1 Graciliano Ramos e a Revista Cultura Política GABRIELA DE OLIVEIRA NERY COSTA 1 As intrincadas relações estabelecidas entre intelectuais e regimes autoritários sempre captaram o interesse de historiadores e cientistas sociais. O fascínio pela possibilidade de se encontrar figuras renomadas da intelectualidade dentre as fileiras colaboracionistas - ou de perseguir este avesso e se deparar, no garimpar das fontes, com um ferrenho opositor ao governo -, instiga pesquisas e esforços de análise dentre as mais diversas conjunturas. No entanto, parece trivial, mas necessário, ressaltar o fato de que eram minoritários os que se encaixavam nos extremos desta régua. De fato, a grande maioria dos intelectuais situava-se no entremeio destas posições, oscilando diante das complexidades, experiências e contingências às quais eram submetidos. Graciliano Ramos encontrava-se dentre o grupo de intelectuais que tiveram suas trajetórias entrecortadas pela ditadura implantada no Brasil no ano de 1937 e que se estendera até o final de 1945, o Estado Novo. Durante este período de exceção, o autor alagoano, como tantos outros, remetera trabalhos às publicações oficiais do regime - em seu caso específico para a revista Cultura Política - e perseguir a conjuntura em que se deu a sua série de publicações dentro da seção de Quadros e Costumes do Nordeste deste periódico é, também, uma busca por entender de forma matizada as relações tecidas entre intelectuais e o governo estadonovista. A Cultura Política foi uma publicação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) que circulou durante o Estado Novo, do qual Getúlio Vargas era o chefe máximo. Fundada com o intuito de ser a porta-voz do regime, propagadora e defensora de suas políticas e ideologias, a revista foi publicada mensalmente entre os anos de 1941 e 1945, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. O periódico materializava concepções caras ao regime. Assim, é possível perceber com nitidez em suas páginas o amplo esforço realizado pelo Estado “em fazer produzir, ou aproveitar 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo, EFLCH-UNIFESP, e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, FAPESP.
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Graciliano Ramos e a Revista Cultura Política
GABRIELA DE OLIVEIRA NERY COSTA1
As intrincadas relações estabelecidas entre intelectuais e regimes autoritários
sempre captaram o interesse de historiadores e cientistas sociais. O fascínio pela
possibilidade de se encontrar figuras renomadas da intelectualidade dentre as fileiras
colaboracionistas - ou de perseguir este avesso e se deparar, no garimpar das fontes,
com um ferrenho opositor ao governo -, instiga pesquisas e esforços de análise dentre as
mais diversas conjunturas. No entanto, parece trivial, mas necessário, ressaltar o fato de
que eram minoritários os que se encaixavam nos extremos desta régua. De fato, a
grande maioria dos intelectuais situava-se no entremeio destas posições, oscilando
diante das complexidades, experiências e contingências às quais eram submetidos.
Graciliano Ramos encontrava-se dentre o grupo de intelectuais que tiveram suas
trajetórias entrecortadas pela ditadura implantada no Brasil no ano de 1937 e que se
estendera até o final de 1945, o Estado Novo. Durante este período de exceção, o autor
alagoano, como tantos outros, remetera trabalhos às publicações oficiais do regime - em
seu caso específico para a revista Cultura Política - e perseguir a conjuntura em que se
deu a sua série de publicações dentro da seção de Quadros e Costumes do Nordeste
deste periódico é, também, uma busca por entender de forma matizada as relações
tecidas entre intelectuais e o governo estadonovista.
A Cultura Política foi uma publicação do Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP) que circulou durante o Estado Novo, do qual Getúlio Vargas era o
chefe máximo. Fundada com o intuito de ser a porta-voz do regime, propagadora e
defensora de suas políticas e ideologias, a revista foi publicada mensalmente entre os
anos de 1941 e 1945, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. O periódico
materializava concepções caras ao regime. Assim, é possível perceber com nitidez em
suas páginas o amplo esforço realizado pelo Estado “em fazer produzir, ou aproveitar
1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo, EFLCH-UNIFESP, e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, FAPESP.
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para seu uso, um conjunto de princípios e ideias, pelos quais se auto-interpretava e
justificava seu papel na sociedade e na história brasileiras” (OLIVEIRA: 1982, p.9).
Estes novos discursos foram edificados como alicerces para a formação de novas
normas e valores de nacionalidade, estreitamente vinculados ao Estado Novo, seu
conformador (GOMES: 1998). Tais elementos tomavam parte no complexo cenário
sócio-político do período e se tornariam matéria-prima das páginas da revista.
No cerne das análises que tomavam as linhas de Cultura Política, situava-se a
defesa de que o Estado brasileiro era naturalmente centralizador e, quando se desviava
dessa natureza, enveredava-se por descaminhos que levavam o país ao desgoverno e ao
atraso (GOMES: 1998). Dentro desta perspectiva, tornou-se instrumento corriqueiro das
diretrizes político-culturais estadonovistas buscar a legitimação do regime através da
ideia de que havia um fio condutor da história nacional que desembocara na ditadura de
Getúlio Vargas - resultado do encontro acurado entre o povo e seu governo -, ao passo
que se forjava a sua antítese fracassada e um conjunto de ideais a serem combatidos,
encarnados pela Primeira República. De forma ampla, as palavras de Rosário Fusco na
apresentação da seção Brasil Social, intelectual e artístico, na primeira edição de
Cultura Política, são reveladoras dos diagnósticos elaborados pelo Estado Novo:
“Hoje, podemos afirmar que existe uma política brasileira que é uma
autêntica expressão do nosso verdadeiro espírito social. Nêsse espírito social
ajustaram-se as necessidades as necessidades do nosso presente com às
conquistas do nosso passado, para formarem essa permissão tríplice da
política, que nos concede agir, pensar e crias, no Brasil, para o resto do
mundo, associando o nacional – que marca as atividades de um povo – ao
universal, que constitui a aspiração de uma inteligência.
(...) [O homem brasileiro] Protegido por novas leis e novos departamentos de
vigilância de seus interêsses (...) sua situação em face da família, e a de sua
família, em face da sociedade, é infinitamente superior.
Por outra parte, o sindicato e o instituto de aposentadoria e pensões veiu
assegurar ao seu presente a certeza de um futuro diverso daquêle do
trabalhador da primeira república.”2
A ênfase no aparelhamento do Estado - na criação de novas leis e mecanismos
de regulação da vida social em diversos âmbitos, incluindo órgãos diretamente ligados à
regulação das atividades do mundo do trabalho -, estava na esteira da crítica à
democracia liberal e não deixa dúvidas sobre a importância do periódico na divulgação
da ideologia do regime. A forma como estas críticas eram tecidas caminhava de maneira 2 Cultura Política, Rio de Janeiro, março de 1941, ano I, vol. I, p.228.
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a destacar os problemas atribuídos ao liberalismo democrático, em compasso com o
enaltecimento do centralismo estadonovista, representado na figura de Getúlio Vargas.
Desta forma, articulava-se o discurso de que a concretização de projetos aptos a dar
respostas aos impasses vividos pela sociedade brasileira só poderia se dar ao fornecer
todo o poder ao Estado. Ele seria o único capaz de “promover a coesão nacional e de
realizar o bem público, para além dos interesses reais, mas mesquinhos dos indivíduos e
dos grupos” (OLIVEIRA: 1982, p.24). Ficava claro, a partir destas ideias, que parte da
crítica estabelecida à Primeira República se concentrava em atacar seu federalismo,
visto como meio de priorizar demandas de pequenos grupos políticos a despeito dos
interesses nacionais, o que era utilizado como meio para exaltar o centralismo do Estado
Novo. Esta crítica endereçada às elites dirigentes não deixava de alcançar, também, à
intelectualidade organicamente ligada a estas classes - acusada de falhar na elaboração
de soluções para os problemas do país.
Os anos de crise do pós-Primeira Guerra Mundial apresentaram ao mundo o
desafio de elaborar novos caminhos e projetos alternativos à liberal-democracia. Uma
das vias percorridas pela intelectualidade era a de um nacionalismo próprio ao século
XX, que supunha a possibilidade da “identificação de todos os membros de uma
sociedade com um destino cujos traços se originam no passado, são identificáveis no
presente e asseguram um destino comum.” (OLIVEIRA: 1982, p.26). Parte desta
concepção de nacionalismo tomava distância dos ideais românticos mais ajustados ao
século XIX, que buscava pelo grupo primário ou a comunidade constitutiva de uma
nação. As novas ideias nacionalistas, reelaboradas no século XX, se pautariam em um
Estado forte, investido da função de administrador e de sustentáculo de toda a ordem
social.
De posse destas percepções e tomando-as também para a realidade brasileira é
possível perseguir, assim, a importância da propagação das ideias nacionalistas por
parte do regime estadonovista. Era necessário que se criasse todo um sentimento de
coesão nacional, pelo qual cada indivíduo seria investido de cidadania pelas mãos do
Estado, e também se tornaria responsável pela riqueza do conjunto da nação. Tudo sem
perder de vista a centralidade estatal como administrador da sociedade. Neste sentido,
Angela de Castro Gomes é precisa ao apontar que o regime estadonovista elaborou um
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novo conceito de cidadania baseado no cidadão-trabalhador, conceito este que se
alicerçava nas relações estabelecidas entre riqueza e trabalho e cidadania e trabalho
(GOMES: 1982, p.53). Para a autora, essa nova formulação deita raízes num longo
processo de reconhecimento da pobreza como um entrave para o desenvolvimento da
sociedade brasileira. Iniciado com a abolição da escravidão e ganhando fôlego na
Primeira República – especialmente por conta da forte mobilização dos trabalhadores,
que alcançou as vias parlamentares -, tais preocupações se aglutinaram em torno do que
ficou conhecido como “questão social” e ultrapassou o fim da década de 1920
adentrando à década seguinte.
Gomes aponta uma diferença substancial entre o panorama do início do século
XX para a conjuntura dos anos 30. Neste último período haveria uma crescente
“demanda de novas esferas de intervenção do Estado que incluíssem áreas como
educação, saúde e o mercado de trabalho” (GOMES: 1982, p.54). Todas estas áreas
seriam abarcadas dentro de um amplo esforço estatal pela superação da pobreza, que era
tomada como fruto do abandono da população até a década de 1930. Para tanto, as
classes populares, ou subalternas, foram trazidas para o centro dos debates tecidos pela
intelectualidade, e parte dela se dedicou a estabelecer políticas que fossem capazes de
promover a valorização do trabalho e do cidadão, com o objetivo de formar uma classe
de trabalhadores desvinculada da situação de pobreza. Esta situação seria “o ideal do
homem na aquisição de riqueza e cidadania” para o Estado Novo (GOMES: 1982,
p.55). Os intelectuais ganharam, assim, posição de destaque dentro do projeto político
estadonovista como os verdadeiros indivíduos capazes de contribuir com soluções para
os impasses nacionais.
Antonio Gramsci (1982) escreve uma série de considerações importantes a
respeito da categoria dos intelectuais que podem ajudar a compreender esta complexa
relação entre a intelectualidade nacional e o projeto político-ideológico desenvolvido
pelo Estado Novo. Tomando-se como ponto de partida a já amplamente debatida
categorização estabelecida pelo autor a respeito dos intelectuais orgânicos e intelectuais
tradicionais, o que interessa aqui, sobretudo, é a avaliação de Gramsci sobre a forma
como estes deveriam encaminhar suas ações dentro do que chamou de um “novo
intelectualismo”, nascente entre os anos de 1920 e 1930:
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“O modo de ser do novo intelectual não pode mais consistir na eloquência,
motor exterior e momentâneo dos afetos e das paixões, mas num imiscuir-se
ativamente na vida prática, como construtor, organizador, ‘persuasor
permanente’, já que não apenas orador puro (...); da técnica-trabalho, eleva-
se à técnica-ciência e à concepção humanista histórica, sem a qual
permanece ‘especialista’ e não se chega à ‘dirigente’ (especialista mais
político)” (GRAMSCI: 1982, p.8)
Gramsci prossegue no desenvolvimento de sua análise e reitera que assim se formariam,
historicamente, categorias especializadas no exercício da função intelectual, e esta
formação aconteceria em conexão com os diversos grupos sociais que compõem a
sociedade. O autor assinala que o grau de complexidade da elaboração destes conjuntos
se daria proporcionalmente ao nível de ligação que estabelecessem com as classes
dominante. Por fim, Gramsci traz uma preciosa consideração ao afirmar que uma das
principais características da intelectualidade orgânica é a sua “luta pela assimilação e
pela conquista ‘ideológica’ dos intelectuais tradicionais” (GRAMSCI: 1982, p.9). Este
conjunto de considerações parece estabelecer um interessante diálogo com a política
estadonovista.
Durante o Estado Novo, a intelectualidade ligada ao Estado investiu-se da
concepção de elite esclarecida e tomou nas mãos a ideia de que deveria ser parte nos
processos decisórios do governo. Lúcia Oliveira, mais uma vez, explica como essa
noção não era nova, e nem exclusiva da conjuntura brasileira, mas remetia à já tratada
crítica à democracia liberal. Parte destas críticas moldaram o que ficou conhecido,
segundo a autora, como a teoria elitista da sociedade, e esta se encaixava perfeitamente
nas intenções assumidas pelos intelectuais nacionais. (OLIVEIRA: 1982). Os elitistas
evocavam a ideia de que havia uma elite estratégica que era fruto de uma desigualdade
natural entre os homens, o que lhes daria o privilégio da prática do poder. Este elitismo
também se afinava com as teorias que buscavam deslegitimar a crença tanto na
sabedoria popular, como na ideia de consenso ou do exercício da vontade da maioria. É
notório que este conjunto de ideias ia de encontro ao pensamento centralizador e
autoritário desenvolvido pelo Estado Novo.
As considerações tecidas aqui exigem um pequeno esforço de síntese, antes que
se adentre às análises propriamente ditas das contribuições de Graciliano Ramos para a
revista Cultura Política. O que se tentou indicar com esse conjunto de ponderações é
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que o projeto político estadonovista se inseriu dentro de uma ampla conjuntura
internacional, que buscava novos caminhos mediante à crise da liberal-democracia,
destacando-se as vias do nacionalismo, do centralismo e do elitismo. Desta forma, e
retomando Gramsci, é possível apontar que parte da intelectualidade brasileira se
investira da função de direção na condução da vida política nacional, especialmente os
intelectuais orgânicos ligados às classes dominantes. Foi sob esta perspectiva que estes
intelectuais também se esforçaram para trazer para as fileiras ideológicas estadonovistas
uma série de literatos, artistas, filósofos, cientistas – considerados pelo autor italiano
como intelectuais tradicionais – e coloca-los em favor da produção ideológica do
regime.
É necessário ressaltar, por fim, que dentre esta complexa relação entre
intelectualidade e Estado havia uma série de conflitos, mediações, contradições,
recrudescimento e arrefecimento de tensões, e, especialmente, barganhas entre o Estado
e o intelectual que viveu sob o regime. Desta forma, as questões que se ensaiam a diante
giram em torno da pluralidade de possibilidades de ação e de produção que os
intelectuais elaboravam durante o Estado Novo, com foco nos textos escritos por
Graciliano Ramos para Cultura Política.
Graciliano Ramos e Quadros e Costumes do Nordeste
Graciliano Ramos foi um escritor amplamente reconhecido em vida. Basta uma
breve pesquisa por jornais e revistas, especialmente a partir de 19363, para encontrar
inúmeras referências quanto à alta qualidade de suas obras – constituindo-se como uma
espécie de parâmetro na cena literária nacional a partir da segunda metade da década.
Tal reconhecimento cresceu exponencialmente após sua morte, desdobrando-se,
sobretudo a partir da década de 1960, em uma série de reedições de seus livros,
organizações de coletâneas de textos avulsos, e trabalhos, acadêmicos ou não, sobre sua
vida e obra. Entre os aspectos mais destacados da biografia de Ramos estão sua prisão
pelas forças varguistas, sob acusação de integrar os levantes comunistas no ano de 1935,
3 Ano em que Graciliano Ramos é exonerado da função de diretor da Instrução Pública de Alagoas e é preso. Ano também em que Angústia é publicado.
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e também sua filiação ao Partido Comunista a convite de Luiz Carlos Prestes, tão logo
caíra o regime estadonovista em 1945. Se o simples apontamento destes fatos parece
indica um autor sempre alinhado à militância comunista, ou ao menos em franca
oposição ao Estado Novo, sua destacada contribuição para Cultura Política traz novas
matizes para o estabelecimento do perfil do autor alagoano.
Na investigação dos diversos fatores que circundam esta questão, não será feito
propriamente um estudo do periódico estadonovista, trabalho que exigiria muito mais
do que algumas linhas, para além de uma extensa e cuidadosa pesquisa em seus diversos
volumes, que não raro ultrapassavam três centenas de páginas. Fundamentalmente, as
atenções serão voltadas para a seção Quadros e Costumes do Nordeste, nome que sofreu
ligeiras mudanças com o passar dos anos, e que fizera parte por diversas edições do
expediente de Brasil Social, Intelectual e Artístico.
Quadros foi uma seção produzida com o intuito de trazer para as páginas de
Cultura Política informações sobre a sociedade nordestina em seus mais diversos
aspectos, e isso se deu através do olhar de um escritor nordestino. É importante lembrar
que o periódico circulava apenas nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, o que
traz um sentido específico à seção dos quadros do Nordeste: uma ideia de desvelação,
desbravamento e aproximação de uma área bastante distante da região da capital para os
habitantes daquelas cidades. Era necessário, assim, que as diversas partes do país
fossem apresentadas, conhecidas e reconhecidas como ponto fundamental do projeto
governamental para se chegar no que acreditavam ser o Brasil real, e produzir, a partir
disso, uma nação moderna, atrelada ao Estado e nos moldes do regime.
Esta busca por analisar e apresentar a realidade nacional, colocar o que se
considerava o verdadeiro povo brasileiro em destaque, era partilhada por grande parte
da intelectualidade durante os anos de 1930 e 1940, e não se restringia aos intelectuais
ligados ao governo. Artistas e literatos como Jorge Amado, Cândido Portinari, José Lins
do Rego, Tomás de Santa Rosa, Rachel de Queiróz, entre outros tantos - o que incluía
Graciliano Ramos – partilhavam desse princípio e trouxeram para o centro de suas obras
as classes populares em seu cotidiano de instabilidade econômica, social e política. No
tracejar deste caminho, trouxeram também suas visões sobre a cultura e expressão
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populares, e era neste conjunto que acreditavam se constituir a verdadeira realidade
nacional.
No caso específico de Quadros e Costumes do Nordeste, parece claro que ele
deveria se configurar como uma espécie de fonte para acessar um universo pouco
conhecido por parte das populações urbanas paulistana e carioca. A partir disso, é
possível ir um pouco além e afirmar que para estas e todas as demais páginas das seções
de quadros e costumes – que se destinavam também ao Norte, Centro e Sul – era dada
aos autores a possibilidade de manejar o uso de um tempo folclórico, transitar dentre
uma temporalidade não determinada, o que lhes permitia formular visões amplas e
abrangentes sobre os temas que abordavam, sem ater-se rigorosamente a marcações
temporais específicas, misturando ficção e a realidade no traço das crônicas. Como
afirma Castro Gomes, dentro de Cultura Política havia a existência de duas concepções
de tempo e passado que conviviam: uma concepção histórica, cronológica, linear, e a
outra era justamente esta concepção folclórica e a-histórica (GOMES: 1998). Este
recurso fora habilmente dosado por Graciliano Ramos: ao se observar os textos
produzidos para a seção de Quadros e Costumes do Nordeste, observa-se que era
justamente este regime de temporalidade que permitia que o autor conseguisse alargar
suas análises sobre a região nordestina, e trazer, através do contar do cotidiano e dos
costumes, reflexões que também recaíam sobre o funcionamento da sociedade brasileira
de forma abrangente. Como anunciava o próprio autor “A pátria é um orangotango; nós
somos um sagui. Diversidade em tamanho, inclinações idênticas. Imitações, adaptações,
É importante destacar que o que predominava, desta forma, não era a
folclorização da cultura do Nordeste, com a fetichização e apresentação de tradições
cristalizadas no tempo; pelo contrário, o que se via era o contar de uma sociedade
dinâmica no confronto de suas contradições e tensões.
A partir disso, tomar a primeira crônica do autor alagoano para Quadros é ter
uma boa amostra de como o autor, e os editores da revista, encaminhavam a seção
dentro de Cultura Política. O primeiro texto fora publicado sem título específico, como
em todas as demais seções de quadros e costumes, vindo a público apenas como
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Quadros e Costumes do Nordeste I. A crônica fora precedida de uma breve introdução
elaborada pelo próprio periódico, que apresentava Graciliano Ramos como um dos
maiores escritores nacionais, destacava a grande circulação das obras do autor em
jornais e revistas do país, bem como evidenciava a qualidade de seus romances. Esta
breve introdução prosseguia comentando sobre o conteúdo da crônica de estreia da
seção e trazia uma interpretação específica do texto de Ramos:
“(...) Neste número inaugural, ele [Graciliano Ramos] nos dá um flagrante
da grande festa popular – o Carnaval – tal como decorre nas cidadelas do
interior nordestino. É um pequeno pedaço desse Brasil que ainda foge ao
ímpeto renovador da civilização litorânea, desse Brasil tão diferente e tão
grande...”4
Este pequeno excerto traz uma leitura reveladora de algumas das maneiras com que o
periódico compreendia a seção de Quadros. Havia, por parte dos editores de Cultura
Política a ideia fundamental de que se trabalhava dentro da dimensão do relato – “tal
como decorre” – e também da busca pela revelação do exótico que, uma vez desvelado,
seria submetido ao “ímpeto renovador da civilização litorânea” pelo projeto conservador
de modernização empreendido pelo Estado Novo5. Era parte essencial desta política
superar o que consideravam as névoas do atraso - de um mundo que relutava em aderir
aos parâmetros considerados civilizados - e criar uma nova nação dentre os moldes da
modernidade urbana, litorânea, industrializada. Trazer à tona as diversas partes “desse
Brasil tão diferente” era essencial para a aplicação destas diretrizes, e Quadros e
Costumes do Nordeste constituía-se como peça desse processo.
As questões indicadas na introdução à primeira crônica dos Quadros contrastavam
com o próprio texto do autor alagoano. Nele eram apresentados os festejos de carnaval
numa pequena cidade de cerca de cinco mil habitantes, cidade esta que estava a abrigar
os engenheiros da Great Western, suas famílias, e a promessa da ferrovia que tardava a
chegar. A cidade também abrigava uma usina elétrica, que estava encarregada de não
deixar as esposas dos engenheiros na escuridão diante da expansão da iluminação
4 Cultura Política. Rio de Janeiro, março de 1941, Ano 1, Vol.1, p.236 5 A ideia de civilizar e modernizar eram grandes motes do projeto político estadonovista. É bastante comum, desta forma, encontrarmos binômios como litoral e interior, moderno e atrasado, urbano e rural, como chaves de explicação amplamente utilizada tanto por intelectuais como pela burocracia do próprio Estado para indicar o que deveria ser superado em justaposição ao que deveria ser alcançado: resultado deste projeto de modernização conservadora empreendido pelo Estado Novo
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pública, com suas lâmpadas sempre mortiças. Quando se tratava dos festejos
carnavalescos propriamente, tudo era apresentado de forma irônica sob os mesmos
ventos da ordem e da modernidade: os três ou quatro automóveis da cidade circulavam
pelo largo onde ocorria a festa, tomados como prova de que o carnaval da cidade
melhorara consideravelmente; os foliões que antes saíam incomodando os cidadãos com
tintas e água, agora não apareciam mais, dando lugar a uma marchinha ordeira da banda
no coreto. Apesar disso, alguns deslizes ainda se mantinham, como o incidente
envolvendo a filha do telegrafista, que recebera um banho de lança perfume do ajudante
da farmácia, causando certo constrangimento para a prefeita frente as autoridades que
acompanhavam o evento. Apesar disso, o cronista confirmava: “Agora estamos
civilizados, bastante civilizados”6 e prosseguia:
“A cidade, tradicionalista, acomoda-se aos hábitos modernos. Acomoda-se,
pois não. É o que diz muitas vezes o promotor, homem de leitura e poesia.
Acomoda-se devagar. Nada de choques, perturbações. A prefeita admira e
teme certas liberdades, ora boas, ora ruins. Quer explicar-se, usa solilóquios
e atrapalha-se.”7
Tudo isso fora situado como nos tempos em que “Santos Dummont ensaiava seus
primeiros vôos baixos em Paris, com muitas quedas, e não se dava crédito aos
telegramas que os anunciavam. ”8. O cronista, através de uma construção absolutamente
irônica da ordem como fruto do avanço da tecnologia, produz situações
verdadeiramente cômicas, e a principal delas era a busca por “civilizar” até mesmo o
carnaval da pequena cidade, o que se traduz num grande descompasso engendrado por
um projeto de modernidade que carecia de sentido aos habitantes da cidade do interior.
Além disso, se a temporalidade atribuída pelo cronista ao texto remontava ao início do
século XX, o cenário por ele construído comportava temporalidades e localidades muito
mais abrangentes do que os anos iniciais da Primeira República e a região Nordeste.
A forma como Graciliano Ramos desenvolveu sua crônica, por um lado, poderia
aproximar-se, forçosamente, da leitura efetuada pela introdução dos editores ao seu
texto. Por outro lado, a cidade ficcionalmente retratada por Ramos parecia, de fato,
tomar pelas mãos a ideia por várias vezes repetida pelo autor de que as regiões eram
6 Cultura Política, Rio de Janeiro, Março de 1941, ano.1, Vol.1, p.237 7 Cultura Política, Rio de Janeiro, Março de 1941, ano.1, Vol.1, p.237 8 Cultura Política. Rio de Janeiro, agosto de 1941, ano.1, Vol.7, p.264
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manifestações, em ponto pequeno, do que o país manifestava em larga escala.
(RAMOS: 1979, p.51). Este conjunto de variadas leituras pode indicar que o autor
alagoano buscava possibilidades de distender as margens impostas pelas diretrizes
políticas do periódico, a partir da mobilização do tempo folclórico enunciado por Castro
Gomes, e traria para dentro de suas crônicas um universo abrangente e ambíguo que
permitia leituras diversas9.
Esta ambiguidade e abrangência também tomava o segundo texto publicado por
Ramos, já na edição de abril de 1941, que tratava dos mandos e desmandos da
personagem de D. Maria Amália - esposa de um chefe político influente que já fora
prefeito, deputado e senador - que vivia a perseguir o Governador de seu estado. A
apresentação à crônica, redigida mais uma vez pelos editores, atribui uma série de
intepretação ao texto Ramos e é bastante esclarecedora:
O sistema eleitoral da Primeira República, creou, no interior do Brasil,
curiosos tipos de caudilhos. (...) Todo um grupo de interêsses pessoais se
organizava em torno destas figuras, que comandavam os negócios locais.
Cada uma delas podia repetir a frase simbólica de Luís XIV: “L’Etat c’est
moi”. E era mesmo. Depois de 1937 as coisas mudaram de rumo. Essas
figuras caíram, se apagaram, se dissolveram na onda revolucionária que
introduziu novos costumes e novos modos de conduzir a vida regional. (...) E
é a pena segura de um dos maiores romancistas do Brasil de hoje que nos
vai pintar, em poucas palavras, esse quadro tão familiar aos que
conheceram o Nordeste há alguns anos atrás.10
Ao contrário da temporalidade atribuída pela editoração da revista ao texto, é
possível inferir, mais uma vez, que a ficção tecida por Ramos não restringia a
personagem de D. Maria Amália a uma figura exclusiva do universo nordestino - apesar
das referências geográficas que nele aparecem -, tampouco parecia pretender construí-la
como figura exclusiva dos tempos da Primeira República. É possível, ainda, que a
apresentação feita à crônica tenha sido elaborada em decorrência justamente desta falta
de exatidão. Assim, a personagem de D. Maria Amália configurava-se como uma
personagem típica do universo político nacional – presente nas mais variadas regiões -
que acintosamente se utilizava de seu poder e influência para conseguir intervir nos
9 A dimensão folclórica que era atribuída a Quadros permitia que Ramos propusesse análises e críticas no interior de seus escritos que, estando dentro da descrição de um universo pretensamente distante e no horizonte de conquista do Estado Novo, não eram referenciados como um problema ou como questões que não e 10 Cultura Política, Rio de Janeiro, Abril de 1941, ano 1, Vol.2, p.265
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mais variados processos que julgava necessário. Ramos não coloca neste texto nenhum
indicativo temporal, ao contrário da apresentação que o precede, nem sugerira que o
golpe de 1937 tivesse produzido um novo panorama que indicava a extinção de figuras
como a de D. Maria Amália. Seguramente, pode-se dizer que a personagem é uma
faceta extremamente recorrente da política nacional durante todo o século XX.
Este narrar do cotidiano era matéria-prima mais importante da produção de
Ramos para Cultura Política. Entretanto, e de maneira diversa das duas primeiras
crônicas aqui apresentadas, o principal tema tratado pelo autor era o universo das
classes populares. Ao tomá-las como centro de suas crônicas, Graciliano Ramos
reforçava sua percepção metonímica de que as localidades refletiriam, sempre, o todo
do país, incluindo seus conflitos sociais. Assim, ao trazer a história de uma batalha entre
dos repentistas, Inácio da Catingueira, negro, filho de escravos, e Romano, um branco
de família importante e dono de escravos, o autor habilmente traz à tona conflitos de
classe, questões raciais e ainda joga luz às disputas entre os saberes popular e o
científico, bem como faz uma crítica aguda ao uso da falsa erudição das classes letradas
como forma de distinção social e instrumento de subjugação das classes subalternas.
Partes destas problemáticas são retomadas em Um homem notável11. Questões de
raça, de gênero e as disputas entre os saberes desenrolam-se nesta crônica
absolutamente irônica sobre um homem branco e analfabeto, que prosperara e
enriquecera nos negócios conciliando estes dois elementos: sua branquitude como
forma de livrá-lo de trabalhos extenuantes, e seu analfabetismo como forma de mantê-lo
distante das funções enfadonhas dos homens letrados – apresentadas como o local
natural a um par de “olhos azues (sic)”. Quando a falta de letramento impusera algum
obstáculo aos negócios, o “homem notável” teve seu remédio casando-se com sua
secretária - e seus serviços antes remunerados são incorporados, tal qual mercadoria,
para sua lista de bens adquiridos:
“Para bem dizer tornou-se proprietário dos conhecimentos da mulher.
Considerou-os coisas dêle, como o brilhante, a cadeia, o relógio, os móveis,
os semoventes e os imóveis”12
11 Cultura Política, Rio de Janeiro, maio de 1943, ano 3, vol.27, p.159-160. 12 Cultura Política, Rio de Janeiro, maio de 1943, ano 3, vol.27.
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A crônica se encaminha para apresentar, por fim, a personagem completamente
assimilada pelas classes dominantes e letradas, conseguindo transformar seu
analfabetismo num elemento que lhe conferia ainda mais distinção, a partir do momento
em que dominara a teatralidade das elites sem que de fato tivesse domínio das letras.
Para tanto, a posse dos conhecimentos de sua esposa continuava a ser fundamental, mas
todo este panorama apresentado pelo cronista evidenciava justamente a falsa erudição
das elites nacionais. Mais uma vez, é importante ressaltar a amplitude das questões
tratadas, retomando as convicções de Ramos de que o que se reproduzia ali, em ponto
diminuto, o Brasil, enquanto país, reproduzia em larga escala. Desta forma, é possível
reafirmar a também que Ramos se batia contra a folcorização da cultura nordestina em
suas crônicas, buscando sempre alinhavar histórias que permitissem a interlocução com
questões sociais de âmbito nacional, que residiam fundamentalmente no cotidiano das
classes populares, em embate constante com as classes dominantes. Entretanto, para
fazê-lo dentro da seção de Quadros e Costumes do Nordeste, era essencial que o autor
elaborasse estratégias que lhe permitisse transitar por estes assuntos, e isso fora possível
graças a dimensão folclórica dos Quadros para Cultura Política, e também da
habilidade e controle que o autor alagoano tinha sobre seus textos. Esta fora,
possivelmente, uma das características mais marcantes de sua produção para Cultura
Política.
Considerações finais
Era certo que Ramos não se esquivava da temática nordestina, mas não dava às
linhas de Quadros as formas estadonovistas através do acate. Também era certo que
havia entre os escritos do autor e as diretrizes políticas do periódico aproximações
importantes, fruto da partilha de um universo comum dentro do pensamento intelectual
dos anos de 1930 e 1940, especialmente no que se refere à busca por uma verdadeira
realidade nacional. Este aspecto de suas produções se encaixava perfeitamente com a
proposta de Quadros.
Outro aspecto importante reside na centralidade dos intelectuais na elaboração
político-ideológica do regime, refletida numa concepção elitista de exercício da política
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que a restringia, através da censura e da repressão, às classes dominantes e aos grupos
dos intelectuais. Da perspectiva do regime, Ramos fazia parte deste lugar e se
beneficiava da liberdade dada aos homens de letras, sob o pressuposto de que eram os
únicos considerados capazes de estabelecer críticas construtivas ao governo. Assim, ao
acompanhar a trajetória de sua produção, é possível indicar um caminho tortuoso: o
autor não se empenhava em reforçar as fileiras ideológicas do Estado Novo de maneira
intencional e direta. Entretanto, tal percepção não exclui a ideia de que sua produção
fosse usada nesse sentido em Cultura Política. Dentro desta dupla perspectiva, um outro
fato bastante significativo sobre o caráter destas crônicas está no fato de que Ramos
republicou os três primeiros textos remetidos à revista no jornal de orientação
comunista Tribuna Popular, findo o governo Vargas. (SALLA: 2010)
Para além destes apontamentos, outras questões aparentemente triviais tomam
contornos de centralidade. A primeira delas reside no simples fato de Ramos ter
aceitado assumir Quadros e, além disso, desta ter sido uma de suas contribuições mais
duradouras e regulares na imprensa. A autoridade e prestígio que os textos do autor
alagoano conferiam à revista não podem ser negligenciados, tão pouco pode-se
considerar que Ramos não tivesse isto em alta conta. É importante ressaltar, também,
que ele contribuíra para a revista Atlântico, periódico resultante de um acordo entre o
governo de Getúlio Vargas e o governo de Antônio de Oliveira Salazar - o que reforça a
ideia de que ele acolhia a possibilidade de publicações nas revistas oficiais. Por outro
lado, é notório que as possibilidades de sustento dos intelectuais, apenas com seu ofício
de escritor, eram bastante dificultadas, apesar do crescimento do mercado editorial no
período. Além disso, as contribuições para Cultura Política eram muito bem
remuneradas e grande parte da bibliografia que trata da vida e obra de Graciliano Ramos
ressalta a condição de enorme insegurança econômica e social pela qual passara o autor
alagoano durante o Estado Novo; (RAMOS: 1984; MORAES: 1993; MAIA: 2008;
COELHO: 2011).
Este intrincado cenário se constituiu em meio a um universo comum de ideias
partilhadas tanto pelos ideólogos estadonovistas como por intelectuais mais à margem
do regime, o que tornava possível o estabelecimento de uma relação indireta e ambígua
entre a ideologia estatal e a intelectualidade tradicional. Desta forma, é possível
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aproximar a produção de parte dos literatos, artistas, filósofos e cientistas com a
intelectualidade orgânica do governo, bem como perseguir o enorme esforço efetuado
pela burocracia estatal em tentar trazer para suas fileiras esta intelectualidade
tradicional.
Tomando estas possibilidades, pode-se avançar também no sentido de que parte
destes intelectuais enxergassem formas de utilizar-se do grande aparato governamental
para fomentar políticas e mudanças na sociedade. Como afirmara Carlos Drummond de
Andrade, ao comentar seu duradouro posto como chefe de gabinete de Gustavo
Capanema, trabalhava-se para o regime, e não pelo regime. (LAHUERTA: 1997) A
questão, entretanto, permanece em aberto, e é necessário que as complexas relações
entre intelectuais e regimes autoritários continuem rendendo debates e pesquisas que
ajudem a compreender, cada vez mais, os entremeios do colaboracionismo à oposição.
Graciliano Ramos, sem dúvida, deu à Cultura Política peso e centralidade com
suas publicações. O autor responsabilizou-se por uma série de crônicas que se ligavam a
uma importante faceta do projeto político estadonovista: conhecer e reconhecer aquele
Brasil “tão distante”, para que se dessem os passos necessários à criação, identificação e
unificação de uma nova nacionalidade com o Estado. Por outro lado, a análise das
crônicas de Ramos permite ver que não havia a produção deste cenário exclusivo ao
Nordeste, mas um panorama múltiplo que tinha como principal aglutinador questões
político-sociais que eram apresentadas no cotidiano de seus personagens. Assim, é
possível indicar que o autor, ambiguamente, dava novas feições à seção de Quadros e
Costumes do Nordeste e buscava conciliar sua necessidade de sustento com a chance de
utilizar-se das estruturas do DIP para tratar de problemas que reconhecia como
verdadeiramente nacionais e que mereciam ser trazidos à tona, na esteira de sua
literatura militante. Se esta complicada conjuntura reitera que tanto o autor quanto
Cultura Política tivessem projetos políticos que se aproximavam em certa medida, ela
também reafirma a complexidade dos sujeitos históricos em suas contradições e dilemas
frente às ideologias do período e à produção de condições materiais para sua
sobrevivência.
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Bibliografia
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(orgs.). A década de 1920 e as origens do Brasil moderno. São Paulo: Unesp, 1997, p.
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Janeiro: José Olympio, 2ª. Edição,1993.
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Castro. Estado Novo: ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
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Tese de doutoramento, ECA-USP, 2010.
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