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Goldenberg Capitulo 1

Feb 15, 2018

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  • 7/23/2019 Goldenberg Capitulo 1

    1/6

    CW.RntsU.

    Cai ogao-aa-(on ie

    Sindicato Nacional dos dro ie i de Livros. R i .

    Golderiberg, Minan

    0566.

    arte de pesquisar: conto fazer pesquisa

    8

    1

    ed,

    ualitativa em Cericias Sociais Mrtan

    Goldeabcrg. - 8 e - Rio de Janeiro: Rccord, 2004.

    Inclui gIoitiO

    CiCncias socis - Metodologia. 2. Pesqusu

    MetuduIuia. 3. Pesquss social. 1. Titulo. II.

    hiato: Como a~saquabrativa

    m CCn c las

    Sociais.

    CI)D - 300.18

    97.0797

    DU - 301:001.8

    Copyrght 1997 by Mirian Goldenberg

    Todos os direitos reservados. inclusive os de reproduo.

    no iodo ou em

    pane,

    aleavts de quaisquer meios.

    Direitos exclusivos desta edio reservados pela

    DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIOS DE IMPRENSA S.A.

    Rua Argentina 171 Rio de Janeiro. RJ 20921 380 Tel.: 2585 2000

    Impresso no Brasil

    ISBN 85 01 04965 4

    PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL

    aixa Postal 23.052

    Rio de Janeiro. Ri - 20922-970

    naeo

    A U.LaJ)A

    Dedico este livro a todos os meus alunos e

    alunas que tm me ensinado a ser uma

    pessoa cada vez melhor

  • 7/23/2019 Goldenberg Capitulo 1

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    A Me de Pesquisar / 17

    Ao se pensar nas origens da pesquisa qualitativa em

    cincias sociais, corre-se o risco de se perder num

    -

    imnho longo demais, que procurando as origens das

    origens no chega jamais ao fim. Poderia chegar a

    -

    rdoto, que, descrevendo a guerra entre a Prsia e a

    Grcia, se dedicou a esboar os costumes, as vesti-

    mentas, as armas, os barcos, os tabus alimentares e as

    cerimnias religiosas dos persas e povos circunvi-

    zinhos.

    No pretendo fazer um caminho to longo mas, para

    situar a questo da utilizao de tcnicas e mtodos

    qualitativos de pesquisa nas cincias sociais dentro de

    uma discusso filosfica mais ampla, acredito ser im-

    portante elucidar o debate entre a

    sociologi positivist

    e a

    sociologia compreensiva

    Os pesquisadores que adotam a abordagem quali-

    tativa em pesquisa se opem ao pressuposto que defen-

    de um modelo nico de pesquisa para todas as cin-

    -cias, baseado no modelo de estudo das cincias da na-

    tureza. Estes pesquisadores se recusam a legitimar seus

    conhecimentos por processos quantificveis que ve-

    nham a se transformar em leis e explicaes gerais.

    Afirmam que as cincias sociais tm sua especificidade,

    que pressupe uma metodologia prpria.

    Os pesquisadores qualit.ativistas recusam o mode-

    lo positivista aplicado ao estudo da vida social. O fun-

    dador do positivismo, Augusto Comte (1798-1857), de-

    fendia a unidade de todas as cincias e a aplicao da

    abordagem cientfica na realidade social humana. Com

    base em critrios de abstrao, complexidade e rele-

    vncia prtica, Comte estabeleceu uma hierarquia das

    cincias, em que a matemtica ocupava o primeiro lu-

    gar, e a sociologia ou fsica social , o ltimo, precedi-

    da, em ordem decrescente, da astronomia, fsica, qu-

    mica e biologia. Para Comte, cada cincia dependia do

    desenvolvimento da que a precedeu. Portanto, a socio-

    logia no poderia existir sem a biologia, que no pode-

    ria existir sem a qumica, e assim por diante.

    Nesta perspectiva, na qual o objeto das cincias

    sociais deve ser estudado tal qual o das cincias fsi-

    cas, a pesquisa uma atividade neutra e objetiva, que

    busca descobrir regularidades ou leis, em que o pes-

    quisador no pode fazer julgamentos nem permitir que

    seus preconceitos e crenas contaminem a pesquisa.

    Emile Durkheim (1858-1917), preocupado, como

    Comte, com a ordem na sociedade e com a primazia da

    sociedade sobre o indivduo, tambm se posicionou a

    favor da unidade das cincias. Tomando os fatos so-

    ciais como coisas , Durkheim defendia que o social

    _ real e externo ao indivduo, ou seja, o fenmeno social,

    - como o fenmeno fsico, independente da conscincia

    humana e verificvel atravs da experincia dos senti-

    dos e da observao.

    Durkheim acreditava que os fatos sociais s pode-

    PESQUIS QU LIT TIV EM

    CINCI S

    Soci is

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    18 / Mirian Goldenberg

    Arte de Pesqu isar / 19

    riam ser explicados por ou tros fatos sociais, e no por

    fatos

    psicolgicos ou biolgicos, como pretendiam al-

    guns pensadores de seu tempo. Defendendo a viso da

    cincia social como neutra e objetiva, na qual sujeito e

    objeto do conhecimento esto radicalmente separados,

    Durkheim teve uma influncia decisiva para que as

    cincias sociais tenham adotado o m todo cientfico

    das cincias naturais.

    Na segunda metade do sculo passado, alguns pen-

    sadores, influenciados pelo idealismo de Kant, reagi-

    ram criticamente ao modelo positivista de conhecimen-

    to aplicado s cincias sociais, acreditando que o estu-

    do da realidade social atravs de mtodos de outras

    cincias poderia destruir a prpria essncia desta rea-

    lidade, j que esquecia a dimenso de liberdade e indi-

    vidualidade do ser humano.

    A soc io log ia compreens iva

    que tem suas razes no

    historicismo alemo, distinguind o natureza de cul-

    tura , considera necessrio, para estudar os fenme-

    nos sociais, um procedimento metodolgico diferente

    daquele u tilizado nas cincias fsicas e ma temticas.

    O filsofo alemo Wilhelm Dlthey (1833-1911) foi um

    dos primeiros a criticar o uso da metodologia das cin-

    cias naturais pelas cincias sociais, em funo da dife-

    rena fundamental entre os objetos de estudos das mes-

    mas. Nas primeiras, os cientistas Lidam com objetos

    externos passveis de serem conhecidos de forma obje-

    tiva, enquanto nas cincias sociais lidam com em oes,

    valores, subjetividades. Esta diferena se traduz em

    diferenas nos objetivos e no s mtodos de pesquisa. Para

    r ilthey, os fatos sociais no so suscetveis de

    quantificao, j que cada um deles tem um sentido

    prprio, diferente dos d e m a i s e

    isso torna n ecessrio

    que cada caso concreto seja compreendido em sua sin-

    cupar com a com preenso de casos particulares e no

    com a formulao de leis generalizantes, como fazem

    as cincias naturais.

    Por meio de dois conceitos, Dilthey diferenciou o

    mtodo das cincias naturais -

    er h l a r en -

    que busca

    generalizaes e a descoberta de regularidades, do das

    cincias

    socia is - uers tehen

    -, que visa compreen-

    so interpretativa das experincias dos indivduos den-

    t r o d o

    contexto

    m

    que foram vivenciadas.

    O ma ior representante da chamada

    sociologia com-

    preens iva

    Max Weber (1864-1920), que se apropriou

    da idia de

    verstehen

    proposta por Dilthey. Para Weber,

    o principal interesse da cincia social o comporta-

    mento significativo dos indivduos engajados na ao

    social, ou seja, o comportamento ao qual os indivduos

    agregam significado considerando o comportamento de

    outros indivduos. Os cientistas sociais, que pesquisam

    os significados das aes sociais de o utros indivduos

    e deles prprios, so sujeito e objeto de suas pesquisas.

    Nesta perspectiva, que se ope viso positivista de

    objetividade e de separao radical entre sujeito e obje-

    te da pesquisa, natural que cientistas sociais se inte-

    ressem por pesqu isar aquilo que valorizam. Estes ci-

    entistas buscam compreender os valores, crenas, mo-

    t ivaes e sentimentos humanos, compreenso que s

    pode ocorrer se a ao colocada dentro de um contex-

    to de significado.

    Esta discusso filosfica mais geral, que diferen-

    cia as cincias sociais das demais cincias, contex-

    tualiza o surgimento e o desenvolvimento das tcnicas

    e m todos qualitativos de pesquisa social.

    Frdric Le Play, contemporneo de Com te, foi um

    dos primeiros a estudar a realidade social dentro de

    uma perspectiva cientf ica que considerava a observa-

    guiaridade. Portanto, as cincias sociais devem se preo-

    o direta, controlvel e objetiva da sociedade como o

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    20

    Mirian Goldenberg

    mtodo mais adequado pesquisa social. Em

    La Rfor-

    me Sociale en France 1864),

    Le Play expe o

    mtodo

    das m onografias,

    que se caracteriza por ser uma tcni-

    ca, ordenada e m etdica, de observao direta da soci-

    edade. Trouxe de sua exp erincia de mineralogista, na

    qual estava habituado a colher am ostras de jazidas para

    serem anal i sadas , a preocupao de observar di reta-

    men te e anal i sar s i s temat icamente as faml ias oper-

    r ias localizadas nos di ferentes pases da Europa o nde

    pesquisou. De seus regis tros minuciosos e orden ados

    resultou um conjunto de m onograf ias reunidas em

    Les

    ouuriers europens 1855).

    No final do sculo XIX e inc io do sculo XX, os

    estudos dos antroplogos nas sociedades pr imi t ivas

    foram determinantes para o desenvo lvimento d as tc-

    nicas de pesquisa que perm i tem recolher di retamente

    observaes e informaes sob re a cul tura nat iva. As

    soc iedades es tudadas di retamen te por esses ant rop-

    logos so so ciedades sem escri ta, longnquas, isoladas,

    de pequenas dimenses , com reduzida espec ializao

    das atividades sociais, sendo classificadas como sim-

    ples ou pr imi t ivas em contras te com a organizao

    com plexa das sociedades dos pesquisadores.

    O primeiro antroplogo a conviver com os nativos

    foi o americano Lewis Henry M organ, um dos m ais

    express ivos representantes do pensamento evoluc io-

    nista. Jurista de formao, em 1851 pu blicou

    The Lea-

    gue of Ho-d-no-sau-nee,

    or Iroquoi.s,

    cons iderado o

    - primeiro tratado cientfico de etnografia. Mas foram

    os t raba lhos de cam po de Franz Boas , entre 1883 e

    1902, e , par t icularmente , a exped io de Bronis law

    M a l inow a ki s i lha s T rob r ia nd , que con sa g ra ram a

    :1dia de que os antroplogos deveriam passar um lon-

    go perodo de tempo na sociedade que esto estudando

    para enco ntrar e interpretar seus prpr ios dado s , em

    A Arte de P esquisar /21

    vez de depender dos relatos dos viajantes, como faziam

    os antroplogos de gabinete .

    Nos primeiros tr inta anos do sculo XX, o

    trabalho

    de

    campo

    passou a or ientar as pesquisas ant ropolgi-

    cas. Boas, um gegrafo d e formao, cr t ico radical dos

    antroplogos evolucionis tas , ens inou que no cam po

    tudo

    dever i a s e r ano tado m et ic u l os amente e q u e u m

    cos tume s tem s ignif icado se es t iver re lac ionado ao

    seu contexto part icular . Ensino u tamb m o re la t i ..

    vsmo cultural : o pesquisad or deveria estudar as cul-

    turas com um mnimo d e preconcei tos etnocntricos .

    Para Boas , o que const i tui o gnio prprio de um

    povo repo usa sobre as experincias individuais e, por-

    tanto, o objetivo do pesquisador compreender a vida

    do indivduo dentro da prpria sociedade em que vive.

    Boas foi o grande mes tre da antropologia amer icana

    na pr imeira metade do sculo XX. Formou toda um a

    gerao de antroplogos , como Ralph Linton, Ruth

    Benedict e M argare t Mead, considerados representan-

    tes da antropologia cultural americana,

    que u t i l izam

    mtodos e tcnicas de pesquisa qual i ta t iva somados a

    modelos con cei tuais prximos d a ps icologia e da

    ps

    canlise '.

    A primeira experincia de campo de M alinowski foi

    em 1914, entre os mai lu na M elans ia . Impedido d e

    voltar Inglaterra, no incio da Primeira Guerra Mun.

    dial , ele com eou sua pesq uisa nas i lhas Trobriand, de

    1915 a 1916, retornando em 1917 para uma es tada de

    mais um ano . Es ta longa convivnc ia com os nat ivos

    teve uma influnc ia dec is iva na inovao do m todo

    1

    A expresso culturalismo ou 'teoria culturalista da personalidade foi

    empregada pela primeira vez nos anos 50 para se referir s pesquisas

    americanas sobre as re1ae8 entre cultura e personalidade.

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    22/ Mirian Goldenberg

    de pesquisa antropolgica.

    Argonauts of the Western

    Pacific, publicado em 1922, um verdadeiro tratado

    sobre o trabalho de campo. A convivncia ntima com

    os nativos passou a ser considerada o melhor instru-

    mento de que o antroplogo dispe para compreender

    de dentro o significado das lgicas particulares ca-

    ractersticas de cada cultura. Malinowski d emonstrou

    que o comportam ento nativo no irracional, mas se

    explica por uma lgica prpria que precisa ser desco-

    berta pelo pesquisador. Colocou em prtica a

    obser-

    v o

    participante

    criando um modelo do que deve

    ser o trabalho de campo: o pesquisador, atravs de uma

    estada de longa durao deve mergulhar profunda-

    mente na cultura nativa, impregnando-se da mentali-

    dade nativa. Deve v iver, falar, pensar e sentir como os

    nativos.

    Malinowski, considerado o pai do

    funcionalismo

    acreditava que cada cultura tem como funo a satis-

    fao das necessidades bsicas dos indivduos que a

    compem, criando instituies capazes de responder a

    estas necessidades. A anlise funcional consiste em

    analisar todo fato social do ponto de vista das relaes

    de interdependncia que ele mantm, sincronicamente,

    com outros fatos sociais no interior de uma totalida-

    de. A conduta de observao etnogrfica, assim como a

    apresentao dos resultados sob a forma monogrfica,

    obedecem aos pressupostos do mtodo funcional.

    Grande parte da reno vao das cincias sociais se

    deve s influncias (diretas ou indiretas) dos mtodos

    de pesquisa de M alinowski.

    Argonauts ofthe Western

    acific

    provocou uma verdadeira ruptura m etodolgica

    na antropologia priorizando a observao direta e a

    r..experincia pessoal do pesquisador no campo.

    i

    alinowski sugeriu trs questes para o trabalho de

    =EL campo: o que os nativos dizem sobre o que fazem? O que

    A Arte de Pesquisar /23

    realmente fazem? O que pensam a respeito do que fazem?

    Por meio do contato ntimo com a vida nativa, exaustiva-

    mente registrado no dirio de campo, M alinowski bus-

    cou as respostas destas questes preocupando-se em com-

    preender o ponto de vista nativo.

    Para Malinowski, a antropologia era o estudo se-

    gundo o qual compreendendo o primitivo poderamos

    chegar a compreender melhor a ns mesmos. A rica ex-

    perincia de campo de M alinowski, assim como suas

    propostas metodolgicas, influenciaram decisivamente

    a aplicao de tcnicas e mtodos de pesquisa qualitati-

    va em cincias sociais.

    Na dcada de 1970, surge nos EUA ., inspirada na idia

    weberiana de que a ob servao dos fatos sociais deve le-

    var compreenso (e no a um conjunto de leis), a

    antro

    pologia interpretativa.

    Um dos principais representantes

    da abordagem interpretativa Clifford Geertz, que pro-

    pe um modelo de anlise cultural hermenutico: o an-

    troplogo deve fazer urna descrio em profundidade

    ( descrio densa ) das culturas como textos vividos,

    como teias de significados que devem ser interpreta-

    dos. De acordo com Geertz, os textos antropolgicos

    so interpretaes sobre as interpretaes nativas, j que

    os nativos produzem interpretaes de sua prpria expe-

    rincia. Tais textos so fices , no sentido de que so

    construdos (no falsos ou inventados). Esta perspec-

    tiva se traduz em um permanente questionamento do

    antroplogo a respeito dos limites de sua capacidade de

    conhecer o grupo que estuda e na necessidade de e xpor;

    em seu texto, suas dvidas, perplexidades e os caminhos

    que levaram a sua interpretao, percebida sempre como

    parcial e provisria.

    i

    eertz inspirou a tendncia atual da chamada

    antro-

    pologia reflexiva ou ps

    interpretativa

    que prope uma

    auto-reflexo a respeito do trabalho de campo nos seus

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    24/ Mirian Goldenberg

    aspectos morais e epistemolgicos. Esta antropologia

    questiona a autoridade do texto antropolgico e prope

    que o resultado da pesquisa no seja fruto da observao

    pura e simples, mas de um dilogo e de urna negociao

    de pontos de vista, do pesquisador e pesqu isados.

    A ESCOLA DE CHICAGO E A

    PESQUISA QUALITATIVA

    ----.