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GestaoDaFaseAnaliticaDoLaboratorioVOL2 PDF

Nov 05, 2015

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Marcelo Fonseca

Gestão da Fase Analítica
do Laboratório
como assegurar a qualidade na prática
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Transcript
  • Gesto da Fase Analtica do Laboratrio

    como assegurar a qualidade na prtica

    Volume II1 Edio

    Organizadoras

    Carla Albuquerque de Oliveira

    Maria Elizabete Mendes

    ControlLab Controle de Qualidade para Laboratrios LTDARua Ana Neri, 416 - 20911-442 - Rio de Janeiro - RJ

    Telefone: (21)3891-9900 Fax: (21)3891-9901email: [email protected]

    www.controllab.com.br

  • Copyright 2011 da ControlLab Controle de Qualidade para Laboratrios LTDA

    Coordenao EditorialControlLab Controle de Qualidade para Laboratrios LTDA

    Reviso de TextosAndrea Machado Barbosa

    Projeto Grfico e CapaMarcelle Sampaio

    DiagramaoFelipe Vasconcellos / Marcelle Sampaio

    Todos os direitos de publicao reservados :ControlLab Controle de Qualidade para Laboratrios LTDA

    Rua Ana Neri, 416 - 20911-442 - Rio de Janeiro - RJTelefone: (21)3891-9900 Fax: (21)3891-9901

    email: [email protected]

    proibida a reproduo total ou parcial deste volume, de qualquer forma ou por quaisquer meios, sem o consentimento expresso da editora.

    2011

    IMPRESSO NO BRASIL

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ, Brasil)

    G333

    Gesto da fase analtica do laboratrio : como assegurar a qualidade na prtica / organizadoras, Carla Albuquerque de Oliveira, Maria Elizabete Mendes. - 1.ed. - Rio de Janeiro : ControlLab, 2011.

    184p. : il. ; 19 cm. (Como assegurar a qualidade na prtica ; v.2)

    Inclui bibliografia

    ISBN 978-85-63896-01-8

    1. Laboratrios de patologia clnica - Administrao. 2. Laboratrios mdicos - Administrao. 3. Laboratrios de patologia clnica - Controle de qualidade. 4. Laboratrios mdicos - Controle de quali-dade. 5. Gesto da qualidade total. I. Oliviera, Carla Albuquerque de Oliveira, 1974-. II. Mendes, Maria Elizabete, 1958-. III. Srie.

    11-4738. CDD: 616.075

    CDU: 616-076

    29.07.11 02.08.11 028411

  • BIOGRAFIAS

    Carla Albuquerque de Oliveira (organizadora)

    Engenheira Qumica. Ps-graduada em Engenharia de Produo da UFRJ/INT, em Gesto de Ser-vios Snior Service MBA do IBMEC/RJ e MBA Marketing da COPPEAD. Gestora de Servios (Controle de Qualidade e Indicadores) da ControlLab. Membro do Grupo Assessor da ControlLab para Controle de Qualidade e Indicadores Laboratoriais.

    Maria Elizabete Mendes (organizadora)

    Mdica Patologista Clnica. Doutora em Patologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo (FMUSP). Chefe de Seo Tcnica de Bioqumica de Sangue da Diviso de Laboratrio Central do Hospital das Clnicas da FMUSP. Coordenadora do Ncleo da Qualidade e Sustentabi-lidade da Diviso de Laboratrio Central do Hospital das Clnicas da FMUSP. Membro do Grupo de Discusso de Indicadores da ControlLab - SBPC/ML. Certificado Green Belt em Seis Sigma (FCAV). Auditora do Colgio Americano de Patologistas.

    Adriana S de So Jos

    Biomdica. Mestre em Microbiologia (Bacteriologia Clnica) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ/RJ. Supervisora da Gesto de Servios (Controle de Qualidade e Indicadores) da ControlLab.

    Fernando de Almeida Berlitz

    Farmacutico Bioqumico. Ps-graduado (MBA) em Gesto Empresarial (Major) e Marketing (Mi-nor) pela ESPM-RS. Gestor de Sustentabilidade do Grupo Ghanem (Joinville, SC). Certificado Bla-ck Belt em Seis Sgima (QSP-SP). Especialista em Redesenho de Processos pela Grid Consultores-RS. Gestor de Processos pela Business Process School - SP. Examinador de Prmios de Excelncia em Gesto: Prmio Nacional da Qualidade PNQ e Prmio Nacional de Gesto em Sade - PNGS. Membro do Grupo de Discusso de Indicadores da ControlLab - SBPC/ML.

    Gilberto Costa Camarinha

    Engenheiro Qumico. Mestre em Tecnologia de Processos Qumicos e Bioqumicos pela Escola de Qumica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ/EQ). Analista da Gesto de Servios (Controle de Qualidade) da ControlLab.

    Luiza Bottino Grangeiro da Silva

    Qumica. Mestre em Cincias (Qumica com Atribuies Tecnolgicas) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ/RJ. Analista da Gesto de Servios (Controle de Qualidade e Indica-dores) da ControlLab.

  • Nairo Massakazu Sumita

    Mdico Patologista Clnico. Professor Assistente Doutor da Disciplina de Patologia Clnica da Fa-culdade de Medicina da Universidade de So Paulo - FMUSP. Diretor do Servio de Bioqumica Clnica da Diviso de Laboratrio Central do Hospital das Clnicas da FMUSP. Assessor Mdico em Bioqumica Clnica - Fleury Medicina e Sade. Consultor Cientfico do Latin American Prea-nalytical Scientific Committee (LASC) e membro do specimencare.com editorial board. Diretor Cientfico da Sociedade Brasileira de Patologia Clnica / Medicina Laboratorial (SBPC/ML) binio 2010-2011.

    Nelson Medeiros Junior

    Mdico Patologista Clnico. Residncia Mdica em Otorrinolaringologia. Residncia Mdica em Pa-tologia Clnica. Doutorado em Cincias pela Universidade de So Paulo - USP. MBA Executivo em Gesto de Sade pelo IBMEC/SP. Mdico chefe no Servio de Hematologia, Citologia e Gentica do Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina da USP. Membro da Comisso de Controle de Qualidade do Laboratrio Central do HCFMUSP. Mdico do Laboratrio Mdico da Real e Bene-mrita Associao Portuguesa de Beneficncia de So Paulo. Certificado Green Belt em Seis Sigma (FCAV). Auditor do Colgio Americano de Patologistas.

    Rafael Monsores Lopes

    Bilogo. Supervisor da Gesto de Servios (Controle de Qualidade e Indicadores) da ControlLab.

  • AGRADECIMENTOS

    Nossos agradecimentos vo para todos aqueles que acreditaram neste projeto, nos apoiaram e nos ajudaram a realiz-lo.

    Direo da ControlLab pelo apoio incondicional, aos autores que compartilharam seu conhecimento e dedicaram um tempo precioso da sua vida para compartilhar seu conhecimen-to, equipe de Marketing da ControlLab que literalmente deu forma a este livro, aos amigos e familiares de todos que participaram deste projeto pelo carinho e compreenso frente s inevitveis ausncias e a todos que de alguma forma contriburam para esta publicao.

    Carla e M.Elizabete

  • SUMRIO

    Prefcio 9

    Captulo 1 - Especificaes da Qualidade 11

    Carla Albuquerque de Oliveira

    Fernando de Almeida Berlitz

    Captulo 2 - Ensaio de Proficincia 47

    Adriana S

    Carla Albuquerque de Oliveira

    Luiza Bottino

    Captulo 3 - Controle Interno 97

    Gilberto Costa Camarinha

    Nelson Medeiros Junior

    Rafael Monsores Lopes

    Captulo 4 - Controle de Processo Automatizado 127

    Maria Elizabete Mendes

    Nairo Massakazu Sumita

    Captulo 5 - gua Reagente 163

    Maria Elizabete Mendes

    Nairo Massakazu Sumita

  • PREFCIO

    A qualidade j foi um diferencial de mercado e hoje uma condio de sobrevivncia em todos os segmentos da indstria e da prestao de servios. Na rea de sade, a percepo de qualidade tem ganhado muitas formas e os tomadores de servios laboratoriais (mdicos, pa-cientes e familiares, fontes pagadoras e pesquisadores) a tem exigido de maneira cada vez mais frequente e consistente.

    Somando-se a isso os avanos tecnolgicos, a ampliao das opes de exames, a complexidade cada vez maior dos processos laboratoriais, a competio mercadolgica e os desafios econmicos do setor de sade, os laboratrios tm profissionalizado sua gesto e buscado cada vez mais a eficcia dos seus processos e a eficincia do seu negcio.

    Dentro desse contexto, as ferramentas de gesto vm ganhando espao e os profissionais do setor cada vez mais buscam conhecimento para agregar valor ao seu ambiente de trabalho. Ferramentas antigas ganham uma nova viso e novas passam a integrar a lista de aes para otimizar, melhorar e modernizar a rotina laboratorial.

    O objetivo final sempre o mesmo: prover laudos confiveis de forma sustentvel. Embora esse pro-psito venha se perpetuando, as formas para se chegar a esse resultado tm se renovado. O desafio que se coloca para os profissionais o de atualizar-se e implantar inovaes a cada momento.

    O primeiro volume desta coleo se dedicou a explorar a seleo, a qualificao, a validao e a equiparao de sistemas analticos, sistemticas para comparao intralaboratorial de profissionais e indicadores de desempenho da fase analtica. Este volume contm cinco captulos que discorrem sobre ferramentas de monitorao e controle da rotina analtica.

    O primeiro captulo trata das especificaes da qualidade e coloca o nvel de qualidade desejado como um pr-requisito para uma monitorao eficaz dos processos e uso de boa parte das ferramen-tas de gesto discutidas nesta coleo. Nele so descritas as principais formas de uso das especifica-es, as principais bases para sua determinao e uma comparao entre elas com suas vantagens e desvantagens, os desafios que se colocam para a implantao, uma sugesto de estratgia a ser adotada, sua rotina de anlise e interpretao de dados.

    O ensaio de proficincia abordado no segundo captulo, aprofundando o propsito com o qual deve ser usado e reposicionando o laboratrio frente aquisio desse servio e um uso mais efetivo. Ele discute o propsito dessa ferramenta, requisitos que devem ser considerados para seleo desse servio, rotina de participao, interpretao de dados e aes decorrentes. Discorre ainda sobre o impacto em resultados de pacientes e formas alternativas de controle.

    O terceiro captulo dedicado ao controle interno com o mesmo foco dado ao ensaio de proficin-cia. O que inclui a adoo de uma estratgia de controle baseada em especificaes de qualidade pr-definidas. O texto discute o propsito da ferramenta, tipos de controle e materiais, estratgia e planejamento, sua rotina de anlise e registro. Termina por apresentar as limitaes da ferramenta, prticas certas e erradas em uso no mercado e formas alternativas de controle.

    9

    Prefcio

  • Gesto da Fase Analtica do Laboratrio

    10

    Os processos automatizados so descritos de forma ampla, contemplando as principais aes de planejamento e controle relacionadas. No quarto captulo so discutidas as principais fontes de erro da fase analtica, como a automao pode contribuir para minimiz-las, os diferentes nveis de automao disponveis e os determinantes para obter um alto padro de qualidade. Estes determi-nantes, tais como rastreabilidade, instalao, manuteno, condies metrolgicas, procedimentos e registros, so desenvolvidos ao longo do captulo, que finalizado com uma sugesto para o plane-jamento e o controle da produo laboratorial frente a objetivos da qualidade.

    O ltimo captulo deste volume dedicado qualidade da gua. Esse um tema antigo que ain-da pode ser responsvel por muitas falhas identificadas no processo com o uso das ferramentas de controle supracitadas. Os aspectos ambientais, as propriedades fsico-qumicas, os principais contaminantes e a aplicao da gua reagente na rotina laboratorial so descritos para uma posterior compreenso do que diferentes sistemas de purificao de gua oferecem, qual a me-lhor forma de us-los, valid-los e control-los para obter determinado nvel de propriedades fsico-qumicas especificadas.

    Os captulos foram estruturados com aspectos tericos e prticos, abordados de forma objetiva e mais simplificada possvel, com foco principal na eficcia dos processos analticos. O propsito auxiliar o leitor a compreender e implantar ferramentas de gesto para assegurar a qualidade da fase analtica.

    Esperamos que, ao adotar na rotina diagnstica as cinco ferramentas descritas neste livro, a equipe do laboratrio identifique oportunidades de melhoria, conquiste nveis mais elevados de qualidade e garanta maior confiabilidade aos seus resultados.

    Boa leitura!

  • Carla AlbuquerqueFernando Berlitz

    Captulo 1

    ESPECIFICAES DA QUALIDADE

    11

    Segundo um dos grandes pensadores da Qualidade, Philip Crosby, Qualidade a satisfao das necessidades dos usurios, isto , a conformidade com os requisitos exigidos pelos clientes. Toda organizao deve ter como objetivo primrio atender s necessidades de seus clientes e demais partes interessadas. Essa a razo da existncia de qualquer organizao. O laboratrio clnico no diferente. Todos os processos de nossas organizaes devem ser planejados e execu-tados visando ao atendimento dos requisitos exigidos pelos clientes, em especial clientes usurios (pacientes) e mdicos.

    Os requisitos exigidos (ou esperados) por pacientes e mdicos podem ter diferentes dimenses. Entre elas, podemos destacar as dimenses qualidade e tempo.

    A dimenso tempo est relacionada s questes de tempo de execuo dos processos por parte do laboratrio, incluindo o tempo de atendimento (fase pr-analtica) e o tempo para entrega do resul-tado laboratorial aps coleta (fases analtica e ps-analtica). Os requisitos dos clientes com relao dimenso tempo so, na maioria das situaes, especficos a cada laboratrio, pois esto sujeitos a variaes por caractersticas geogrficas, culturais e por particularidades relacionadas aos servios e/ou grupos de clientes atendidos por cada organizao. O monitoramento da dimenso tempo discutido com maior profundidade no volume I desta coleo1.

    A dimenso qualidade est relacionada adequao do resultado laboratorial frente ao valor verda-deiro do mensurando, isto , um resultado que represente adequadamente o estado clnico do paciente. Para toda medida h um valor verdadeiro terico que seria o correto, que poderia ser obtido por uma medio perfeita.

    provvel que o resultado relatado no laudo no seja exatamente esse, mas ele existe2. Se uma amos-tra for testada pelo melhor mtodo disponvel para um determinado mensurando ou se for analisada repetidamente em diferentes laboratrios e mtodos, um valor designado ser atribudo como a melhor estimativa do valor verdadeiro.

    Como o valor designado de um mensurando em um ensaio laboratorial uma estimativa, uma srie de abordagens e procedimentos implantada nos laboratrios clnicos visan- do adequao dos resultados laboratoriais a suas respectivas finalidades clnicas.

  • Gesto da Fase Analtica do Laboratrio

    12

    Essas abordagens visam a assegurar a qualidade analtica dos ensaios mediante a anlise de suas caractersticas de desempenho, estimando os seus respectivos nveis de erros. Elas podem ser utilizadas antes mesmo da implantao dos ensaios na rotina (protocolos de validao analtica de novos mtodos) ou em paralelo utilizao desses ensaios na rotina do laboratrio (sistema de controle da qualidade analtica). Mas, como definir se o nvel de desempenho apresentado pelo ensaio adequado para a sua finalidade clnica? Como definir qual o nvel de erro aceitvel para cada ensaio? Como definir se o nvel de erro identificado para determinado ensaio est dentro de limites que no impactem negativamente no diagnstico e tratamento mdico?

    Esse erro mximo admissvel, o padro de desempenho exigido do ensaio para que o mesmo atenda s suas finalidades clnico-diagnsticas, tambm pode ser definido como as suas especi-ficaes da qualidade (ou, como geralmente referido na literatura internacional, em lngua in-glesa, Quality Goals ou ainda standards of quality). Esses nveis de desempenho desejados e esperados para o processo analtico so especficos para cada ensaio laboratorial e podem se basear em diferentes abordagens, com premissas por vezes amplamente distintas.

    A especificao da qualidade tem evoludo bastante frente a ensaios quantitativos, quando uma dosagem realizada e dados paramtricos so a base para o controle do erro aleatrio e siste-mtico. Contudo, frente a dados obtidos em escalas ordinais e nominais, o tema ainda precisa ser mais bem explorado, como o caso de resultados reagente / no reagente, presente / ausente ou ainda negativo/+1/+2 e outros semi-quantitativos, como a determinao da presena de elementos anormais em urina por tiras3.

    Embora j existam algumas publicaes discutindo modelos para a determinao de padres de qualidade para tais situaes, estes ainda so objeto de muita discusso e no sero descritos neste captulo, que se restringir a ensaios quantitativos.

    As especificaes da qualidade analtica de ensaios quantitativos, seus diferentes modelos e bases, sua aplicao e implantao na rotina dos laboratrios sero o tema deste captulo.

  • Captulo 1 - Especificaes da Qualidade

    13

    CONCEITOS E DEFINIESA especificao da qualidade analtica trata de requisitos do processo analtico para garantir que resultados produzidos pelos laboratrios atendam a um nvel de qualidade desejado. Os principais conceitos relacionados so as caractersticas de desempenho analtico que se deseja controlar: erro aleatrio (impreciso), erro sistemtico (inexatido) e erro total.

    Demais conceitos e definies aplicveis podem ser encontrados nos captulos II e III deste volume.

    IMPRECISO ANALTICA

    A impreciso pode ser definida como o nvel de discordncia entre determinaes replicadas4. O erro gerado como efeito da impreciso do mtodo denominado erro aleatrio. A preciso reflete a habilidade do procedimento de medio em produzir o mesmo resultado ao longo do tempo. O termo impreciso frequentemente representado pelo desvio padro ou pelo coeficiente de variao dos resultados gerados por determinaes seriadas (replicatas de um ensaio laboratorial). Cada ensaio laboratorial est sujeito a certo nvel de impreciso. Nenhum procedimento analtico gera exata-mente o mesmo resultado ao longo do tempo, mesmo quando sob condies timas de operao. A impreciso apresentada por um ensaio, quando este est operando sob condies estveis, tambm denominada impreciso inerente4. A distribuio de diferentes determinaes analticas geral-mente descrita por uma curva gaussiana ou normal, conforme representado na figura 1.

    INExATIDO ANALTICA

    A inexatido pode ser definida como a diferena numrica entre um valor identificado por deter-minado ensaio e o valor designado para essa determinao laboratorial5. O erro gerado como efeito da inexatido do mtodo denominado erro sistemtico. Existem genericamente duas abordagens conceituais quanto composio da inexatido. A primeira se refere ao conceito de exa-tido baseado exclusivamente em termos de erro sistemtico, isto , apenas diferenas sistemticas so includas quando a mdia de um grupo de replicatas utilizada para estimar a inexatido6. A segunda abordagem a baseada no conceito global de exatido, ou seja, a inexatido poderia ser definida como a diferena numrica entre o resultado do ensaio e o valor designado, o que inclui os componentes sistemticos e aleatrios de erros4,7.

  • Gesto da Fase Analtica do Laboratrio

    14

    ERRO TOTAL ANALTICO

    A associao (o efeito combinado) entre erro aleatrio e erro sistemtico compe o erro total de um ensaio laboratorial.

    A figura 2 ilustra a natureza dos diferentes tipos de erros que afetam os resultados laboratoriais.

    O erro total analtico pode ser calculado mediante diversas abordagens. A forma mais usual adicionar erro sistemtico e erro aleatrio linearmente8. Grande parte das fontes na literatura referentes teoria e prtica do planejamento da qualidade8 utiliza a abordagem matemtica descrita na figura 3 para a obteno do erro total permitido.

  • Captulo 1 - Especificaes da Qualidade

    15

    USO E PROPSITOA moderna gesto da qualidade envolve muito mais do que um simples controle de qualidade estatstico operacionalizado todos os dias nas bancadas dos laboratrios clnicos8. Os elementos essenciais das boas prticas de laboratrio, a garantia, melhoria e o planejamento da qualidade devem estar inclu-dos na gesto da qualidade. Estes constituem os elementos bsicos da gesto total da qualidade nos laboratrios clnicos.

    Todas as definies da qualidade podem ser interpretadas na rea de medicina laboratorial no sentido de estabelecer condies para que a qualidade de todos os ensaios executados no laboratrio clnico apoie os mdicos nas boas prticas da medicina. Assim, antes de controlar, praticar, garantir ou melhorar a qualidade dos procedimentos laboratoriais, deve-se conhecer profundamente qual o nvel de qualidade necessrio para assegurar decises clnicas satisfatrias. Com esse objetivo, especificar a qualidade requerida para os procedimentos laboratoriais um pr-requisito necessrio para implantar uma efetiva gesto da qualidade. A figura 4 apresenta esquematicamente o papel central das especifi-caes da qualidade no gerenciamento da qualidade nos laboratrios clnicos.

    Especificaes da qualidade para o erro total de um ensaio definem a variao mxima aceitvel em um determinado resultado laboratorial, gerada a partir dos efeitos combinados dos erros aleatrios e sistemticos2. Limites de erro total definem o quanto os resultados para amostras de pacientes devem se aproximar dos valores alvo (designados) visando a um desempenho aceitvel clinicamente para esses ensaios laboratoriais.

    Especificaes da qualidade so muitas vezes expressas em termos de erro total, porm podem tam-bm ser estratificadas em termos de erro aleatrio e sistemtico. Esses requisitos de desempenho analtico so extremamente importantes para o laboratrio clnico, podendo ter diversas aplicaes.

    Especificaes da qualidade podem ser utilizadas em, por exemplo:

    Seleo de novos mtodos e/ou sistemas analticos; Validao (avaliao de desempenho) de novos mtodos analticos; Padronizao de sistema de controle da qualidade analtica; Avaliao de resultados de controle de qualidade interno; Avaliao de resultados de ensaios de proficincia.

  • Gesto da Fase Analtica do Laboratrio

    42

    Gesto da Fase Analtica do Laboratrio

    16

    A figura 5 representa o papel destacado das especificaes da qualidade no processo analtico, desde a seleo de um mtodo laboratorial at o monitoramento de desempenho desse mtodo aps implantao na rotina dos laboratrios clnicos.

    SELEO DE NOVOS MTODOS E SISTEMAS ANALTICOS

    O sucesso na introduo de uma nova tecnologia est ancorado num bom planejamento, na perspec-tiva da aplicao clnica que resultar dessa implantao, na conduo correta da fase de seleo e avaliao do novo sistema analtico, na padronizao para o seu desenvolvimento, na capacitao dos responsveis pela sua execuo e na ampla comunicao do novo protocolo implantado9. Nesse sen-tido, a seleo de novos mtodos e/ou sistemas analticos uma etapa importante quando se objetiva introduzir uma nova metodologia na rotina e um procedimento essencial para que o laboratrio clnico assegure o atendimento aos requisitos de seus clientes.

    Para que um mtodo laboratorial tenha utilidade clnica, este deve preencher alguns requisitos bsicos que garantam a confiabilidade dos resultados obtidos em amostras de pacientes9. Esses requisitos relacionados podem ser traduzidos como as especificaes da qualidade exigidas do mtodo analti-co, isto , suas caractersticas de desempenho (impreciso e inexatido, principalmente). Mas, como selecionar um mtodo/sistema analtico baseado no atendimento de especificaes da qualidade antes mesmo de validar esse desempenho nas condies de uso?

    Para este fim podem-se citar trs opes:

    1. Realizao de estudos experimentais: o ideal avaliar essas caractersticas a partir de estudos experimentais para estimar se os achados prticos podem subsidiar uma tomada de deciso se o seu desempenho corresponde s necessidades mdicas para o uso do sistema analtico em questo. Esse estudo similar a uma validao e permite avaliar as principais caractersticas de desempenho, alm de compar-lo com o sistema em uso, quando se trata de uma alterao em processo j consolidado.

  • Captulo 1 - Especificaes da Qualidade

    43

    Captulo 1 - Especificaes da Qualidade

    17

    2. Avaliao de desempenho frente a resultados de ensaio de proficincia: o ideal que essa seja apenas uma anlise prvia e genrica do desempenho de sistemas analticos disponveis a partir de resumos estatsticos que demonstrem a proporo de variabilidade entre diferentes sistemas analticos. Contudo, deve-se ter em conta que os valores de variabilidade (coeficiente de variao, CV) ali apresentados tendem a ser menores na rotina de um laboratrio, pela prpria natureza dos dados. Dados de comparao interlaboratorial tendem a ter uma maior variabilidade que os obtidos dentro de um nico laboratrio por incluir a contribuio de erro total dos processos de diversos laboratrios9.

    3. Avaliao de desempenho frente a dados fornecidos pelo fabricante: os fabricantes disponibili-zam para seus reagentes/kits diagnsticos e sistemas analticos dados de estudos de desempenho. Esse um dado relevante e complementar avaliao de um sistema analtico. Considera-se prudente analisar criticamente essas informaes frente a estudos cientficos disponveis na li-teratura, caso pertinentes e disponveis. Esse cuidado pode ampliar a segurana e assertividade do processo de seleo de um novo mtodo visando a verificar suas potencialidades em atender a especificaes da qualidade desejadas, em razo de possveis ponderaes e potenciais conflitos de interesse inerentes aos dados fornecidos pelos fabricantes de kits diagnsticos e/ou sistemas analticos. Uma motivao adicional para que tais dados sejam avaliados com ateno se deve ao fato de que estes so gerados em condies analticas que podem ser diferentes das condies de uso no laboratrio clnico (e essas condies, em sua totalidade, no so usualmente declaradas junto aos dados fornecidos pelos fabricantes).

    Independentemente de qualquer ponderao ou premissa adicional, considera-se pertinente utilizar as especificaes da qualidade j no momento de selecionar um novo mtodo ou sistema analtico, visto que esse cuidado pode agregar valor ao processo de implantao desses mtodos/sistemas no laboratrio, com ganhos potenciais em termos de tempo, assertividade e utilizao de recursos.

    VALIDAO DE PROCESSOS

    A avaliao de desempenho de um processo (um novo ensaio, uma nova sistemtica de anlise, novo kit reagente etc) a ser implantado na rotina de um laboratrio clnico uma etapa indispensvel para assegurar o atendimento dos requisitos dos clientes e, em ltima anlise, a relevncia clnica dos resultados laboratoriais gerados.

    A validao do desempenho de um processo e a sua aprovao para utilizao na rotina con-sistem em avaliar o seu nvel de erros frente a uma determinada especificao de qualidade. A validao analtica de ensaios laboratoriais foi explorada com profundidade no captulo II do volume I desta coleo10.

    Em um estudo de validao, o erro aleatrio geralmente estimado por um estudo de preci-so11,12,13. Esse estudo consiste em processar uma amostra biolgica por vrias vezes no mesmo sistema analtico, em uma nica batelada (preciso intra-ensaio) ou em diferentes bateladas (preciso inter-ensaio).

    Na validao, o erro sistemtico geralmente estimado por uma comparao de mtodos11,13,14. A comparao de mtodos consiste em processar as mesmas amostras biolgicas em dois sistemas/mtodos analticos diferentes, um deles considerado mtodo de referncia ou comparativo (mtodo j utilizado na rotina pelo laboratrio, previamente validado), e o outro, mtodo teste. Os resultados gerados pelos dois mtodos/sistemas (referncia/comparativo e teste) so processados estatisticamente mediante anlise de regresso. O modelo matemtico produzido na anlise de re-gresso utilizado para calcular o erro sistemtico13,15.

    Associando os erros aleatrios e sistemticos obtidos para o mtodo em estudo, pode-se avaliar o erro total frente especificao da qualidade a ser atendida. Uma forma prtica de avaliar a acei-tabilidade ou no do mtodo em estudo para implantao na rotina possibilitada mediante grficos de anlise/deciso de desempenho do mtodo (Method Decision Chart)13,15.

  • Gesto da Fase Analtica do Laboratrio

    18

    O grfico de deciso classifica o desempenho do mtodo analtico em estudo frente s caractersticas de desempenho (inexatido e impreciso) obtidas durante os estudos de validao. Essas mtricas devem ser ponderadas frente especificao da qualidade a ser atendida, gerando nveis de inexa-tido e impreciso mximos permitidos e, baseado no ponto de operao apresentado pelo mtodo (uma relao do seu atual nvel de impreciso e inexatido), classifica-se o desempenho global do ensaio laboratorial em estudo como: excelente, bom, regular ou inaceitvel (baseado em fraes do erro total mximo permitido). A figura 6 apresenta um modelo de grfico de deciso13.

    PADRONIZAO DO CONTROLE INTERNO

    A padronizao do controle interno uma das etapas mais importantes do gerenciamento da quali-dade nos laboratrios clnicos. A adequada definio da sistemtica de controle interno depende do monitoramento do atendimento s especificaes da qualidade para cada ensaio analtico e, conse-quentemente, da relevncia clnica dos resultados laboratoriais gerados2. Assim, as especificaes da qualidade so os norteadores na definio da sistemtica de controle interno a ser empregada para cada ensaio laboratorial.

    A estratgia de controle, ou o desenho a ser utilizado, inclui definir as regras de controle, o nme-ro de materiais de controle e o nmero de corridas analticas. Existem vrias abordagens disponveis para definir a estratgia a partir das especificaes da qualidade, entre elas:

    Clculo do erro sistemtico crtico para a definio da estratgia de controle por meio das tabelas de seleo de regras de controle;

    Clculo do erro sistemtico crtico e utilizao com os grficos de poder para a definio da estratgia de controle por meio dos grficos OPSpecs;

    Utilizao da mtrica-sigma.

  • Captulo 1 - Especificaes da Qualidade

    19

    Essas estratgias sero detalhadas no captulo III deste volume. A seguir sero tratados al-guns aspetos tericos referentes mtrica do erro sistemtico crtico, grficos de poder e grficos OPSpecs.

    ERRO SISTEMTICO CRTICO

    A partir da especificao da qualidade e dos dados de desempenho do ensaio, pode-se obter uma importante mtrica, denominada Erro sistemtico crtico (ESc ou simplesmente ESc).

    Esse considerado o melhor indicador individual de desempenho do mtodo analtico relacionado ao atendimento de especificaes da qualidade2 e tem importncia destacada no desenho de um sistema de controle de qualidade analtico16. A partir dele, determina-se o nmero de desvios padres que a mdia dos dados pode variar antes que mais de 5% dos resultados excedam os limites de erro total permitido (especificaes da qualidade).

    Ele pode ser calculado mediante a seguinte expresso matemtica apresentada na figura 7.

    O erro sistemtico crtico agrega, em uma mtrica nica, quatro importantes informaes (mdia observada, desvio padro, valor alvo/meta e erro total), que indicam onde o processo est rela-tivamente e onde precisa estar em termos de desempenho analtico2, conforme exemplo apresen-tado na figura 8.

  • Gesto da Fase Analtica do Laboratrio

    20

    Nesse exemplo, usou-se uma especificao (ETp) obtida por variao biolgica desejada, o desvio padro obtido pelo laboratrio e estimou-se o erro sistemtico (ESa) pela diferena da mdia obtida no laboratrio e o valor declarado pelo fabricante. A estimativa do erro sistemtico poderia ser ob-tida de estudo de exatido ou de dados de ensaio de proficincia, o que conforme a origem do dado fornecido pelo fabricante do controle poderia oferecer um dado mais real para o material.

    GRFICOS DE PODER17

    Os grficos de poder (power function graphs) utilizam os dados de erro sistemtico crtico para de-terminar quais so as melhores regras de controle a serem utilizadas para cada ensaio laboratorial (figura 9). Esses grficos representam as caractersticas de desempenho das regras de controle, e permitem a seleo de regras que maximizem o potencial de deteco de erros do controle interno, alinhado a uma probabilidade no significativa de falsa rejeio de bateladas.

    Probabilidade de deteco de erros (Ped): A probabilidade de deteco de erros uma caracterstica de desempenho do procedimento de controle que descreve a probabilidade de se rejeitar uma batela-da analtica quando esses resultados contm erros em adio impreciso inerente ao procedimento. Idealmente, esta mtrica deve ser igual a 1,0 (100% dos erros sero detectados pelo sistema de con-trole de qualidade), mas comumente valores superiores a 0,90 (90%) so considerados aceitveis.

    Probabilidade de falsa rejeio (Pfr): A probabilidade de falsa rejeio uma caracterstica de desempenho do procedimento de controle que descreve a probabilidade de se rejeitar uma batelada analtica quando no existem erros nos seus resultados, exceto a impreciso inerente ao procedimen-to. Idealmente, essa mtrica deve ser igual a 0,0 (100% dos erros detectados pelo sistema de contro-le so verdadeiros), mas comumente valores inferiores a 0,05 (5%) so considerados aceitveis.

  • Captulo 1 - Especificaes da Qualidade

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    A partir desse grfico possvel visualizar e selecionar a melhor estratgia de controle baseada nas probabilidades de deteco de erros e de falsa rejeio de corridas analticas de cada estratgia. A partir desses dados, pode-se construir um grfico OPSpecs, que definido para uma especi-ficao da qualidade e um determinado nvel de deteco de erros. Alternativamente ao grficos OPSpecs, pode-se utilizar as tabelas de seleo de estratgias de controle de qualidade, conforme detalhado no captulo III deste volume.

    GRFICOS DE ESPECIFICAES OPERACIONAIS DE PROCESSO (GRFICOS OPSpecs)

    O grfico OPSpecs demonstra a relao entre a qualidade requerida para o ensaio e a impreciso, a inexatido e a estratgia de controle interno para que esse nvel de qualidade seja obtido nas con-dies atuais de desempenho do processo. Cada grfico OPSpecs preparado especificamente para uma especificao da qualidade (erro total permitido) e para um determinado nvel de deteco de erros (por exemplo, 90% de probabilidade de deteco dos erros pela estratgia de controle).

    Como ele definido em escala de impreciso versus inexatido, permite que sejam inseridos da-dos do desempenho atual (erro aleatrio e sistemtico) para obter as estratgias de controle mais adequadas para monitorar o desempenho do ensaio (linhas previamente padronizadas no grfico, relacionadas em uma tabela que geralmente vem acompanhando esse grfico), relacionadas ao per-centual de falsa rejeio previsto para cada estratgia de controle (regra, nmero de nveis de controle e nmero de corridas analticas). Os grficos OPSpecs podem ser gerados com utilizao de um software especfico ou mediante ferramentas disponveis na web (http://www.westgard.com/calculators/normcalc.htm). A figura 10 apresenta um exemplo de grfico OPSpecs.

  • Gesto da Fase Analtica do Laboratrio

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    A utilizao dos grficos OPSpecs na seleo de estratgias de controle de qualidade sero discutidas no captulo III deste volume.

    Num controle de qualidade baseado em desempenho, ou seja, aquele definido com base em especificaes da qualidade e caractersticas de desempenho do processo, a seleo de especi-ficaes da qualidade essencial para a definio e padronizao de um controle interno mais efetivo na deteco de desempenho e estabilidade do mtodo analtico sob avaliao.

    MONITORAO DE CONTROLE INTERNO E ENSAIO DE PROFICINCIA

    Aps a seleo criteriosa de novas metodologias, validao dos processos e padronizao do controle interno com base em especificaes da qualidade, deve-se monitorar o desempenho dos processos com base nos resultados obtidos no controle interno e em participao em ensaio de proficincia. Essa monitorao se d pela comparao dos resultados obtidos frente s es-pecificaes da qualidade definidas.

    Ou ainda, para processos j consolidados sem uma prvia especificao da qualidade, a avalia-o de resultados do controle interno e do ensaio de proficincia auxilia na definio de espe-cificaes da qualidade condizentes com a realidade dos processos e numa primeira avaliao da necessidade de melhorias nos processos para alcanar nveis de qualidade desejados.

    Os dados do controle interno demonstram a reprodutibilidade do processo, o que permite ava-liar o erro aleatrio (impreciso), enquanto o ensaio de proficincia permite avaliar o erro total e o erro sistemtico obtido frente ao especificado.

    A qualidade dessa monitorao depende da sistemtica de controle interno adotada, o que remete necessidade de adotar prticas eficientes de controle interno, conforme discusso apresentada no captulo III deste volume. Est relacionada tambm seleo de ensaios de proficincia condizentes com as demandas do laboratrio e sua correta utilizao, conforme detalhadamente descrito no captulo II deste volume.

    Uma sistemtica simples de monitorao dessas duas ferramentas de controle detalhada na seo Rotina de Anlise e Registros do captulo II deste volume. Estes tambm podem ser monitorados por indicadores de desempenho, conforme tratado no captulo V do volume I desta coleo1.

    Conforme comentado at este momento, as especificaes de qualidade so essenciais aos labo-ratrios clnicos e podem ter diferentes e importantes aplicaes. Mas, como obter especifica-es de desempenho confiveis? Que especificaes de qualidade esto usualmente disponveis e quais as suas bases conceituais?

    BASES PARA DETERMINAO Provavelmente o maior desafio para os laboratrios clnicos na utilizao de especificaes da qualidade est na obteno de especificaes confiveis e adequadas a cada situao.

    A definio de especificaes de qualidade ainda um tema permanente de estudo e debate2. Textos de medicina laboratorial abrangem o tema e a literatura cientfica possui vrios artigos sobre os prs e contras das vrias recomendaes conflitantes nesse sentido. Conferncias es-peciais sobre o assunto tambm ocorreram. Mesmo com tanta informao disponvel, decidir sobre quais modelos ou bases de especificaes de desempenho so adequados e quais podem representar problemas continua a ser uma tarefa desafiadora.

    A figura 11 apresenta de forma esquemtica as fontes usualmente disponveis para obteno de especificaes da qualidade para os ensaios laboratoriais.

  • Captulo 1 - Especificaes da Qualidade

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    Especificaes da qualidade devem ser solidamente baseadas em requisitos clnicos e serem passveis de utilizao em todos os laboratrios clnicos, independentemente de seu porte, tipo ou localizao; devem ser geradas utilizando modelos de fcil compreenso e amplamente aceitos pelos profissionais que atuam no segmento de Medicina Laboratorial2.

    Em abril de 1999, em Estocolmo/Sucia, foi realizada uma conferncia denominada Strate-gies to set Global Quality Specifications in Laboratory Medicine. O objetivo principal desse evento foi o de obter consenso mundial com relao s estratgias para seleo e utilizao de especificaes da qualidade em Medicina Laboratorial. A conferncia de Estocolmo foi uma ao conjunta da The International Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC), The International Federation of Clinical Chemistry and Laboratory Medicine (IFCC) e a Organizao Mundial da Sade (OMS). O evento contou com mais de 100 participantes, representando 27 pases, que apresentaram suas publicaes sobre modelos para definio de especificaes da qualidade, em 22 apresentaes formais18. A conferncia de Estocolmo atingiu o seu objetivo: os documentos e a declarao de consenso foram publicados em uma edio especial do Scandinavian Journal of Clinical and Laboratory Investigation. A de-clarao de consenso definiu os modelos disponveis dentro de uma estrutura hierrquica, conforme apresentado na tabela 1.

  • Gesto da Fase Analtica do Laboratrio

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    As estratgias foram hierarquizadas de acordo com o seu grau de atendimento aos requisitos clni-cos. Para escolher um modelo para a especificao dos erros analticos mximos desejveis, deve-se sempre que vivel selecionar a estratgia com a mais elevada posio hierrquica.

    A seguir so discutidas com maior profundidade as especificaes da qualidade baseadas em crit-rios clnicos e tambm as baseadas em aspectos biolgicos (variao biolgica), visto serem estas as mais bem posicionadas hierarquicamente segundo o consenso de Estocolmo19.

    CRITRIOS CLNICOS ESPECFICOS

    Quando definidas e disponveis para situaes ou utilizaes clnicas especficas, as especificaes da qualidade baseadas em critrios clnicos so as fontes de escolha, de maior valor, segundo a hierarquia de Estocolmo.

    Idealmente, especificaes da qualidade devem ser derivadas do efeito quantitativo do desempenho analtico em decises clnicas especficas. Assim, para todos os ensaios e situaes clnicas deveriam ser definidas especificaes da qualidade diretamente relacionadas a desfechos clnicos. Eviden-temente, essa abordagem de difcil execuo e, consequentemente, especificaes da qualidade obtidas por essa abordagem esto disponveis para poucos ensaios e limitadas a um nmero reduzido de situaes clnicas8.

    Segundo a literatura20, os princpios para avaliao do desempenho analtico em tomada de deciso clnica especfica devem:

  • Captulo 1 - Especificaes da Qualidade

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    Inserir a descrio da situao clnica e dos resultados clnicos; Estabelecer as metas de desempenho analtico para cada situao clnica; Definir e medir os desfechos clnicos, os resultados econmicos e a qualidade de vida resultante; Possibilitar o uso de mtricas para quantificar a relao entre as especificaes da qualidade e as evidncias clnicas; Descrever o desempenho analtico em termos de erro total; Avaliar a influncia analtica nos resultados clnicos; Compreender o aumento dos desvios de pontos de deciso mdica que sejam consequentes a aumento nos erros (erro total, erro sistemtico e erro aleatrio), e calcular os impactos nos resultados clnicos decorrentes de cada incremento de erro; Estimar as relaes entre os desfechos clnicos indesejveis e os erros relacionados; Definir como erro total aceitvel o grau de associao entre o erro analtico e o desvio mximo aceitvel do desfecho clnico.Estratgias originadas na Escandinvia21 tm demonstrado como estimativas matemticas podem ser realizadas para vrios ensaios em diferentes situaes clnicas. Outros autores, destacadamente Klee22, tm produzido estudos detalhados utilizando abordagens similares.

    VARIAO BIOLGICA

    Essa a base proposta pelo consenso de Estocolmo aplicada com maior sucesso e que tem a pre-ferncia da maioria dos especialistas. Na hierarquia proposta no consenso, ela ocupa a posio imediatamente abaixo do modelo de avaliao do efeito do desempenho analtico em decises clnicas especficas, que considerado o modelo ideal para definio das especificaes da quali-dade, por atender de forma mais integral os requisitos clnicos. Como o modelo clnico de difcil aplicao prtica e tem abrangncia limitada, a aplicao da estratgia baseada em variao biolgica tem sido a opo de escolha para a maioria das situaes nos laboratrios clnicos e a mais amplamente utilizada em estudos cientficos.

    A tabela 2 apresenta os trs nveis de especificao propostos com base na variao biolgica, onde o nvel desejado o desempenho original para o erro, o nvel timo o mais exigente, que deve ser utilizado para ensaios que atendem facilmente especificao original, com metodologias/tecnologias atualmente disponveis, e o nvel mnimo, que deve ser utilizado para ensaios que ainda no atendem especificao original com as metodologias/tecnologias atualmente disponveis.

  • Gesto da Fase Analtica do Laboratrio

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    Especificaes da qualidade para impreciso, inexatido e erro total baseadas em variao biolgica esto disponveis na literatura8,23,24. Dados de variao biolgica intra e inter-in-divduo esto disponveis para mltiplos ensaios e permitem o clculo dos trs nveis de especificaes.

    Erro Aleatrio:

    Conforme relata C. Fraser8, todos os ensaios realizados nos laboratrios clnicos variam inerentemente devido a variao pr-analtica, variao analtica e variao biolgica intra-individual. Essas variaes so todas randmicas e, tendo uma tendncia distribui-o gaussiana de dados, podem ter sua magnitude de disperso descrita em termos de desvio padro (DP).

    Uma baixa impreciso reduz a variabilidade inerente a cada resultado laboratorial. Se o en-saio laboratorial em questo possui baixo nvel de impreciso, pode-se implantar um sistema de controle de qualidade interno menos exigente em termos de nmero de amostras controle e/ou regras de controle, pois assim aumenta-se a probabilidade de deteco de erros e dimi-nui-se a probabilidade de falsa rejeio das bateladas. Entretanto, uma questo fundamental permanece: idealmente, quo baixa deve ser a impreciso de um mtodo?

    Est descrito na literatura que medida que a variao analtica aumenta igualmente se ele-va o grau de variao adicionado a cada resultado laboratorial gerado por esse sistema e que essa elevao no linear (figura 11). O conceito de que a variao analtica deve ser menor que a metade da variao biolgica intra-individual foi desenvolvido h cerca de quatro d-cadas. Utilizando esse conceito, estudos demonstram que, se a variao analtica for inferior a 50% da variao biolgica intra-individual mdia, a proporo de variabilidade adicionada ao resultado laboratorial terico (designado) seria cerca de 10%. Esse nvel de acrscimo de 10% em termos de variabilidade ao resultado laboratorial pode ser considerado como acei-tvel8 e leva a postular a especificao de qualidade desejvel descrita na tabela 2.

    Esse postulado em termos de especificao da qualidade para impreciso analtica pode ser expandido, permitindo estratificar os nveis de desempenho dos mtodos quanto ao atendi-mento destas especificaes de desempenho, baseadas em variao biolgica, com os trs nveis distintos apresentados na tabela 2.

    A figura 12 apresenta as especificaes da qualidade para impreciso baseadas em varia-o biolgica, sinalizando a proporo de variabilidade adicionada ao resultado laboratorial como funo da relao entre impreciso analtica e variao intra-individual8.

  • Captulo 1 - Especificaes da Qualidade

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    Erro Sistemtico:Conforme relata C. Fraser8, um vis (bias) positivo aumenta o percentual de resultados acima do limite superior de referncia e diminui o percentual de resultados abaixo do limite inferior do intervalo de refe-rncia do ensaio laboratorial em questo. Um vis negativo ter o mesmo efeito no sentido contrrio do intervalo de referncia do ensaio laboratorial. Ento, do ponto de vista clnico, o conceito fundamental para os laboratrios seria ter uma homogenei-dade populacional para o ensaio a fim de permitir a utilizao com efetividade de um nico intervalo de referncia. Isso possibilitaria que o paciente pudesse realizar seus exames em diferentes laboratrios sem acrscimo de desafios ao clnico em termos de interpretao desses resultados. Essa situao, evidente-mente, hipottica e idealizada, no sendo factvel na ampla maioria das situaes. Entretanto, de forma ao menos terica, esse desafio seria menor, isto , os mtodos laboratoriais poderiam ser mais compar-veis se os mesmos apresentassem um nvel mnimo de inexatido. Adicionalmente, essa potencialidade seria ainda maximizada se, em caso de alterao de metodologias e/ou equipamentos, os intervalos de referncia utilizados pelos laboratrios no sofressem alteraes significativas. Mas, mesmo com as ponderaes anteriormente consideradas, qual o nvel de inexatido que poderia permitir, ao menos teoricamente, a transferncia dos intervalos de referncia dos ensaios ao longo do tempo e aspectos geogrficos?Os intervalos de referncia so construdos a partir da variao biolgica intra-individual (CVI) e da variao biolgica inter-individual (CVG) e, se a impreciso analtica for considerada negligencivel, essa variao biolgica agrupada pode ser calculada como o somatrio das varincias desses dois componen-tes de variao biolgica, mediante a equao: (CVI

    2 + CVG2)1/2.

    Para que seja possvel a utilizao dos mesmos intervalos de referncia, a inexatido analtica deveria ser inferior a 25% da variao biolgica agrupada, descrita anteriormente. Essa relao pode ser representada na equao apresentada na tabela 2 para o nvel desejado.Quando a relao acima atendida, pode-se estimar ento que 1,4% dos resultados esto fora de um dos limites de referncia e 4,4% fora do outro limite. Assim, 0,8% do grupo est fora do intervalo de refe-rncia, diferente dos 5% que seriam esperados por definio (95% centrais da distribuio dos dados). A elevao no nmero de indivduos fora do intervalo de referncia 0,8/5,0, isto , 16% e, analogamente com a definio das especificaes da qualidade para impreciso desejvel, esse nvel considerado como aceitvel na literatura para uma especificao da qualidade genrica8. Da forma semelhante ao anteriormente proposto para a impreciso analtica, podem-se estratificar essas especificaes de inexatido baseadas em variao biolgica nos trs diferentes nveis de desempenho apresentados na tabela 2.A figura 13 apresenta as especificaes da qualidade para inexatido analtica baseadas em variao biolgica, sinalizando a proporo de populao fora dos limites de referncia como uma funo da rela-o entre o nvel de inexatido e a variao biolgica agrupada8.

  • Gesto da Fase Analtica do Laboratrio

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    Erro total:Utilizando as especificaes da qualidade para impreciso e inexatido analticas discutidas an-teriormente e assumindo que o erro total analtico uma composio dessas caractersticas de desempenho (figura 3), podem-se postular as especificaes de qualidade genricas para o erro total descritas na tabela 2.

    DESAFIOS DA IMPLANTAO A especificao como tratada neste livro comeou a ser discutida na dcada de 1960, mas ainda um tema novo e que tende a evoluir muito nos prximos anos. Embora a Conferncia de Estocol-mo18 tenha ocorrido h mais de 10 anos (1999) e muitos pesquisadores venham publicando inten-samente a respeito deste tema, muitos desafios se apresentam, entre os quais podem-se citar:

    Inexistncia de requisitos para todos os ensaios a determinao de especificaes pelas so-ciedades mdicas ainda pequena e restrita a situaes especficas (como indicadores de risco cardiolgico e de diabetes). Os requisitos propostos por ensaios de proficincia e comparaes interlaboratoriais so restritos ao grupo de exames contemplados por esses programas. A maior lista disponvel baseia-se em variao biolgica e contempla pouco menos de 350 ensaios, o que est muito aqum da lista de ensaios realizados por um laboratrio clnico25.

    Desconexo entre realidade e desempenho desejado3 as metodologias e sistemas analticos em uso no foram inicialmente desenvolvidos para atender a tais requisitos e, muitas vezes, mesmo que em tese o desempenho esperado para o processo seja passvel de atender a algum destes requisitos, a complexidade da implantao depende da aplicao de outras estratgias (p. ex. validao de mtodo, calibrao etc.), o que ainda no permite que alguns nveis de qua-lidade sejam alcanados.

    Dificuldade de escolha da base a ser adotada para diversos ensaios h diferentes bases para especificao a serem analisadas pelo laboratrio. No h um consenso entre as bases, o que pode gerar especificaes distintas para laboratrios que atuam num mesmo mercado.

    Atualizao constante da literatura3 anualmente o grupo europeu atualiza a base de dados de variao biolgica com as publicaes mais recentes para ensaios j contemplados na lista e outros novos. Assim como as sociedades cientficas, os provedores de ensaio de proficincia e de-mais fontes de especificao podem, a qualquer momento, atualizar tais dados, demandando aos laboratrios reverem as especificaes j definidas.

    Ausncia de requisitos legais ou normativas oficiais na maior parte dos pases, incluindo o Brasil, no existe nenhum requisito legal relacionado a este tipo de abordagem para a qualidade analtica, que defina um padro mnimo no mercado a ser adotado por fabricantes e laboratrios. Assim, como no existe normatizao por um frum reconhecido ou entidades cientficas repre-sentantes auxiliando o mercado e governo neste sentido.

    Variedade de uso clnico3 os requisitos tambm devem ser analisados frente ao seu propsito. Para um ensaio realizado para pesquisa ou ensino, um requisito mais exigente pode ser mais ade-quado frente a um mesmo ensaio realizado para fins de diagnstico, monitorao ou triagem de pacientes. Nesse contexto, o laboratrio deve identificar o uso do ensaio e pode decidir por crit-rios e processos distintos conforme o uso ou adotar sempre o mais restrito para a sua realidade.

    Petersen e Fraser3 citam tambm como limitaes o desconhecimento por parte dos profissionais sobre o tema, mesmo com publicaes datadas de 1963, e a hiptese defendida por alguns de que pacientes e mdicos no seriam prejudicados pelo desempenho atual da fase analtica, o que torna desnecessria a definio de especificaes para a qualidade.

  • Captulo 1 - Especificaes da Qualidade

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    Existe a premissa de que todas as estratgias e modelos propostos na conferncia de Estocolmo possuem potencialidades e fragilidades reconhecidas. Dessa forma pode-se entender a definio de especificaes da qualidade ainda como um tema em construo, sujeito a atualizaes e ponderaes.

    Esses e outros fatores no enumerados acima desafiam os profissionais e diretores de laboratrios, frente dificuldade natural de seleo dos requisitos corretos para atender a realidade laboratorial, como impem uma agilidade a este processo, devido rapidez com que o tema se movimenta (atualizao de especifica-es existentes e novas fontes de especificao).

    No cenrio atual, os laboratrios devem definir e padronizar as especificaes da qualidade de seus ensaios com a premissa de sempre priorizar fontes com hierarquia superior frente proposta de Estocolmo. Espe-cificaes da qualidade com hierarquia inferior somente devero ser utilizadas quando as superiores no estiverem disponveis para o ensaio em questo. Isto , fontes de especificao hierarquicamente inferiores (ou nveis de especificao menos exigentes) no devem ser utilizadas pelo laboratrio como uma opo para mascarar o uso de tecnologia inferior ou de um processo operacional com deficincias.

    ESTRATGIAS DE IMPLANTAO A implantao das especificaes da qualidade pode ocorrer na introduo de novos processos ou seleo de novos sistemas analticos, assim como pode ser implantada em processos j consolidados e em uso. A primeira situao a ideal, contudo, esperado que na maior parte dos casos ocorra uma especificao em processos em uso.

    Para processos j consolidados, existem dados que permitem uma avaliao histrica do desempenho do processo e que ajudam a definir especificaes coerentes com a realidade (estado da arte). Em novos processo/sistemas analticos, a validao fundamental para determinar o desempenho esperado frente s possibilidades de especificaes.

    Em linhas gerais, o laboratrio deve ter uma estratgia definida para a implantao da especificao da qualidade para ensaios quantitativos que inclua:

    (A) Ensaios contemplados e cronograma: especialmente em processos j consolidados pode ser interes-sante determinar a lista de ensaios quantitativos realizados pelo laboratrio (por rea, por exemplo) e definir um cronograma de implantao sequencial. Uma opo que pode ser mais produtiva, e gerar maior aprendizado, comear pelo grupo de ensaios com maior facilidade de implantao (por exemplo: ensaios consolidados, com processo mais robustos e estveis, para os quais tenha realizado validao do processo; que possuam controle interno e ensaio de proficincia, para os quais existam referncias bibliogrficas para a especificao da qualidade etc.);

    (B) Diretrizes e hierarquias para levantamento de dados e bases para especificao da qualidade: requisitos para a seleo de dados do laboratrio; se sero realizados estudos de preciso e exatido, implantao ou monitorao prvia de controle interno e externo para o levantamento de dados de comportamento do processo do laboratrio; quais destes sero priorizados; qual a hierarquia preferencial para as bases da especificao da qualidade; principais ponderaes a serem feitas frente a tais dados e informaes etc.;

    (C) Utilizao: fundamental determinar para que fins sero utilizadas as especificaes da qualidade (seleo de novas metodologias, validao de processos, padronizao de controle interno, monitorao contnua do controle interno e ensaio de proficincia) e com base em que caractersticas de desempenho (erro total, erro aleatrio e erro sistemtico). Os possveis usos so descritos na seo uso e propsito deste captulo;

    (D) Responsabilidades: pode ser necessrio formar um comit de discusso (principalmente numa fase ini-cial em que no h experincia sobre o tema), definir responsveis pelo projeto e por partes dele (conforme o grupo de ensaios, demanda por levantamento de dados e realizao de estudos, por exemplo). Definir o envolvimento da diretoria, principalmente frente a decises crticas;

  • Gesto da Fase Analtica do Laboratrio

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    (E) Sistemtica de monitorao e indicadores de desempenho: determinar qual a sistemtica de monitorao do desempenho do processo e indicadores sero adotados, sua periodicidade, aes decorrentes (linha geral de ao e responsveis) frente a desempenho insatisfatrio. Indicadores relacionados so explorados no captulo V do volume I dessa coleo1;

    (F) Prazos para implantao e reviso dos requisitos. Em adio ao cronograma de implanta-o fundamental determinar prazos para reviso e tambm razes para revises no progra-madas. A constante atualizao das bases para especificao da qualidade, o prprio movi-mento dos processos do laboratrio e a demanda do mercado por processos melhores exigem a reavaliao peridica dos processos (por exemplo, a cada 2 anos). Existem ainda demandas oriundas da mudana do processo, troca de sistema analtico, implantao de melhorias que resultam em diferentes nveis de desempenho ou monitorao com resultado insatisfatrio.

    O exemplo 1 apresenta um plano simples para a implantao de especificaes.

    Uma sugesto de roteiro para implantao da especificao da qualidade :

    1. Levantar o desempenho atual do processo: anlise do erro aleatrio, erro sistemtico e erro total. Essa informao pode vir de estudos de preciso (validao)10, estudos de exatido, anlise de resultados de controle interno e de ensaio de proficincia;

    2. Levantar possveis especificaes da qualidade: verificar as literaturas disponveis (ver seo Bases para determinao de especificaes deste captulo);

    3. Avaliar o desempenho do processo, frente a possveis especificaes e a expectativa do la-boratrio e de seus clientes quanto qualidade dos processos, para eleger requisitos coerentes com a realidade e demanda do laboratrio;

    4. Determinar as especificaes da qualidade a serem adotadas, a sistemtica de monitorao contnua e a periodicidade de reviso das mesmas;

    5. Para processos consolidados, verificar o impacto da especificao da qualidade frente a definies do controle interno e adotar aes pertinentes. Detalhes sobre esta relao po-dem ser verificados em Uso e propsito padronizao de controle interno deste captulo ou em Estratgia e planejamento do captulo III deste volume. A reviso da especificao da qualidade tambm pode impactar nas concluses de validaes, exigindo uma anlise deste impacto.

    Na fase de avaliao, possvel que o laboratrio identifique oportunidades de melhorias no processo ou ainda a necessidade de mudanas drsticas para alcanar um nvel de qualidade compatvel com o desejado. Nesse caso, tais melhorias e mudanas devem ser implantadas para a repetio da primeira etapa do roteiro e nova avaliao.

    ROTINA DE ANLISE E REGISTROSA rotina para determinao de especificaes da qualidade deve incluir uma anlise do de-sempenho real do processo e o levantamento das possibilidades de especificaes descritas na literatura. Tais dados permitiro a definio de parmetros solidamente embasados.

    Para essa determinao sugerido o formulrio para registro apresentado no exemplo 2. Os dados devem ser analisados por um corpo tcnico que seja capaz de avaliar o impacto da especificao definida nas decises clnicas que podem ser tomadas com base nos resultados obtidos pelo laboratrio.

  • Captulo 1 - Especificaes da Qualidade

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    DESEMPENHO REAL DO PROCESSO

    Para determinar a especificao da qualidade de um determinado ensaio, o laboratrio deve inicialmente levantar informaes sobre o desempenho do seu processo, entre as quais podem-se citar:

    1. Estudo de erro aleatrio o estudo do erro aleatrio do processo, tambm conhecido como estudo de preciso, comumente adotado em protocolos de validao. Modelos para este estudo so descritos no captulo 2 do volume I desta coleo10;

    2. Estudo de erro sistemtico o CLSI EP914 apresenta um protocolo para a determinao, baseado na anlise de amostras de pacientes por um mtodo de referncia e o usado no laboratrio. Para a realizao deste estudo requerido um mtodo de referncia para o ensaio, dispor dele para as anlises necessrias e selecionar amostras com as caractersticas descritas para o estudo;

    3. Estudo do erro total o CLSI EP215 apresenta um protocolo para determinao do erro total basea-do na anlise de amostras de pacientes por um mtodo de referncia e o usado no laboratrio. De forma similar ao requerido para o estudo do erro sistemtico, para a realizao desse estudo necessrio um mtodo de referncia para o ensaio, dispor dele para as anlises necessrias e selecionar amostras com as caractersticas descritas para o estudo;

    4. Estimativa do erro aleatrio por controle interno essa estimativa pode ser obtida diretamente pelo coeficiente de variao acumulado do controle interno. Nesse caso interessante verificar a estabilidade dessa estimativa ao longo do tempo para garantir sua representatividade frente ao processo;

    5. Estimativa do erro sistemtico ou erro total por ensaio de proficincia o erro sistemtico pode ser estimado a cada rodada do ensaio de proficincia, conforme descrito no capitulo II deste volume, assim como a monitorao do erro total pode ser obtida a partir das dosagens individuais do ensaio de profici-ncia. Quando um laboratrio realiza a monitorao do erro sistemtico via ensaio de proficincia e h impossibilidade da sua estimao em uma rodada, pode optar por acompanhar o erro total (erro relativo de cada medida). Mediante a possibilidade de alteraes do processo que impactam no erro sistemtico (por exemplo de calibrao, troca de lotes de reagentes e controles etc.), imprescindvel verificar a estabilidade dessa estimativa ao longo do tempo e garantir sua representatividade frente ao processo.

    Em 2010, mais de 40 especialistas em qualidade laboratorial da Europa, de Israel e do Sul da frica se reuniram na Itlia para discutir diversos tpicos relacionados aos avanos laboratoriais, entre eles os relacionados ao uso da especificao da qualidade25. No grupo de discusso sobre o uso da variao biolgica, todos informaram monitorar seu erro aleatrio a partir do coeficiente de variao obtido no controle interno e seu erro total a partir de ensaio de proficincia. Quanto ao erro sistemtico, metade o monitorava a partir do controle interno e a outra metade a partir de ensaio de proficincia.

    Embora existam relatos de determinao do erro sistemtico a partir de dados de controle interno, dire-trizes para este fim precisam ser mais bem descritas na literatura, assim como as restries relacionadas a esse uso. Uma restrio relacionada ao valor alvo de materiais de controle est relacionada possibi-lidade de existir um vis (erro sistemtico) permanente por conta do prprio reagente, o que interfere na estimao do erro sistemtico por controle interno e por ensaio de proficincia3. Contudo, a eliminao desse vis depende de uma melhor padronizao do reagente por conta do fabricante.

    Outra questo que deve ser entendida o impacto do efeito matriz nas estimativas de erro que podem ser obtidas com materiais de controle. Materiais manipulados podem apresentar efeito matriz frente a uma determinada metodologia ou sistema analtico, que se traduz em algum vis na medida obtida. Fabrican-tes de controles e provedores de ensaio de proficincia buscam sempre evitar tais efeitos, contudo, na sua presena apenas com a apresentao de valores obtidos para o sistema analtico em avaliao, eliminam a suspeita de algum vis relacionado. Quando dados demonstram resultados para diferentes sistemas ana-lticos, possvel avaliar a compatibilidade ou no de resultados de diferentes metodologias e sistemas analticos, o que permite concluir sobre a ausncia ou presena de efeito matriz.

  • Gesto da Fase Analtica do Laboratrio

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    A seguir so descritas anlises da estimativa de erro baseadas no controle interno e ensaio de proficincia. Estas anlises ajudam a determinar o desempenho real do processo e a avaliar sua estabilidade ao longo do tempo. A partir delas espera-se definir o nvel de qualidade que se pode es-perar do processo da forma como ele est implantado, o que ajudar a avaliar a real capacidade do laboratrio atender especificao da qualidade desejada. Estas anlises tambm podem ser usadas na monitorao dos processos ao longo do tempo, o que fundamental para a manuteno do nvel de qualidade conquistada e para a futura reavaliao das especificaes.

    Anlise histrica do controle interno (erro aleatrio) e monitorao:

    Essa anlise pode basear-se exclusivamente no coeficiente de variao (CV) e deve considerar:

    Exclusivamente dados referentes ao processo atual dados anteriores a uma alterao significa-tiva do processo, como alterao do sistema analtico ou de algum componente importante do pro-cesso que possa impactar na sua variabilidade (reprodutibilidade) no devem constar neste estudo, por no representarem a realidade atual do processo;

    Dados de diferentes lotes de controle separados no se devem misturar dados obtidos com diferentes lotes de controle, com o propsito inicial de verificar qualquer presena de oscilao re-lacionada ao lote. Quando diferentes controles so usados, imprescindvel identific-los, visto que uma diferena no comportamento pode estar relacionada sua procedncia (diferente fabricante ou linha de produto);

    Identificar o tamanho da amostragem e adotar a maior amostragem possvel quanto mais dados acumulados de controle interno mais confivel a estimativa da variabilidade. Da mesma forma, o acmulo de dados tende a provocar pequenas redues no coeficiente de variao, at que este se estabilize. Por essa razo, recomenda-se no usar o CV das primeiras vinte dosagens de um lote de controle e sim o CV acumulado;

    Segmentar por faixas de concentrao embora a anlise possa ser feita em conjunto, impor-tante separar os dados por faixas de concentrao similares do controle para ser possvel identificar comportamento diferenciado, quando presente.

    A figura 14 ilustra uma anlise histrica de coeficiente de variao obtido em controle interno. Supondo um processo sem alteraes durante os dois ltimos anos, com o uso de um material de con-trole em dois nveis com troca de lotes a cada seis meses (acmulo de cerca de 120 dados por lote), elaborou-se o grfico de barras com os CVs acumulados. Observa-se que embora os CVs no sejam iguais, eles apresentam resultados prximos e abaixo de 5%. Embora o primeiro perodo analisado parea ter um CV distinto e mais baixo que os demais, um simples teste estatstico (teste F) pode demonstrar que a diferena no estatisticamente significante.

  • Captulo 1 - Especificaes da Qualidade

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    Anlise histrica do ensaio de proficincia (erro total e erro sistemtico) e monitorao:

    A anlise do desvio de um resultado individual pode ser usada para monitorar o erro total e o desvio mdio de uma rodada (erro mdio relativo) para monitorar o erro sistemtico. A segunda opo s possvel quando adotado um ensaio de proficincia com mltiplos materiais por rodada. Nesse caso possvel fazer o acompanhamento simultneo do erro total e sistemtico, conforme proposto no grfico apresentado no captulo II deste volume (figura 9).

    Nesta anlise devem-se considerar alteraes relevantes no processo ao longo do tempo. Embora as ava-liaes do ensaio de proficincia sejam comumente especficas para o sistema analtico, quando o dado relevante e pode gerar alguma alterao no resultado, importante que o laboratrio tenha sinalizado desde quando os dados referem-se ao processo atual e quando alteraes relevantes ocorreram. Quando ocorrerem alteraes significativas do erro sistemtico (mesmo que estes tenham ocorrido dentro de um nvel aceitvel) de uma rodada para outra, fundamental que o laboratrio identifique o possvel impacto de alteraes no processo que possam gerar tendncias. Quando a monitorao frente ao erro total, importante considerar tambm que h um componente de erro aleatrio nessa estimativa e que as mesmas ponderaes descritas para a anlise histrica do controle interno podem ser aplicadas.

    Quando o laboratrio participa de mltiplos ensaios de proficincia para um nico ensaio, deve construir grficos separados para cada programa e ponderar as especificidades de cada um e sua capacidade de de-tectar o erro. Deve-se considerar que a capacidade de deteco do erro pode variar conforme a especificida-de do material, o modelo estatstico e os critrios de avaliao adotados. A elaborao de grficos baseados no erro relativo, e no em ndices baseados no critrio do provedor, aumenta a capacidade de comparao entre os programas.

    Anlise comparativa de erro total, erro sistemtico e erro aleatrio20

    A anlise histrica e a monitorao descritas anteriormente, com base no controle interno e ensaio de proficincia, tiveram o propsito nico de levantar os dados reais do processo para compar-los indi-vidualmente com especificaes da qualidade para o erro total, aleatrio e sistemtico definidos pelo laboratrio. Mas h uma proposta de anlise conjunta do erro aleatrio e sistemtico que permite ree-quilibrar essas duas componentes com base em uma especificao da qualidade definida exclusivamente com base no erro total.

    Nesta proposta considera-se que a relao entre os erros se d pela frmula apresentada na figura 3. A flexibilizao se d pelo clculo do erro total do laboratrio com a substituio do erro aleatrio e do erro sistemtico estimados na frmula. O valor obtido ento comparado ao erro total especificado, conforme exemplo apresentado na figura 15. Espera-se obter um erro total abaixo do especificado, sem uma preocu-pao pontual com o erro aleatrio e o sistemtico. Pode-se ainda considerar que a diferena entre o erro total real e o especificado uma folga que pode cobrir um eventual aumento de um dos componentes de erro ou ainda ser subtrada de metas futuras.

  • Gesto da Fase Analtica do Laboratrio

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    ESPECIFICAES DA QUALIDADE DEFINIDAS NA LITERATURAInicialmente o laboratrio deve definir as diretrizes para a determinao das especificaes da qualidade, conforme descrito na seo estratgias de implantao deste captulo. Entre as diretrizes, est a defini-o das bases para a especificao da qualidade e sua hierarquia de uso. O modelo de registro proposto no exemplo 2 considera que independentemente da diretriz e da hierarquia definidas, o laboratrio pode levantar todas as fontes de especificao publicadas para uma anlise mais ampla das suas possibilidades. Nesse caso, o laboratrio deve minimamente verificar a existncia de par-metros definidos com base na opinio mdica, em variao biolgica, em recomendao de especialistas, em legislao/regulamentao e por ensaio de proficincia.

    INTERPRETAO DE DADOS EAES DECORRENTES

    A interpretao dos dados levantados sobre o comportamento histrico do processo analtico de um deter-minado ensaio e as recomendaes de especificaes da qualidade publicadas tm o propsito de definir metas de desempenho. Ou, num momento seguinte, reavaliar as metas j definidas e os resultados alcana-dos para promover a melhoria contnua.Com base nesses dados o laboratrio deve ponderar se o desempenho real do seu processo atende a um nvel de qualidade desejado, frente a especificaes propostas na literatura e avaliao tcnica do impacto de tais requisitos nas decises mdicas ou conforme o uso previsto dos laudos gerados pelo laboratrio.Numa reavaliao planejada, os dados histricos de monitorao do desempenho do processo so funda-mentais para verificar seu andamento frente s metas e sua real capacidade de absorver metas mais rgidas. Entretanto, uma reavaliao pode ser requerida antes da periodicidade planejada, mediante rejeio de resultados na monitorao contnua do processo. No momento em que o laboratrio levanta os dados necessrios para definir ou reavaliar suas especificaes da qualidade, pode encontrar alguma das situaes descritas a seguir:(A) Ausncia de bases para a especificao da qualidade - Quando no existem especificaes descritas na literatura nem base para determin-las de outra forma (por exemplo: percepo de qualidade do corpo cl-nico atendido pelo laboratrio ou experincia da prpria equipe do laboratrio frente ao nvel de qualidade que atenda a seu pblico), uma opo o laboratrio determinar os requisitos frente sua realidade, ou seja, frente ao desempenho real do seu processo (estado da arte);(B) Diferentes bases de especificaes da qualidade e dificuldade para selecionar uma - Quando existem vrias fontes de especificao da qualidade, o laboratrio deve optar pela que mais condizente com a qualidade desejada e a realidade do seu processo. No h sentido em adotar especificaes amplas frente ao processo, visto que no agregaro valor. Assim como deve-se ter cuidado para no adotar requisitos muito rgidos que no sero alcanados. Em contrapartida deve-se pensar em requisitos que desafiem o la-boratrio a melhorar. Essa discusso ser mais bem explorada na seo Anlise crtica comparativa entre diferentes bases de especificaes deste captulo;(C) Desempenho do processo aqum da especificao desejada - Quando o desempenho do processo atual estiver aqum da qualidade desejada, seja referente ao erro aleatrio, sistemtico ou total, o laboratrio deve definir uma estratgia ponderando algumas opes: (a) capacidade de melhorar o processo para atingir a especificao desejada no curto prazo; (b) necessidade de alterar drasticamente o processo mudar sistema analtico ou algum componente do processo para atingir a especificao desejada no mdio e longo prazo; (c) adoo de uma especificao menos exigente at que um melhor nvel de quali-dade possa ser alcanado;(D) Desempenho do processo acima da especificao escolhida Quando o desempenho atual estiver alm da qualidade desejada para o erro aleatrio, sistemtico ou total, e essa distncia for significativa, o labo-ratrio deve ponderar se (a) houve mudana no processo aps a definio da especificao que justifique uma melhoria de desempenho; (b) se houve alguma falha no levantamento de dados; (c) se a meta foi bem definida no h sentido em determinar metas j atendidas e que no estimulem a melhoria e manuteno

  • Captulo 1 - Especificaes da Qualidade

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    dos processos; (d) se h ganho real de qualidade e se agrega valor para a tomada de deciso mdica ou para o uso final do laudo uma especificao mais rgida.Os exemplos 3 e 4 apresentam dois casos que ilustram a seleo de especificaes da qualidade e sua com-parao com o desempenho real do laboratrio. O exemplo 5 aborda o uso da especificao da qualidade para a seleo de reagente.

    ANLISE CRTICA COMPARATIVA ENTREDIFERENTES BASES DE ESPECIFICAES

    Talvez Tonks tenha sido um dos primeiros a propor especificaes da qualidade quando sugeriu que o erro aleatrio de um ensaio no deveria ultrapassar um quarto do intervalo de referncia. Sugesto similar da CLIA, que recomenda que o erro sistemtico e o erro aleatrio no ultrapassem 50% e 25% do erro total, respectivamente, considerando que os limites de aceitao determinados por essa lei americana so erros totais admissveis baseados em requisitos clnicos10. Essas e todas as outras propostas de especificaes da qualidade descritas neste captulo so vlidas, con-tudo devem ser avaliadas frente sua base cientfica, capacidade real de ser alcanada e ao impacto na deciso mdica antes de serem implantadas. Embora HAECKEL e WOSNIOK26 tenham recentemente proposto um modelo matemtico para determi-nar especificaes da qualidade que ponderassem estes trs pontos (variao biolgica base cientfica, es-tado da arte desempenho real e impacto na deciso mdica), a anlise comparativa e ponderao tcnica sob todas essas informaes para a determinao dos parmetros de especificao em um laboratrio talvez seja a opo mais prudente nesta fase de amadurecimento do tema.Segundo Sten Westgard27, enquanto a hierarquia proposta pelo consenso de Estocolmo define cinco nveis diferentes de abordagens, pode-se reduzi-lo a trs atitudes gerais: Arbitrariamente definida. Essa abordagem inclui estado da arte e objetivos de atendimento le-gislao definidos pelas entidades reguladoras. O objetivo aqui encontrar uma meta que a maioria dos laboratrios e mtodos possa atender. Assim, seja qual for o desempenho bsico das metodologias no estgio atual, essa a meta de desempenho aceitvel que deve ser atendida. Dessa forma, com exceo de alguns visveis outliers, a maioria dos laboratrios e mtodos pode atingir esse tipo de meta. Esse tipo de aborda-gem, segundo Sten Westgard, em outras esferas, conhecida como promoo social. Em vez de avaliar objetivamente o desempenho, visa apenas a tentar manter o grupo de pares unidos espera de que ao longo do tempo as coisas vo melhorar. O efeito indesejvel que organizaes com desempenho inaceitvel clinicamente podem tambm atender a essa meta. Esse tipo de abordagem pode ajudar a perpetuar um desempenho inaceitvel clinicamente, pode efetivamente no representar um incentivo para a melhoria dos mtodos utilizados nos laboratrios clnicos e representar um risco real aos pacientes. Biologicamente baseada. Por efetivamente estudar a variao biolgica intra-indivduo, essa abordagem permite determinar qual o nvel de variao natural esperada em um resultado laboratorial. A partir disso, pode-se ento determinar que nvel de variao um mtodo laboratorial deve ser capaz de adicionar variao total. exatamente isso que Carmen Rics e seu grupo fizeram na ltima dcada, estudando todas as diferentes publicaes sobre a variao biolgica em diferentes testes laboratoriais, compilando todos eles em um nico banco de dados. O banco de dados produzido por Rics28 apresenta especificaes da qualidade, com metas especficas para um nvel de desempenho mnimo, desejvel ou timo, utilizando os estudos de Callum Fraser sobre a variao biolgica8. Essa abordagem ignora o desempenho atual dos mtodos e determina que nvel de desempenho devem ter para assegurar a sua utilidade clnica. A vantagem dessa abordagem que ela define metas comumente exigentes e objetivas aos laboratrios clnicos, estimulando a melhoria contnua dos mtodos e processos atualmente utilizados. A desvantagem, por outro lado, que a mesma abordagem pode definir metas que podem estar fora do alcance de mtodos atuais para alguns analitos. No entanto, mesmo sendo um requisito de qualidade exigente, serve em ltima anlise, para sinalizar o nvel ideal de desempenho aos laboratrios e a todo o mercado de medicina laboratorial. Existem casos em que ocorre o oposto e as metas so muito amplas por conta da grande variao do mensurando no indivduo, podendo ficar aqum do desempenho das metodologias disponveis.

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    Baseada na utilizao clnica. Uma ltima forma para definir especificaes de qualidade no es-tudar a variao biolgica nem o desempenho atual dos mtodos laboratoriais, mas sim o comporta-mento real dos clnicos na utilizao dos resultados laboratoriais. Se possvel avaliar como as decises, diagnsticos e tratamentos so feitos em diferentes pontos de corte e limites, pode-se fazer uma engenha-ria reversa com essas informaes, obtendo especificaes de qualidade para os mtodos analticos. Essa abordagem foi recentemente utilizada por Karon e Klee em seu trabalho relativo glicose e ao controle glicmico rigoroso22. Ao analisar pronturios e resultados de glicemia, eles determinaram como os mdicos tomaram decises sobre a dosagem de insulina. Mediante protocolos de simulao, eles determinaram o nvel de erro analtico que poderia alterar significativamente a dose. Ao determinar esse erro crtico, os laboratrios podem, ento, determinar qual o nvel aceitvel de erro analtico para os mtodos laboratoriais utilizados para determinao de glicemia. Esse tipo de abordagem no aceita desempenho analtico atual, mas reflete a prtica clnica atual. Ele pode no concordar com os limites biolgicos, embora potencialmen-te isso pudesse ocorrer.O mais prudente para alcanar critrios mais homogneos frente ao mercado aplicar especificaes no mais alto nvel da hierarquia. Se num primeiro momento a opo para um ensaio seja uma especificao intermediria frente hierarquia estabelecida no consenso de Estocolmo, pode-se trabalhar com uma meta de mdio prazo para subir na hierarquia at que se alcance o nvel mais alto.Algumas ponderaes sobre vantagens e desvantagens de abordagens e situaes:(1) Vantagens e desvantagens dos critrios clnicos - quando estratgias claras e definidas com base em critrios clnicos podem ser identificadas, tem-se a melhor abordagem possvel para a determinao da especificao da qualidade de um ensaio; entretanto, a principal desvantagem que somente alguns en-saios so utilizados em situaes clnicas nicas e bem definidas, com estratgias mdicas padronizadas e globalmente aceitas, diretamente relacionadas aos resultados laboratoriais. Outra desvantagem importante que as especificaes de qualidade calculadas por essa abordagem esto condicionadas s suposies feitas a respeito de como os resultados dos testes so utilizados pelos mdicos29. Com essa abordagem, es-pecificaes da qualidade tm sido derivadas de questionrios enviados aos mdicos sobre o uso de ensaios laboratoriais em situaes clnicas especficas; mas segundo especialistas no tema, esses estudos tm srios defeitos30 e no so recomendados para uso31. (2) Vantagens da variao biolgica - algumas caractersticas de aplicao global das especificaes da qualidade baseadas nos componentes da variao biolgica asseguram sua condio de modelo de escolha, entre elas8,20: serem concretamente definidas para impreciso e inexatido; estarem baseadas, mesmo que indiretamente, nas necessidades mdicas; serem aplicveis a todos os laboratrios, inde-pendentemente do porte, do tipo e da localizao; estarem construdas valendo-se de modelos simples, facilmente compreensveis e amplamente aceitos por profissionais da sade em razo da coerncia. Essa estratgia de especificao da qualidade tem tambm apresentado flexibilidade para se adaptar s tecnologias atualmente disponveis.(3) Limitao de especificaes baseadas no desempenho real do processo - a discusso frente ao uso do desempenho real do processo (estado da arte) que muitas vezes adotado como limite de aceitao por provedores de ensaio de proficincia (ver captulo II deste volume, na seo Seleo - critrios de avaliao para determinar o desempenho do laboratrio), gira em torno da possibilidade desse limite ser muito amplo frente qualidade desejada. Para reduzir esse efeito, j foram apresentadas propostas para definir especificaes da qualidade baseadas apenas nos sistemas analticos que apresentam os melhores desempenhos no programa32.Dentro deste contexto, o trabalho elaborado por BIASOLI et al.33 , com dados de ensaio de proficincia para colesterol no soro, demonstrou que sistemas fechados (componentes instrumentais, metodolgicos e reagentes integrados) apresentam melhores desempenhos que sistemas abertos (equipamentos combinados com reagentes genricos) usados no Brasil. Essa discusso chama a ateno para a necessidade de os la-boratrios acompanharem o avano da tecnologia e avaliarem o impacto dos sistemas disponveis nos seus resultados, o que pode ser feito adotando especificaes da qualidade baseadas nos melhores sistemas, de forma a sinalizar quando um sistema apresenta desempenho aqum a estes. Essa discusso pode ser estendida para o uso da variao real do controle interno para especificar o erro aleatrio admissvel. O processo pode no estar apresentando seu melhor desempenho sem que isto seja percebido, fazendo com que esta magnitude seja transportada para a especificao, principalmente se

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    o processo no tiver sido validado (quando seria realizado o estudo de preciso) e se adota uma sistemtica simplificada de controle interno (como a simples comparao de um resultado individual com a faixa pro-posta da bula do controle ou outras prticas que no avaliem a variabilidade do controle).Em ambos os casos, a opo de comparar, sempre que possvel, o desempenho real do processo com especifi-caes obtidas cientificamente e o impacto em decises clnicas pode ser o melhor caminho para determinar especificaes coerentes com o uso e passveis de serem alcanadas.(4) Ponderaes sobre especificaes frouxas ou rgidas - embora especificaes da qualidade baseadas na variao biolgica sejam as mais exploradas e usadas, elas tm relao direta com a variao do mensu-rando no corpo humano, o que pode ser muito amplo em algumas situaes (por exemplo triglicerdeos) ou muito restrito em outros casos (por exemplo sdio). Por essa razo, fundamental comparar as especifica-es com a realidade (por exemplo, o coeficiente de variao obtido no controle interno e o erro sistemtico estimado ao longo do tempo no ensaio de proficincia) e avaliar seu impacto na qualidade final do laudo.Outro ponto relevante a ser ponderado a definio de especificaes distintas para ensaios com desem-penho similar por serem obtidos por uma mesma metodologia, como discutido por ALBUQUERQUE, DO-ELLINGER e BIASOLI V34 na anlise de resultados apresentados para imunoglobulinas (IgA, IgG e IgM) num ensaio de proficincia. Nesse trabalho, o erro sistemtico estimado (erro mdio relativo) para 135 laboratrios foi muito prximo para as trs imunoglobulinas, visto serem medidas obtidas por uma mesma metodologia e em um mesmo sistema analtico. Contudo, a especificao de erro sistemtico baseada em variao biolgica distinta (a proposta pra IgM trs vezes maior que a de IgG).Essas ponderaes so vlidas para especificaes baseadas em variao biolgica, assim como as definidas por outras bases cientficas e descritas na literatura.Para ilustrar a discusso sobre a adequao de diferentes bases de especificao, so apresentadas as es-pecificaes recomendadas para triglicerdeos em soro na figura 16. Neste caso, foram levantadas quatro propostas de especificao previstas no Consenso de Estolcomo: recomendao de grupo de especialista (NCEP), recomendao baseada em variao biolgica, a definida por legislao (CLIA) e a publicada em ensaio de proficincia (ControlLab).Analisando os dados, pode-se concluir que as recomendaes do NCEP muito se aproximam das especifica-es timas obtidas por variao biolgica e a adotada para erro total pela ControlLab (baseada no estado da arte). Essa concordncia entre as recomendaes facilita a deciso de um laboratrio que possua um processo com desempenho compatvel com tais requisitos (com erro inferior ao especificado, ou prximo com capacidade de melhorar).Em contrapartida, a especificao de erro total determinada na CLIA est prxima desejada obtida por variao biolgica. Tais requisitos so mais adequados para processos que apresentem erros superiores aos primeiros requisitos discutidos, considerando que estes devem objetivar melhorar seus processos ao longo do tempo para atender aos requisitos mais rgidos.

  • Gesto da Fase Analtica do Laboratrio

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    CONCLUSOAtender s expectativas dos clientes o principal passo para uma posio diferenciada em termos de competitividade no mercado. Isso no diferente para o laboratrio clnico, onde se vivencia um momento de intensa consolidao e elevada competitividade, em que atender s expectativas dos clientes e gerenciar os processos crticos essencial.

    Para atender a essas expectativas, sejam de clientes usurios (pacientes) ou clientes mdicos, nada mais crtico do que planejar, padronizar e monitorar continuamente o processo analtico e assegu-rar o atendimento dos requisitos de desempenho dos processos que geram resultados laboratoriais. Desempenho este que deve atender s especificaes da qualidade que assegurem o fornecimento de resultados clinicamente relevantes.

    O grande desafio na utilizao das especificaes da qualidade est na seleo destas entre tantas fontes disponveis e que por vezes so diametralmente antagnicas. Assim, a questo fundamental : qual fonte de especificao da qualidade a mais adequada para um laboratrio? Mesmo com as consideraes e anlises que se buscou inserir neste captulo, provavelmente a resposta no esteja clara e definida para vrios ensaios determinados nos laboratrios clnicos, seja pela indis-ponibilidade de fontes confiveis para o ensaio em questo ou pela impossibilidade de obteno do nvel de desempenho preconizado na fonte escolhida pela tecnologia atualmente disponvel nos laboratrios clnicos.

    A hierarquia de Estocolmo recomenda que o uso clnico deva triunfar sobre aspectos biolgicos ou consensos. Ou seja, a forma com que os mdicos utilizam os testes laboratoriais (finalidade) a abordagem mais importante para determinar a qualidade exigida para esse ensaio. Essa abordagem provavelmente mais exigente do que as metas provenientes de consensos, mas pode ser menos exi-gente do que especificaes de desempenho geradas a partir de