suas
formas cannicas (a notcia e a reportagem), as formas de citao
usuais so o discurso direto e o indireto; outros processos, como o
discurso indireto livre (em que o narrador assume a subjetividade
do indivduo citado) no so considerados legtimos. A nica
responsabilidade que o jornalista se impe diante de uma citao
(embora no seja sempre esse o entendimento legal) que ela esteja
conforme a essncia (ou a forma, se entre aspas) do discurso citado.
Ainda assim, quem cita escolhe o que cita e, de muitas maneiras,
assume posies em face da citao.
O narrador pode interferir pela escolha do verbo dicendi ou
proposicional, pela definio de circunstncias para o trecho citado,
pela seleo de trechos entre aspas etc. Pode suprimir o contexto da
enunciao (extrair o texto do contexto) ou, pelo contrrio,
explicit-lo - isto conforme suas intenes, ou quantas inferncias
adicionais imagine possibilitar ao leitor. Compare-se:
1. Em discurso direto:
a."Vamos recorrer no Judicirio at a ltima instncia", disse o
advogado.
b."Vamos recorrer no Judicirio at a ltima instncia", advertiu o
advogado.
c."Vamos recorrer no Judicirio at a ltima instncia", ameaou o
advogado.
2. Em discurso indireto:
a.Marta Suplici disse que, em carter pessoal, votar em Mrio
Covas.
b. Marta Suplici anunciou seu voto em Mrio Covas, "em carter
pessoal".
c.Discordando da orientao do Diretrio Nacional do PT, que
recomendou no apoiar nenhum candidato ligado a Fernando Henrique
Cardoso, Marta Suplici tornou pblica sua "deciso pessoal" de votar
em Mrio Covas.
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Os stile books (livros de normas) de alguns veculos preocupam-se
com alguns desses recursos, vedando a utilizao de verbos que
encerram ntido juzo de valor, como ameaar, vociferar ou disparar.
No entanto, a preocupao manifesta com a exatido da citao, a
reiterao de seu contedo podem ser tambm recursos para
desqualific-la ou fornecer elementos para sua crtica:
1.O Ministro da Fazenda disse, ao longo da entrevista, que a
prorrogao da CPMF " indispensvel", "mais do que necessria",
"essencial" e que o aumento de 50 por cento da alquota "no pode ser
descartado", " provvel", "est quase decidido".
Combinada com um antecedente circunstancial - e a partir do
princpio retrico de que "se a vem antes de b, a a causa de b", ou
post hoc ergo propter hoc - uma citao pode assumir o valor de
discurso opinativo:
2. O parlamentar governista, cujo salrio aumentar com a elevao
do teto de vencimentos do funcionalismo, manifestou-se "plenamente
favorvel" medida.
A citao tomada, no discurso cientfico ou jurdico, tal como na
retrica clssica, como base para o argumento de autoridade; o que se
passa, neste texto, com as citaes de Bakhtin. Mas no o caso do
jornalismo contemporneo, inserido no que o autor sovitico chama de
individualismo relativista. Adverte ele que " importante determinar
o peso especfico dos discursos retrico, poltico ou jurdico na
conscincia de um dado grupo social em determinada poca", bem como
"a posio que um discurso citado ocupa na hierarquia social de
valores".
A histria moderna dos discursos no-artsticos
Na Idade Mdia, os discursos no-artsticos constituem documentos
fundamentais para o estudo da evoluo do latim vulgar e de sua
diluio em dialetos comunitrios e regionais por toda a Europa.
Anais, atas, decretos, relatrios, proclamaes, crnicas (episdios
listados em ordem cronolgica) constituem parte substancial da
bibliografia dos dicionrios etimolgicos.
Com o renascimento e a formao dos estados nacionais modernos, as
lnguas nacionais foram impostas a reas territoriais extensas atravs
de mecanismos compulsrios e sistemas escolares que partiram da
estruturao dessas lnguas em documentos literrios cannicos, como Os
Lusadas, de Cames, Dom Quixote, de Cervantes, peas de Shakespeare e
poemas de Mlton, o teatro de Racine e Molire.
A literatura - pelo menos, essa literatura - passou a ser o
padro ao qual deveriam conformar-se os discursos institucionais.
por esse tempo que nasce o jornalismo, caracterizado, inicialmente,
como publicismo e com a tarefa histrica de confrontar a
aristocracia a servio da ideologia burguesa. Os grandes jornalistas
do Sculo XVIII foram escritores, nem sempre brilhantes, e crticos
do poder aristocrtico; consideravam-se e eram considerados
portadores da verdade iluminista. O jornalismo era, ao mesmo tempo,
retrico e literrio.
O pblico era restrito, porque a alfabetizao ainda no se
difundira o bastante; os enunciados dirigiam-se a formadores de
opinio, pessoas que, por definio, dispunham de alguma liderana na
sociedade. Opinio, interpretao e fatos se misturavam, a ponto de
ser difcil distingui-los. A prpria diviso das matrias por assuntos
- que daria origem s modernas editorias - demorou a acontecer.
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As mudanas aceleraram-se no Sculo XIX, em parte por causa da
mecanizao da indstria grfica e do surgimento da publicidade, que
baixou o custo de produo dos jornais e reduziu de maneira radical o
espao para a opinio divergente, isto , daquela contrria ao poder
econmico; data dessa poca o fim da censura de estado por toda a
Europa. O principal fator para a mudana, no entanto, ter sido a
generalizao do ensino bsico, por conta da revoluo industrial.
O pblico multiplicou-se, alterando a demanda de informao. Dentre
os vrios caminhos tentados - novelas contadas no rodap das pginas,
desenhos e gravuras que dariam origem s charges e s histrias em
quadrinhos, campanhas de opinio contundentes etc. - o que mais se
mostrou frutfero foi a explorao do noticirio. Os novos leitores
apreciavam histrias fantsticas e sentimentais, acontecimentos
emocionantes e portentosos, relatos de pases distantes, selvagens
ou misteriosos e a ampliao de dramas do cotidiano.
Da ao sensacionalismo foi um passo. A m qualidade literria -
herdada da poca da publicismo - somou-se, a, ao exagero retrico
para produzir relatos da realidade muito destorcidos e
eventualmente mentirosos. Isso se tornaria mais evidente, no
entanto, nos Estados Unidos que viveram, no fim do sculo passado,
uma revoluo industrial rpida e intensa, com a insero na sociedade
de levas e levas de imigrantes.
Foi na Amrica que o sensacionalismo atingiu sua mxima ampliao.
Tratava-se, a, de integrar recm-chegados de vrias procedncias,
muitos deles mal dominando o ingls. O modelo capitalista conduziu
concentrao da indstria da informao, produzindo distores tais que um
dos magnatas da imprensa da poca, Hearst, foi acusado de ter
promovido a guerra contra a Espanha pelo domnio sobre Cuba em troca
de privilgios de cobertura jornalstica.
Foi tambm na Amrica que o sensacionalismo foi contestado de
maneira mais conseqente. Para enfrent-lo, criaram-se cursos de
jornalismo nas universidades (o primeiro deles resultante de uma
doao milionria de outro magnata da informao, Pulitzer) e
procuraram-se formas de regulamentar a produo de matrias
jornalsticas com alguns objetivos essenciais: (a) fixar
procedimentos confiveis de apurao de informaes; (b) estabelecer
padres consensuais de qualidade; (c) restringir o cdigo lingstico
de forma a permitir que notcias e reportagens possam ser produzidas
rapidamente, com alta legibilidade e o mnimo de interferncia das
modas artsticas e literrias.
As estratgias empregadas para o atingimento dessas metas
refletiram tendncias tpicas da poca: influncia dos mtodos e
critrios das cincias exatas, com traos que refletem posturas
positivistas e funcionalistas; preocupao industrial e segmentao de
tarefas, maneira da organizao do trabalho taylorista; pragmatismo
quanto s linhas editoriais, temperado por uma tarefa de vigilncia
tica, transferida, geralmente, s corporaes profissionais, e s
escolas especializadas.
A despeito dessa origem datada, os procedimentos desenvolvidos
ento difundiram-se rapidamente por todos os pases industrializados,
com adaptaes s culturas locais. Mesmo os crticos mais veementes do
positivismo ou do funcionalismo - como o caso dos sistemas de
informao da Igreja catlica ou da Unio Sovitica, enquanto ela
existiu - terminaram adotando as normas bsicas da escola americana
para a produo de notcias e reportagens jornalsticas. Elas so
versteis o bastante para conviver com diferentes ideologias; pode
suportar linhas editoriais fundadas em hard news - como as
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notcias sobre poltica, cincias ou economia - ou em temas de
recreao, como esportes e espetculos. Tornadas signo da modernidade,
chegaram ao Brasil meio sculo depois e levaram mais duas dcadas
para se implantarem aqui.
Na verdade, esse estilo que valoriza a objetividade no alcana
por igual todos os gneros do jornalismo. Magazines, por exemplo,
continuam inserindo mais adjetivos e advrbios do que seria
canonicamente desejvel; o estilo Time combina um vocabulrio bsico
restrito com vocbulos tcnicos, palavras de gria e adjetivao
erudita. Editoriais e artigos aproximam-se mais da retrica clssica;
sees especializadas assumem freqentemente discursos intimistas ou
excessivamente tcnicos; a crnica e a crtica so gneros que se
aproximam da literatura.
No entanto, a linguagem bsica do jornalismo tem ampla penetrao
social e influencia bastante outros discursos. Mantm relao
constante com a linguagem coloquial e se tornou o padro genrico dos
enunciados impessoais e conteudsticos que predominam na cultura
contempornea - diante dos quais surgem como rebarbativos os
discursos jurdicos tradicionais, a escrita oficial e cartorria e
certas falas corporativas, como o economs.
O texto jornalstico no Brasil
Os primeiros veculos de informao peridica produzidos no Brasil
antecedem de pouco a Independncia. No primeiro imprio e no perodo
das regncias, o jornalismo era uma atividade publicista de alto
risco, exercida em veculos geralmente de vida efmera. S no Segundo
Imprio, em ambiente de mecenato, surgem algumas caractersticas
peculiares de estilo. Jornalistas, na poca, eram escritores, alguns
notveis, como Machado de Assis ou Raul Pompia; adotavam, em geral,
um texto literrio simplificado, que se manifesta, por exemplo, nas
Crnicas do Senado, de Machado.
Qualidade realmente literria rara. Ela aparece, por exemplo, em
Os sertes, de Euclides da Cunha. No entanto, esse extenso
livro-reportagem levou dois anos para ser escrito, enquanto o
autor, que era engenheiro, construa uma ponte, em So Jos do Rio
Pardo, So Paulo, e teve dois pr-textos: os telegramas que enviou ao
Estado de So Paulo, acompanhando a guerra em Canudos, e o
manuscrito Dirio de uma expedio, que s seria publicado em 1935.
O divrcio entre a lngua escrita e a falada - entre o vocabulrio
e os usos gramaticais de uma e outra - agravaram-se no incio do
Sculo XX. Sob influncia do parnasianismo francs, exaltava-se o
estilo empolado dos discursos de Rui Barbosa, cujo contedo jurdico,
no entanto, parece hoje modesto. Essa mesma presuno de qualidade
artstica se reflete nos artigos mdicos relacionados com a campanha
contra as doenas tropicais liderada por Osvaldo Cruz, nas crnicas e
romances de Coelho Neto ou Humberto de Campos, nas reportagens -
importantes como documento - de Joo do Rio (Paulo Barreto), notvel
jornalista do Rio de Janeiro da Repblica velha.
Com a profissionalizao incipiente e a presena de corretores de
anncios nas redaes - as agncias de publicidade s comeariam a
aparecer na dcada de 20 - o nvel sociocultural dos jornalistas
sofreu, na mdia, queda acentuada. A cobertura de fatos urbanos e
policiais, particularmente, evidencia esse fato: tende a incorporar
a gria dos rbulas e policiais, chamando os acusados de indigitados,
as pessoas pobres (s estas) de indivduos, os carros oficiais de
viaturas. Ao mesmo tempo, a presuno
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literria nomeava ruas e avenidas como artrias, vereadores como
edis, motoristas como chauffeurs etc. A hierarquia social rgida
aparecia no tratamento de Sua Excelncia dado s autoridades e de
doutor a qualquer pessoa influente.
Os poucos escritores dessa poca lidos ainda hoje eram acusados
por seus contemporneos de praticar um estilo pobre e vulgar. o caso
de Lima Barreto, de Monteiro Lobato e de Oswald de Andrade (este,
desde muito antes de se tornar conhecido, com a Semana de Arte
Moderna de 1922).
O modernismo literrio demorou a se transplantar para o discurso
jornalstico; a maioria das propostas da Semana, que pretendia
justamente aproximar os enunciados artsticos da fala comum, s
chegou efetivamente aos jornais somadas importao estilstica do
modelo americano, a partir da dcada de 50 - embora houvesse
tentativas anteriores, principalmente grficas e em publicaes de
circulao restrita.
Uma das razes do abandono dos paradigmas literrios no
jornalismo, com a industrializao, uma nova compreenso dos objetivos
do ensino e da prtica da lngua nacional. A questo central que
dificilmente algum ser chamado, na prtica, a exercer a competncia
compatvel com um Cames, um Machado, ou para citar autor mais
recente, de um Graciliano Ramos, ele mesmo revisor de originas do
Correio da Manh, do Rio, na dcada de 40. Pessoas em geral no
escrevem ou falam literatura, isto , lngua em forma de poesia ou
narrativa artstica; o que se exige delas que se expressem com
clareza, conciso, correo e, subsidiariamente, elegncia, em
discursos e textos voltados para a comunicao de contedos
referenciais.
O estudo da "lngua culta"
Presentemente, os estudos literrios ampliam-se, associando-se
anlise de discursos e semiologia na tentativa de construir um
conhecimento que d conta de atividades artsticas envolvendo lnguas
e imagens dinmicas, como o teatro, o cinema ou os quadrinhos. J a
Lingstica contempornea valoriza extraordinariamente o estudo das
formas orais e dialetais das lnguas. Isso se deve a uma srie de
fatores:
a. lnguas grafas ocuparam o espao acadmico antes dedicado s
letras clssicas e Lingstica comparada, principalmente a partir da
tarefa de descrever idiomas indgenas, a que se obrigaram os
lingistas desde a contratao de Franz Boas pelo governo americano,
com essa finalidade, no sculo passado e, depois, com os
investimentos feitos na rea de antropologia;
b. algumas tendncias modernas, como a Gramtica Gerativa de Noam
Chomsky, buscam uma gramtica universal (UG), fundada na
correspondncia de uma forma lgica (LF) e uma forma fontica (PF) e
cujo fundamento a aquisio de linguagem (oral) pelas crianas,
atribuda a uma faculdade mental inata. Isto chamou a ateno para o
fato bvio de que as lnguas so primariamente eventos sonoros;
c. a fontica teve desenvolvimento extraordinrio e se tornou a
nica rea da especialidade que parece a ponto de se completar como
cincia, produzindo conhecimento que se transfere medicina e
informtica.
Ter sentido, dentro desse contexto, estudar uma forma de lngua
escrita, que no sentido clssico se chamaria de "culta" e, ainda
mais, no literria? H duas respostas possveis. Uma refere-se a
questes essencialmente tcnicas - facilidades operacionais
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que o estudo da lngua escrita simplificada em que os jornalistas
se expressam oferece para uma compreenso formal documentada do
idioma. Esmiuaremos isso na prxima aula.
Outra resposta tem que ver com um raciocnio de outra natureza.
Ele nos remete a um anncio de banco que a televiso veicula; nele,
um ator declara que seu apoio globalizao e comenta: "um s mundo,
falando a mesma lngua". Como aconteceu sobre o Imprio romano, o
ingls, novo latim, tende a ser lngua universal e, assim sendo,
substituir os idiomas nacionais como lngua de cultura.
Dentre as lnguas nacionais, o portugus uma das mais vulnerveis:
falado por um grupo de pases pobres, est sendo varrido da sia e, no
entanto, materializa uma bela tradio cultural. A sobrevivncia da
lngua, em sua forma escrita e "culta", relaciona-se com a
sobrevivncia do estado nacional, dentro do qual construmos nossa
identidade, validamos nossos poucos direitos civis, as habilitaes
profissionais e acadmicas.
Preservar o portugus em suas formas escritas , assim, como
observa o Prmio Nobel de Literatura Jos Saramago, uma atitude
poltica de sentido, a essa altura, fortemente contestador.
Disponvel em
http://www.jornalismo.ufsc.br/bancodedados/md-gramatica1.html em
27.11.2002
[Aula 2] A reforma do estilo da imprensa brasileira comeou na
dcada de 1950 num pequeno jornal do Rio de Janeiro, o Dirio
Carioca, de forte tradio poltica e orientao conservadora. L, dois
professores do curso pioneiro de jornalismo que funcionava na
Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da Universidade do Brasil
- Danton Jobim, o catedrtico, e Pompeu de Souza, seu assistente -
arregimentaram um grupo de jovens, vindos quase todos de diferentes
cursos universitrios, para introduzir no Brasil as tcnicas de redao
originalmente desenvolvidas nos Estados Unidos e que j se haviam
generalizado nos pases desenvolvidos. A aspirao de modernidade
adequava-se ao esprito desenvolvimentista da dcada e correspondia
influncia do estilo das agncias de notcias internacionais (France
Press, United Press, Associated Press, principalmente), cujos
telegramas traduzidos os jornais transcreviam. Com a Segunda Guerra
Mundial e, em seguida, a guerra fria, esses telegramas ocupavam
espaos privilegiados, em conflito estilstico claro com as matrias
locais. Por outro lado, as tcnicas modernas de redao eram
conhecidas de nmero restrito de jornalistas com experincia no
exterior, como Joel Silveira e Rubem Braga, correspondentes de
guerra junto Fora Expedicionria Brasileira, na Itlia, ou o prprio
Pompeu de Souza, que trabalhou como redator de um noticirio da
Columbia Broadcasting System (CBS) dirigido ao Brasil, entre 1941 e
1943. Do Dirio Carioca a nova maneira de redigir migrou - na
verdade, foram os redatores que migraram -, para o Jornal do
Brasil, veculo tradicional (fundado em 1891, com orientao
monarquista) que se decidiu a fazer uma reforma editorial. L, no
final da dcada de 50 e nos primeiros anos da de 60, o estilo de
texto se fixou, associando-se
-
a uma nova esttica grfica. A primeira pgina, antes ocupada por
anncios classificados, ganhou formas inspiradas no construtivismo;
o mesmo formato prosseguia pelas pginas internas e suplementos. Um
deles, o Suplemento Literrio, com diagramao experimental
surpreendente, veiculava idias estruturalistas e publicava poemas
concretos. A prpria diagramao das pginas - projeo em prancheta -
era novidade, introduzida na imprensa diria, anos antes, pela ltima
Hora, de Samuel Weiner, que, no entanto, importou da Argentina
esttica popular e mais conservadora. O Dirio Carioca, como os
outros jornais da poca, no era diagramado. O efeito da reforma do
Jornal do Brasil foi notvel, no tanto pelo aumento da tiragem (que
se elevou bastante, mas no a ponto de torn-lo o lder em vendas na
cidade), mas, principalmente, pelo prestgio que o jornal assumiu
como porta-voz das aspiraes da nova classe mdia que ocupava postos
de deciso nas empresas estatais e multinacionais. Como conseqncia,
a reao dos concorrentes foi intensa. A maneira encontrada pelo
Jornal do Brasil para modificar, do dia para a noite, o estilo de
todo texto do jornal foi a institucionalizao de um procedimento j
adotado no Dirio, de maneira informal: reescrever as matrias,
ampliando as atribuies do copy desk, seo da redao existente na
imprensa americana com a incumbncia de revisar originais. Foi
exatamente contra o copy desk do JB que se concentrou a campanha
movida tanto por jornais do Rio de Janeiro, principalmente O Globo,
quanto, em carter preventivo, pelos de So Paulo. A razo principal
que o copy desk era um corpo de profissionais com viso tcnica do
jornalismo, excludo do sistema de injunes que tradicionalmente se
institura na imprensa. Naquela poca, as empresas jornalsticas, com
raras excees, remuneravam oficialmente todos os redatores e
reprteres com o salrio mnimo permitido por lei. Muitos eram
funcionrios pblicos ou de empresas prestadoras de servios pblicos;
para esses, o jornalismo era um segundo emprego, relacionado com o
primeiro - no jornal, defendiam os interesses do principal
empregador. Para outros, o prprio dono do jornal conseguia, com seu
prestigio, a incluso em folhas de pagamento de reparties do
governo. Nos casos (como os dos jovens redatores) em que havia
necessidade de pagar alm do mnimo, o dinheiro saa por fora, isto ,
sem o recolhimento de encargos previdencirios, sem a obrigao de
remunerar as frias e indenizar por ocasio da dispensa. A luta
contra essa caixa dois, pela profissionalizao e moralizao do
jornalismo empolgou naturalmente os jovens redatores do copydesk do
Jornal do Brasil, que estiveram na linha de frente de uma greve que
paralisou os jornais cariocas, em 1962, exatamente com essas
palavras de ordem. No clima poltico agitado da poca que precedeu e
se seguiu imediatamente ao golpe de 1964, eles foram, ento,
sucessivamente acusados de comunistas, comparados a censores e,
finalmente, apelidados de idiotas da objetividade por Nlson
Rodrigues, o teatrlogo que escrevia uma coluna em O Globo
expressando geralmente o pensamento de Roberto Marinho. Nessa mesma
coluna, anos depois, ele conduziria uma campanha de desmoralizao
contra D. Hlder Cmara, Arcebispo de Olinda e Recife, numa poca em
que o nome do clrigo, opositor do regime militar, no podia sequer
ser mencionado nos outros jornais. S no incio da dcada de 70 os
grandes jornais do Rio e de So Paulo - logo seguidos pela imprensa
de todo o Pas - adotariam algumas das normas de redao lanadas pelo
Dirio Carioca (que deixou de circular em 1965) e fixadas no Jornal
do Brasil. O
-
Globo, inicialmente, contratou um profissional oriundo do Dirio
Carioca para reformar seu texto noticioso, organizando um copy
desk; cerca de um ano depois, quando vagou o cargo de diretor de
redao, trouxe outro jornalista do Dirio para ocupar o cargo. Em So
Paulo, a mudana dos mtodos e critrios do jornalismo havia comeado,
na dcada de 60, com uma revista mensal ambiciosa e muito bem
editada, Realidade. Para a mudana nos jornais, foram feitas algumas
experincias, a comear pelo vespertino de O Estado de So Paulo,
Jornal da Tarde, que dava s matrias noticiosas estilo inspirado no
dos magazines. A incorporao do novo modo de escrever ao noticirio
tradicional fez-se aos poucos, com a preocupao de copiar
rigorosamente modelos americanos, de modo que algumas das criaes
mais originais do Dirio Carioca no chegaram ou demoraram a chegar
imprensa paulista. Foram caractersticas da reforma do Dirio
Carioca: 1. a adaptao do lead - primeiro pargrafo da matria
impressa, onde consta o fato principal ou mais importante de uma
srie, tomado por seu aspecto principal - lngua portuguesa evitando,
por exemplo, o estilo uma proposio por perodo, que ainda hoje norma
imposta na Folha de So Paulo, e d aos textos aspecto telegrfico, de
leitura cansativa. Para isso, foram consultados outros modelos de
adaptao, principalmente dos jornais ingleses e franceses; 2.a
incorporao progressiva de usos propostos, na literatura, pelos
modernistas de 1922, para aproximar a escrita da fala corrente
brasileira. Nessa linha, as pessoas deixaram de morar Rua X para
morar na Rua X. Os tratamentos tornaram-se menos cerimoniosos;
passou-se, aos poucos, a escrever o nome das pessoas sem a
precedncia de um ttulo - senhor, senhora, doutor, excelncia, dona
e, para os desqualificados, o estranho indivduo. Os redatores do
Dirio eram leitores constantes de autores modernos, particularmente
de Graciliano Ramos, cujo estilo enxuto tomava-se como modelo.
interessante comparar os style books - manuais de redao - do Dirio
e dos jornais atuais. O manual escrito em 1950 por Pompeu de Souza,
um documento sinttico, at porque produzido por quem iria gerir sua
aplicao. Contm algumas concesses ao esprito da poca: no se admitia
chamar uma mulher casada, pelo menos as da classe dominante, pelo
nome; era necessrio preced-lo de d. Da mesma forma, o pronome para
o Papa no era ele, mas Sua Santidade, e temia-se que fosse
impossvel suprimir inteiramente o Exa do nome de alguns figures.
Esses preceitos tiveram que ser modificados ao longo do tempo,
medida que as experincias ou (falsos) esquecimentos esbarravam ou
no em reaes negativas - das madamas, da hierarquia da Igreja,
daqueles a quem se negava a excelncia. J os manuais de redao atuais
costumam ser detalhistas, abrangentes e presunosos. Misturam
discursos sobre o que o dono do jornal pensa do mundo (na RBS,
instrues internas informam aos jornalistas que o jornal apia
decididamente a privatizao e a globalizao) - e nisto se parecem com
o manual da Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda que, na dcada de
50, imitando o Dirio Carioca, lanou tambm seu style book - com
critrios editoriais genricos, manifestaes de princpios e argumentos
de marketing institucional. Em alguns casos, pretendem legislar
sobre temas lingsticos: o manual do Estado de So Paulo, inspirado
em uma tradio que descende da Gramtica de Port Royal, do
-
Sculo XVII, afirma que a ordem sujeito-verbo-objeto a "normal"
nas sentenas, alinhando, em seguida, dezenas de exemplos em
contrrio, ou excees. Consideremos, mais longamente esse caso, em
particular: A - Caracterstica geral da percepo humana - portanto,
da gramtica universal - que a natureza nos prope aes e relaes entre
objetos, mas ns as representamos como objetos em relao ou ao. Na
natureza, o que notamos, portanto, a queda do cometa, o soco de um
pugilista no outro, o pssaro no cu; o notvel, para ns, a
descontinuidade, a relao entre dois estados simultneos (uma forma
contraposta a outra) ou entre dois estados sucessivos (os de algo
que se desloca, se revela ou se transforma). A maneira humana de
representar isso atribui papis temticos (de agente, paciente,
instrumento etc.) a objetos ou coisas, que so os argumentos da
funo, e concentra a transformao em verbos, adjetivos, advrbios e
preposies. Assim, dizemos que o cometa cai (o cometa o paciente da
queda), que um pugilista (agente) socou o outro (paciente), o
pssaro (paciente) est, perceptvel no cu (funo). Neste ltimo caso,
no (em) estabelece a relao entre pssaro e cu; transforma cu em no
cu; o verbo estar afirma a relao, transforma-a em sentena, alm de
agregar os elementos tempo, modo e aspecto. B - Isso, no entanto,
no justifica a generalizao da precedncia do sujeito na sentena. Na
verdade, a ordem S-V-O tpica de lnguas no declinadas e no pro-drop,
como o francs ou o ingls. Nas lnguas declinadas (como o latim, o
alemo ou o russo), a ordem pode no ser relevante ou essencial para
o sentido. Nas lnguas pro-drop, como o portugus, em que as pessoas
verbais so identificadas na fala por desinncias distintas, o
sujeito genrico freqentemente omitido (fica subentendido pela
desinncia do verbo), o sujeito pode aparecer posposto e desaparecem
pronomes expletivos (de valor meramente gramatical) antecedendo as
formas verbais. H lnguas em que a ordem usual no S-V-O, mas outra:
em irlands, a sentena usual tem a forma V-S-O. 1 - a - Passaram
todos. b - *Have passed (they) all c - *Ont pass ( ils) tous 2 - a
- Chove. b - *Raine c - *Pleut 3 - a - Sevdnia utrom vam zvonl Smov
(russo) Hoje de manh para vocs telefonou Somov 4 - a - Chonaic Sen
an madra (irlands) Viu Joo o cachorro C - Da se pode presumir que o
etnocentrismo, no efetivamente hipteses relacionadas com universais
lingsticos, determinam a indicao da ordem S-V-O como normal,
intuitiva ou "prpria da estrutura profunda da linguagem", tanto no
manual de O Estado de So Paulo quanto na gramtica francesa do Sculo
XVII (em
-
que se apresentava o francs como lngua lgica, em oposio ao
alemo, que falava por inverses) e em textos da gramtica gerativa
americana. D - Note-se que a descrio gramatical, no caso dessas
duas gramticas, parte dos conceitos de sujeito e predicado em
Aristteles. Este sustentava o ponto de vista de Parmnides, sobre a
unidade do ser, para o qual as sentenas apenas podiam predicar
estados. No entanto, na viso dialtica de Herclito, a primazia no
pertence ao sujeito, mas aos estados, j que no h dois sujeitos
iguais em estados ou tempos distintos: "no se pode tomar banho duas
vezes na mesma gua de um rio". O mundo dado em fluxo e, portanto,
todos os seres esto tambm em fluxo. E - A notao lgico-matemtica que
prevalece hoje na lingstica formal est mais para Herclito do que
para Parmnides. A predicao , a, assimilada ao conceito de funo;
sujeitos e demais complementos do verbo so considerados argumentos.
Assim, em "Joo viu o cachorro", viu a funo; Joo e o cachorro os
argumentos. A funo designada por letra maiscula (F) e os argumentos
pelas letras iniciais minsculas da palavra principal do sujeito ou
complementos do verbo. Se pretendermos uma interpretao filosfica,
as relaes presidem as entidades nomeadas no discurso. Assim: 5 -
Joo viu o cachorro j F c F(j,c) E - Observe-se que a precedncia
dada funo, no ao argumento, seja ele sujeito ou objeto do verbo.
Esse modelo funcional domina praticamente todas as gramticas
contemporneas, desde a semntica de Montague e as representaes da
lingstica computacional at o gerativismo de Chomsky a partir da
Teoria dos Princpios e Parmetros(onde os argumentos so chamados de
externo, o sujeito, e internos, os objetos), embora possa conviver,
a, mesmo no minimalismo, com a precedncia atribuda ao sujeito nas
sentenas nas primeiras verses da Teoria Gerativa. Caractersticas da
linguagem jornalstica Com as inovaes introduzidas pelas reformas do
perodo 1950-1970, a linguagem jornalstica tem, hoje, as seguintes
caractersticas: aos discursos retricos, explicitamente, pelo
mecanismo da citao e, implicitamente, atravs dos mtodos de seleo do
que informado e ordenao das informaes - que so os aspectos
ideolgicos desse tipo de discurso. A - quanto escolha de itens
lxicos 1. utilizao, sempre que possvel de palavras admissveis no
registro formal e no registro coloquial da linguagem, isto ,
daquelas palavras que pertencem, ao mesmo tempo, ao conjunto dos
itens lxicos aceitos na linguagem formal e na linguagem coloquial.
Sempre que os sentidos sejam permutveis, entre perfunctrio e
superficial, o prefervel, portanto, superficial; entre prximo a e
perto de, perto de; entre recinto e sala, sala; entre pretrito e
passado, passado; entre sintagma e locuo, locuo. A regra se aplica,
no geral, tanto ao texto escrito quanto ao coloquial simulado.
-
2. criao de neologismos e atualizaes necessrias (malufista,
petista), formas condensadas que se originam da circunstncia de os
ttulos terem letras contadas (FHC por Fernando Henrique Cardoso,
desarme por desarmamento), bem como a incorporao de expresses
populares e de gria que se generalizam (bumbum, cheque voador). 3.
eliminao, sempre que possvel, de preciosismos, palavras
estrangeiras, de gria local e jargo profissional. Palavras tcnicas,
quando necessrias - e elas se tornam necessrias em perodos de
intensa transformao tecnolgica como o atual - devem ser usadas com
parcimnia (na linguagem jornalstica, seria prefervel com moderao) e
definidas pragmaticamente, isto , com a explicao necessria apenas a
seu entendimento imediato. Assim, por exemplo, na descrio de uma
cirurgia: O corte feito na artria femural, a principal da coxa,
quatro dedos acima do joelho... e no: O corte feito, seis
centmetros acima da borda da rtula, na artria femural, ramo primrio
da aorta descedente que se nomeia como artria ilaca at o ponto em
que, ao sair da regio nguino-crural, assume esse nome ... 1. a
teoria geral por detrs dessas escolhas de que a preciso sempre
relativa, dependendo do contexto da enunciao. Se um poltico sofre
de cncer, isto basta numa notcia destinada ao pblico em geral, mas
no bastar certamente a seu mdico assistente, que precisar averiguar
a natureza, tamanho e localizao do tumor, no mnimo. A informao de
que uma nave experimental movida a jatos de partculas subatmicas ou
ons adequada e bastante para um pblico com formao bsica escolar
completa, mas nitidamente insuficiente para umfsico, que gostaria
de dispor de detalhes sobre o funcionamento desse motor inico; a
mesma informao , por outro lado, inacessvel a pessoas sem formao
bsica completa ou que no prestaram a ateno merecida s aulas de
cincias - da o bom senso de se acrescentar no jornal uma explicao
suplementar tal como "este um tipo de motor que s existia em filmes
de fico e histrias em quadrinhos". 2. eliminao (com exceo das
citaes), de adjetivos e categorias testemunhais, isto , daqueles e
daquelas cuja aplicao depende da subjetividade de quem produz a
mensagem. Assim, evita-se dizer que algum rico, ou que bonito, ou
que notvel; prefere-se alinhar os bens, reproduzir depoimentos de
entendidos sobre a beleza ou contar episdios em que se comprova a
notatabilidade. A preferncia pela adjetivao fatual ou comprovvel
(nmeros, evidncias) atende circunstncia de o jornalismo ser um
discurso impessoal, da perspectiva do consumidor. No conhecendo o
autor do enunciado, ele geralmente no capaz de avaliar os padres de
referncia da aferio: em relao a que mdia se rico, a que padro tnico
ou esttico se reporta a beleza, qual a natureza ou intensidade da
notabilidade atribuda. 3. eliminao, na medida do possvel e com
exceo de citaes, de advrbios que expressam juzos de valor ou
modulam predicaes e sentenas, situando-as em mundos possveis ou
desejveis - em suma dos advrbios de modo, intensidade e afirmao.
Essa caracterstica importante para uma descrio formal, porque esses
advrbios oferecem dificuldades suplementares para a anlise, por
serem elementos lgicos de segunda ordem, ou seja, que predicam o
que j est predicado, atuando como funes de funes. O jornalismo
reporta-se ao mundo real ( fundamento
-
filosfico do ofcio que ele existe), no ao que ao mundo que seria
possivelmente, provavelmente, supostamente, desejavelmente,
preferivelmente etc. 4. na mesma linha, restrio genrica e
entendimento particular de verbos de atitude proposicional, isto ,
que expressam esperanas, temores, desejos etc. quanto proposio que
os sucede, precedida de que (o que em ingls se chama de
that-verbs). o caso de considerar, esperar, ameaar, parecer etc. -
verbos cujo sentido pleno reporta-se pessoa do falante. Quando se l
em um veculo de informao que "X considera que P", tcita a leitura
"X disse que considera que P". B - quanto aos procedimentos
gramaticais 1. de maneira paralela ao que ocorre quanto aos itens
lxicos, utilizam-se as formas sancionadas no registro formal e
aceitas no registro coloquial da linguagem. Construes em desuso,
como as mesclises, so definitivamente suprimidas; h forte tendncia
em favor da prclise em lugar da nclise, por ser este o uso
coloquial corrente no Brasil; pela mesma razo, mais comum a forma
analtica do que a sinttica do pretrito mais que perfeito etc. 2. de
modo geral, os jornalistas esto comprometidos com a normalizao da
lngua, embora priorizem a necessidade de informar; assim, o verbo
assistir, quando tem regncia indireta (assistir ao espetculo), no
deveria admitir voz passiva (o espetculo foi assistido por...),
que, no entanto, tornou-se usual pela inexistncia de qualquer outro
verbo que permitisse apassivar a construo (o espetculo foi
presenciado por... no o mesmo que o espetculo foi assistido
por...). 3. a linguagem do jornalismo mais dinmica do que a
linguagem formal. Reflete, apesar da preocupao com a norma, os usos
que se tornam correntes na lngua coloquial, como, por exemplo, a
tendncia de violar a concordncia verbo-nominal quando verbos
pronominais vm antes dos elementos descritos tradicionalmente como
sujeitos: Vende-se casas, amplia-se as possibilidades... 4. os
perodos costumam ser mais curtos do que no uso formal. Perodos
muito longos (com mais de 20 palavras, em mdia, dependendo,
naturalmente, do grau de coeso) so de leitura difcil e seletiva
quanto ao nvel cultural do leitor. A brevidade evidentemente maior
nos enunciados destinados a serem lidos, no rdio ou televiso, e nos
que se destinam veiculao noticiosa pela Internet. 5. As sentenas so
construdas, quase sempre, na terceira pessoa, com exceo das citaes
em discurso direto. Os tempos preferenciais, nas notcias, so o
passado perfeito, o futuro e o presente pelo futuro, reservando-se
o presente concomitante ou freqentativo para as interpretaes e as
formas imperfeitas para descries que caracterizam os actantes -
personagens e entidades em geral que interferem no enunciado. O
subjuntivo de uso restrito e h ntida preferncia pelo infinitivo
impessoal. Em suma: o texto jornalstico utiliza um lxico
simplificado, sistema verbal restrito terceira pessoa e a alguns
tempos verbais, constri perodos mais curtos e evita ou delimita o
sentido de construes problemticas, como as proposicionais. Isto lhe
permite produo rpida e eficiente para fins informativos, obedecendo
s normas gerais da lngua. No entanto, confina a abrangncia dos
enunciados: a informao em jornalismo axiomtica, geralmente no
dedutiva, dispensa a argumentao e as estratgias de convencimento.
Reporta-se.
-
Disponvel em
http://www.jornalismo.ufsc.br/bancodedados/md-gramatica2.html em 6
fev 2004 [Aula 3] Suponhamos que um observador humano contempla a
realidade. Coloca-se no vrtice de um campo de viso e; a partir dos
estmulos luminosos que chegam retina, fabrica uma realidade virtual
que corresponde realidade real considerando a sensibilidade a
certas radiaes (do vermelho ao azul) e no a outras; integra-a com
outras percepes, tteis, sonoras, olfativas e de equilbrio; e
compensa variaes de luz e foco, movimentos dos olhos e do corpo. O
input que a representao mental do mundo recebe corresponde a
descontinuidades no espao e fluxo no tempo, definindo relaes (no
primeiro caso) e aes (no segundo). Contrapostas memria, essas
descontinuidades permitem o reconhecimento de padres pelos quais se
estabelecem identidades e semelhanas. Redes neurais artificiais,
construdas semelhana das biolgicas, tm sido capazes de demonstrar
essa competncia, aprendendo a reconhecer formas com grande
acuidade. O trabalho mental dissocia objetos e relaes, que iro
corresponder a entidades e predicaes do discurso. Recorrendo
memria, organiza os objetos em categorias, com base em semelhanas;
distingue as relaes entre as em presena (localizaes) e em seqncia
(aes); atribui causas e antecipa conseqncias. Prev e desenvolve
raciocnios probabilsticos. A confuso das categorias de identidade e
semelhana resulta essencial para a construo da conscincia humana da
realidade. Admitamos que revejo uma pessoa alguns meses ou anos
depois de t-la visto: concluo que a mesma pessoa, embora tenha tais
e tais mudanas. Admitamos que vejo uma palmeira, e que a reconheo
com base na memria da viso de outra palmeira: no so iguais, mas
concluo que so da mesma espcie. Os conceitos de identidade do ser e
de agrupamento em espcies so possveis exatamente pelo abandono de
algumas caractersticas julgadas acessrias e considerao de outras,
julgadas fundamentais. por efeito da memria que me considero
idntico ao que era nos diferentes estados por que passei na vida,
embora tenha mudado radicalmente, em forma, atitudes,
comportamentos e valores; reconheo a criana no homem, os traos do
pai no filho e o Coliseu nas runas do Coliseu. evidente que, do
ponto de vista lgico, uma coisa s pode ser idntica a si mesma e,
como todas as coisas existentes esto situadas no espao e em fluxo
no tempo, essa identidade s subsiste no mesmo espao e no mesmo
tempo. Um afresco medieval no teto de uma igreja distinto da imagem
do mesmo afresco medieval na tela do computador ou na gravura
exposta em um museu, por mais exata que seja a reproduo. No havendo
como separar a percepo de um objeto das relaes que o cercam, nem de
igualar a representao desse objeto por observadores inseridos em
circunstncias diferentes, cada fruio do objeto, em espao e tempo
distintos, uma experincia nica. Dois produtos industriais de uma
linha de montagem no so logicamente idnticos: se fossem, submetidos
s mesmas condies, se deteriorariam de modo exatamente igual
-
e no mesmo instante, o que no acontece. A prpria idia de
semelhana recobre critrios distintos: duas coisas podem ser
semelhantes porque se parecem na forma (como as prolas), porque tm
desempenho similar (como os computadores) ou porque despertam os
mesmos sentimentos (como as feras). A definio de categorias depende
da pragmtica da relao: a denominao pinheiro, em portugus, recobre
vrios tipos diferentes de rvores em russo; a cultura aimara
reconhecia dezenas de sementes distintas para o que chamamos de
amendoim. A teoria moderna mais consistente que aborda a questo da
percepo a dos modelos. Segundo ela, a representao da realidade
decomposta e modelada numa etapa pr-lingstica da percepo.
Desenvolvida no contexto da Teoria da Cognio, sua formulao deve-se,
principalmente, a Johnson Phillip-Laird (PHILLIP-LAIRD, 1983).
Segundo essa hiptese, as sentenas das lnguas naturais remeteriam a
modelos mentais, que so anlogos estruturais do mundo: do conta de
relaes estticas e dinmicas entre objetos, aes e estados; descartam
aspectos no relevantes da realidade para captar os relevantes e
contm aspectos proposicionais, tais como relaes sintticas . Os
modelos mentais so incompletos, mais ou menos imprecisos,
eventualmente inconsistentes, porm funcionais. No tm fronteiras
definidas: superpem-se e confundem-se. So tomados como hipteses
mais ou menos confiveis e no suprimem necessariamente
comportamentos relacionados a modelos concorrentes. Modelos mentais
refletem crenas da pessoa, adquiridas por observao, informao ou
inferncia; devem ter parmetros e estados correspondentes a
parmetros e estados cuja negao a pessoa no possa observar ou
inferir. Permitem tambm certo nvel de predio: quem est com o
guarda-chuva aberto e tem que passar portal de casa modela
previamente o evento de modo a perceber que precisa fechar o
guarda-chuva e coloc-lo na vertical. As pessoas fazem modelos
mentais das situaes espao-temporais descritas nas proposies que
recebem; estabelecem, assim, relaes que excedem as possibilidades
de inferncia a partir das proposies recebidas; podem ter modelos
diferentes ou contraditrios para o mesmo estado de coisas, em
diferentes instncias ou situaes. Esquecem detalhes do sistema
modelado, refazem e revisam seus modelos com a experincia. A operao
dinmica dos modelos possibilita a reduo de riscos objetivos
(antecipao de desastres) e a economia de esforos fsicos na apreenso
do conhecimento (dispensa de experimentaes), embora haja nisso
custo mental e limitaes operacionais variveis. a gesto do modelo
que vai definir sua amplitude, isto , o conjunto de coisas a que
ele se aplica. Modelos mentais representam objetos e relaes, a que
vo corresponder, nas proposies, argumentos (nomes) e funes (verbos,
adjetivos, advrbios); estruturam-se conforme os estados de coisas
do mundo mas, por terem estrutura dimensional, podem ser
manipulados mais livremente do que as representaes proposicionais,
aprisionadas a regras sintticas. As estruturas dos modelos mentais
eqivalem s estruturas atribudas pela percepo ou concepo aos estados
de coisas que os modelos representam. Cada elemento de um modelo
mental, incluindo suas relaes estruturais, deve representar algo,
nada havendo nele sem significado ou funo.
-
Uma pessoa que anda, noite, no escuro, em sua casa, tem um
modelo mental (espacial) da casa. Uma pessoa que reza durante uma
tempestade tem um modelo mental (causal) que relaciona a reza e
algum controle sobre a tempestade. Uma pessoa que aperta
repetidamente o boto + da calculadora tem um modelo mental de
procedimento recursivo ou confirmatrio. No mbito da Teoria da
Cognio, modelos mentais so concebidos como entidades computveis e
finitas, construdas a partir de elementos (ou tokens) e relaes, que
podem ser revisadas recursivamente, de modo a corresponder a nmero
infinito de possveis estados de coisas. A possibilidade de
representar diretamente indeterminaes limitada pela
operacionalidade do modelo. Modelos mentais constituem conjuntos
finitos de campos semnticos e de operadores, entre esses os
conceitos de tempo, espao, possibilidade, permissibilidade, causa e
inteno. Campos semnticos correspondem, nas lnguas, a palavras que
compartilham um conceito comum no ncleo de seus significados.
Quanto a esses operadores, tempo e espao, por exemplo, podem ser
entendidos como grandezas vetoriais; a noo de causa relaciona-se
com a implicao lgica (a causa b se pertence a um conjunto de
eventos A tal que A antecede b e, se ocorrer A, ento ocorre b); os
demais (o possvel, o permitido, o pretendido) pertencem ao universo
da Lgica Modal. Ao atualizar um modelo, remeto a primitivos
conceituais que devem ser inatos - por exemplo, a noo de fluxo.
Suponhamos que tenho o modelo mental de "avio" como algo estrutural
equivalente a "artefato + que voa". Se ouo dizerem "o avio que
passa", atualizo o modelo no tempo-espao (seria diferente a dimenso
espao-temporal se dissesse "a nave interplanetria"). Mas se me
reporto ao "avio em que viajo", atualizo o modelo para
"eu-dentro-avio"; naturalmente, o modelo ser diferente se sei como
um avio por dentro ou no, se j viajei ou no em avio. No entanto, se
imagino "o avio que piloto", atualizo o modelo "eu-dentro-avio"
para "eu-comando-avio", com o grau de discernimento de que disponha
sobre a tarefa da pilotagem. A Teoria distingue entre modelos
fsicos (estticos, espaciais, temporais, cinemticos, dinmicos e
imagens, que so vistas ou projees do objeto ou evento representado)
e modelos conceituais, construdos, em geral, a partir dos
discursos. Dentre esses: (a) o mondico, que representa afirmaes
sobre individualidades; (b) o relacional, que agrega nmero finito
de relaes, possivelmente abstratas, entre entidades individuais;
(c) o metalingstico, que contm tokens correspondentes a expresses
que relacionam um item do cdigo lingstico a outros (como chama-se,
significa); e (d) o conjunto terico, que contem nmero finito de
tokens que representam qualidades abstratas dos conjuntos e um
nmero finito de relaes entre os elementos desses conjuntos. A tese
dos modelos mentais sintetiza concepes freqentes na segunda metade
do Sculo XX em diferentes campos do conhecimento. Ela compatvel,
por exemplo, com a proposta de Charles Fillmore (FILLMORE, 1971),
para quem o significado est ligado a cenas e perspectivas: sempre
que o falante escolhe uma palavra em um enunciado, automaticamente
a insere numa cena na qual adquire interpretao. A noo de
perspectiva tal que, quando se diz "quebrei o vaso", o que est
sendo posto em primeiro plano o que foi quebrado, colocando-se em
desprezvel segundo plano o onde, o quando e o como.
-
Os nomes Ao distinguir entidades e relaes, o pensamento humano
nomeia as primeiros, isto , estabelece correspondncias entre os
traos do modelo que representa as entidades e alguma cadeia de
smbolos sonoros. Os nomes podem ser grupados em trs categorias:
1.Nomes prprios - do ponto de vista semntico, nome prprio ou
individual aquele que designa de maneira nica uma entidade em um
universo de discurso considerado. O universo de discurso
corresponde a espao e tempo delimitados, de modo que Mrcia o nome
prprio de uma pessoa numa sala de aula de poucos alunos, mas no o
para o conjunto de uma escola, muito menos para o Registro Civil,
onde ser necessrio no apenas o nome completo mas outros ndices
(como a filiao e o CPF) para compor uma designao nica; no se pode
afirmar que essa mesma designao completa corresponda entidade Mrcia
em algum tempo futuro ou passado ou num outro planeta. Nomes
prprios (ou designaes prprias) so unvocos no universo considerado.
No entanto, um mesmo objeto pode ter vrios nomes prprios. Assim, o
presidente da repblica e Fernando Henrique Cardoso designam a mesma
entidade, hoje, no Brasil; Euclides da Cunha, o autor de Os Sertes
e o reprter de O Estado de So Paulo enviado a Canudos para
cobertura da campanha designam a mesma pessoa. As equatividades
(Fernando Henrique o presidente, Euclides o autor de Os Sertes e o
reprter enviado a Canudos) reduzem-se, do ponto de vista da extenso
ou da referncia, isto , do mundo real, a tautologias, j que uma
coisa igual a si mesma; no conteriam, assim, informao. No entanto,
do ponto de vista da intenso ou do sentido, isto , da linguagem,
capaz de encerrar informao, porque algum pode conhecer Fernando
Henrique Cardoso e no saber que ele Presidente da Repblica, ou
conhecer Euclides da Cunha, saber que ele o autor de Os Sertes mas
no que foi enviado como reprter de O Estado de So Paulo para a
cobertura da campanha de Canudos. A questo da intenso tem que ver
com o princpio de Leibnitz (Eadem sunt quorum unum potest substitui
alteri salva veritate), segundo o qual, se duas coisas so a mesma,
ento uma pode substituir a outra sem afetar o valor de verdade.
Isso no ocorre em contextos proposicionais, ditos opacos. Num
exemplo clssico, ( i) Electra tem diante dela um homem. ( ii) Esse
homem Orestes. (iii) Electra sabe que Orestes seu irmo, mas no sabe
que o homem diante dela Orestes. ( iv) No h, pois, do ponto de
vista de Electra, como substituir "um homem", na sentena ( i), por
"Orestes". A intenso um princpio de determinao extensional. Da
mesma forma que diferentes intenses correspondem mesma extenso, a
intenso pode permanecer a mesma, enquanto a extenso se modifica ( o
caso de seres humanos da Terra em pocas diferentes).
-
A existncia de informao intensional nas relaes equativas explica
porque, nas locues, duas ou mais denominaes da mesma coisa podem
aparecer justapostas (1 a-b), sem que se constate redundncia, que ,
no entanto, evidente em (1 c): 1 a - O Presidente da Repblica,
Fernando Henrique Cardoso, ... Fernando Henrique Cardoso,
Presidente da Repblica, ... 1 b - Euclides da Cunha, o autor de Os
Sertes, ... O autor de Os Sertes, Euclides da Cunha, ... 1 c -
*Mrcia, Mrcia, ... *Mrcia, Mrcia de Freitas, ... Do ponto de vista
de uma gramtica categrica, bem como da gramtica de Montague, nomes
prprios so designados pela letra e. Observe-se que a palavra "o/a",
no contexto de (1 a-b) incorpora os sentidos de unicidade ( nico),
singularidade (em oposio a os/as) e determinao ( este, no outro).
Mais ou menos com as mesmas interpretaes aparece antes de
designativos genricos que precedem nomes prprios (a Rua X, o Sr. Y,
o General Z), mas no se usa com esses sentidos antes do nome de
registro de pessoa; passaria, a, a indicar intimidade ou
notoriedade do personagem. Antes de nomes prprios geogrficos, a
admisso de o/a idiossincrtica (venho de Pernambuco, venho da
Paraba). 2.Nomes genricos. Os nomes genricos do incio ao processo
de abstrao que permite a linguagem e o discurso. Trata-se de uma
predicao, em que se afirma que uma entidade pertence a um conjunto
ou categoria existente (a que se denomina). Uma mesma entidade
admite n denominaes genricas, conforme a categoria em que seja
includa: uma mesma entidade pode ser "um muro", "uma divisa", "um
obstculo" etc. Observe-se que a palavra "um", nesse contexto,
incorpora os sentidos de numeral (em oposio a dois, trs ... uns),
de indeterminador (um qualquer) e de partitivo (um dentre aqueles
da categoria ...). H relao necessria entre nome genrico e
pertinncia a conjunto ou categoria. Quando digo que determinada
entidade x " uma rvore", estou dizendo que ela "pertence ao
conjunto das rvores". A remisso a um modelo, isto , a algo de que
disponho, na memria, de traos aplicveis entidade em causa. Como em
todo modelo, h um prottipo, ou imagem ideal, que incorpora muitos
desses traos, e possibilidades mais distantes do prottipo, em que
alguns traos so afirmados e outros no, criando uma zona difusa
(fuzzy). A entidade, a, pode ser, por exemplo, rvore ou arbusto -
caso em que poderia recorrer a outro conjunto mais abrangente - por
exemplo, planta, com o nus de tornar mais abrangente (e portanto
menos especfica) a denominao. A nomeao genrica, de certa maneira,
desintegra o objeto denominado, ao consider-lo por uma
caracterstica ou utilidade. Quando chamo determinada mangueira de
rvore, atento para sua configurao geral (que corresponde aos traos
do modelo de rvore - tronco, copa), mas desprezo a circunstncia,
por exemplo, de que d mangas; se a chamasse mais especificamente de
mangueira, atentaria para esse fato, mas no para o tipo de manga,
nem para a localizao da rvore. De toda
-
sorte, nenhuma denominao genrica define (especifica de maneira
nica) a entidade que predica. Isto significa que a denominao
genericamente no corresponde a um elemento, mas uma varivel. Sendo
varivel do discurso, a designao genrica pode sempre ser
especificada por uma atribuio. Se tenho a designao genrica rvore,
ao acrescentar o atributo florida, restrinjo o sentido; se
acrescento do meu jardim, restrinjo ainda mais e, por a, posso
especificar a denominao de modo que ela termine se aplicando a uma
s entidade e se torne, ento, nome prprio, o da nica rvore florida
do meu jardim. O mecanismo, a, o de interseo de conjuntos
conceituais, isto , das colees de objetos a que se reportam
funcionalmente os nomes: o conjunto das entidades que so rvores,
primeiro, porque rvore o ncleo semntico da locuo: depois, dentre as
rvores, as floridas e, dentre essas, a (as) que est (esto) no meu
jardim. Nomeado os conjuntos pelas iniciais maisculas: x = A F J
Numa gramtica categrica, a representao para nome genrico t/e. Nesse
tipo de lgebra, o denominador indica com que elemento o nome
genrico deve combinar-se e o numerador o resultado da combinao:
nomes genricos devem combinar-se com um nome prprio para formar uma
predicao completa. Assim: 2. e - Maria (entidade) t/e - jornalista
(nome genrico) t - A Jornalista Maria; Maria, jornalista; ou Maria
jornalista. (predicao completa) Sendo t/e uma frao, o produto
algbrico de t/e por e , obviamente, t . Note-se que t/e no mais
especfico do que e, porque este, por definio, o nome prprio da
entidade nomeada; no entanto, permite acrescentar um predicado a e,
gerando a proposio predicativa t. Numa representao lgica
tradicional, a sentena Maria jornalista ficaria assim: 3 - - $ x|
M(x) J(x), existe um x tal que x Maria e x jornalista. A notao (3
b) contempla a possibilidade de no se saber previamente que x
Maria, isto , de se desconhecer o nome prprio de x. No entanto,
iguala a condio nica de ser Maria no universo considerado condio
predicada (no necessariamente exclusiva) de ser jornalista- ou
seja, no distingue entre a definio, ou designao nica de x (que ser
Maria) e seu atributo (que ser jornalista). O verbo ser () afirma a
relao entre e e t, transformando uma locuo (a Jornalista Maria, ou
Maria, jornalista) em sentena, qual agrega as noes de tempo, modo e
aspecto (Maria foi/era/ tem sido/pode ser... jornalista). A partir
de Alfred Tarski (TARSKI, 1974), considera-se que uma sentena tem
valor de verdade ( verdadeira ou falsa), enquanto uma locuo pode
designar uma entidade ou conjunto de entidades, mas no tem valor de
verdade, isto , no pode ser dita verdadeira ou falsa. A notao lgica
(seja da lgica categrica, em (2), seja na lgica convencional, em
que pressupe a existncia ($ ) de Maria, em (3)) no contempla a
diferena
-
lingstica entre a forma cannica Maria jornalista e a forma
inversa jornalista Maria, nem a nuana de sentido que se obtm
agregando categoria a palavra "o/a" (Maria a jornalista, a
jornalista Maria). No caso da inverso, a distino decorre de
estratgias de discurso, isto , da gramtica do texto, no da gramtica
da sentena. Digo que Maria a jornalista se o foco discursivo recai
sobre Maria e que a jornalista Maria se o foco discursivo recai
sobre a professora. A palavra "o/a", antes de um nome genrico, pode
atuar como o operador lgico iota (i ), individualizando a entidade
(como quando digo "o jornalista apurou a notcia", referindo-me a
determinado jornalista e a determinada notcia) ou particularizar a
categoria designada pelo nome genrico em relao a qualquer outra
(como quando digo "o jornalista um questionador", querendo dizer
que todo/qualquer jornalista questionador, ou que ser questionador
predicado da categoria/conjunto/espcie dos jornalistas). Em
determinados contextos, diferencia a relao equativa da relao
predicativa: 4 - a - Joo da Mata, o guia da expedio ao Alto Purus,
... b - Joo da Mata, guia da expedio ao Alto Purus, ... c - Joo da
Mata, um guia da expedio ao Alto Purus, ... Em (4 a), Joo da Mata o
nico guia da expedio ao Alto Purus e, portanto, guia da expedio ao
Alto Purus designao prpria de Joo da Mata; em (4 b) e (4 c), no se
afirma essa unicidade e, portanto, guia da expedio ao Alto Purus
apenas um nome genrico predicado a Joo da Mata. Note-se que, embora
os significados de "o/a" paream relevantes, a exigncia dessas
formas (e a complicada regulagem de seu uso) peculiar de algumas
lnguas (na Gramtica Gerativa se poderia dizer que paramtrica dessas
lnguas), de vez que muitas outros idiomas dispensam o artigo. o
caso do russo, do latim ou do hebraico. III - Nomes relacionais -
Entidades no so designadas apenas por nomes prprios ou nomes
genricos, isto , pelas categorias a que se afirma pertencerem.
Podem ser designados tambm a partir de relaes que mantm com outras
entidades no consideradas similares. Por exemplo, irmo (de Pedro),
causador (da briga), vencedor (da corrida). Nomes relacionais
correspondem a predicaes, designando a entidade a partir de funes
(ser irmo de x, causar y, vencer z). Essas designaes, que Luria
chama de genitivas (LURIA, 1987) e os nomes genricos diferem a. do
ponto de vista semntico, porque nomes genricos reportam-se a
conjuntos de entidades (rvores, carros, pessoas, mares, rios, avies
etc.), enquanto nomes relacionais (irmo, marido, causador, matador,
vtima etc.), no se reportam a qualquer entidade salvo quando
acompanhados da designao da entidade com que se estabelece a relao
(irmo, marido, matador de algum; causador de algo; vtima de algum
ou de algo); b.do ponto de vista sinttico, porque, quando um nome
genrico acompanhado de um atributo, pode-se afirmar a relao
predicativa (4 a-b-c); isso no ocorre em um nome relacional,
exatamente porque ele j expressa, em si, uma relao (5 a-b-c).
Pode-se, no entanto, predicar a relao entidade (6 a-b-c): 4 - a - O
carro de So Paulo > o carro de So Paulo
-
b - A rvore frondosa > a rvore frondosa c - O avio da
presidncia > o avio da presidncia 5 - a - O irmo de Pedro >
*o irmo de Pedro b - O causador da tragdia > *o causador da
tragdia c - A vtima do chantagista > *a vtima do chantagista 6 -
a - X, irmo de Pedro, ... > X irmo de Pedro b - Y, causador da
tragdia, ... > Y causador da tragdia c - Z, dono da casa, ...
> Z dono da casa Nomes relacionais rotulam no apenas entidades
que mantm relaes com outras, isto , argumentos de funes, mas as
prprias funes, constituindo, portanto, elementos de uma lgica de
segunda ordem, isto , uma lgica que permite predicar funes. Assim,
consideremos funes e designaes relacionais a elas referidas: 7 - a
- A mulher bela > a beleza da mulher b - Peter caa antlopes >
o caador de antlopes > a caada de antlopes > a caa de Peter c
- Mrio comprou o carro > a compra do carro por Mrio Em (7 a), a
beleza rotula a predicao "ser bela". Em (7 b), o caador o agente de
"caar", isto , Peter; a caa o paciente da "caar", isto , os
antlopes; e caada a funo "caar". Em (7 c), a compra rotula a funo
"comprar", A nomeao relacional pode ter ou no correspondncia
morfolgica derivacional. Assim, se o assaltante matou o caseiro,
podemos chamar o assaltante de matador ou assassino, a morte de
assassinato ou crime, que uma designao mais abrangente, e o caseiro
de morto ou vtima; em todos esses casos teremos designaes
relacionais, referidas funo descrita na sentena. Fato de interesse
sinttico, no entanto, que as nomeaes relacionais transportam para a
locuo de que participam a estrutura argumental originria. Tomemos,
por exemplo, um verbo de movimento, que preside ou admite o
agrupamento de uma srie de papis temticos: paciente, origem,
destino, sentido, direo etc.: 8 - a - Carlos viajou de Londres a
Paris, semana passada, pelo tnel sob o Canal da Mancha. b - A
viagem de Carlos, de Londres a Paris, semana passada, pelo tnel sob
o Canal da Mancha, foi uma aventura fascinante. No parece adequado
considerar que todas relaes e circunstncias agrupadas em torno da
denominao relacional viagem sejam meros atributos; na verdade, elas
preservam sua natureza de argumentos funcionais, permitindo a coeso
da sentena em (8 b). Compare-se com a acumulao de atribuies em
torno de uma nomeao genrica, em (9) : 9 - A porta de ferro da casa
de campo do dono da firma de construo civil foi arrombada. A
dificuldade de entendimento de (9) certamente maior do que a (8
b).
-
A possibilidade de se nomear relacionalmente no universal: no
existe, em portugus - e, provavelmente, em lngua alguma -, nomeao
adequada para todas as funes e papis temticos. No caso de Maria
comeu um sanduche, poderamos nomear sanduche como "comida", a funo
comeu, com alguma impropriedade, como "refeio", mas no teramos como
nomear relacionalmente Maria. Em Joo deu um livro a Mrcia, o livro
poderia ser "presente"; Maria, em alguns contextos, "a
presenteada"; no teramos, porm, como designar o benefactor, Joo.
Nomeao relacional e estrutura da notcia A nomeao relacional tem
extraordinria importncia na gramtica dos textos expositivos, onde
atua como elemento de coeso, capaz de desdobrar por vrios perodos
uma nica proposio. Consideremos uma notcia tpica, com seu lead (10
a) organizado no modelo clssico, em que se responde s perguntas
quem? fez o qu? a quem? quando? onde? por que? e como? 10 - a - X
matou Y, no tempo t, no lugar l, com a arma A, pelo motivo M. b - O
assassino .... c - A vtima ... d - O crime ... e - A causa ... f -
A arma... Na srie (10 a-f), os pargrafos indicados por (10 b-f)
esto integrados ao lead pelo instrumento de coeso que so as nomeaes
relacionais. De forma menos esquemtica (variando a ordenao,
intercalando outras informaes etc.), este o molde bsico de notcias
produzidas industrialmente. Acontece, a, que exatamente a denominao
relacional que permite estruturar como exposio, isto , como ordenao
lgica (no caso, situando o todo no primeiro pargrafo lgico e as
partes, uma a uma, nos pargrafos subsequentes) um evento seqencial.
No precisamos explicitar tudo que sabemos sobre o assassino para
depois falar de tudo que sabemos sobre o crime, tudo sobre a vtima
etc. Disponvel em
http://www.jornalismo.ufsc.br/bancodedados/md-gramatica3.html em 06
fev 2004. [Aula 4] O mundo externo, percebido pelos rgos dos
sentidos, reconstrudo na mente como realidade virtual. Essa
representao se faz por modelos compostos de traos. Modelos so,
portanto, representaes constitudas de conjuntos de traos que se
especificam ou particularizam a cada proposio. As operaes
proposicionais realizadas com modelos/traos permitem reconhecer
relaes: a. espao-temporais (em presena e em fluxo), b. de inferncia
lgica (negao, conjuno, disjuno, implicao, equivalncia), c.de
semelhana (causa/conseqncia, essncia/aparncia). Operando
(suprimindo, compondo, abstraindo) com modelos/traos analgicos,
podem-se antecipar eventos com alto grau de probabilidade e modelar
objetos inexistentes no mundo real, mas atribudos a mundos
possveis: (a) ficcionais
-
(unicrnios, centauros); (b) de desejo (deuses, fadas) ou temor
(demnios, vampiros); (c) de conhecimento (seres extra-terrestres,
buracos negros) etc. Pode-se tambm inferir a existncia de abstraes
necessrias (nmeros, equaes) e modelar metaforicamente entidades
inefveis (sensaes e estados subjetivos, como angstia ou ansiedade).
A cada modelo corresponde uma entidade ou conjunto de entidades
virtuais ou mentais; modelos mantm relaes funcionais com esses
entidades. Dessa maneira, o universo dos modelos o co-domnio ou
universo dos valores do universo das entidades mentais, tenham ou
no existncia no mundo real. Toda predicao uma funo na qual se
relacionam argumentos um-um ou vrios-um. Modelar um mundo real ou
possvel implica construir cenrios onde entes desse mundo
desempenham papis temticos (agente, paciente, tema etc.)
determinados pelo funtor da predicao. Um mesmo episdio real ou
possvel pode ser modelado de maneira distinta por diferentes
funtores, que criam cenrios prprios. Criar um cenrio implica no
apenas distribuir papis temticos mas tambm priorizar algum(ns)
aspecto(s) em detrimento de outros. Assim, posso considerar a
construo da casa de (1 a-c) como investimento (1-a), dimencion-la
pelo espao que ocupa(1-b) ou sugerir seu valor como criao artstica
(1-c) em distintos cenrios proposicionais, onde ela ocupa o papel
temtico de tema e, por hiptese, designa o mesmo objeto: 1 - a - A
casa custou quinhentos mil dlares b - A casa ocupa oitocentos
metros quadrados. c - A casa foi projetada por Niemeier. Diante da
morte de algum conhecido, posso destacar o paciente, Mrio, tornando
a causa irrelevante (2-a), co-relevante ou secundria (2-b) ou
relevante (2-c) para o discurso, conforme a estratgia assumida
(parte-se de uma das mximas de Grice: dizer apenas o que
relevante): 2 - a - O Mrio morreu b - O Mrio morreu de aids c - A
aids matou o Mrio Os papis temticos realizam-se na lngua como casos
sintticos determinados pelo funtor da predicao. O funtor ou o
predicado desenham o cenrio da predicao, de modo que no h homologia
entre papis temticos e casos sintticos. Por exemplo, embora
intuitivamente se atribua o papel de agente ao sujeito, verbos
ditos inacusativos ou ergativos (por exemplo, "Mrio morreu", "Maria
chegou") destinam o lugar de sujeito ao paciente ou tema, no ao
agente. Nas lnguas em geral, todas as relaes que constituem
dimenses de um modelo devem ser expressas por sons linearmente
organizados. Por um princpio de economia lingstica, tanto relaes
necessrias (tempo, aspecto e modo das sentenas; lugar, pertinncia,
propriedade, posse: agente/paciente, modo, instrumento,
causa/conseqncia, origem, destino, sentido, direo etc) quanto
condies semnticas (sexo expresso pelo gnero, singularidade e
pluralidade etc.) podem ser
-
gramaticalizadas. O elenco de relaes e condies selecionadas para
gramaticalizao varia de lngua para lngua, embora haja um conjunto
de relaes e condies que tende a ser gramaticalizada na maioria das
lnguas. Os processos de gramaticalizao obedecem com freqncia a uma
hierarquia: a. adio unidade semntica mnima de afixos; b. adio locuo
de afixos; c. ordenao das palavras. Em um sistema de afixao, a
ausncia de afixo (ou afixo ) costuma ser significativa. Assim, na
oposio singular/plural, em portugus, o s marca de pluralidade e, em
decorrncia, sua ausncia marca de singularidade. Os afixos de
palavras so freqentemente sufixos, embora possam ocorrer prefixos
(o redobro dos verbos gregos, por exemplo) e encaixes internos. Os
afixos de locues so freqentemente prefixos, embora possam ocorrer
formas sufixais, partculas encaixadas ou livres. A ordenao de
palavras tende a torna-se significativa de relaes de caso
(portanto, dos papis temticos, dentro do cenrio desenhado pelo
modelo proposicional) medida que se desprezam os recursos da afixao
de palavras e locues. No entanto, a ordenao pode conter
significados semnticos no relacionais ou sistmicos da lngua
(paradigmticos, em regra, no sintagmticos), como ocorre na colocao
de muitos adjetivos em portugus: eles so mais referenciais ou
concretos aps o nome, mais fracos ou abstratos antes do nome
(grande casa, casa grande, homem pobre, pobre homem). Diz-se em
teoria da gramtica que os predicados ou seus funtores selecionam os
papis temticos, atribuindo-lhes casos e sistemas de concordncia que
variam de lngua para lngua. Pode-se afirmar que para qualquer papel
temtico existe um caso, embora seja comum mais de um caso terem a
mesma forma (por exemplo, as palavras femininas gregas da primeira
declinao com o tema em a precedido de e , i ou r tm nominativo,
vocativo e dativo com a terminao ), o que gera eventualmente
ambigidade fora do contexto. Isto , no entanto, irrelevante porque
o que importa na lngua a ambigidade contextualizada, isto , as
situaes de enunciao em que a ambigidade no pode ser eliminada
imediatamente por inferncia ou pressuposto. A noo de predicao tem
sido aplicada ora sentena, onde o funtor seria em geral o verbo
(discute-se este papel no caso das sentenas copulares e de sentenas
sem verbos ou small clauses, como "Joo considera a prova difcil" )
, ora a locues, onde (a) adjetivos atuariam como predicados (3-a) e
(b) preposies (3-b) ou, mesmo, em portugus, o artigo indefinido
(3-c) atuariam como funtores, estabelecendo relaes funcionais entre
dois termos. Sob certas condies, a simples justaposio de um termo
genrico a um nome prprio j capaz de indicar a predicao (3-d): 3 - a
- casa confortvel - C(c) = a casa [] confortvel b - casa de pedra -
F(c, p) = casa [] feita de pedra c - Armstrong, um astronauta -
A(a) = Armstrong [] [um dos da categoria de ou pertence categoria
de] astronauta d - O Marechal Rondon - i M(r ) = [determinado]
Rondon [] [um dos da categoria de ou pertence categoria de]
Marechal
-
Tomemos o caso de uma sentena que admite vrios papis temticos,
como o caso daquelas nucleadas por verbos de movimento, que mapeam
cenrios de deslocamento no espao-tempo: 4 - Joo foi de Ponta Grossa
a Foz do Iguau de automvel em cinco horas. Uma abordagem no nvel da
sentena atribuiria a Joo o papel temtico de paciente do
deslocamento, a Ponta Grossa o papel de origem do deslocamento, a
Foz do Iguau o de destino do deslocamento, a de automvel o de
instrumento do deslocamento e a cinco horas o de tempo decorrido no
deslocamento. Poderamos admitir tambm que o verbo ir (foi) atribui
ou admite esses papis temticos, mas sua realizao, em cada caso,
decorreria de funtores particulares: de para origem, para para
destino, de para instrumento e em para tempo decorrido. O uso de de
com mais de uma significao funcional (ele tem mais de uma dezena)
na mesma sentena no implica ambigidade uma vez que os argumentos
internos regidos em cada caso (Ponta Grossa e automvel) no a
admitem. A relao funcional em de Ponta Grossa seria entre a funo
verbal rotulada, isto , o termo que designa a frmula funcional (a
ida), e um designativo de lugar (Ponta Grossa); em para Foz do
Iguau seria entre esse termo (ida) e um designativo de lugar (Foz
do Iguau); em de automvel, seria entre o termo (ida) e um
designativo de instrumento ou meio do transporte (automvel). Como a
funo verbal no est efetivamente rotulada na sentena (onde a palavra
ida no aparece), cada um dos papis temticos referidos a ela teriam
o carter de elementos de uma lgica de segundo grau (a lgica de
primeiro grau no permite predicar funes como se fossem argumentos),
o que explica o entendimento tradicional desses complementos como
advrbios. Pode-se admitir a continuidade da noo de caso, ainda sem
os sufixos que consagraram essa figura nas lnguas clssicas, como o
latim ou o grego, e se preservam em lnguas modernas, como o alemo
ou o russo. A, cada caso seria designado pela ausncia/presena de
alguma preposio em algum contexto. Parodiando designaes clssicas,
teramos algo como um "genitivo de origem" em de Ponta Grossa, um
"acusativo de movimento" em para Foz do Iguau e um "instrumental"
em de automvel. Para o verbo de ao matar, numa sentena indicativa
afirmativa, em portugus, o sujeito ou argumento externo (agente)
marcado pela desinncia , preposio e a posio pr-verbal; o objeto ou
argumento interno (paciente) pela desinncia , preposio e posio
ps-verbal; o instrumento pela preposio com; o tempo por uma palavra
prpria para significaes semnticas freqentes (hoje, ontem, amanh
etc.) ou por locuo ou sentena com a preposio a; o lugar por uma
palavra prpria para significaes semnticas freqentes (aqui, l,
adiante etc.) ou por locuo ou sentena com a preposio em. Dessas
predicaes, sujeito (agente) e objeto (paciente) so argumentos
exigidos pelo verbo; o instrumento argumento admitido; tempo e
lugar so argumentos exigidos em toda predicao existencial. As
preposies com, a e em seriam funtores dos papis temticos de
instrumento, tempo e lugar, isto , prefixos de locuo ou sentena
capazes de torn-las argumentos internos de predicaes de
instrumento, tempo e lugar.
-
As nuanas sintticas admitidas na construo das sentenas e na
organizao das sentenas em textos nas lnguas naturais so de tal
maneira complexas que sugere mais do que automatismo, inteligncia,
no seu mecanismo de formulao. Uma dessas hipteses, explorada
recentemente, admite que os predicados e os funtores poderiam
associar-se ao conceito de agentes inteligentes. Agentes
inteligentes so, em sentido amplo, sistemas computacionais,
geralmente baseados em software, dotados de: - autonomia, isto ,
que agem sem interveno humana direta ou indireta, e tm algum
controle sobre suas aes e estados internos; - habilidade social,
isto , que interagem com outros agentes por via de alguma espcie de
linguagem; - reatividade, isto , que tm alguma percepo do meio em
que agem e respondem a tempo a mudanas que ocorrem nele; -
pr-atividade, isto , no apenas agem em resposta ao meio, mas so
capazes de tomar a iniciativa e exibir comportamento dirigido a um
objetivo. Em sentido mais estrito, agentes inteligentes so
dispositivos projetados ou implementados com conceitos aplicados em
geral a seres humanos, tais como conhecimento, crena, inteno,
obrigao e, mesmo, emoo. Atribuem-se a agentes inteligentes, em
diferentes contextos, mobilidade (capacidade de deslocar-se em
algum contexto), racionalidade (ao perseguir um objetivo, no agem
de modo a impedir sua consecuo) e benevolncia (no tendo objetivos
conflitantes, cada qual sempre tenta fazer o que lhe destinado). A
teoria dos agentes inteligentes est vinculada viso intuitiva que
atribui atos objetivos a atitudes, tais como crenas, vontade,
esperana, medo ou desejos. Essa abordagem, dita intencional, admite
uma primeira ordem, qual seja a das atitudes (crenas, vontades
etc.), uma segunda ordem, qual seja a das atitudes motivadas por
atitudes (crenas de crenas, temor de crenas etc.), uma terceira
ordem e assim por diante. A atribuio de tais intenes a agentes no
humanos pode ser acusada de antropomrfica; no entanto, vrios
autores contemporneos a defendem, na medida em que permite a melhor
compreenso da operao de um dispositivo, seja ele uma mquina ou item
de um sistema simblico, tal qual o lingstico. A operao com atitudes
proposicionais constri contextos opacos e envolve, no entanto, dois
problemas lgicos. O primeiro semntico: a impossibilidade de
substituio de termos sinnimos, salva veritate, isto , da aplicao da
Lei de Leibnitiz: se Janine cr que Cronos o pai de Zeus e Zeus o
outro nome de Jpiter, no posso dizer que Janine cr ser Cronos o pai
de Jpiter, uma vez que ela pode ignorar que Zeus Jpiter. A segunda
situa-se no universo da lgica proposicional ou de primeira ordem:
no posso tomar como argumento da funo cr a unidade Cronos o pai de
Jpiter, j que esta no um termo e sim uma frmula. A questo central
que, nos contextos opacos, a verdade dos componentes no assegura a
verdade do conjunto (eles no so thruth functional), de modo que o
formalismo lgico a ser adotado ter que ser outro. Qualquer
formalismo alternativo deve dar conta de um modelo semntico (j que
a Lei de Leibnitz descumprida) e de uma linguagem de formulao, isto
, de uma sintaxe. As abordagens existentes so as da lgica modal,
que introduz operadores modais sem funo de verdade - como necessrio
ou certo (N) e provvel (M) - e a da metalinguagem, isto , uma
linguagem que inclui termos ou rtulos denotando frmulas de outra
linguagem, dita linguagem-objeto.
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Quanto ao problema semntico, a soluo pode vir da semntica dos
mundos possveis, onde as crenas, conhecimento ou objetos dos
agentes podem ser situados em mundos irreais, inexistentes,
admitindo-se a relao de acessibilidade entre eles. A tese da
correspondncia entre esses mundos torna essa semntica atraente como
ferramenta terica; no entanto, ela suscita alguns problemas,
particularmente o da oniscincia lgica: teramos que admitir, para
aplic-la, que os agentes raciocinam de maneira perfeita. Assim,
numa abordagem epistmica, um agente no poderia saber de ou crer em
algo que no fosse verdadeiro. Uma abordagem bem mais simples
trabalhar com estruturas simblicas interpretadas: crenas ou
conhecimentos so vistos como funes simblicas representadas numa
estrutura de dados associada ao agente. Um agente acredita em f se
f est presente em sua estrutura de dados. Sob certas circunstncias,
isso funciona. De toda sorte, atribuir ao pr