GORPO DOCENTE - Director, Augusto Henrique de Almeida Brandão. Secretário, Álvaro Teixeira Bastos. Professores ordinários: 1,* classe—Luís de Freitas Viegas. 2. a » —António Plácido da Costa. 3.' » —João Monteiro de Meira. 4. a » —Augusto Henrique de Almeida Brandão. 5. a » —João Lopes da Silva Martins Júnior. 6. a » —Cândido Augusto Correia de Pinho. 7. a » —Carlos Alberto de Lima. 7. a » —Roberto Belarmino do Rosário Frias. 8. a » —José Dias de Almeida Júnior. 8. a » —José Alfredo Mendes de Magalhães. Psiquiatria—António de Sousa Magalhães e Lemos. Professores extraordinários l. a classe—Joaquim Alberto Pires de Lima (Com categoria de ordinário). 2. a » —José de Oliveira Lima. 4. a » — Vago. 5. a » —Alberto Pereira Pinto de Aguiar (com categ. de or- dinário). 6." » —Álvaro Teixeira Bastos. 7. a » —António Joaquim de Sousa Júnior (com categ. de or- dinário). 8.* » —Tiago Augusto de Almeida (com categ. de ordinário). Professores jubilados José de Andrade Gramaxo. Pedro Augusto Dias. António Joaquim de Morais Caldas. Maximiano Augusto de Oliveira Lemos.
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GORPO D O C E N T E -
Director, Augusto Henrique de Almeida Brandão. Secretário, Álvaro Teixeira Bastos.
Professores ordinários:
1,* classe—Luís de Freitas Viegas. 2.a » —António Plácido da Costa. 3. ' » —João Monteiro de Meira. 4.a » —Augusto Henrique de Almeida Brandão. 5.a » —João Lopes da Silva Martins Júnior. 6.a » —Cândido Augusto Correia de Pinho. 7.a » —Carlos Alberto de Lima. 7.a » —Roberto Belarmino do Rosário Frias. 8.a » —José Dias de Almeida Júnior. 8.a » —José Alfredo Mendes de Magalhães. Psiquiatria—António de Sousa Magalhães e Lemos.
Professores extraordinários
l.a classe—Joaquim Alberto Pires de Lima (Com categoria de ordinário).
2.a » —José de Oliveira Lima. 4.a » — Vago. 5.a » —Alberto Pereira Pinto de Aguiar (com categ. de or
dinário). 6." » —Álvaro Teixeira Bastos. 7.a » —António Joaquim de Sousa Júnior (com categ. de or
dinário). 8.* » —Tiago Augusto de Almeida (com categ. de ordinário).
Professores jubilados
José de Andrade Gramaxo. Pedro Augusto Dias. António Joaquim de Morais Caldas. Maximiano Augusto de Oliveira Lemos.
A Faculdade não responde pelas doutrinas expendidas na dissertação e enunciadas nas proposições.
ALMA DOENTE (A GÉNESE DA PS1CASTENIA)
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ALMA DOENTE (A GÉNESE DA PSICASTENIA)
POR
CLÁUDíO BASTO
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YIANADO-CASTELO
Tip. de André J. Pereira & Filho, Sucessor RUA DE D. LUÍS
1912
I
PRIMEIRAS PALAVRAS
Nenhum trabalhador deve parecer en-vergonhar-se do seu trabalho. '
EÇA DE QUEIBOZ BAMALHO OBTIQÂO
A necessidade de apresentar uma «tese» à Faculdade de Medicina do Porto obriga-me a sa i r da preguiça doentia que habitualmente me pa-raliza a execução da vontade e a escrever, num esforço heróico, uns dias antes de expirar o prazo para a apresentação de «teses» à Faculdade, as breves páginas que se vão 1er.
As ideas que hei de expor nesta obrazita, tenho-as desde 1909: ruminei-as então, auto-obser-vando-me meticulosamente, sem a sugestão de livros, longe de qualquer preconceito ou influência es t ranha .
1. — /«-Prefácio de O Mistério de Cintra, por EÇA DE QUEIROZ E RAMALHO ORTIGÃO, §. a edição.
8 ALMA DOENTB
— Pour «tout comprendre», il est quelquefois nécessaire de «tout sentir».
Esta frase de Deschamps * exprime eloquentemente a dificuldade que devem experimentar os que não conhecem a neurose asténica senão pela exposição dos livros e pelas narrat ivas dos doentes — para darem justo valor à sua sintomatologia e devidamente apreciarem as discussões numerosas que, sobre as causas e o tratamento, cada vez estão mais ateadas.
Dificuldade de que a maioria, no entanto, sai torcendo o nariz com ares de olímpico desprezo, quási certa de que se trata mais de uma fantasia do que de outra qualquer coisa.
Maurício de Fleury não pôde também fugir a registar que «un médecin qui n'a pas connu par lui même tous les tourments de la névrose dépressive, . . . ne comprend pas aisément ses malades et ne sympathise pas pleinemente avec eux».*
Por fora, no aspecto objectivo, ainda o observador atento conseguirá fazer idea da a s tenia psíquica,—mas a sua intimidade, estranhamente complexa, dolorosamente esmagadora, que o doente explica mal, que o doente exagera num sentido ou noutro, que o doente tantas vezes dissimula, não é analisável meúda- e verdadeira-
1. — ALBERTO DESCHAMPS, Les Maladies de l'Énergie—Les Asthénies générales; Paris, 1909; pág. 1.
3. — Já citado por DESCHAMPS, na mencionada obra, pág. 1.
PRIMEIRAS PALAVRAS 9
mente, na sua 'significação certa, na sua essência nua — para quem, de imaginação e perspicácia vivas embora, com o maior interesse científico nessa análise, jamais houvesse experimentado o que sonhar se não pode.
*
As ideas, que por introspecção adquiri em 1909, não se modificaram pelo exame que pude fazer de outros doentes similares—e, ultimamente, pela empenhada leitura de autores que o assunto versam, não sofreram qualquer abalo, antes essas ideas se radicaram mais, e melhor se fundamentaram.
Um dos pontos mais discutidos, visado por mil maneiras e de mil maneiras interpretado, é, neste vastíssimo e ainda tam obscuro campo das astenias nervosas, o da sua patogenia.
Pois ê precisamente sobre a génese da psi-castenia que eu me atrevo a escrever,—convencido como estou de que esta astenia é o resultado da .derrota da energia psíquica, da potência espiritual, pela contrariedade tenaz e invencível do mundo exterior, de ordem social em part icular
Sou levado, em face desse critério patogé-nico, a dar uma idea do que deva ser o conceito do «ser humano» e da «vida» na prática médica. É o que faço antes de me abeirar do problema
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da génese psicasténica, — e faço-o com dobrado intuito: não só para esclarecimento do capítulo que dedico à patogenia mas ainda como ataque à maneira inadmissível, grosseiramente mecânica, como na prática é considerada a vida do homem. Maneira de ver tam simplista como generalizada, e que fez escrever a um ilustre professor da Universidade de Berna estas severíssimas pa lavras : «il n'y a entre la médecine et l'art vétérinaire qu'une différence de clientèle!»1
• • *
Deixem-me declarar antes de mais nada que não tenho intentos de filosofar. O que vou escrever a respeito da vida é o que me parece de resultado prático para o exercício da medicina.
Não tenho a pretensão, para aqui inútil, de baixar a interpretações sobre os fenómenos vitais elementares nem de subir a teorias sobre a Vida com V maiúsculo.
A Fisiologia alijou essa carga das concepções para a Filosofia. 2
A luz da prática é que nos interessa, agora, olhar a vida,—tal qual a devemos cons iderarem presença da arte médica.
1.— DUBOIS, Les Psyehonévroses et leur traitement moral; Paris, 1909; pág. 4 . J-,— Vid.: - A. DASTRE, La Vie et la Mort (Bibliothèque de Philosophie Scientifique); Paris; cap. V.
PRIMEIRAS PALAVRAS 11
*
A questão da patogenia arrasta-me a tratar de alguns sintomas psicasténicos, — deixaudo à margem aqueles em que não tenha a pôr qualquer nota pessoal.
Consequentemente ainda, abeirar-me hei da terapêutica, ou, mais propriamente, do método terapêutico a seguir, determinado pelo critério patogénico que defendo.
Dos assuntos que eu tocar além da patogenia psicasténica, quási somente será aproveitada a parte em relação directa com ela, e que de qualquer modo sirva para realçar o seu valor.
*
Não conterá este livrozito mais do que algumas considerações minhas, bosquejadas muito abreviadamente,—na conformidade do que entendo que deva ser uma «tese» desta natureza.
No entanto—quero frisá-lo—é um trabalho honesto —e, mesmo que outra qualidade não tenha, essa lhe basta e me satisfaz.
Viana-do-Casielo, Setembro de 1912.
II
 VIDA NA PRÁTICA MÉDICA
I sensi snno terrestri, la ragione stà fuor di quelli quando contempla. ■
LEONAliDO DE VWCI
A vida, apesar do muito que a respeito dela teem escrito, desde o poeta e o filósofo até o mecânico e o fisiologista, é ainda geralmente encarada, na prática médica,* pelos seus aspectos grosseiros, no seu funcionamento para assim dizer visível,—quási como num velho tempo em que sobre um materialismo simplista pontifica
ram sábios cujos nomes ilustres mal chegam já até n ó s . . .
O «organismo» vive reagindo com o «meio»,
1. — /rtDMiTRi MEREJKOWSKY, A ressurreição dos Deuses (trad, de J. Leitão); Lisboa, 1903; pág. 238.
2. — Confr. o que diz DUBOIS: Les Psychonévroses et leur traitement moral; Paris, 1909; pág. 2628.
16 ALMA DOENTE
adaptando-se-lhe continuamente,—habituando-se, numa porfia incessante, às condições instáveis do ambiente.
As variações mesológicas correspondem fatalmente variações orgânicas, numa troca infinda de energias,—e o organismo reage fisiologicamente enquanto aquelas variações exteriores não sairem de certas marcas, aliás imprecisá-veis. l
Esta é a vida do «organismo»,—função do meio cósmico. É um conflito entre a substância orgânica e o meio, como diz Cláudio Bernard; é a expressão da reacção recíproca das condições vitais internas e externas, como diz Max Verworn . *
E esse meio não deixa, na generalidade, de ser olhado praticamente como de ordem física, e a criatura humana como um mecanismo que àquele meio se habitua.
O «ser humano», porém, não é um «organismo», vivendo no meio físico como um relógio estimado entre os mimos de uma sala rica ou como • a rocha perdida entre os carrascos da montanha agreste.
O «ser humano» não é «uma estátua ou uma
1. — Confr. G.-H. ROGER, Introduction a l'étude de la Médecine; cap. I.
3. — MAX VERWORN, Physiologie Générale (traduit sur la deuxième édition allemande par E. HÉDON); Paris, 1900; pág. 355. Vid. na pág. 330 a citação de CLÁUDIO BERNARD : Leçons sur le* phénomènes de la vie communs aux animaux et aux végétaux; Paris, 1879.
A VIDA NA PRÁTICA MÉDICA 17
m á q u i n a » , n a s conhec idas e x p r e s s õ e s de u m filósofo i m o r t a l .
No s e r h u m a n o há a «besta» e o « h o m e m » ; a v ida a n i m a l , específica e a v ida ps íqu ica , i n d iv idua l ; h á o «o rgan i smo» e a «pessoa» .
É u m c r i t é r i o ve lho talvez como o h o m e m , e m b o r a o l h a d o a t r a v é s dos t e m p o s p o r mil face tas d i fe ren tes ; p r e s s e n t i d o , no p a s s a d o mis te r i o s o , e n t r e os j a r d i n s méd icos que e n v o l v i a m com seu pe r fume os t emplos fantás t icos da ín dia ,—e conhec ido já desde os s a n t u á r i o s egípcios , i m p e n e t r á v e i s en t ão como a g o r a a esf inge, m a jes tosos n a s imp l i c idade d a s s u a s l i nhas s ó b r i a s e g i g a n t e s c a s , com a s s u a s c o l u n a s mono l í t i ca s , a s s u a s e s t á tuas g r a n d i o s a s e os s eus p i lonos bafe jados pelo r i o a d o r a d o . . . a té ao s e g u n d o a n d a r do s r . Alf redo Binet na r u a de M e n d o n . . . 1
E «homem» e «bes ta» , n u m a u n i d a d e v iva , se e n c o n t r a m n o meio cósmico, como p a r t e i n t e g r a n t e de u m meio social.
As condições meso lóg icas de o r d e m física r e a g e m com o «o rgan i smo» susc i tando- lhe a v ida
li — vid. resumos críticos em: A. DASTRE, La Vie el la Mort (Bibliothèque de Philosophie scientifique); Paris; livro I. —A. BINET, L'Ame et le Corps (da mesma colecção). — MAX VER-WORN, Physiologie général (trad, já cit.); Paris, 1900; cap. I.
—Vid.: PAULO BRUZON, La Médecine et les Religions; Paris, 1904. — E. AMÉLINEAU, Résumé de l'Histoire de l'Egypte, depuis les temps plus reculés jusqu'à nos jours (Annales du Musée Guimet—Bibl. de vulgarisation); Paris, 1894.—GUSTAVO LE BON, Les Premières civilisations; Paris, 1889. — RENÉ MÉ-NARD, Histoire des Beaux-Arts, Paris, 187Õ.-PAULO GAFFAREL, Histoire ancienne des Peuples de rOrient...; Paris, 1879. Etc. etc.
18 ALMA DOENTE
específica,—mas aí não deve pa ra r o sentido da vida humana: aquelas condições mesológicas e simultaneamente as de ordem social alguma coisa são para o «homem» necessariamente: e destoutra reacção brota a vida individual—a vida superior.
ClaroT encontrando-se «homem» e «besta» fundamentalmente relacionados, interdependentes, unidos,—relacionadas se encontram também essencialmente as manifestações orgânicas e psíquicas, embora na aparência muitas vezes deixem tra i r uma dissociação maravilhosa. •
A vida, pois, — aproveitando palavras do lugar-comum cientifico a que já se aludiu—é, ao cabo, a reacção entre o «organismo-homem» e o «meio cósmico-social».
*
Corre em nós, vibrando em o nosso ser, o espirito que ideia e cria, que se inspira e sonha, que sofre e a m a : qualquer coisa de vagamente
1. — Acerca das relaçj.-s entre o corpo e o espírito, víd :— CABANIS, Œuvres complètes; Paris, 1834; t. III-IV. — AUGUSTO LAUGEL, Los Problemas del Alma (trad, de E. Heras); Valêti-cia-Madrid, s. d.—FR. PAULHAN, La Morale de L'Ironie; Paris, 1909; La Fisiologia dei Espírita (trad, de F. Spiegel); Barcelona, 1907.—DUBOIS, Les Psvehonévroses et leur traitement moral; í)." ed.; Paris. 1909; pif. 29 e seg., 44, 92 e se;?., 101 eseg., 183, etc.-MAURÍCIO DE PLEURY, Introduction à la Médecine de l'esprit; Parts, 1900. — TH. RIBOT; Les Maladies de la Mémoire; Paris, 1900; cap. I. — j . CAMUS e PH. PAGNIEZ, Isolement et Psychothérapie; Paris 1904; cap. V.
A VIDA NA PRÁTICA MÉDICA 19
grande, de enigmaticamente divino que nos eleva, nos purifica, nos t ransforma, numa entre--visão de mal sonhadas regiões de mistério onde lampeja indecisa a suprema poesia da Vida.
E o ímpeto dessa força, que nos agita inquietamente, t rasborda de nó*, vai tocar tudo que nos rodeia, envolvendo tudo numa atmosfera que vibra unissonamente com a nossa alma, como se ela i rradiasse até às coisas e aos fenómenos.
O rio, que desce languidamente, encostan-do-se entorpecido contra o cais que o margina , —ao roçar murmuroso pelas desigualdades da cantaria, soluça aos ouvidos melancólicos e gor-geia alegre aos ouvidos felizes.
Em noites calmas de lua cheia, uma chuva de luz salpica o dorso ferrete das águas, de um rasto cintilante. São lágrimas de luar que bor bulham sobre a epiderme da água — para uns olhos tristes; são mariposas de asas de luz que ali brincam em turbilhão—para uns olhos contentes. . .
O namorado vê no bode um anjo; a mãe num filho, por monstruoso que seja, vê uma estrela.
Quem o feio ama, bonito lhe parece, s en -tenceia o p o v o . . .
Nós percebemos a realidade do mundo exterior, mas essa realidade é banhada pela nossa alma que —como cambiantes de côr que i lumi-
20 ALMA DOHNTE
nam os objectos — lhe modifica as fisionomias sentidas.
Esta indutividade espiritual, chamemos-lhe assim—ora alegre ora desgostosa, provindo dum sentimento de exuberância de vida ou de depressão, como diz Ribot—não existe sempre ou, melhor, não se revela sempre, por isso mesmo que depende de estados d'alma a que podemos chamar não-habituais, afastados do tom ordinário da vida, da euforia positiva, para empregar ainda palavras de Ribo t . !
E se as causas desse afastamento são es t ranhas, indefiníveis, injustificáveis tanta vez,— quantas vezes as encontramos evidentes no meio cósmico ou social!
Qual será o indivíJuo que, por mais bem disposto que se encontre, numa exuberância de vida a cantar no que o cerca, nâo fique deprimido à luz de um eclipse do sol, terrosa, lívida, f ú n e b r e ? !
Quem não tem mudado subitamente as sua» satisfações em pesares, as suas mágoas em venturas , ante notícias negras ou côr-de-rosa, ante factos a que inesperadamente ass is ta?
Quantos Aramis, voltados sorumbáticamen-te às cogitações religiosas, numa renúncia heróica ao mundo,—e que ao mundo se restituem,
1. — TH. RIBOT, Les Maladies de la Personalité (Bibliothèque de Philosophie contemporaine), 14." ed.; Paris, 1908; pá}?.
A VIDA NA PRÁTICA MÉDICA 21
alvoraçados, quasi loucos de prazer, por môr de quatro frases prometedoras de uma senhora de C h e v r e u s e ? !
Há entre a personalidade e o meio cósmico e social uma reacção complexa, de uma r e ciprocidade indizível, e que na vida do «homem», nas manifestações mais belas da sua actividade, ocupam lugar que não pôde, ainda na prática médica, deixar de ser considerado na sua importância real .
A acção do mundo exterior, iísico e social, è de tal sorte que, no a r r a s t a r moroso do tempo, exercendo-se em inúmeras gerações e gerações sucessivas, vinca indelevelmente caracteres especiais—étnicos.
Aqui, sentimentais, expandindo o seu lirismo sob a caricia do céu puro, ao gemer monótono das ondas;—ali, despreocupados, numa alegria doida, ardentes, violentos nas palavras , n a s obras , nas paixões;—além, serenos e reflect idos, sem vida imaginativa, fortes na sua fleum a de uma frieza dura e ina l te ráve l . . .
E língua, imaginação, hábitos, c a r á c t e r . . . -encontram o motivo das suas diferenciações regionais nos agentes mesolôgicos das espécies .que apontámos.
•
Concluamos que assim como o «organismo»
99 ALMA DOENTE
reage com o meio cósmico num conflito perpétuo, numa ininterrupta troca de energias,—também sobre o «homem» se concentram as acções do meio cósmico-social, — dele se de r r amando , como uma luz vária que muda os aspectos exter iores , a energia da sua alma onde turbilhonam ânsias , aspirações, ideas, pensamentos, juízos, comoções, poes ia . . .
Há, a par da inductividade de que falámos, a receptividade de que falam Sergi e Tarde. *
Conflito entre a incidência do mundo exter ior e a actividade psíquica, exuberante ou depr imida , quando se desvia do estado médio que por habitual se torna indiferente, e na qual voeja, com as suas asas fluidas de sonho, a força cr iadora, original, perfeita que nos faz andar na terra a caminho do cêa, nas pa lavras te rnas da Senhora de Staël. 2
O «homem» vive banhado num oceano de vibrações, como pensa o dr . Maurício de Fleu-ry , 3—vibrações que em nós se t r ansmudam em vibrações nervosas; há no meio — como nós o consideramos — uma expressão, uma manifesta-
1. — Vid. :—sciPio siGHELE, A Multidão criminosa (trad, de A. Lima); Lisboa, s. d.; pág. 46-47. Repugna-me empregar reflexão, em vez de indutividade; aquele vocábulo tira a idea de «espontaneidade», «originalidade» ao homem. 0 mundo exterior não se reflecte na alma humana como num espelho se re flecte um raie de sol.
2. — M.° DE STAEL, Corinne ou l'Italie (colecção «Romans, Coutes et Nouvelles illustrés» publicada por G. Havard); Paris, s. d., pág. 47. col. 2 . \
3 — MAURÍCIO DE FLEURY, Introduction à la Médecine de l'esprit; Paris, 1900; pág. 306 e 250-251.
A VIDA NA FRÁTICA MÉDICA 2 3
ção de vida que nos impressiona, uma linguagem, digamos assim, que encontra eco em a nossa a lma : um
parlar che nell'anima si sente.*
E a essas incidências externas correspondem variações pessoais e delas resultam o prisma por que de novo recebemos as incidências externas , numa inacabável reciprocidade de acções—que poderemos pôr em confronto com o que se passa entre o «organismo» e o ambiente físico.
Mas esse parale l ismo. . .—Os vocábulos estão de tal modo açambarcados pelas escolas filosóficas, que é sério o embaraço em que a gente se vê para , hoje em dia, e s c r eve r . . .
Mas esse paralelo—escrevamos assim—entre a vida orgânica e a vida psíquica, abstraindo da sua união essencial, da sua correlação basilar, precisa de que lhe ponhamos uma nota.
O «organismo» adapta-se,—resiste passivamente.
A alma, a personalidade luta ousada-, esforçadamente contra as condições do meio, contra as influências exteriores de carácter social sobretudo.
A vida orgânica decorre normalmente, quan-
4. — PETRARCA, Rime in vita di Laura, soneto CLXXVIII, in- I qualtro poeti italiani: Dante, Petrarca, Ariosto, Tasso. Edizioue fatta su quella di A. Buttura; Paris, 1845; pág. 190.
24 ALMA DOENTE
do o inundo cósmico a não contraria; à vida superior, homológicamente a poderemos considerar normal quando o meio, part icularmente social, a não contraria.
A contrariedade, no primeiro caso, está na saída dos estímulos exteriores para fora de certas marcas indefiníveis, entre os quais a vida, num equilíbrio instável, se habitua.
Para o espírito, a contrariedade está n a s acções exteriores que fiquem fora do campo em que êle as possa vencer.
Portanto, quando a adaptação do corpo não seja fisiologicamente efecluável nem a vitória do espírito possa reali/ar-se decididamente,—haverá a contrariedade mesológica determinante de morbidez reaccional: corpo doente, alma doente, que, apesar do predomínio das manifestações patológicas de um lado ou de outro, não excluem de maneira nenhuma a sua solidariedade íntima.
No tocante à vida superior, que especialmente focamos nestas linhas, sobrevêm, ao peso da contrariedade persistente, uma fraqueza de energia psíquica, de força espiritual que torna cada vez a personalidade menos capaz de se impor dominadoramente, — sendo aí, nessa actividade poderosa, vencedora, triunfante, que está a gratidão sã da vida do espírito.
I l l
A GÉNESE DA PSICASTENIA
All! quelle lutte se passe dans les âmes susceptibles et de passion et de conscience ! '
3 B . " DE STAËL
E' precisamente na contrariedade, acerca da qual acabei no capítulo anterior de fazer leves considerações, que assenta a génese da psi-castenia. *
De um modo genérico, a contrariedade è proveniente do «meio social» que produz, pela sua irremediável persistência, um enfraquecimento — cujo progresso é mais ou menos rápi-
1. — /n-coRiNNE ou F Italie (Colecção «Romans, Contes et Nouvelles illustrés», publicada por Gustavo Havard); Paris, s. d.; pág. 34, col. l.a.
2. — Declaramos que, ao menos por agora, não fazemos questão de nome. Chamem-lhe psicastenia ou chamem-lhe o que quiserem.
Por as perturbações se manifestarem principalmente na vida psíquica, e por via psíquica se originarem, por ser nestas doenças primordial o papel do elemento psíquico como diz F. Raymond (Prefácio a Les Maladies de l'Energie, de A. Des-
28 ALMA DOENTE
do — da energia psíquica do indivíduo, predis
posto para o mal indispensávelmente. A vida psíquica, já por natureza intensa,
cheia de sensibilidade, sobremaneira impres
sionável, perturbase descorajosamente por via da sua impotência crescente, perdendose num desânimo cruel, ennegrecido pela mais profun
da e abatedora tristeza. Cada vez mais desesperançado pelas suas
derrotas sucessivas, quando em lampejos de for
ça espiritual tenta reagir,—o homem precipita
t e no reconhecimento doentio da nulidade do seu esforço, da fraqueza da sua pessoa, sentin
champs; Paris, 1909, pág. VI), por haver uma ptose psíquica como diz Regis (Prefácio a Les Troubles de la Personalité dans les états d'Asthénie Psychique, de A. Hesnard; Paris, 1909; pág. 8), enfim, para abreviar, por consequente rigor etimológico, prefiro chamarIhe psicastenia.
Lamentável é o facto de o mesmo estado mórbido ser apelidado de variadas maneiras, e, o que é pior, de o mesmo vocábulo ter significações diversas conforme os autores.
Mas o terreno das astenias nervosas é tam vasto, tam indeciso nas suas fronteiras, tam movediço, que não há remédio senão aceitar as coisas como estão—e não como deveriam estar.
O nome vulgarizado é o de neurastenia que, bem soante como é, com o seu arzito de «chie», passou para a boca do público que o dá a toda e qualquer perturbação nervosa — na hipótese de que chegue sempre a haver qualquer perturbação. . .
O nome de neurastenia data na Europa desde 1880, que em tal época foram conhecidas no velho mundo as obras de Beard e Weir Mitchell (Vid. BOUVERET. La Neurasthénie; Paris, 1891; p. 9, e outros), havendo sido criado pelo primeiro destes médicos americanos em 1858 (Vid. A. GODOLEWSKI, Les Neurasthénies; %."■ ed.; Paris, 1908; pág. 5; e outros).
A doença era já conhecida, desde muito. Há notícia dela, ainda que muito vaga, já era Hipócrates e Galeno, — dizem os livros. (Vid., por ex., F . RAYMOND, Névroses et Psychonévroses; Paris, 1907; pág. 37).
Devia ela de pertencer ao grupo das que na antiguidade se tratavam com extravagantes exorcismos e religiosíssima pancadaria. . . — sistema terapêutico que ainda reina, correcto e
A GENESE DA PSICASTENIA 39
do naquelas fugazes arremetidas da sua frouxa energia psíquica o estertor de uma lâmpada moribunda.
— Um vencido T «As complexidades e os requintes da civi
lização neste esgotante fim de século — diz um ilustre escritor português1—estão tornando cada vez mais complicada e mais difícil para todos nós a adaptação ao meio, origem primordial de todos os fenómenos de decadência no empobrecido organismo humano. A cada novo desenvolvimento do progresso, a cada novo aperfeiçoamento da vida civilizada, corresponde na luta
aumentado, em algumas das nossas aldeias onde o diabolismo é ainda uma realidade supersticiosa.
Da histeria e da hipocondria foi a neurose em questão separada por Robert Whytt (vid., por ex., BERNHEIM, neurasthénies et Psychonévroses; Paris, 1908; pág. 3). Chamaram-lhe melancolia; fraqueza nervosa; fraqueza irritável; erectismo nervoso (Dufau); irritação espinhal (Frank); neuralgia geral {Valleix); neurospasmo (Brachet); neurose proteiforme (Cerise); estado nervoso (Sandras); nervosismo (Bouchut); neurastenia (Monneret); nenropatia (Dougens); neuropatia cérebro--cardíaca (Krishaber); exaustão nervosa (Hanfields Jones)...
[Vid.:—L. BOUVERET, La Neurasthénie, épuisemente nerveux; Paris, 1891; pág. 7-9.—BERNHEIM, Neurasthénies et psychonévroses; Paris, 1908); pág. 3.—SILVA LEMOS,... Dispepsia neurasténica; Porto, 1891; primeiras pp.—DUBOIS, Les Psychonévroses et leur traitement moral (leçons faites a l'Université de Berne); Paris, 1909; pág. 10-13).—v. BOREL, Nervosisme ou Neurasthénie (La maladie du siècle et les divers moyens de la combatre); Lausana-Paris, 1894; pig. 1. — BENI-BARDE, La Neurasthénie, les vrais et les faux neurasthéniques; Paris, 1908; pág. 29.—GILBERT BALLET, Hygiène du Neurasthénique; 3.a ed.; Paris, 1906; pág. VII-XI. —ANDRÉ RICHE, Les Etats neurasthéniques; Paris, 1908; pág. 7-8. etc. etc.].
Foi HUCHARD que na França primeiro publicou um estudo
1. — RAMALHO ORTIGÃO, Estudo crítico acerca de Camilo Castelo Branco, in Amor de Perdição (memórias de uma família); décima otava edição: Porto, s. d.; pág. LIX.
30 ALMA DOENTE
da concorrência um novo esforço de energia e de vontade, e um proporcional cansaço, cujas consequências destrutivas recaem principalmente sobre o sistema nervoso central de cada individuo em luta. É o grande mal do tempo, a que os psicologistas americanos deram o nome de exaustão nervosa.»
Apesar de ser na cidade, entre os seus defeitos e os seus vícios, entre a sua ridiculez e as suas irritações, no remoinhar da luta da concorrência, no meio das canseiras brutas da vida,—que em melhores condições surde com as suas fauces ameaçadoras a fatal contrariedade,
sobre a doença de Beard (1883), seguindo-se-lhe BOUVERET com La Neurasthénie, épuisement nerveux, LEVILLAIN com La Neurasthénie ou Maladie de Beard (1891); A. MATHIEU com a Neurasthénie, épuisement nerveux (1892); CHARCOT, BALLET, GILLES DE LA TOURETTE, BRISSAUD, etc. etc. (Vid. A. GODLEWSKI, Les Neurasthénies; 2.a ed.; Paris, 1908, cap. I; e outros).
Seria demorado e-aborrecido resumir que fosse as concepções vindas à luz normôr de tais astenias. As principais acham--se condensadas neste passo de HESNARD:
. . . «Il serait fastidieux de rappeler toutes les conceptions actuelles de l'asthénie nerveuse ou neurasthénie. Il existe une centaine au moins de classifications de ces états mal définis. Certains auteurs, principalement les neurologistes, en séparent un syndrome d'épuisement nerveux dont les symptômes capitaux sont les «stigmates» de Charcot, plus ou moins modifiés (G. de la Tourelte, Pitres, Bouveret, De Fleury, Raymond, etc), et que quelques-uns tendent à élever à la dignité d'une entité morbide: «fatigue nerveuse érigée en maladie» (De Fleury). Nous ne parions pas des «troubles neurasthéniformes» (Ballet), qui relèvent, pour les auteurs, d'autant de causes organiques qu'il y a de spécialités en médecine: cholémie, tuberculose, vis-céroptose, autointoxication, uricémie, spasme artériel, à moins qu'ils ne soient dus à une maladie des capsules surrénales ou du corps thyroïde. Les autres ayant en vue l'origine psychique de toutes les manifestations du nervosisme, considèrent les phénomènes neurasthéniques comme pouvant être de simples exagérations des réactions nerveuses de l'homme sain, se traduisant par exemple par: intensité de ces phénomènes, faci-
A GENESE DA PSICASTENIA 31
—o certo é que, também fora desses núcleos de movimentação, a contrariedade espreita os temperamentos susceptíveis.
O «meio social» tanto pode ser a cidade como á aldeia, • a fábrica como a família; a oficina como a escola; tanto pode estar em meia dúzia de indivíduos que nos contrariam com o seu contacto forçado, como na humanidade inteira cujas desgraças, cujas inquietações, cujo marchar enigmático sobressaltem uma terna alma sensível!
Apareça alguém* que estude pacientemente as biografias dos grandes homens, dos filósofos,
lité avec laquelle ils se produisent, déviation du type primitif de la réaction, irradiations inattendues,etc., (Dejerine, Dubois), et partant de ce paint de vue spécial, distinguent les suggestives, les fatigables, les sensibles, les émotifs, etc. D'autres se placent pour l'étude de ces maladies, à un point de vue nouveau: l'énergie (Deschamps), ou l'habitude psychique morbide, accessible à la psychothérapie, caractéristique des psychonévroses, et les séparant des neurasthénies et psychasthenics to-xi-infectieuses (Ecole de Nancy). La différenciation des types morbides devient encore plus difficile lorsqu'il s'agit de déterminer quel rôle, doit ,jouer l'hérédité pour créer la multiplicité de ces états. Les aliénistes ne sont pas éloignés de considérer la neurasthénie comme un genre particulier de vésanie. Schule et Kraepeiin la regardent comme une «psycbonévrose» (en employant ce terme avec la signification que lui accordent les Allemands), voisine de la folie maniaque dépressive. En France des auteurs, étendant le domaine des dégénérescences mentales, et exagérant les doctrines de Magnau,oubieu comprennent
1. — Sob o título de Neurasthénie rural publicou R. BEL-BÉZE um livro sobre unia doença especial dos aldeãos de certa região e que êle diz ser proveniente da inadaptação ao meio. Não queremos discutir a propriedade do nome da doença, caracterizada principalmente por «medo e abulia»; o que queremos é mostrar a influência do meio.
Vid. La Presse Médicale, n.° 4t>; p. 547 dos anexos. 2. — Há trabalhos desta natureza já, mas parciais; o assun
to é de ordinário tratado acidentalmente.
m ALMA DOENTE
dos moralistas, dos poetas, de todos enfim onde houver, deixem-me assim dizer, uma hipertrofia da vida psíquica—e ver-se há como a psicaste-nia os martirizou, acalentada pelo tumultuar gi-gânteo do espírito, torturado nos seus anseios, nas suas aspirações, nos seus cálculos . . . — tumultuar em que se reflecte, numa última análise, a contrariedade do meio.
«O poder criativo — diz ainda o pr imoroso escritor há pouco citado1—, a evocação das vi-
parmi les dégénérés, les douteurs,les scrupuleux, les phobiques, les hypochondriaques, les obsédés, les neurasthéniques ou bien en séparent un ou plusieurs syndromes neurasthéniques tout en accordant au terme de neurasthéniques, constitutionnel une signification très voisine de celle de dégénéré. Une théorie assez récente, qui a eu une fortune considérable parce qu'elle a été construite et exposée par un psychologue de profession doublé d'un eminent clinicieu, est celle de la psychasthenic de P. Janet. Cet auteur a séparé des états psychonévropathiques une entité morbide spéciale comprenant: des accident? de nature surtout émotive (obsessions-phobies), des accidents de nature surtout motrice (agitations motrices, tics mentaux), des accidents de nature surtout intellectuelle (idées fixes non délirantes, rumination et manies mentales); elle englobe: la névrose d'angoisse, la folie du doute, la maladie du scrupule, etc., considérées autrefois comme des «paranoïas rudimentaires» (Amdt. Morselli), des stigmates de dégénérescence (Ecole de Magnan), des «aliénations partielles» (Legrand du Saùlle), des «périodes de la neurasthénie» (Kowalensky), etc.
Cette rapide enumeration nous montre combien l'entente paraît difficile entre les auteurs sur le terrain des psychonévroses. Et ces discussions interminables proviennent en partie de ce que la plupart des auteurs veulent'considérer des maladies différentes. La question se simplifie beaucoup, quand on considère la plupart des phénomènes en question comme des syndromes, capables de se rencontrer chez des malades de maladies différentes».—(A. HESNARD, Les Troubles de la Personnalité dans les états d'asthénie psychique; Paris, 1909; pág. 13-15). Vid. os tipos psíquicos de neurasténicos, registados por HARTENBERG na sua Psychologie des Neurasthéniques; Paris, 1908; cap. VIII,—e dessa amostra, aliás muito incompleta, se ajuizará do maravilhoso número de modalidades neurasténicas já apontadas.
1. — RAMALHO ORTIGÃO. Obra cit. pág. LIX-LX.
A GÉNESE DA PSICASTENIA 33
soes da fantasia para as realidades da arte, a faculdade da expressão literária levada até aos mais estranhos, os mais imprevistos, os mais agudos, os mais penetrantes efeitos de estilo, pressupõe uma diátese de settsitividade, uma acuidade emotiva tam exageradamente irri tável, tam subtilmente vibrante, tam invasiva, tam absorvente, tam predominante sobre todas as demais faculdades do nosso ser, que uma tal anomalia não poderá talvez deixar de conside-ra r - se uma excepção mórbida à norma comum, ao equilíbrio geral na fisiologia da espécie».
A visão — continua depois o mesmo escritor—, ou dramática ou pitoresca, toma para os artistas uma intensidade superior à do real, e é por ê!es positivamente vivida. Balzac falava das personagens da Comédia Humana como das pessoas vivas com quem tinha relações.
O grande Flaubert conta na sua correspon-. dência que sentiu na boca o gosto açucarado do arsénico com que matou a Bovary, e teve êle mesmo, escrevendo, os primeiros sintomas do envenenamento de que ela morreu. A comoção nervosa que toda a bela página desperta é muito mais profunda naquele que a escreve do que naquele que a lê. Assim, para cada artista, duplicação profissional das causas destrutivas do nosso ser : as que procedem da realidade e as que procedem da fantasia».
No fundo, como tam bem sobressai nesta
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brilhante página do sr. Ramalho Ortigão, é a contrariedade do meio que surge sempre a as-tenizar o espírito. Para o artista predisposto, ainda a contrariedade da fantasia é mais violenta que a da realidade, e aquela, a fantasia, actua como se realidade fosse, vivida, concretizada, encorporada no meio, em que o fogo do cérebro não distingue as ilusões, das realidades.
Vemos, pois, que é sempre a uma preponderante contrariedade ao trabalho do espirito, enfraquecido num excesso violento de energia gasta, que chegamos, ao fim de uma conscienciosa investigação patogénica.
Esse depauperamento dinâmico é gradual , de uma gradação mais ou menos demorada, mais ou menos apressada, que vai de um nervosismo simples, próximo da euforia psíquica, até à astenia mais grave. «
A doença pressupõe, em todos os casos, uma tendência constitucional, exteriorizada na irritabilidade e sensibilidade da vida afectiva, uma superioridade psíquica.
Dela estão livres, indubitavelmente, aqueles a que Balzac chamou homens arbustos, os
i. — Ccmfr. : A. BAUMGARTEN, La Neurasthénie, sa nature, fuértson, sa prophylaxie (trad, de Bonnaymé); Paris,
A GENESE DA PSICASTENIA 35
servis de Sergi,1 que se curvam miseravelmente ante as circunstâncias da vida, sejam elas quais forem: aqueles a que, só por uma magnânima condescendência zoológica, se dá o nome de «homens».
Estão muito longe desses os que, para sua tor tura ao cabo, podem tornar-se psicastênicos: homens de afectividade intensa, constitucionalmente predispostos para sob a pressão da contrariedade aniquiladora perderem o dom preciso de «não tomarem a sério os inimigos e as desgraças» que tal é «o sinal característico das naturezas fortes que se encontram na plenitude do seu desenvolvimento e que possuem uma su-per-abundância de força plástica, regeneradora e curativa, que sabe esquecer».*
Os «inimigos e as desgraças» estão no desânimo do meio, no desconsolo penetrante de tudo,—e o psicasténico jamais pode esquecer o desconforto doloroso dos homens, dos factos, de si mesmo : a contrariedade que, agressiva e in-dómitamente, o t iranira sem vislumbre de t i rar de sobre êle as gar ras esmagadoras.
— Vencido, e vencido para s e m p r e ! E a mágoa infinita deprime-lhe com ímpe
to a vida coacta, esterilizada na sua paralisia psíquica, sem orientação nem sentido; o desa-
1. — Vid. :— SCÍPIO siGHELE, A Multidão criminosa (trad. de Ad. Lima); Lisboa, s. d.; pág. 149.
2. — NIETZSCHE, La genealogia de la Moral (trad, de G.-Blanco); Valência-Madrid, s. d.; pág. 41.
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lento em ondes avassaladoras afoga-lhe todas as esperanças, as últimas débeis forças de resistência que por acaso ainda pressinta no fundo do seu ser.
* *
Não sei se disse já que a contrariedade poderia advir do «meio físico».
Talvez seja subtil apar tar o <rmeio cósmico» do «social», mas ainda que se considere só a prevalência daquele sobre este, isso nos bas ta para provar a sua influência contrariadora.
E melhor exemplo, mais claro e convincente, não encontramos do que a nostalgia da pátr ia distante.
O nobre sentimento da pátria, por mais artificiosamente que o ocultemos, i r rompe como por instinto, através das palavras cheias e eruditas com que teimamos debalde em extingui-lo, quando a nossa alma longe da ter ra se perfuma saudosamente com a sua recordação.
E a estada nostálgica em terras estrangeiras , obrigada por necessidades, por qualquer motivo constrangida, singular contrariedade é para um coração enternecido, doentiamente aba-lável.
A memória da inegualada ternura da pátria, do rincão natal que embalou o desabrochar e o madurecer da vida, comove desordenadamente o hDinem oprimido num meio ingra-
A GÉNESE DA PStCASTENIA 37
to, fazendo-lhe germinar em astenia psíquica a semente mórbida que na sua alma estava latente.
A messe loura que ondeia à carícia da viração, em movimentos lassos de sensua l idade . . . O centeio doirado, que a nortada curvou docemente, em massa,—e que, assim curvado ante o sol magnífico, parece ter quedado em reverência perpétua ao astro todo-poderoso, que o afaga com a sua luz q u e n t e . . .
Os milharais verde-escuros, que o vento bate sem piedade . . .—e as folhas inquietas e compridas , num adejar frenético, a erguerem-se como braços que fossem proteger o grão sagrado . . .
A doçura luminosa do sol-poente, com o seu oiro suave e melancólico, a enternecer a ter ra num longo beijo pálido de apar tamento . . .
Os montes, que circundam ao longe num abraço comovido a terra querida, tam alegres, tam cheios de claridade ao sol nascer—ë onde a última luz morna da tarde põe tons violáceos, t r is tes, de pintura j aponesa . . .
. . . Tudo acode, nas asas da saudade, a mais •contrariar a energia psíquica que se abate sob sx aspereza do meio, fenecendo pouco e pouco . . .
De muitas e variadíssimas formas tem sido
38 ALMA DOENTE
exposta a génese da psicastenia ' ; profundando, porém, atentamente essas interpretações por vezes tam distintas, e perscrutando bem, postas de banda as concepções patogénicas, todas as observações inteligentemente feitas, toparemos que é a contrariedade sempre que, actuando sobre uma organização psíquica irri tável, a aste-niza.
« • *
Temos ameúde frisado esta predisposição— porque sem ela, a energia espiritual, viva e for-
1. —A nota 2. da página 47 deixa entrever a infinidade de opiniões patogénicas que teem sido formuladas.
Completemos a transcrição de Hesnard cem este recorte de Deschamps (Lea Maladies de l'Énergie; Paris, 1909; pág. 241-245):
«. . . Tout d'abord... La neurasthénie est une névrose, une entité, résultat d'un épuisement nerveux général provoqué par le surmenage sous toutes ses formes (physique et moral). Elle est cérébrale ou médullaire, mais surtout cérébrale (Beard, Charcot, Bouveret, Féré).
En 1892, M. Huchard montre qu'en outre de la neurasthénie générale (signalée par lui après Beard), il existe des neurasthénies locales, la maladie pouvant se traduire pendant un temps plus ou moins long par un seul accident périphérique ou viscéral. Mais celte opinion n'attire pas comme elle le mérite l'attention des pathologistes.
Vers la même époque commencent á naître les idées sur les troubles généraux de la nutrition. M. Gautreiet constate chez un certain nombre de malades l'hyperacidité, des urines (acide lactique), avec augmentation des produits d'oxydation incomplète et des leucomaïnes et en conclut — et M. Vigoureux avec lui—que cette dyscrasie explique tous les accidents. Elle favorise, ajoutent-ils, l'auto-intoxication.
Dans ce même ordre d'idées, M. Gaube fait de la neurasthénie une déminéralisation ou plutôt une inanition minérale. Il y a diminution des éléments de constitution du sol humain. Et la toxinisation est, non un résultat de la dyscrasie, comme le disait Gautreiet, mais une des causes de déminéralisation.
La théorie de rauto-intoxication est en puissance dana
A GENESE DA PSICASTENIA 39
te, indomável e ousada, levaria de vencida os obstáculos exteriores, impondose vigorosa e se
renamente. Em Zola, nesse extraordinário preguiçoso ■
que ainda assim tanto produziu, dois exemplos se nos deparam expressivamente contrastantes.
Cláudio * e Jordan ». O pintor, numa luta tebri!, angustiada, pe
la perfeiçáo—que êle sonha, procura, tacteia, num titânico esforço louco, num alor incerto pa
r a qualquer coisa que não alcança jamais,—en
forcase, vencido, impotente, exaus to . . . Jordan,—heróico na sua força espiritual, cal
lous les travaux. Elle est formulée par bien des auteurs qui 1 attribuent, a tort, à M. Bouchard. C'est une tradition. Or ]amais M. Bouchard n'a prononcé le mot de «neurasthénie», et je ne crois pas qu'on puisse le trouver imprimé dans aucun de ses livres.
■ J'ai voulu —car je pouvais nu tromper—interroger sur ce point d'histoire un des disciples les plus éminents de M Bouchard, l'un des plus fidèles dépositaires de sa doctrine, M. Paul Le Gendre. Et M. Le Gendre, qui est devenu maître à son tour m'a répondu: «Le terme de neurasthénie n'est pas familier à M! Bouchard; il ne s'en sert pour ainsi dire jamais. Il a tendance ■a attribuer a l'autointoxication intestinale, chez les dilatas permanents, beaucoup de troubles nerveux; mais je ne connais aucun passage de ses ouvrages formulant une théorie d*> la neurasthénie par autointoxication gastrointestinale.»
. . . Désormais, il s ira entendu, je l'espère, qui si M. Bouchard a attribué à l'autointoxication gastrointestinale un certain nombre d'accidents névropathiques, il n'a jamais formulé
1 — Vid., acêrca de Zola, as curiosas revelações comentadas de MAURÍCIO DE FLEURY, inIntroduction à la Médecine de l'esprit; Paris, 1900; 6.a ed.; pág. 274 e segg.
2. —EMÍLIO ZOLA; L'Œuvre; Paris, 1SSÏ5. [De Les RougonMaequart (Histoire naturelle et sociale d'une famille sous le second empire)].
3 . E M Î L I O ZOLA, Travail; Paris, 1901. [De Les Quatre évangiles)].
40 ALMA DOENTE
cando tranquilo e grande os estorvos, os dissabores, os erros, num inflexível anelo de à Ci-dade-Nova legar uma obra gigantesca, — expira a sorrir no termo da sua gloriosa jornada, como se a morte aguardasse que o espírito soberano, concluída a sua missão, consentisse em morrer. . .
Propositadamente deixei para agora a su-
une théorie de la neurasthénie.— Il faut toujours remonter aux sources, disait Fustel de Coulanges.
Mais, d'autres que M. Bouchard ont invoqué l'intoxication et l'infection comme causes de neurasthénie.
On les trouve dans les thèses inspirées par M. Régis, dans les travaux de Gautrelet, de Vigouroux, d'Allen Starr, et dans toutes les théories modernes.
En 1900, M. de Fleury reprend toutes ces idées, les développe, complète la théorie de l'épuisement nerveux et celle de l'auto-intoxication. Il divise les neurasthéniques en deux classes: les hypotendus qui sont des épuisés, les hypertendus ou intoxiqués. Et il conclut: «La neurasthénie et tout l'ensemble des symptômes de l'épuisement nerveux sont primitivement des maladies du tonus et secondairement des maladies de la nutrition, occasionnées, soit par une intoxication, soit par une dépense excessive d'énergie ou un abus d'irritation sensitive. Empoisonné ou épuisé, le cerveau se plaçant dans un état de demi-activité vitale, ne commande aux organes qu'un fonctionnement alangui; cette baisse fonctionnelle des rÁuscIes, des glandes et des appareils de la nutrition, se reflète à son tour dans la conscience, et cette répercussion dans l'esprit est.. proprement, ce qui constitue l'état mental neurasthénique.»
M. A. Robin introduit dans cette histoire une notion nouvelle. Il considère la neurasthénie comme une expression morbide commune à des éléments pathogéniques différents dans leur essence, mais dont les effets déprimants sur le système nerveux sont identiques. Il n'y a pas une neurasthénie, il y a des neurasthénies dont il faut chercher la cause dans les troubles chimiques de la nutrition. La neurasthénie reconnaît des conditions multiples.
En 1899, la thèse de Delmas, fait sous l'inspiration de M. J. Teissier, expose une théorie nouvelle et originale de la neurasthénie. Comparant les phénomènes cérébelleux aux phénomènes neurasthéniques, l'auteur en établit la similitude et con-
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bordinação directa, pretendida por alguns autores, da psicastenia a perturbações orgânicas.
Não há órgão que não tenha sido por qualquer forma denunciado como agente da neurose.
Apoiada em numerosos tactos, desprezados aqueles que indevidamente são colocados- na arena psicasténica,—essa concepção patogenética cai no entanto por terra pelos erros teóricos em que se funda, desvirtuando a verdade dos factos com falsas exegeses.
dut que la neurasthénie est un syndrome cérébelleux, qui peut être d'origine organique, toxique, infectieuse ou réflexe.
M. Gilbert montre que dans bien des cas la neurasthénie est sous l'influence d'une affection biliaire (cholémie).
M. Sergent, et d'autres, exposent l'influence des troubles fonctionnels des surrénales sur le développement des asthénies.
M. Londe différencie l'asthénie (trouble dynamique) de l'atonie (trouble statique) et considère l'asthénie comme un signe morbide d'origine cérébelleuse et sympathique.
M. Brissaud la définit : «. . . la diminution de l'énergie du potentiel».
La théorie de l'irritabilité réflexe a aussi ses partisans. Imaginée par Leven, qui explique les troubles du dynamisme nerveux par l'irritation de la cellule nerveuse avec propagation aux autres cellules nerveuses en raison de la solidarité fonctionnelle de tout le système, elle est soutenue avec quelques variantes par Raffray (de l'île Maurice), en un livre d'un bel enthousiasme.
M. Glénard, rompant avec l'entéroptose, attribue la neurasthénie à un trouble fonctionnel encore inconnu du l'oie.
M. Freund (de Vienne) pense qu'elle est due à une dépense exagérée de la force génitale.
M. Pierre Janet en fait le premier étage du groupe des psychasthenics, un état vague d'engourdissement ou d'intoxication des fonctions nerveuses, avec toubles de dépression morale et physique, mais sans aucun sentiment pathologique.
Pour M. Dubois (de Berne), ta neurasthénie est une psychonévrose produite par l'intercalation d'une fausse idée de fatigue dans l'arc réflexe; elle est dépourvue de toute base somatique.
Enfin M. Raymond... a entrepris la critique de la question des névroses. «Les névroses, dit-il, sont des maladies sans lésions connues, ce qui ne veut pas dire sans lésions... Les névroses sont des maladies à lésions ignorées plutôt que des maladies sans lésions.» Ces lésions «peuvent être d'ordre chi-
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Esmiuçados como convém tais factos—não poderá subsistir mais do que um critério pato-génico : é a contrariedade, outra vez o repetimos, que faz sucumbir a energia psíquica.
Não são os desarranjos orgânicos que directamente produzem a psicastenia;—esta sobrevêm pela contrariedade que esses desarranjos causam à vida psíquica: a preocupação, o desgosto, o pesar, a irritação, ante qualquer doença do corpo exactamente como ante qualquer
mique, intéressant les humeurs ou les éléments anatomiques, et plus ou moins analogues à certaines modifications que l'on commence à entrevoir (état trouble des cellules, différences de fixation des matières colorantes, etc.). Elles peuvent être simplement physiques, et il pourrait se produire, dans l'organisme, quelque chose de comparable à ce qui se passe dans un barreau de fer doux aimanté: dans ce nouvel état, on ne connaît rien, absolument rien, qui distingue le barreau de fer de ce qu'il était avant l'aimantation, si ce n'est ses propriétés physiques nouvelles».
. . . Étudiant la neurasthénie, M. Raymond dit qu'elle est un syndrome, lié tantôt à un état fonctionnel et tantôt à une maladie organique bien définie. Il y a des neurasthénies comme il y a des dyspepsies».—
Para Deschamps, é um «vaste syndrome morbide ayant presque toujours ou très souvent une base soma tique; modifications biochimiques ou physiques» (obra cit., pág. 246).
O que ressalta é que no mesmo grupo «neurastenias» estão compreendidos «síndromas que se podem encontrar em doentes de doenças diferentes», como diz Hesnard.
E o resumo de Deschamps ainda não é tudo: muitas outras interpretações teem 6Ído publicadas da patogenia neurasténica.
Veja-se o cap. XVI de La Neurasthénie, les vrais et les faux neurasthéniques, de BENI-BARÍJE; Paris, 1908,—ou, por ex., o trabalho modesto de GABRIEL FORTINEAU: Considérations sur la pathogénie de la Neurasthénie; Paris, 1908.
Presentemente as teorias mais calorosamente defendidas são: uma que põe em primeiro lugar o estado físico do sistema nervoso, o abaixamento do seu potencial, do qual derivam os fenómenos psicológicos mais complicados e subtis (palavras de HARTENBERG, in-Psychologie des neurasthéniques; 2.a ed.; Paris, 1908; pág. 228); outra que atribui o principal papel ao elemento psíquico, mas considerando a neurose
A GÉNESE DA PSICASTENIA 43
dificuldade contrariante do meio, é que nas compleições, para isso preparadas , originam a inutilização da força psíquica.
Para assim dizer, o mecanismo genético da psicastenia é o mesmo sempre, quer a contrariedade provenha do meio social ou do meio físico, de um e outro simultaneamente, ou de desmandos orgânicos. Estes, pelo modo como actuam, podem considerar-se como estímulos externos.
O doente «entra sempre num círculo vicioso
como determinação do espirito, como resultado de auto-sugestão. DUBOIS diz:. ..«pourtant c'est psychique tout cela au point
de vue de l'origine, l'analyse clinique le démontre toujours plus. Les accidents du nervosisme ne naissent ordinairement pas par la voie somatique, sons l'influence d'irritations purement physiques, comme des réflexes nerveux inconscients. Partout nous retrouvons ['intercalation des phénomènes dits psychiques, partout intervient l'idée, tantôt créant de toutes pièces le trouble fonctionnel, tantôt l'entretenant, l'éternisant, s'il est né primitivement sous l'influence d'une cause occasionelle, d'un traumatisme, par exemple, d'une maladie corporelle antérieure, d'une intoxication.
«Les symptômes des psychonévroses sont légion. Presque tons les syndromes cliniques qui caractérisent les maladies du corps ont leur sosie dans le nervosisme.
«Ce que caractérise las psychonévroses ce ne sont pas les symptômes divers, les innombrables troubles fonctionnels semblables à ceux des maladies organiques, les sensations pénibles que le malade peut prouver, c'est son état d'âme, sa mentalité* (Les Psichonévroses et leur Traitement moral; Paris, 1909; 3.a ed.; pág. 114 e 115).
O que é certo que as psiconeuroses ou nervosismo de Dubois são de uma extensão inadmissível, que êle pretende justificar pela terapêutica geral que apaixonadamente defende.
Parece-me que a distinção entre as duas teorias provém precisamente de no mesmo grupo mórbido caber uma diversidade enorme de estados astémeos: sintomáticos uns, outros hereditários, outros adquiridos.
É tam erróneo supor que é sempre por via moral que se originam todos os estados de astenia nervosa como fazer intervir sempre nessa génese a via somática. A depressão nervosa, vista num aspecto físico, não vejo que deva considerar-se a
44 ALMA DOENTE
ou, antes, numa espiral. O mal-estar orgânico provoca unia preocupação hipocondríaca, uma comoção; esta perturba o sono, faz bater o coração e cria a dispepsia gastro-intestinal, perturbações que por sua vez inquietam o doente; nova comoção que produz novas perturbações funcionais ou agrava as já existentes. É outro motivo para o doente se amedrontar, para ir cada vez mais para deante na fatal espiral».'
Estas palavras de Dubois, traçadas num outro intuito, parecem escritas para fundamentar com a sua autoridade o raciocínio que fiz acerca da subordinação da psicastenia a irregularidades orgânicas.
A alteração psíquica é primordial, na verdade primitiva: as desordens corporais influen-
fonte geral das neurastenias. E que produz esse abaixamento de potencial do sistema nervoso? E como?
Reta!he-se o campo destas astenias. Isolemos, convencionalmente se o entenderem, a psicastenia, isto é: astenia sentida que a contrariedade revelou num indivíduo constitucionalmente predisposto, quere dizer, com qualidades intelecto-afec-tivas suficientes para se ressentir daquela «contrariedade» duradoira e intensa.
É por via moral que este enfraquecimento da energia psíquica se produz, repercutinrlo-se. simultaneamente em todo o organismo, mas não ideogénicamente. A depressão nervosa física é já produto da perturbação psíquica.
Psicastenia é, pais, um vocábulo que não emprego significando o que Pedro Janet quere. «Il ne dit pas assez pour dénommer les grands insuffisants que Janet a eux en vue», escreve Gilberto Ballet (Hygiène du neurasthénique, 3.a ed.; Paris. 1906; pág. 136), de acôrdo com A. Hesnard (Les Troubles de la Personalité dans les états d'asthénie psychique; Paris, 1909; pág. 20) e coin qulsi todos os autores.—Vid.: PEDRO JANET, Les Névroses, Paris, 1910.
1. - DUBOIS, Les Psychonévroses et leur traitement moral; 3.» ed.; Paris, 1909, pág. 173-174.
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ciam o espírito, contrariando-o, precisamente como se fossem excitantes exteriores; exemplificando: doença orgânica de uma criança que motiva uma astenia psíquica na mãe.
As causas mais variadas accionam, portanto, por igual modo:—pela contrariedade que ao «homem», à «pessoa», ao «espirito» motivam.
Psicopàticamente predispostos, os indivíduos sucumbem à incidência pertinaz, invasora, absorvente, do meio.
Seja o meio a família, a escola, a oficina, a cidade, a pátria, o mundo inteiro.. . consoante os horizontes enxergados.
O ocioso, o filósofo, o artista, o operário, o comerciante, o industrial.. . todos em cuja alma durma a tendência para a psicastenia, sofrerão o tormento dela, quando a contrariedade a desmascare.
Desde Shopenhauer, Byron, Guy de Maupassant, Rousseau, Bemjamin Constant, Chateaubriand ou Darwin • ao cavador humilde, mas onde lateje uma alma sentimental; desde o que ausculta no seu espirito os ecos do sofrer da
1. _ ViJ. : MAURÍCIO DE FLEURY, Introduction à la médecine de l'esprit; 6.a ed.; Paris, 1900; cap. VI.— PAULO HARTEN-BERG, Psychologie des Neurasthéniques, 2.a ed.; Paris, 1908; pág. 62-72. — CABANES, Les indiscrétions de THistoire, sexta série; Paris, s. d.
M ALMA DOENTE
Humanidade toda até ao «tolo sublime»1 para quem o mundo não é mais que uma frívola mulher — em todos a psicastenia se desenvolve de idêntico processo, pela contrariedade do meio, seja essa contrariedade originada pela repercussão da dor humana no íntimo da alma ou pela perda de uns olhos captivantes que deixaram de contagiar com a sua graça o mundo estreito em que se v iva . . .
É doce a brisa da alvorada, e a gralha Das aves matinais ao seu fulgor, E o sol nascente que na terra espalha Seus raios pela erva, o fruto, a flor Que o rocio beija; tem perfume a planta Depois de mole chuva; e é doce a vinda Da tarde grácil e da noite santa Que o rouxinol cantando mais alinda, Que o luar alumia e em que se entornam Pelo ceu gemas, astros que a adornam ! Mas que me importa a brisa da alvorada E o canto alado que com ela ascende ; E o sol que nasce sobre a terra amada ; E a erva e o fruto e a flor que ao rocio pende; E o belo dia; e a doce tarde; e o ardor Que após a chuva fica na verdura; E a noite silenciosa e o seu cantor; E o passeio ao luar pela frescura Ou à luz dos astros ? Isso que me importa Sem ti ? Sem ti a natureza é morta. 2
1. — «O homem que ama é um tolo sublime», CAMILO CASTELO BRANCO, Memórias do Cárcere; 4.a ed.; Lisboa, s. d.; vol. II; pág. 143.
2. — MILTON'S Paradise Lost. Paris, 1850; livro IV; pág. 125. A tradução do inglês foi propositadamente feita para aqui pelo meu amigo JOÃO DA ROCHA, poeta e prosador ilustre.
— Eva é quem fala, pela boca poética de Milton; mas o que ficou exposto diz também respeito às mulheres, mutatis mutandis. ..
IV
SINTOMAS PSICASTilCOS
>
Se aquilo que a gente sente, Cá dentro, tivesse Y02, Muita gente... toda a gente Teria pena de nós. '
AUOUSTO GIL
O efeito desgostante da contrariedade acen-tua-se progressivamente, exagerando-se as qualidades afectivas num desconcerto pronunciado; a predisposição neurótica esperta, para se actualizar num agravamento gradual .
A irritação primitiva contra os obstáculos do meio aumenta, torna-se revolta indignada, nervosismo tenso que por vezes estoira em acessos violentos de palavras e de actos, e outras vezes se dilui numa tristeza imensa, numa vaga inquietação inexplicável.
1. — AUGUSTO OIL, Luar de Janeiro; Lisboa, 1909; pág. 82.
50 ALMA DOENTE
No fundo, sempre, uma arr ipiante amargura , um azedume contra o «meio» que é o que não devia ser, contra o «meio» que a nossa in-dutividade espiritual escurece com as piores cores da desventura.
A maior futilidade, um livro fora do seu lugar, um botão que falta na roupa, um amigo que tarda, uma inofensiva topada num móvel, qualquer coisa, por insignificante que seja, acende a nervosidade em extremo irritável do nosso ser, ocasionando catadupas de impropérios, brutalmente cruéis, cuja injustiça e inoportuni-dade não tardamos em reconhecer, — mas que, a outro qualquer fútil pretexto, se reacendem ainda mais cruelmente b r u t a i s . . .
A par desta irritabilidade, revela-se também em excesso a impressionabilidade, a como-cionabilidade : toda a alheia desdita encontra uma carinhosa repercussão na alma do neu-rasténico; o estado i r regular dos nervos supliciados num vibrar insólito e as impiedades que o seu furor acidental comete, as leituras doentias, o trabalho sem gosto, a desconfiança de perder o domínio de si m e s m o . . . tudo é motivo para agitar essa comocionabilidade intensa, em reacções despropositadamente amplificadas.
E estas múltiplas excitações preocupam o cérebro onde mil ideas se chocam, incompletas, sem nitidez, sem unidade, numa instabilidade extrema, numa febre de fantasias que
SINTOMAS PSICASTÉNICOS 51
exaure o espírito (vagabundagem cerebral).1 O sangue, quando o trabalho mental se hiper-acti-va, inunda o cérebro fervendo nas ar tér ias . Pressente-se que êle intumesce os vasos, os quais pulsam violentamente num frémito inquietador.
A cabeça arde, oprimida, como prestes a estalar sob a pressão interna; o sangue traz o seu fogo de encontro à pele, parecendo que a vai trespassar, como se mil pontas de alfinete queimassem o rosto ardente. Sutoca-se ; a ansiedade é infinita.
Do corpo esquecido, vazio, inerte, não r e s ta mais do que as pancadas descompassadas de um coração desiquilibrado.
O cérebro, aqui, ali, de quando em quando, parece gelar-se, como se o fio de um cutelo o lanhasse momentaneamente.
Os ouvidos zumbem; a garganta confrange--se; o doente, num pavor delirante, julga que a morte o vai fulminar.
Este afogueamenío cerebral è de uma angústia inexprimível, chegando a um paroxismo lancinante quando ocorre longe de casa, na rua , sem um braço amigo, num desamparo a ter rador.
1. — Expressão empregada por Vittoz. — Vid.: ROGER ViT-TOZ, Traitement des psychonévroses par la rééducation dn contrôle cérébral; Paris, 1911; pág. 27. Note-se porém que ja DUPRAT empregara «vagabundagem mental», in-U instabilité mental; Paris, 1899; pág. 95.
52 ALMA DOENTE
— O desamparo! a crueza que mais fere e aniila a alma do neurasténicoí
O mínimo desgosto, a mais leve dificuldade, uma contradição, a lembrança até desse afogue-amento sobretudo quando o doente se encontra só, * são motivo bastante para o lançar num desses estados aflitivos, cujo tormento se não calcula.
•
O psicasténico, afora nesses minutos de erectismo nervoso em que pode aparentar um vigor inesperado, perde-se num abatimento con-suntivo que o paraliza, que lhe faz aborrecer os esforços, que o imobiliza numa preguiça de movimentos, numa adinamia extenuante, enquanto o seu espirito, em regra, vagueia num remoinhar de raciocínios, de explicações, de ideas, de sonhos, que se entre-chocam no cérebro como as vozes inúmeras que se confundem num mercado.
Essa desorientada actividade cerebral ou, com mais justeza, semi-consciente, oprime sobremodo o cérebro, que dá uma característica impressão de constrição, a qual, se bem que atenuada fora dos esforços mentais, não deixa quási nunca de se fazer sentir.
1. — Só quere dizer : desamparado, sem probabilidade de socorro amigo. Esta impressão de soledade, em público, é de um mal-estar indefinível.
SINTOMAS PSICASTÉNICOS :>:Í
Vezes há em que a sensação de peso que constringe o cérebro é substituída por uma sensação de vazio, — boiando no vácuo do crânio aqueloutra impressão de constrição, inloca-lizável, vagamente dolorosa.
É ainda a sobre-excitação cerebral que alimenta a insomnia:—na calma profunda e opressora do quarto, mais se aviva essa singular di-sergia mental — complicada dos mais extravagantes ruídos de contínuo a sobressaltarem os ouvidos, e, sobre isso, de apreensões, de ansiedade, de formigueiros, de mal-estar geral a que não falta o acompanhamento arrítmico das pancadas do coração, que ressoam surda- e lugubremente no travesseiro.
O ruído, por ligeiro que seja, parece entra-nhar-se dentro de nós, dando a ilusão de que foi em nós que êle se produziu. A este fenómeno, que muitas vezes deixa perplexo o doente quando, passado o sobressaito, pretende analisá-lo e não encontra causa exterior que o justifique, chamarei interiorização dos ruídos.
* *
Por seu turno o organismo, ressentindo-se, desde o princípio, do mau funcionamento nervoso, mais apreensões traz ainda ao espirito, a s quais são outras tantas causas novas de des-
54 ALMA DOENTE
falecimento moral, de desengano doloroso, de tédio pela vida.
O estômago, o intestino e o coração — ordinariamente—são que sobretudo concorrem para o agravamento do estado psíquico.
O corpo é esmagado por uma sensação de fadiga que, a par com a preguiça dos movimentos dela derivada sem dúvida, coloca o corpo ameúde numa inacção absoluta, pregado às vezes a uma cadeira ou sobre a cama, numa imobilidade de estátua.
E, no entanto, fora desses estados de sobreexcitação ou de sonho em que a consciência se apaga, o doente sopesa escrupulosamente os seus sofrimentos, raciocina seguidamente sobre o seu estado e sobre problemas vários: — mân-tém-se a integridade do raciocínio.
Êle adquiriu a convicção da sua impotência: foi incapaz de triunfar da contrariedade que o fez adoecer, e é incapaz de reagir utilmente contra as cem contrariedades que àquela se vieram juntar crescentemente e que a certa altura perduram, piorando e multiplicando-se, sem a companhia da longínqua contrariedade primitiva que se extinguiu.
Êle é incapaz de ter interferência reguladora, suspensiva, dominante, na desordem interior a que não raro assiste raciocinando preocupado com a sua marcha, e o que é pior, com o seu desíecho. E trava-se, frequentemente, o que cha-
SINTOMAS PSICASTÉNICOS 55
marei discussão interior, em que de um lado e de outro são postos os melhores argumentos, em combate longo e vivo, como se dois «eus» antagónicos aparecessem.
A razão explica os sintomas; expõe da melhor maneira, com as frases mais convincentes, que é necessário reagir , vencer; que aquilo não é n a d a ; que não há motivos para sustos, para pessimismos; ainda ninguém morreu de neurastenia; que as angústias sentidas nada valem porque elas passam sem nenhum mal ter feit o . . .
Outra voz íntima lhe responde: mas eu sinto os meus males; eu não posso ser superior a eles ; estou deveras enfraquecido ; os ouvidos zumbem-me de facto; não vejo bem; o calor na cabeça é uma realidade; eu não sou n a d a . . .
E o cérebro consciente, como diz Vittoz, percebe quanto há de exagerado, de ilusório, de fantástico nas cismas do doente, nos seus receios de morte, na desorientada desproporcionalidade entre reacções internas e os mais pequenos estímulos,—mas é impotente para regularizar esta indisciplina afectiva.
O doente tem a preocupação do juízo que •os outros dele possam fazer. Essa preocupação, a l iada à consciência da sua fraqueza, à sua perda de serenidade, enche-o de timidez. Êle tem medo e vergonha, que são os factores, de or i -
56 ALMA DOENTE
gem interior, da timidez. ! Tem o receio do ridículo.
Daí a abulia social.
*
Ha a impossibilidade de o doente ter qualquer influência na desarmonia que em si se passa : êle tem sensações anormais do seu organismo. Êle não reconhece a sua pessoa física que «repose sur un ensemble de sensations venues du corps au cerveau, que les médecins apellent cœnesthèsie».2
E, sobre não reconhecer a sua pessoa física, não percebe justamente a realidade do mundo exterior. Tem uma impressão de irrealidade.
A deficiência de percepção do corpo é análoga à deficiência de percepção do meio.
Os doentes sabem que são vítimas de ilusões; teem a consciência de que o seu organis-
1. — Confr. PAULO HARTENBERG, Les Timides et la Timidité; 3.a ed.; Paris, 1910; cap. I.
2. — A. HESNARD, Les Troubles de la Personality... pág. 29. Como nota Hesnard, a palavra cenestesia é tomada em varias acepções pelos autores. Para uns, Jimita-se à consciência esplâncnica (Roy); para outros, é o «sens de l'existence» (Con-dillac) ou o «sens de l'existence sensitive» (Maine de Biran); para outros é a síntese de todas as sensações transmitidas ao cérebro (Henlé, Morel, Weber); outros ainda ajuntam à síntese das sensações internas um fenómeno, de origem cerebral, que associa a essa síntese as sensações externas (Wenk, Storch, Forster, Buch, Deny, Camus), etc. [Vid. obra cit., pág. 29.] — Para Grasset é o «sens de la conscience du moi physique* {ibidem, pág. 33).
SINTOMAS PSICASTÉNICOS 57
mo e o meio são reais, de que não são como lhes parecem.
Num fugaz esforço de atenção, divisam os objectos nítido*, de linhas f irmes; mas deixando a vista de convergir num espaço exíguo, isto é, quando olham o conjunto, este parece afastado, baço, estranho, i r real .
E semelhantemente para o corpo : o doente apalpa-se, magoa os membros, está seguro de que é êle, sente o contacto da mão. Aquele corpo, porém, parece não albergar o seu «eu».
As sensações interiores e exteriores não são sintetizadas convenientemente pelo indivíduo. Este crê-se envolto numa atmosfera que o isola, que o aparta para longe da real idade: uma atmosfera dumpf, como insistia um doente de Krishaber e repetia Taine, •—qualificativo intraduzível que—esclarece Hesnard—«s'adresse surtout à la sensibilité générale, mais un peu aussi à l'ouïe et à la vue; il signifie, suivant les mots auxquels il est associé : sourd (bruit), morne (silence), apathique (état), étouffant (atmosphère), obscur (tombeau) etc.». *
O doente, penetrado por esta exquisita atmosfera, olhando os objectos como através de uma
1. — KRISHABER, De la névropathie cérébro-cardiaque, Paris, 1873,—citado por RIBOT (Les Maladies de la Person a-lité, pág. 105-107), HESNARD, lor. cit., HIPÓLITO TAINE, L'Intelligence, ou Las Ilusiones (trad, do Centro Ed. Presa); Barcelona, s. d., nota final.
2. — HESNARD, obra cit., pág. 55.
ÔS ALMA DOENTE
nuvem que os esfuma e os afasta, nuvem que aos cantos dos olhos se condensa, — o doente, dizia, caminha com passo mal seguro, como ébrio, ourado, como um autómato. Nâo ê êle, afigura-se-lhe, que mexe as pernas , que dirige aquele corpo a lhe io . . .
E esta impressão, aliançada à sua timidez, à sua falta de serenidade, ao seu receio do r i dículo, etc., tornam-no um agoráfobo e nele se radicam outras aversões de vária espécie.
*
O psicasténico é um distraído e tem" falhas de memória sobretudo para o que é recente.
Há nele uma falta de atenção, não quero já dizer de atenção espontânea, mas de atenção voluntária.
A atenção—concorda-se hoje—é efeito de um estado afectivo, de uma excitação sensitiva,1—e, assim, natural é que nela se reflitam as per turbações que anormalizam a vida interior.
A quebra da potência da atenção explicará o dificultamento de síntese mental. «Toda a operação intelectual é uma síntese progressiva que exige uma certa potência de atenção pa ra se constituir normalmente».*
1. — TH. RiBOT. As doenças da vontade (trad, de A. Fortes); Lisboa, 1911; 95-97-j. PAYOT, L'éducation de la Volonté; 13.» ed.; Paris, 1901; cap. I e II do I. II.
P o r sua vez, s e n d o a atenção voluntária u m a cond ição de m e m ó r i a , 1 no e n f r a q u e c i m e n t o daque la se podem b a s e a r a s fal tas des t a .
E o c é r e b r o do ps icas tén ico , de o u t r o l a d o , c o m a t endênc ia a s e r i n v a d i d o pela vagabundagem cerebral, q u e se i n t r o m e t e n o s esforços v o l u n t á r i o s da a t enção a n i q u i l a n d o - o s , o u t r o mot ivo e n c o n t r a de d i s t r a c ç ã o e de d e s m e m o r i a , de imposs ib i l i dade da c o o r d e n a ç ã o e a p r o p r i a ção d a s i d e a s . *
O doen te « n a s t en t a t i va s p a r a c o m p r e e n d e r o sen t ido do q u e t em deba ixo d o s o lhos , lê e re lê c o m r e so lução , com a p a r ê n c i a de e n e r g i a v i to r iosa , c e r t a s p á g i n a s i n t e r e s s a n t e s , m a s s e m s e r capaz de a p r e e n d e r u m con jun to de i dea s m u i t o s imp les ou de a c o m p a n h a r com êxi to u m rac ioc ín io e l e m e n t a r . Es ta t e n t a t i v a , p r i n c i p a l m e n t e se é c o n t i n u a , de fazer c o n v e r g i r a a t en ção p a r a u m pon to , a u m e n t a q u á s i s e m p r e a confusão do e sp í r i t o e p r o d u z u m a s e n s a ç ã o física de l a s s idão c e r e b r a l e de cefalalgia».*
Vê-se , po i s , q u e a i n t e r v e n ç ã o da v o n t a d e , «força ad ic iona l» q u e dá à a t enção u m a in t ens i -
i . — Vid.: JOÃO CAMUS e FELIPE PAGNIEZ, Isolement el Psychothérapie; Paris, 1904; pág. 144.
Atenda-se ainda a que a memória parece depender da nutrição e da circulação. Da nutrição, o poder conservador,—e da circulação o poder reprodutivo (Vid.: RIBOT, Les Maladias de la Mémoire; Paris, 1906; cap. último).
2. — Confr. DUPRAT. obra cit., pág. 95. 3. _ FORBS wiNSLOvr, citado por TH. RIBOT, AS doenças da
vontade (trad, de A. Fortes); Lisboa, 1911; pág. 92.
60 AI.MA DOENTE
dade suficiente para ela se manter,' é ineficaz. Estudemos então a vontade, que tem acção
não só sobre a memória e a atenção, mas ain
da sobre os sentimentos, os actos de inteligên
cia e até sobre a própria vontade.*
«Vontade» é um vocábulo sem significação concreta. Exprime uma abstracção, diz Sergi3
e diz Maurício de Fleury.4
Do emprego dente vocábulo derivam talvez as discordâncias dos autores acerca das alterações volitivas no psicasténico.
O que importa é o acto voluntário, que nor
malmente consiste, como condensa Ribot, em escolher para proceder.5
O acto voluntário, è costume considerálo constituído de três operações: deliberação, de
terminação e execução,6 ou deliberação, deci
são e execução,'' ou impulsão, elaboraçãodeci
são e execução,8 etc.
1 — V i d : RIBOT, As doenças da vontade, trad. cit. pag.
2. — Vid.: CAMUS e PAGNIEZ, obra cit., pág. 144146. 3. — Citado por CAMUS e PAGNIEZ, Isolemente et Psycho
thérapie; Paris, 1904; pág. 139. 4. — In Introduction à la Médecine de feswtf; Paris, 1900;
p. 196. . o , 5
r T , R 1 B O T ' As doenças da vontade, trad, cit., pág. 101 e 131.—Vid. lambem FLEURY, obra cit.; pág. 200. An^rp ~~ E* BO'RAC, Cours élémentaire de Philosophie; Paris, 1907.
7. — PAULHAN, La Volonté; Paris, 1903. . ■ ?™r H A R T E N B E R G , Psychologie des Neurasthéniques; Pa
ns , 1908.
SINTOMAS PSICASTÉNICOS 61
Pouco valem as palavras . No fundo é sem
p r e a mesma coisa. Analisemos agora as t rês operações compo
nentes do acto voluntário no psicasténico, que sô assim ficaremos habilitados a compreender as suas anormalidades.
Pode haver insuficiência nas t rês fases. Insuficiência na instigação inicial, no estí
mulo impulsivo; o acto voluntário não chega a constituirse. O doente não deseja, não tem ne
cessidades, não tem apetites, não tem g o s t o . . . Carece do estado afectivo, suficientemente vivo, para levar o psicasténico a escolher.
A determinação è uma escolha. Querer è comparar (Fleury); querer é escolher (Ribot). ' E o doente não escolhe, não se decide. Hesita. E a indecisão tam característica destes doentes.
Suponhamos que o psicasténico se decidiu a um acto. Agora quere mas não pode. Ficou como aqueles doentes que—diz Guislain—«sabem que re r interiormente, mentalmente, conforme as exigências da razão. Podem sentir o desejo de actuar, mas são impotentes para actuarem con
venientemente» * Aí está a abulia,—isto é : o «eu quero» não
■è seguido de acção. 3
1. — Vid. BOiRAC, obra cit., pág. 169.—FLEURY, Intr. à la Méd. de l'esprit, p. 200.—RIBOT, obra cit.
2. — GUiSLAiN, Leçons orales sur les phrénopalhies,—cit. por RIBOT, As doenças da Vont., trad. cit. pág. 37.
3. — Vid. RIBOT, As d. da Vont. pág. 59.
62 ALMA DOENTE
Paremos aqui. Demasiado me alarguei na exposição de sintomas, desviando-me do plano que me impus.
I
V
MÉTODO TERAPÊUTICO
Tous les organes sont soigneusement scrutés, toutes les fonctions minu-t-'euses passées en,revue. Onnené-g'ige que la plus importante et la plus élevée d'entre elles, celle qui exerce sur toutes un retentissement si constant et si profond, celle enfin... sur laquelle peut le plus aisément s'exercer une thérapeutique méthodique et précise, je veux dire la fonction psychique! (')
P. - E . IiÉVY
As variantes terápicas que até hoje teem aparecido contra as neurastenias não ficam atrás , em numero e diversidade, das hipóteses até o presente conhecidas acerca da génese de tam intricadas perturbações nervosas, — se bem que esvoacem em redor de poucas ideas fundamentais.
E, como de médico e louco todos teem um pouco.
o público ajuda a multiplicar os processos te-
1.—FAULO-EMÍLIO LEVY, Neurasthénie et Névroses, leur guèrison définitive en cure libre; 2.a ed.; Paris, 1910; p. 231.
66 ALMA DOENTE
rapêuticos, apreseutando curiosos remédios contra o mal, que, pelo visto, lhe não é desconhecido de t o d o . . .
Já vi um comerciante receitar um susto. Um prestidigitador, na impossibilidade de empalmar a doença, medicou um vomitório. Um abade indicou comer e beber muito, etc.
A bem falar, o comerciante parece-me que tinha a intuição da psicoterapia; o prestidigitador pode ser que fosse apologista da origem gástrica das neurastenias; e o abade, â certa, era um terapeuta inconsciente pela super-ali-men tação . . .
Pois o psicasténico, por mais ilustrado que seja, tem uma pasmosa tendência para tomar quanto remédio lhe dêem, venha êle de quem vier. Queixou-se-me, certa vez, um doente do mal que lhe havia feito uma colherada de qualquer droga que engulira. O conselheiro tinha sido um escrivão, e o psicasténico era médico.
Estes doentes, apesar da sua descrença e do seu pessimismo, aceitam docilmente tudo o que se lhes faça com um fim curat ivo: há neles muita indiferença, mas também há uma esvaída esperança fundada nem eles próprios sabem em quê.
E uma vantagem que o médico saberá aproveitar, delindo o pessimismo em favor dessa esperança que, desenvolvida e firmada pouco a pouco, se mudará em convicção, — e, quando o
MÉTODO TERAPÊUTICO 67
doente se convencer da possibilidade do seu restabelecimento integral, está iniludivelmente meio curado. 1
* *
Há em conflito dois sistemas de tratamento: fisioterapia e psicoterapia.
Os fisioterapeutas recheiam os seus livros de curas estrondosas, sobre que bordam frases entusiásticas em pró do seu método.
O certo é que eu vejo sempre nesta fisioterapia, com pretensões a exclusivista, uma dose importante de psicoterapia.
O médico e os agentes físicos actuam também por via-moral no doente, e, reparando em que tais curas são feitas no geral em casas-de--saúde,— outro elemento é este a influenciar favoravelmente o espírito do asténico, para quem a proximidade do médico e dos socorros muitas vezes basta para desfazer aflitivas apreensões.
Dir-me hão que também os psicoterapeutas, na apaixonada narra t iva dos seus casos curados, esquecem a fisioterapia que, sem dúvida, empregaram : de feito, as suas casas-de-saúde obedecem às melhores condições higiénicas e os
1.—Confr.: p.-E. LEVY, Neurasthénie et Névroses, 2.a ed.; Paris, 1910; p. 156.
68 ALMA DOENTE
agentes físicos não tomaram por certo par te tam diminuta que se deveram calar.
De acordo. O exclusivismo faccioso de uns e outros não
passa, quero supô-lo, de uma palavra. E palavras são, a bem dizer, corpo e espi
rito: palavras que empregamos para comodidade da exposição. Na realidade há um «ser humano», onde vida orgânica e vida psíquica se emaranham essencialmente, numa sinergia funcional. Há uma unidade viva com múltiplas e complexas funções.
Portanto a terapêutica racional—vá lá o coçado adjectivo médico—não poderá dizer-se que alveja o corpo ou o espirito. Tem necessariamente de alvejar o corpo e o espírito ao mesmo tempo. 0 ser humano é uno e una deve ser a terapêutica.
Ora como, para facilidade do discurso, usamos as palavras corpo e espirito, também usaremos, pelo mesmo motivo, as palavras fisioterapia e psicoterapia,—ainda que, no caso p r e sente, não haja fisioterapia sem psicoterapia nem psicoterapia sem fisioterapia.
Isto posto, assim como pusemos o espírito superior ao corpo e portanto as perturbações psíquicas mais salientes que as somáticas, — também poremos a psicoterapia em primeiro lugar e subalternamente a fisioterapia como adjuvante.
MÉTODO TERAPÊUTICO- 69
Assim, o tratamento da psicastenia entendo que deve ser psico-flsioterápico. A contrariedade actuou por via moral mas as perturbações psíquicas e as orgânicas foram simultâneas, — embora aquelas mais desregradas, por isso mesmo que o choque foi recebido imediatamente na vida afectiva, inclinada já a reagir sem proporção.
Também a terapêutica intensificará os seus recursos psíquicos, sem olvidar porém o auxílio das suas forças físicas.
Medicina através da alma para o corpo; medicina através do corpo para a alma; efeitos curativos d i rec tos . . .
Outro conflito:— isolamento ou cura livre? O isolamento, a exemplo do que Esquirol
praticou para os alienados, foi estendido aos histéricos e aos neurasténicos por Wei r Mitchell na América, e na França por Charcot, que reclamou a prioridade da idea. «Reclamarei p a r a mim a anterioridade porque, se me não engano, ela pertence-nos legitimamente, no que diz respeito pelo menos ao tratamento da hister i a e das afecções conexas». '
1.—CHARCOT, De l'isolement darts le traitement de Vhisté-rie, in-Progrés Médical, de 28-Fev.-1885—apaíí-CAMUS e PAG-NIEZ, Isolement et Psychotérapte; Paris, 1904; p. 21.
70 ALMA DOENTE
Ao isolamento associa-se o repouso absoluto, os exercícios passivos, super-aliméntação, maçagem. . . (Cura de Wei r Mitchell).
Dejerine associa ao isolamento e ao repouso — a psicoterapia, que fica sendo a base do tratamento.
A estes sistemas terapêuticos opõe-se a cura livre.
Ouçamos o seu ardente paladino : . . . «en ce qui concerne les conditions de
repos et d'isolement,—établies, qui plus est, pour une durée uniformément fixée par avance!—, j 'estime très franchement qu'elles ne sont pas, quelque classiquement qu'elles soient adoptées, quelques justifications qu'on s'attache à leur fournir, celles d'un bon traitement des névroses. Bien mieux, je pense, toujours au nom de l'expérience acquise, qu'il faut, pour a r r iver à la vérité thérapeutique, prendre précisément le contre-pied de ces données passées presque à l'état de dogmes indiscutés, et je n'hésite pas a leur opposer celle-ci: cure faite en liberté, sans séparation des proches, du milieu habituel, et laissant au malade ou la totalité, ou, en tout cas, la plus grande partie possible, de son activité antérieure.
En un mot, au programme thérapeutique qui s'incarne dans ces termes : psijcothêrapie dans le repos et dans l'isolement, je substitue nettement celui-ci, éducation en cure libre et
MÉTODO TERAPÊUTICO 71
active. Je prie d'ailleurs de noter tout de suite, <jue ce soitdisant système n'aura, par definition même, d'un système que l 'apparence, ou, si l'on préfère, que ce sera un système de liberté, donc obligé, comme tel, de s'adapter, de s'individuali
ser , aussi complètement que possible, suivant les divers cas».1
Os processos terapêuticos modernamente aceitos fincamse, portanto, esquematicamente, nestes elementos: agentes físicos, psicoterapia, isolamento, cura em l iberdade.
Os terapeutas modernos associam elementos ■destes, em obediência aos critérios patogénicos que defendem.
Uns tomam para base os agentes físicos e a psicoterapia como auxil iar : BeniBarde (du
ções higiénicas e agentes físicos em primeiro lugar e, como adjuvante, pisicoterapia, t ra ta
mento pelo espírito, indicado como para qual
quer outra doença), etc.3
i.p.E. LEVY, Neurasthénie et Névroses; Paris, 1910; p. 278 279.
2.—BÉNI BARDE, La Neurasthénie, les vrais et les faux neurasthéniques; Paris, 1908.
3.—PAULO HARTENBERG, Traitement des Neurasthéniques; Paris, 1912.
72 ALMA DOENTE
Hartenberg, ' dando a preferencia à fisioterapia, tem quanto a isolamento e a repouso ideas semelhantes às de Levy.
Dejerine, Gauckler, Camus e Pagniez, pelo contrário, adoptam a psicoterapia, aliada ao repouso e ao isolamento, que ficam em nível secundário. Dubois pratica também a psicoterapia com isolamento e repouso, sistematicamente, contra todas as suas psiconeuroses, focando tam só a mentalidade do doente.
Outros, embora psicoterapeutas, não desprezam os agentes físicos, cujo emprego e utilidade confessam.
Não podemos agora registar quanta opinião corre pelos livros a respeito do tratamento das neurastenias.
Saltamos a Levy, que, como já se disse, propõe a cura em l iberdade: reeducação una e t o tal, apelando para o raciocínio do doente.
* *
A psicoterapia fica posta em nível superior , mas sem exageros, sem laivos de exclusivismo.
«Les médecins qui, dans la thérapeutique des états neurasthéniques—diz DutiP—, placent au premier rang le traitement psychothérapique,
1.—Obra cit. 2.—Dum, in Traité de pathologie mentale; Paris, 1903;—
fl/w/rf-MAURi'cio PAGE, La Toxèmie Neurasthénique; Paris,
MÉTODO TERAPÊUTICO 73
soutiennent une sage doctrine ; mais il faut se méfier d'exagérer cette influence du moral sur le physique, éviter les systèmes trop absolus, les généralisations excessives».
As particularidades do tratamento, exigidas pelo coeficiente individual do psicasténico, tem a inteligência do médico de as estudar e de as atacar sem o absolutismo de sistemas.
E, já o disse, não quero senão indicar, neste capítulo acidental do meu trabalho, as linhas gerais de uma terapêutica conscienciosa, núcleo das variantes a que obriguem as condições.par-ticulares dos doentes.
O que se impõe, desde já, é fixar o significado de psicoterapia, — tamanha é a inclinação dos autores a exprimirem pelo mesmo vocábulo fenómenos diversos, por vezes completamente distintos.
A sugestão espectaculosa ou violenta é lançada à margem.
A imposição não colhe. A sugestão deve consistir numa «pressão
moral que uma pessoa exerce noutra, quer opere por intermédio das inteligências, das comoções ou das vontades».1
Essa pressão, no tratamento do psicasténico, é preciso que seja paciente, a turada, doce, convincente, captivante. É uma persuasão com o
1.—BiNET, citado por A. viGOUROUX e p. JUQUELIER, La Contagion mentale; Paris, 1905; p. 16.
74 ALMA DOENTE
cunho de amiga e familiar, sem aparência de segundas intenções. Estabelece-se do médico para o doente um contágio mental; mas o doente não é influenciado passivamente, — êle reage activamente, t ransformando a autoridade mora l do médico em esforço auto-educador.
Nâo é a inteligência do psicasténico que solicita o t ra tamento; não é por via afectiva que por certo se conseguirá curar o doente: é sobre a sua vontade que principalmente é necessário actuar.
É às insuficiências do acto voluntário que devem ser atribuídos os sintomas mais deses-peradores da psicastenia e o seu prolongamento.
E é, capitalmente, sobre a educação da vontade, activando nesse sentido os esforços pessoais, que devem incidir as vistas do psicoterapeuta.
A persuasão não basta. Servirá quási somente para orientar , para lançar em bom caminho a actividade individual.
É da própria actividade do doente, por paradoxal que isto pareça, que tudo há a esperar .
* *
Foi a contrariedade que acendeu a psicastenia; e é a contrariedade, sob múltiplas formas, que a sustenta.
A contrariedade vem do corpo doente, vem
MÉTODO TERAPÊUTICO 75
do meio que a nossa indutividade cada vez mais desagradável torna, vem das preocupações, dos receios, de tudo.
O que é urgente é apagar esta seriação importuna de contrariedades, — e tal se não pode lograr senão pelo restabelecimento da força espiritual, educada a ponto de se impor triunfantemente.
E como iniciar esta reeducação psíquica? A persuasão convergindo exclusivamente
para o raciocínio, para a idea, não me parece aproveitável.
Bem sei que esse método se funda em que a idea é um acto em germe, nascente, que principia a realizar-se, — ao que Lévy chama a lei fundamental da psicoterapia. »
«A idea aceita pelo cérebro tende a t o rna r --se acto» (Bernheim); —«não há pensamento sem expressão; o pensamento é um acto no estado nascente, é um começo de actividade» (Setche-noff); — «qualquer representação mental é um acto começado» (Dubois);—«as ideas são causas de movimentos» (Ribot); — «a representação de um acto é o esboço de execução» (Gley);*—etc.
Woodworth ajunta à frase « a idea do mo-
1. — Vid. : PAULO-EMÍLIO LEVY, L'éducation racionelíe de la Volonté, son emploi thérapeutique; 2.a ed.; Paris, 1899; cap. II. „ .
2. — Vid.: LEVY, obra cit., pág. 21-22. — DUBOIS, Les Psi-chonévroses et leur trait, moral. — CAMUS et PAGNIEZ, Isolement et Psvchot., pág. 207 e seg.—RIBOT, As doenças da vont. pág. 9.
76 ALMA DOENTE
vimento é jâ o movimento que se inicia», estou
tra : «tornando a idea mais intensa, intensifica
■se o movimento» etc. ' Ora nesse tornar a idea suficientemente in
tensa para se mudar em acto,—é que eu encon
tro a dificuldade. A idea, só por si, não é bastante para a
produção do acto,—sobretudo num psicasténico. Diz Lévy que a sugestão, nos neurasténi
cos, aumenta «o poder de transformação da idea em acto».*
Não nego esse efeito passageiramente. Essa sugestão, porém, não persiste.
A penetração da idea terapêutica,3 por si,
nada vale. A frase de Guyau por Lévy citada deve in
terpretarse de outra maneira. O filósofo enten
de por sugestão «l'introduction en nous d'une croyance pratique qui se réalise ellemême». *
Ora essa crença nasce da idea e do senti
mento. Não é suficiente que o psicasténico pense
que se cura; é preciso que êle sinta que se cura. É a convicção da cura que o método per
suasivo5 tem primeiro de fazer brotar no doente.
1. — WOODWORTH, Le Mouvement; Paris, 1903—apudCAMUS e PAGNIEZ, Isol. e Psychot., pág. 208.
i. — LEVY, L'éduc. rac. de la Vol., pág. 106. 3. — LEVY, Neurasthénie et Névroses, já cit., p. 309. 4. — Obra cit„ pág. 209. 5. — Não faço questão de palavras, alheandome das lon
gas e inúteis discussões sobre os vocábulos: sugestão, persuasão, contágio mental.
MÉTODO TERAPÊUTICO 77
A idea, para no psicasténico ser um acto que começa, carece do calor do sentimento.
«Não T—diz Payot*—a idea por si não é uma força. Seria uma força se ela estivesse apenas na consciência. Mas como se encontra também em conflito com os estados afectivos, ela é obrigada a ir buscar a sentimentos a força que lhe falta para a luta».
Profundamente verdadeiro e evidente, na psicastenia I
Ora é do próprio psicasténico que sobretudo há de vir essa força adicional.
E então, induzindo o doente a ocupar-se de qualquer trabalho que o não contrarie morbidamente, conseguir-se há, por aliança da persuasão e da alentadora actividade pessoal, cr iar e fortificar o sentimento que leva o doente à certeza de que há de curar-se.
O trabalho, o trabalho que se executa com certa satisfação embora com grande custo, é que desvendará no psicasténico forças de resistência, desviando o cérebro das preocupações depressoras para ocupações tonificantes, restabelecendo a confiança e o domínio de si mesmo, refazendo a vontade pelos exemplos da sua prática, reabilitando a potência disciplinadora, autoritária, vitoriosa da consciência, repondo en-
1. — PAYOT, UÉducat. de la Volonté; 12 a ed.; Paris, 1901; pág. 42.
78 ALMA DOENTE
fim no seu trono augusto a preciosa energia espiritual.
Conheci um doente que se esquecia em casa a remoer os seus padecimentos e as suas mágoas, numa depressão miseranda.
Certo dia, recebeu uma carta de um dos mais ilustres homens portugueses, reclamando um artigo prometido para uma revista.
O doente, não querendo faltar à sua palavra nem des-servir tam generoso escritor, lançou mãos débeis à obra espinhosa, com uma repugnância imensa.
Não tardou que se preocupasse com o trabalho, a que se dedicou intensivamente durante um mês. Exigia o artigo numerosas consultas de livros, bastante estudo e meditação, e inúmeras informações que só poderiam ser colhidas oralmente.
Começou então a sair de casa, pr imeiro à noite, depois de dia, procurando com empenho essas informações.
O doente adquiriu, pouco e pouco, a convicção da sua curabilidade, em vi r tude do bom êxito dos seus esforços.
E depois curou-8e.
•
Concluindo: em primeiro lugar, a psicote-
MÉTODO TERAPÊUTICO 79
rapêuticâ há de estabelecer no doente a convicção da cura.
Ao efeito da persuasão, inicial impulso instigador, associar-se há o sentimento de curabili-dade que o psicasténico adquire praticamente, por actividade própria.
Sentindo o doente que se cura, a auto-edu-cação está no melhor caminho de se exercer. A vontade constituir-se há regularmente, fazendo valer a sua potência disciplinadora. A «força adicional» apareceu, para se transformar a idea em acto.
VI
ÚLTIMAS PALAVRAS
. . . por mais que diga, Maia me hi de ficar inda por dizer.'
Eis-me chegado ao fim deste insignificante trabalho, em que procurei versar , a meu modo, uma exígua parte do amplo e difícil assunto que é o estudo das neurastenias.
A ampara r a concepção que apresento da patogenia, toquei, de leve é certo, a sintomatologia e o tratamento da psicastenia, limitando--me, quanto a este, a uma ligeira exposição de método.
Outra coisa me não seria possível, agora, currente calamo,—mas outra coisa também não seria própria deste livrozito onde, em tese, me
1. — CAMÕES, Lusíadas, e. III, est. V.
84 ALMA DOENTE
propus apresentar , especializadamente, quatro ideas acerca da génese da psicastenia.
Do que ficou dito conclui-se : — A exploração do doente deve ser comple
ta; exame do organismo e domodo-de-ser psíquico.
Há doenças do corpo e do espirito, isto é : há doenças com predomínio da parte do corpo ou da parte do espirito, — porque o ser h u mano é uma unidade, cujas manifestações vitais são sinérgicas, não passando de mero convencionalismo a divisão dessas manifestações em orgânicas e psíquicas.
— A doença aparece ante a contrariedade dos excitantes exteriores: para o organismo quando este se não possa adaptar sem sobressaltos; para o espírito quando êle não possa im-por-se vitoriosa- e persistentemente.
— A psicastenia è provocada pela contrariedade que derrota duradoiramente a energia psíquictí. É necessário para isso que o «homem» seja constitucionalmente predisposto.
— Do grupo das neurastenias, fica assim separada o que poderemos, sem grande perigo, chamar uma «entidade mórbida», a qual se caracteriza pela sua patogenia especial e por sintomas primordialmente psíquicos a que se li-
ÚLTIMAS PALAVRAS
gam numa íntima solidariedade sintomas orgânicos. Não deve ligar-se a «psíquico» idea de «imaginativo», porque a psicastenia não é produzida por representação : a contrariedade, actuando por via psíquica, provoca perturbações afectivas e simultaneamente desordens físicas, sendo umas e outras reais. O ponto de incidência é a vida moral mas subsistem, na doença como na saúde, as entre-relações da vida intelectual, moral e orgânica.
— Assim, os sintomas da psicastenia são de ordem moral, orgânica e intelectual.
A vida afectiva está, hierarquicamente, interposta à vida orgânica, que lhe é inferior, e ã vida intelectual que lhe é superior. Também, a s perturbações afectivas teem larga repercussão no organismo e apenas obscurecem a vida Intelectual, cuja integridade se mantém.
— Baaeando-se a psicastenia numa fraqueza •da energia espiritual, a cura dela estará no re-vigoramento dessa energia a ponto de poder sair triunfante na luta com a contrariedade.
A cura é sobretudo devida ao próprio doen-~te, depois de adquirido o sentimento da curabi-lidade. Esse sentimento será a «força adicional» para a vontade se constituir regularmente, impondo à actividade pessoal a sua potência correctora, suspensiva ou impulsiva, cujo fim é a ..auto-disciplina da vida interior.
Tal sentimento nascerá, principalmente, pe-
86 ALMA DOENTE
lo trabalho do psicasténico que no bom êxito do seu exercício encontrará uma auto-persuasão curativa e efectiva, que a hetero-persuasào, por si só, não lograria.
A hetero-persuasão será o estímulo inicial e orientador e bons serviços prestará, sem dúvida, acompanhando e animando o trabalho au-to-reeducador do doente.
Corpo e espírito, sendo aspectos do mesmo ser, requerem terapêutica una e exercício combinado. A psicoterapia associar-se há a fisioterapia; ao trabalho mental, o trabalho físico.
A cura será em liberdade; do «meio» afas-tar-se hão apenas os contactos que, fazendo subsistir contrariedades evitáveis, embaraçam a marcha e mormente o início do tratamento.
— A reeducação não visará só a repor a energia psíquica no seu estado primitivo, mas a fortalecê-la e acrescentá-la profilàcticamente.
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índice alfabetado dos autores Alex. Dumas, 20 Allen Siarr, 40 Amélineau, 17 Augusto Gil, 49
As ideas da presente obra. As neurastenias e a experiência própria. A análise dos sintomas. O campo obscuro das astenias nervosas. A verdadeira génese da psicas-tenia. Plano da obra. Fisiologia e Filosofia 5—11
II—A VIDA NA PRÁTiCA MÉDICA
Como é em geral encarada a vida na prática médica. O «ser humano» não é uma estátua ou uma máquina. Vida animal e vida psíquica. Meio cósmico e meio social. A nossa alma e o mundo exterior. As sensações. Influência do meio social. Indutividade e receptividade. O «organismo» e o «homem». Paralelo entre a vida orgânica e a vida espiritual. Saúde e doença. A «contrariedade». .13—24
III—A GÉNESE DA PSICASTENIA
De onde vem a «contrariedade». O que se entende por «neurastenias». A luta do espírito e do meio. O meio social. O meio físico. Intelectuais e psicastema. A derrota da energia psíquica. Concepções patogénicas. A predisposição. Psicastenia e afecções orgânicas. E' sempre a «contrariedade» que produz a psicastenia io—4t>
IV—SINTOMAS PSICASTÉNICOS
Irritação primitiva. Erectismo nervoso e abatimento Comocionabilidade. Vagabundagem cerebral. Afoguea-mento cerebral. Adinamia, preguiça de movimentos, im-
9 0 ÍNDICE E SUMÁRIOS DOS CAPÍTULOS
pressão de constrição cerebral. Insomnia. Interiorização de ruídos. Perturbações orgânicas. Sensação de fadiga. Convicção de impotência. Integridade do raciocínio. Discussão interior. Receio do ridículo. Abulia social. Impressão de irrealidade. Insuficiências da atenção, da memória, da síntese mental e da vontade 47—62
V—MÉTODO TERAPÊUTICO
Variantes terapêuticas. Medicina popular. A esperau-ça do neurasténico. Fisioterapia e psicoterapia. A sua aliança. Corpo e espírito são palavras. Isolamento ou cura livre? Processos terapêuticos modernos. O exclusivismo dos sistemas. Persuasão e sentimento de curabilidade. O papel da sugestão. A actividade mental e física do próprio doente. Auto-educação. A vontade 63—79
VI—ÚLTIMAS PALAVRAS
O assunto versado é uma exígua parte do extenso e difícil campo das neurastenias. O assunto principal e os assuntos acidentais. Conclusões 81—86
Acabou de iinprimir-se no dia 30 de Setembro de 1912. Edição do autor.
PROPOSIÇÕES
I—Anatomia
Os músculos mímicos da cabeça resultam de duas camadas primitivamente distintas.
H—Histologia
E' no processo associativo dos neurónios que se baseia a hipótese moderna sobre o sonho.
Ill—Fisiologia
A «memória-falsa» é muitas vezes uma perturbação de percepção.
IV—Patologia geral
Não há, na realidade, doenças sine-materia.
V—Matéria médica
Empregar um medicamento é muitas vezes fazer psicoterapia mediata.
VI—Anatomia patológica
O serem ignoradas as lesões da neurastenia não justifica dizer-se que não existem.
VII—Patologia externa
As posições viciosas na escola pr imár ia originam persistentes desvios da coluna ver tebral na criança.
VIII—Patologia interna
Há perturbações orgânicas que escondem psico-neuroses (psico-neuroses de Lévy).
IX—Obstetrícia
A comoção moral pôde provocar o abor to .
X—Operações
Uma das principais qualidades do operador é a habilidade.
XI—Higiene
A grande percentagem dos estudantes com acuidade visual abaixo da normal deriva da falta de higiene, principalmente da leitura e da escrita, na escola pr imária .
XII—Medicina legal
A neurastenia atenua as responsabilidades do criminoso.
Visto Pôde imprimir-se Sousa Junior, A. Brandão, "
President». Director.
ALGUMAS EMENDAS
f á j .
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Passim 74
l inha
33 20
Godolewski Godlewski Bemjamin Benjamim Levy Lévy afectiva comocional