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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJCENTRO DE CINCIAS
MATEMTICAS E NATURAIS CCMNPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA
PPGG
DOUTORADO EM GEOGRAFIA
Territrio Federal e minerao de mangans:
gnese do Estado do Amap
Rio de Janeiro
2009
INDIRA CAVALCANTE DA ROCHA MARQUES
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INDIRA CAVALCANTE DA ROCHA MARQUES
Territrio Federal e minerao de mangans:
gnese do Estado do Amap
Tese submetida ao corpo docente do Programa de Ps-Graduao em
Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito
parcialpara obteno do grau de Doutor em Geografia
Orientadora: Prof. Dr. Maria Clia Nunes Coelho
Co-orientador: Prof. Dr. Cludio Antonio Gonalves Egler
Co-orientadora: Prof. Dr. Rosa Acevedo Marins
Rio de Janeiro
Maro 2009
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MARQUES, Indira Cavalcante da Rocha. Territrio Federal e minerao
de mangans: gnese do Estado do Amap / Indira Cavalcante da Rocha
Marques. 2009. 286 f.: Il.
Tese (Doutorado em Geografia) Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Instituto de Geocincias, Rio de Janeiro, 2009.Orientadora:
Maria Clia Nunes Coelho
1. Minerao Industrial do Mangans. 2. Autonomia poltica, econmica
e financeira. 3. Regionalismo 4. (Re)organizao espacial. Teses. I.
COELHO, Maria C. Nunes (Orient.). Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Programa de Ps-graduao em Geografia. III. Titulo
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Maria, Maria um dom
Uma certa magia
Uma fora que nos alerta
(...)
Mas preciso ter fora
preciso ter raa
preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria
Mistura dor e alegria
Mas preciso ter manha
preciso ter graa
preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter f na vida
(Milton Nascimento e Fernando Brant)
s Marias
MARIA do Socorro
MARIA Clia
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Todo dia de viver
para ser o que for
e ser tudo
(Beto Guedes e Ronaldo Bastos)
Ao Gil e Mariana, pela fora e delicadeza de
mostrar-me que .a vida bela
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AGRADECIMENTOS
Chegar a esse momento a certeza da superao de grandes desafios,
s possvel porque contamos com o apoio de um enorme nmero de
pessoas.
O apoio no se limitou apenas Academia, mas familiares,
instituies, amigos e demais colaboradores.
Ao agradecermos a alguns seremos injustos com os demais. Mesmo
assim, incorreremos nesta injustia. Gostaria, ento, de agradecer a
algumas pessoas em especial.
minha , por entender minha ausncia e por apoiar-me constante e
integralmente. No citarei nenhum em especial, justamente porque
todos so muito .
Maria Clia, pela admirao que cultivo e que extrapola a eficincia
acadmica rigor cientfico, solidariedade humana e exemplo de
perseverana na vida. Muito obrigada.
queles que a Academia aproximou do corao: Roberta, Neto, Ana
Clara, Patrcia, Elis, Rafael, Glria e demais colegas do curso;
Toms; Sandro, Andra e aos colegas do CPDA.
Aos demais membros da banca, em especial Cludio Egler e Rosa
Acevedo, pelas colaboraes indispensveis no decorrer do
trabalho.
Ildione e Nildete, fundamentais ao PPGG.
s Instituies: Governo do Amap, UFRJ, IBGE e, entre tantas,
quelas que nos cederam informaes e espao em suas bibliotecas.
Aqueles que lutam por uma sociedade sem explorao, onde nossas
crianas tenham a certeza do futuro; particularmente os amigos
militantes do PSTU e aos seus familiares.
Aos que no mediram colaborao: Luiz Cludio, Edna Alves, Valdirene
Picano, Paula,Dbora Saraiva, Graa Leal, Udio Silva.
Aos amigos que a vida nos presenteou: famlia Cartagnes e demais
presenteados pela Mariana.
queles que o espao e a pressa no nos permitiram citar.
Famliaespeciais
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RESUMO
Territrio Federal e minerao de mangans: gnese do Estado do
AmapMARQUES, Indira Cavalcante da Rocha.
. 2009. Tese (Doutorado em Geografia) Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
Em 1943 o Presidente Getlio Vargas criou o Territrio Federal do
Amap e em 1945 foram descobertas as reservas de mangans na Serra do
Navio - AP. O minrio foi explorado pela Icomi, numa associao com a
multinacional Bethlehem Steel Company. Esta produo mineral deu funo
econmica a uma rea onde a economia era muito frgil, reorganizando o
espao e colaborando decisivamente para a consolidao do TFA. A elite
poltico-administrativa local elaborou o projeto de um estado
minerador-industrial, onde a transformao do Territrio Federal em
Estado do Amap seria conseqncia de sua autonomia
econmico-financeira. Este projeto encontrou muitas contradies e foi
sucessivamente sendo fragilizado. Diante das mudanas mercado
internacional do mangans, a Icomi e o Grupo Caemi diversificaram
suas atividades no Amap, introduzindo novos processos tecnolgicos
na produo do minrio e iando outras empresas. Apesar disso, dos
pagos e do elevado rendimento econmico da empresa, sua atuao no TFA
no foi suficiente para concretizar o progresso nas propores
prometidas em torno da minerao industrial. No decorrer da dcada de
1980 as ra do Navio entraram em exausto, levando a companhia
mineradora a encerrar formalmente suas atividades em 1997.
Anteriormente, desde o final dos anos 1970, o movimento
regionalista vinha incorporando elementos de crtica ao governo
federal e a busca pela elevao do Amap a estado deixava de ter a
minerao como sustentao principal. Diferentemente do senso comum, a
relao entre Icomi e TFA foi fundamental para consolidar o Territr
Federal e construir as bases para a criao do Estado do Amap,
ocorrida com a Constituio de 1988.
Palavras-chave: Minerao industrial do mangans. Autonomia
poltica, econmica e financeira. Regionalismo. (Re)organizao
espacial.
royalties
-
ABSTRACT
MARQUES, Indira Cavalcante da Rocha. Federal Territory and
mining of manganese: genesis of the State of Amap. 2009. Tese
(Doutorado em Geografia) - Federal University ofRio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2009.
In 1943, President Getlio Vargas established the Federal
Territory of Amap in 1945 and
reserves of manganese were discovered in Serra do Navio. The ore
was exploited by Icomi, in
association with the multinational Bethlehem Steel Company. This
mineral production
provided the economic basis in an area where the economy was
very fragile. It led to a spatial
reorganizing and contributed decisively to the consolidation of
the Federal Territory of
Amap (TFA). The political and administrative elite developed a
project for a mining-
industrial state, where the transformation of the Federal
Territory of Amap into the State of
Amap as a consequence of its economic and financial autonomy.
This project encountered
many contradictions and was repeatedly being weakened. Facing
the changes in the
international market of manganese, the Icomi and Caemi Group
diversified its activities in
Amap, introducing new technological processes in the uction of
ore and creating others.
In spite of this, the royalties paid and the high economic
return of the company, was not
sufficient to achieve progress, as promised by the mining
industry. During the 1980s the
mines of Serra do Navio became exhausted, leading to t mining
company to formally
terminate its activities in 1997. Previously, from the late
1970s onwards, the regionalist
movement was incorporating elements of criticism regarding the
federal government and the
pursuit of statehood of Amap but no longer using the of economic
development
based mainly on mining. Contary to common sense, the
relationship between the TFA and
Icomi was essential to consolidate the Federal Territory and
build the foundations for the
creation of the State of Amap, which took place with the new
Constitution of 1988.
Keywords: Mining industry of manganese. Autonomy of policy,
economic and financial.
Regionalism. Spatial (re)organization.
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LISTA DE SIGLAS
AMCEL Amap Florestal e Celulose S. A.
Arena Aliana Renovadora Nacional
BASA Banco da Amaznia
BIRD Intenational Bank for Reconstruction and Development
BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico
Brumasa Bruynzeel Madeiras Sociedade Annima
Cadam Caulim da Amaznia
Caemi Companhia Auxiliar de Empresas de Minerao
CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel
Superior
CEA Companhia de Eletricidade do Amap
Cepal Comisso Econmica para Amrica Latina e o Caribe
CINAL Comrcio, Indstria e Navegao
CFA Companhia de Ferro Ligas do Amap
CFCE Conselho Federal de Comrcio Exterior
CFEM Compensao Financeira pela Explorao Mineral
CME Comisso de Mobilizao Econmica
CMBEU Comisso Mista Brasil-EUA
CNG Conselho Nacional de Geografia
CNI Confederao Nacional da Indstria
CNMM Conselho Nacional de Minerao e Metalurgia
CNP Conselho Nacional do Petrleo
CNPIC Conselho Nacional de Poltica Industrial e Comercial
CODEPA Companhia de Dend do Amap
CPE Comisso de Planejamento Econmico
CPI Comisso Parlamentar de Inquritos
COPRAM Companhia de Progresso do Amap
CSN Companhia Siderrgica Nacional
CTEF Conselho Tcnico de Economia e Finanas
CVRD Companhia Vale do Rio Doce
DIP Departamento de Impensa
DNPM Departamento Nacional de Produo Mineral
DNC Direo Nacional do Comrcio
Dasp Departamento Administrativo do Servio Pblico
EXIMBANK Export Import Bank of Washington
-
FERUSA Ferro, Union Brasil S.A
FMI Fundo Monetrio Internacional
Fiesp Federao das Indstrias do Estado de So Paulo
GTFA Governo do Territrio Federal do Amap
GETAT Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IBAD Instituto Brasileiro de Ao Democrtica
IBRD/BIRD International Bank for Reconstruction e Development /
Banco Internacional
para Reconstruo e Desenvolvimento (Banco Mundial)
ICM Imposto sobre Circulao de Mercadorias
ICMS - Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios
ICOMI Indstria e Comrcio de Minrio S. A.
IEPA Instituto de Pesquisas Cientficas e Tecnolgicas do Estado
do Amap
IPES Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais
IRDA Instituto Regional de Desenvolvimento do Amap
IUM Imposto nico sobre Minerais
JPE Jaakko Poyry Engenharia
JK Jucelino Kubitschek
MDB Movimento Democrtico Brasileiro
MDC Movimento Democrtico Brasileiro
MECOR Ministrio Extraordinrio para a Coordenao dos Organismos
Regionais
MINTER Ministrio do Interior
MPPEA Movimento Popular Pr-Estado do Amap
ONU Organizaes das Naes Unidas
PDA Plano de Desenvolvimento da Amaznia
PDC Partido Democrtico Cristo
PDT Partido Democrtico Trabalhista
PGC Programa Grande Carajs
PIB Produto Interno Bruto
PIN Programa de Integrao Nacional
PMDB Partido do Movimento Democrtico Nacional
PNB Produto Nacional Bruto
PND II Plano Nacional de Desenvolvimento
Proterra Programa de Redistribuio de Terras
PSD Partido Social Democrtico
PT Partido dos Trabalhadores
-
PTB Partido Trabalhista Brasileiro
Sema Secretaria Estadual de Meio Ambiente
SPVEA Superintendncia do Plano de Valorizao Econmica da
Amaznia
Sudam Superintendncia do Desenvolvimento da Amaznia
Suframa Superintendncia da Zona Franca de Manaus
TF Territrios Federais
TFA Territrio Federal do Amap
TCU Tribunal de Contas da Unio
UDN Unio Democrtica Nacional
UFPA Universidade Federal do Par
UHCN Usina Hidreltrica Coaracy Nunes
URSS Unio das Repblicas Socialistas Soviticas
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Reservas de mangans conhecidas no bloco ocidental
127
Tabela 2: Mangans exportado em 1958-1959 por unidades da
federao, em
toneladas 138
Tabela 3: Evoluo da produo da Icomi e dos pagos, em 1957-
1997 168
Tabela 4: Exportao da regio Norte para o exterior, 1958 (Valores
FOB a
preos de 1974) 169
Tabela 5: Renda interna da indstria da regio Norte e do Amap,
1959 e
1970, em Cr$ 1.000 173
Tabela 6: Destino do mangans amapaense (toneladas), 1957-1997,
Anos
selecionados. 177
Tabela 7: Distribuio do valor da produo do mangans amapaense (%)
182
Tabela 8: Reinvestimentos da Icomi/Caemi no Amap US$ 1.000 de
2003 183
Tabela 9: Recursos programados no I Plano de Desenvolvimento do
Amap/
II Plano Nacional de Desenvolvimento, 1975-1979 201
Tabela 10: Participao do Imposto nico sobre Minerais (IUM) na
receita
total arrecadada em Macap, em Cr$ 215
Tabela 11: Valor da produo mineral e do IUM, 1988 216
Tabela 12: Participao percentual do Amap nas exportaes
minerais
brasileiras, 1957-2000, intervalos selecionados 217
Tabela 13: Saldo comercial e participao do Amap nas exportaes
da
regio Norte, US$ 1.000 FOB 218
Tabela 14: Participao do PIB amapaense em relao ao PIB do Norte;
da
Indstria do Amap em relao a do Norte e da Indst. Amap em
relao do PIB do Amap (em %) 219
Tabela 15: Evoluo do funcionalismo pblico no Amap, 1944-1993
(anos
selecionados) 220
Tabela 16: Empregados diretos no Amap da Icomi e de
empreendimentos
associados, 1957-1999 (anos selecionados) 220
Tabela 17: Evoluo demogrfica amapaense, 1950-2000 224
royalties
-
Tabela 18: Produo da economia amapaense, a partir da somatria
dos
principais produtos de cada ramo produtivo, 1962, em Cr$ 230
Tabela 19: Receita arrecadada por municpio, anos selecionados
236
-
LISTA DE MAPAS E FIGURAS
Mapa 1: Localizao do Amap 2
Mapa 2: Brasil e seus territrios federais em 1945 67
Figura 1: reas fronteirias de conflito territorial entre o
Brasil e outros
pases 69
Figura 2: Organograma do Plano de Organizao Administrativa do
TFA de
1944 84
Figura 3: Futuro da Amaznia dependeria da explorao do ferro do
Amap 123
Figura 4: Complexo Icomi no Amap 150
Figura 5: Localizao das minas de mangans da Serra do Navio
151
Figura 6: Manchete principal do prometendo transformar o
TFA num grande parque industrial 160
Figura 7: Emprstimo do Eximbank seria, primeiramente, para o
ogresso
do Amap 161
Figura 8: Proporo dos principais produtos da produo amapaense
por
municpio, 1962 229
Figura 7: Relao entre a populao rural e urbana do Amap,
1950-1990 233
Figura 8: Diviso poltico-administrativa do Amap 1943, 1956 e
2000 228
Figura 9: Depsito de rejeitos de mangans em Santana 241
Figura 10: Lago artificial surgido da extrao de mangans na
mina
Terezinha-6 243
Figura 11: Minrio de baixo teor descartado na Serra do Navio
244
Figura 12: Aterro para onde seriam transferidos os rejeitos do
de
Santana 245
Jornal Amap
-
LISTA DE GRFICOS
Grfico 1: Principais produtos da produo dos municpios amapaenses
em
1962 231
Grfico 2: Evoluo da populao urbana e rural do Amap, 1940-1990
234
Grfico 3: Comparativo da populao do TFA e de Macap, 1950-2000
234
-
ANEXOS
Anexo 1: Figura do Contestado Franco-BrasileiroAnexo 2: Figura
do esboo das reas de ocorrncia mineral no Amap, anos
1940
283
284Anexo 3: Quadro de ocorrncias minerais divulgadas no Amap
285Anexo 4: Canteiro de obras da hidreltrica de Paredo (Icoaracy
Nunes),
anos 1960 286
-
SUMRIO
1 INTRODUO
2 O REGIONALISMO COMO QUESTO IMPORTANTE NO ESTUDO
DO AMAP
3 DA SITUAO COLONIAL FUNDAO DO TERRITRIO
FEDERAL DO AMAP
4 DO FERRO AO MANGANS
1
1.1 LOCALIZANDO O AMAP E ESTUDOS J REALIZADOS 1
1.2 A MINERAO NO AMAP 6
1.3 PROBLEMATIZAO 7
1.4 PERSPECTIVAS TERICO-METODOLGICAS: UNIDADE HISTRICA
E REGIONALISMO 11
1.5 SOBRE AS FONTES 15
18
2.1 REGIONALISMO COMO DISCUSSO TERICA 18
2.2
2.3
REGIONALISMO E AUTONOMIA NO AMAP
IDENTIDADE E REGIONALISMO NO AMAP
29
33
41
3.1 O AMAP NO PERODO COLONIAL E NO BRASIL IMPERIAL 41
3.2 DO REORDENAMENTO TERRITORIAL CENTRALIZAO
POPULISTA VARGUISTA 46
3.3 CENTRALIZAO, REORDENAMENTO TERRITORIAL E
SEGURANA NACIONAL: O AMAP NA FUNDAO DOS
TERRITRIOS FEDERAIS 59
3.4 FRAGILIDADE DOS ESTADOS AMAZNICOS E A RELAO ENTRE
PAR E AMAP 71
3.5 A INSTABILIDADE DOS TERRITRIOS FEDERAIS 75
3.6 QUESTES ECONMICAS E ADMINISTRATIVAS NO NOVO
TERRITRIO FEDERAL 82
3.7 POPULISMO E DISPUTAS POLTICAS LOCAIS 87
3.8 AUTONOMIA COMO PRODUTO DO PROGRESSO ECONMICO 94
97
4.1 POLMICAS EM TORNO DA INDUSTRIALIZAO, DO ESTADO, DO
CAPITAL ESTRANGEIRO E DA MINERAO 97
4.2 O AMAP NO CENRIO AMAZNICO DAS DCADAS DE 1940 E 1950 108
-
4.3 O CONTRATO COM A HANNA EXPLORATION COMPANY NO
AMAP 112
4.4 O MANGANS AMAPAENSE NO CENRIO DAS DISPUTAS
INTERNACIONAIS 125
4.5 DA DESCOBERTA DO MANGANS AO CONTRATO COM A ICOMI 129
4.6 A ICOMI E O PROJETO DE ESTADO MINERADOR-INDUSTRIAL 153
4.7 A ICOMI COMO RECURSO POLTICO DESENVOLVIMENTISTA 160
165
5.1 A EVOLUO DA PRODUO DA ICOMI 166
5.2 ICOMI, DISPUTAS LOCAIS, LIMITAES ECONMICAS E
INTENSIFICAO DA CAMPANHA AUTONOMISTA 185
5.2.1 A Produo do Mangans e o Cenrio Poltico Amapaense no Perodo
de 1960
a 1964 185
5.2.2 Do Golpe Militar ao Final dos Anos de 1970: Diversificao
da Produo da
Icomi e Enfraquecimento da Campanha Autonomista 194
5.2.3 As Contradies do Projeto do Estado Minerador-Industrial
203
5.2.4 A Retomada da Campanha pela Transformao do Amap em Estado
e a
Diminuio da Importncia Relativa da Minerao no Movimento
Autonomista 206
5.3 A ICOMI NO MOMENTO DE CRIAO DO ESTADO DO AMAP 213
223
6.1 A PRESENA DA ICOMI NA (RE)ORGANIZAO ESPACIAL DO
AMAP 223
6.2 A QUESTO FSICO-SCIO-AMBIENTAL NA EXPLORAO DO
MANGANS
240
248
260
282
5 PRODUO DA ICOMI E A AUTONOMIA DO TFA: DAS
CONTRADIES TRANSFORMAO DO AMAP EM ESTADO
6 ICOMI, (RE)ORGANIZAO ESPACIAL E QUESTO FSICO-
SCIO-AMBIENTAL NA EXPLORAO DO MANGANS
AMAPAENSE
7 CONCLUSO
REFERNCIAS
ANEXOS
-
1
Que papel teve a empresa Indstria e Comrcio de Minr S.A. (Icomi)
na
consolidao do Territrio Federal do Amap (TFA) e na sua
transformao em estado da
Federao brasileira? Eis a questo que nos intrigou nesta
tese.
1.1 LOCALIZANDO O AMAP E ESTUDOS J REALIZADOS
O Amap, com seus 142.814,585 km, segundo o Instituto Brasileiro
de Geografia e
Estatstica (IBGE, 2008), est situado numa rea de fronteira
internacional do Brasil, mais
especificamente na Amaznia Oriental e na desembocadura do rio
Amazonas, tendo o Estado
do Par como limite ao sul/sudeste (rio Amazonas) e ao
sul/sudoeste (rio Jari); ao
norte/nordeste, seu limite o oceano Atlntico e, ao oeste, faz
fronteira com a
Guiana Francesa, havendo ainda uma pequena parcela de territrio
ao extremo-oeste que
tem como limite o Suriname (Mapa 1).
Diversos estudos j foram realizados sobre o Amap. Co objetivos e
pontos de
origem diferentes, eles nos ajudaram no apenas a contextualizar
o desenvolvimento desse
estado como tambm nos serviram de referncia para a construo de
outra perspectiva
analtica diferente da linha condutora comum presente nesses
trabalhos.
Arthur Reis (1949) estudou os primeiros anos logo aps a criao do
Territrio
Federal do Amap (TFA), comparando as informaes disponveis sobre
o que existia antes
dessa criao com as primeiras transformaes que ocorriam. O autor
enalteceu a fundao
desse e de outros Territrios Federais (TF) colocando-a como
expresso do progresso para a
regio.
1 INTRODUO
-
2
: Digital Chart of the World (www.maproom.psu.edu/dew), Arruda
(1997), Esri (www.esri.com/lega/copyright-tradmarls.html), Anurio
Estatstico IBGE, 1992. Elaborao de Luiz Barbosa e Indira
Marques.
Fonte
Mapa 1: Localizao do Amap.
-
3
A obra de Arthur Reis foi publicada em 1949, pouco dep da
assinatura do contrato
de explorao do mangans amapaense pela Icomi e, na prtica, antes
da instalao da
empresa no Amap. Portanto, a Icomi inexistia por ocasio deste
trabalho. Isso ,
evidentemente, um elemento que ajuda a entender as limitaes do
estudo, pois as
informaes disponveis eram incipientes e frgeis, dadas as
fragilidades dos levantamentos
feitos pelo Territrio. Outra limitao deve-se ao objetivo de
necessariamente enaltecer o
novo Territrio, de construir um discurso performtico que o
justificasse, o que obscureceu
em parte a possibilidade de uma interpretao crtica a criao do
TFA e sobre seus
primeiros anos de existncia. Em todo caso, se desconsiderarmos o
relatrio feito pelo
governador Janary Nunes no final de 1944, o trabalho de Reis foi
o primeiro estudo de maior
envergadura feito sobre o Amap.
Fernando Santos (1998), por sua vez, estudou a histria do Amap
concentrando-se na
figura do primeiro governador do Territrio, Janary Nunes, e no
fenmeno dele decorrente: o
janarismo. A Icomi foi abordada no trabalho, mas com um elemento
bastante secundrio
na histria amapaense do perodo, de modo que a empresa
representava muito mais um dado
do que um elemento a ser estudado e problematizado. Assim, as
variveis explicativas dos
fenmenos que marcaram o TFA foram localizadas, por esse autor,
nos processos em torno da
figura do ex-governador amapaense, perdendo-se a possibilidade
de localizar-se na frtil
interseco entre Icomi e governo do Amap.
Daniel Brito (1994) estudou criticamente a Icomi e as s nas
relaes
socioambientais introduzidas pela empresa, entretanto u seu
estudo na empresa em si,
relegando ao segundo plano, por exemplo, a elite
poltico-administrativa. Esse autor seguiu,
assim, um movimento inverso ao de Santos. Apesar disso e ainda
que de forma secundria,
analisou o papel do governo no desenvolvimento do processo de
explorao mineral a partir
da Icomi, discutindo, alm dos impactos sociais e ambientais, as
limitaes do projeto para o
-
4
desenvolvimento regional. Porm, quando se props a fazer uma
anlise da relao entre
governo do Territrio e empresa, ele tomou essa relao como algo
dado, e no como um
processo que foi construdo e, ao mesmo tempo, construiu o estado
amapaense.
Jadson Porto (2003) estudou as transformaes
econmico-institucionais, em cujo
contexto analisou a Icomi e a consolidao do TFA. Ele constatou
que a presena da Icomi
produziu transformaes, contudo essa constatao apareceu muito
mais como um dado do
que como uma problematizao da relao entre o Territrio e a Icomi.
Alm disso, Porto
efetuou uma periodizao que, na prtica, separou o TFA do Estado
do Amap, como se
fossem dois processos diversos e distintos.1 Afora isso,
localizou e destacou a gnese do
Territrio, mas no a problematizou, tampouco examinou a relao
Icomi-Amap com a
ateno necessria para o entendimento daquilo que ele prprio
props-se a fazer: estudar as
principais transformaes econmicas e institucionais no intervalo
temporal que vai da
fundao do Territrio ao ano de 2000.
Jos Drummond e Maringela Pereira (2007) procuraram fazer
correlaes entre a
Icomi e o TFA, chegando a falar rapidamente de um papel fundador
da empresa em relao
ao Amap. O estudo desses dois autores foi bem fundamentado em
informaes quantitativas,
mas tornou-se fundamentalmente descritivo e pouco problematizou
os dados disponveis. O
resultado foi que, apesar de afirmarem que fariam uma anlise
isenta, acabaram em inmeros
momentos tendo como preocupao central enaltecer a presena e o
papel desempenhado pela
empresa no Amap.
Evidentemente que cada autor citado se props objetivos e focos
especficos, de modo
que isso marcou cada trabalho em si. No colocamos em questo a
importncia desses
estudos, inclusive recorremos a eles sempre que necessrio, mas,
para alcanarmos os
propsitos desta tese, tivemos de questionar as interpretaes que
analisaram a Icomi a
1 Evidentemente no deixamos de constatar que h fases
especificidades diferentes entre o TFA e o Estado do Amap, mas
buscaremos comprovar que so partes compone e um processo longo, no
linear.
-
5
fundao do estado amapaense como processos distintos. Partimos
justamente daquilo que
elas negaram e o transformamos em objeto de estudo, ou seja,
reexaminamos o processo
histrico e a evoluo geogrfica amapaense, evidenciando a relao
entre TFA e Icomi como
a gnese do Estado do Amap. Nesse movimento de construo, no se
poderia examinar a
histria da formao poltica e econmico-financeira do Amap de forma
linear. A anlise
deveria necessariamente ser complexa. Fomos ao passado para
entender as relaes que
explicavam o presente, na tentativa de desconstruir mitos.2
O perodo da fundao do Territrio Federal do Amap e da instalao
local da Icomi
ganhou destaque como ponto de partida para compreender a busca
das autonomias
econmico-financeira e poltica do Amap,3 que se configuraram
tambm como
manifestaes regionalistas. No objetivamos fazer um balano da
atuao da empresa no
Amap de modo a enveredar pelo caminho da crtica exacerbada de
sua presena, tampouco
fazer sua defesa ufanista. Por outro lado, no poderamos nem
negar a importncia da
empresa na configurao da realidade existente no que oje
constitui essa unidade federativa,
nem sequer deixar de observar os srios problemas decorrentes
dessa presena, entre os quais
se destacava o fato de que a riqueza por ela extrada pouco
promoveu em termos de
desenvolvimento local duradouro sociedade amapaense. Esse mesmo
procedimento tambm
foi adotado no tocante ao governo do Territrio Federal do
Amap.
Assim, examinamos privilegiadamente a relao entre empresa e
governo do Amap
no processo de autonomia dessa unidade federativa. A busca por
esse processo de
emancipao poltica e econmico-administrativa foi um elemento
fundamental na
constituio do movimento regionalista.
2 O que no quer dizer que o presente explica-se apenas pelo
passado; se pensssemos assim, estaramos desconsiderando os fenmenos
e atores atuais na compreenso da realidade hoje existente.3 Apesar
de falarmos em autonomias (no plural), compreendemos o processo
como um s. Depende do perodo em anlise, a busca da autonomia do
Amap (e o discurso em torno dela) sustentou-se mais em elementos
econmico-financeiros ou em polticos. Nos primeiros anos de criao do
TFA, foram os elementos econmico-financeiros que se destacaram.
-
6
1.2 A MINERAO NO AMAP
O Amap desde h muito j contava com uma produo mineral,
destacando-se a
explorao artesanal de ouro. Em 1934, o Departamento de Produo
Mineral
(DNPM) constatou a presena de mangans no rio Amapari. Quando o
governo do Territrio,
na figura de Janary Nunes, assumiu a administrao do Amap,
desenvolveu-se uma poltica
ativa no sentido de descobrir e explorar reservas minerais. Em
1945, anunciou-se a descoberta
de reservas de ferro no rio Vila Nova, o que originou contrato
de pesquisa e explorao
entre o governo do Territrio e a empresa estadunidense Hanna
Exploration Company, que
no evoluiu para uma produo mineral efetiva. Ainda em 1945,
descobriram-se reservas de
mangans na Serra do Navio. O governo do Territrio abriu licitao
para a sua explorao, e
a Icomi, sediada em Minas Gerais, saiu vitoriosa.
O contrato de estudo de viabilidade da explorao das foi assinado
em 1947
entre a Icomi e o Governo do Territrio Federal do Amap (GTFA),
sendo que em 1950, ele
foi revisado e por meio de tal reviso a empresa passou a ter a
prerrogativa de explorao
dessas reservas e, tambm, a possibilidade de associar-se a
empresas estrangeiras para tal.
Logo em seguida reviso contratual, a Icomi associou-se
norte-americana Bethlehem Steel
Company num contexto de polmicas acerca da participao do capital
estrangeiro na
economia brasileira.
As primeiras exportaes de mangans ocorreram em 1957 e
constituram o principal
elemento propulsor da produo econmica amapaense e, at meados dos
anos 1960 pelo
menos, a principal fonte, para a regio amaznica, de isas
oriundas do mercado
internacional.
-
7
Afirmamos desde j que a presena da Icomi foi um elemento
importante para a
consolidao econmica do novo Territrio. De outro lado, o
governador Janary atuou
ativamente junto ao Congresso Nacional e Presidncia da Repblica
a fim de reunir os
elementos necessrios ao incio e continuidade da explorao de
mangans do Amap. A
partir de meados dos anos 1960, a Icomi procurou diversificar
sua produo, recorrendo a
outros produtos e atividades. A produo de mangans entrou em
crise nos anos 1980,
exaurindo-se na dcada seguinte. Em 1997, a empresa solicitou
oficialmente ao DNPM o
encerramento dessa produo no Amap.4
Ainda na dcada de 1960, surgiram propostas de elevao do TFA
categoria de
estado, prolongando-se essa discusso pelas dcadas seguintes.
Isso culminou no debate no
Amap sobre a sua manuteno como territrio federal ou sua ascenso
federativa, formando-
se correntes defendendo argumentos favorveis a uma e a outra
posio. Em 1988, o Amap e
os demais territrios, exceo de Fernando de Noronha, foram
transformados em estados.
1.3 PROBLEMATIZAO
Com a descoberta do mangans, o Amap, para alm de fronteira
internacional,
transformou-se em fronteira econmica. Estendemos nossa pesquisa
at o final dos anos 1980,
quando se criou o estado. Nossa anlise norteou-se principalmente
pelas seguintes questes:
quando, como e por que o Amap se transformou em um estado, em
uma unidade federativa
autnoma? O Amap foi desde o incio uma realidade geogrfica e
histrica (pr-existente) ou
trata-se de uma unidade socialmente construda, imposta por
decreto? No processo de
inveno do Amap, qual era o significado das riquezas minerais,
ento recm-descobertas?
Qual foi o papel desempenhado pela Icomi no processo? Como foi
construda a perspectiva
4 A exausto de uma mina de explorao superficial acontece todas
as vezes que a relao entre estril e minrio torna-se desfavorvel
para a empresa que a explora, face ao preo baixo do minrio.
-
8
autonomista no Amap? Mais especificamente: qual foi o papel da
Icomi na construo da
autonomia econmico-financeira e poltica do Amap?
Evidentemente no queremos reduzir a consolidao do TFA e sua
transformao em
estado somente ao papel da Icomi; queremos, antes, destacar a
devida importncia da
empresa, pois ela estabeleceu uma relao de funcional com o espao
do TFA,
implantando, por exemplo, a infraestrutura para a extrao e a
transformao do minrio de
mangans (dinamizando a economia e a demografia locais) e, com
isso, tornou-se elemento
importante para a construo da perspectiva autonomista, tanto
pelo seu contedo concreto
quanto pelo seu vis simblico.
Como o Estado foi criado com a Constituio de 1988, pode parecer
contraditrio
ressaltar a importncia da Icomi no processo de autonomia do Amap
justamente na fase de
encerramento de suas atividades, quando seu papel econmico e
simblico no acalantava,
nem sustentava mais a perspectiva antes propagandeada
grandiosidade e de
desenvolvimento do Amap a partir do discurso do projeto
mineral-industrial. Ao contrrio. A
empresa despertava crticas e ressentimentos em grande parte dos
amapaenses, fosse em
funo dos problemas fsico-ambientais ou do fato de ela havia
levado as reservas
mangans exausto. O Amap ficara longe da propaganda
desenvolvimentista feita em torno
desse empreendimento. Quando apresentamos nossa problemtica a
amapaenses e
pesquisadores, de imediato surgiu um questionamento e crtica:
como voc quer fazer
tal anlise, se o papel de destaque da Icomi foi anter ao perodo
em que o TFA se
transformou em estado? Desse modo, a Icomi s teria sido
importante para o Territrio do
Amap, e no para a sua constituio em estado. Foi justamente isso
que quisemos descortinar
comprovando que a empresa foi to importante para o TFA quanto
para sua transformao
futura em estado.
-
9
Foi com a significativa explorao do mangans pela Icomi que o
Amap consolidou-
se como um Territrio Federal e depois reuniu condies para
afirmar-se como estado.
Tratava-se de fazer existir um territrio visto como uma entidade
social e economicamente
vivel, mas em processo de construo como instituio que tinha um
projeto de progresso
que se materializaria no futuro estado.
Como ento foi possvel destacar tal importncia da Icomi nos
projetos de
transformao do Amap em estado? Primeiro, devemos compreender que
a transformao do
Territrio Federal do Amap em estado no foi algo repentino, fruto
do presente,
simplesmente. O estado amapaense, com seu territrio geogrfico,
sua identidade e
organizao espacial, administrativa e institucional, fruto de uma
construo histrico-
geogrfica de longa durao. Faz-se assim necessrio entender o
passado no sentido de refletir
sobre a consolidao do Territrio e sua transformao em estado,
reconstruindo e
problematizando a sua gnese, o significado das suas riquezas
naturais e o papel
desempenhado pela Icomi.
Um instrumento importante que nos ajudou neste movimento
analtico foi a
perspectiva de unidade histrica aplicada Europa por Febvre
(2004),5 que nos permitiu
pensar o Amap e refletir sobre quando se achavam reunidos seus
elementos constitutivos
enquanto organizao poltica, econmica e geogrfica. Mais
precisamente, refletimos quando
se teve a gnese histrica do estado amapaense. O estudo da gnese
histrica permitiu-nos
analisar e destacar dois elementos, que acreditamos
fundamentais, pr-condicionais
elevao do Amap condio de estado, unidade da Federao: o TFA e a
Icomi. Assim, no
compreendemos o processo de formao histrica do TFA um fenmeno
parte do
Estado do Amap. Territrio e estado amapaense so partes da evoluo
de um mesm
processo histrico-geogrfico, com momentos e particularidades
prprios, verdade, mas um
5 Publicado primeiramente na Europa em 1999.
-
10
mesmo processo. Estudamos, portanto, a gnese do Estado do Amap
na relao entre a Icomi
e o TFA desde o estabelecimento da empresa no espao
amapaense.
Na tentativa de entender e descortinar as relaes entre TFA e
Icomi, entre seus
elementos sociais e o projeto poltico regionalista, recorremos,
entre outros, ao discurso dos
governantes e dos empresrios, o que nos possibilitou observar a
movimentao das foras
polticas e econmicas no desenvolvimento do Amap at sua
culminncia em estado. Mais
que isso: como a Icomi e o projeto de um estado sustentado na
promessa da industrializao
mineral serviram, primeiro, proposta desenvolvimentista e
autonomista e, depois, deixaram
de ser importantes para tal. Utilizamos o conceito de
regionalismo como mais um elemento
para estudar a gnese histrico-geogrfica da autonomia
amapaense.
No estudo das polticas autonomistas, evidenciamos as relaes
externas
(particularmente, entre TFA e governo federal) e internas (entre
TFA e Icomi, por exemplo)
nestas ltimas, as relaes entre aes e propagandas o governo local
e da Icomi, visando,
por um lado, unir objetivos e suscitar na sociedade do TFA o
sentimento de se ver como
amapaense (fator importante na sua individualizao em relao s
demais unidades da
Federao brasileira) e, por outro, despertar o interesse pela
autonomia dessa unidade
federativa. Assim, nosso campo de estudo partiu da geografia e
dialogou com a histria e a
poltica.
Em sntese, as questes centrais que nortearam a construo da tese
proposta foram:
quando, como e por que o Amap se constituiu em unidade autnoma
da Federao? Qual foi
o papel desempenhado pela Icomi nesse processo? Para tal,
trabalhamos, entre outras, com a
premissa de que a Icomi desempenhou papel fundamental na
viabilizao econmica e
poltica do Territrio Federal do Amap e, nesse processo, em sua
transformao em estado
da Federao.
-
11
No perodo em anlise, a problemtica amapaense em questo pode ser
resumida em
dois problemas interligados: o de gnese de um territrio federal,
associado localizao e
ocorrncia mineral, ou seja, de um territrio federal (cuja criao
foi politicamente imposta
pela sua condio de fronteira internacional) que tinha a meta de
viabilizar-se como uma
entidade financeira e administrativamente mais autnoma possvel;
outro de cunho
regionalista, subjetivo, bem como de organizao poltica do espao
interno e regional. Esses
dois aspectos de um mesmo processo compunham a luta por uma
entidade social, territorial e
administrativamente autnoma. Em outras palavras, a problemtica
amapaense em questo
estava situada na interseco da poltica, do desenvolvimento
extrativo mineral e das
aspiraes regionalistas de fazer-se ver e tornar-se autnomo, do
ponto de vista tanto
econmico-financeiro quanto poltico.
1.4 PERSPECTIVAS TERICO-METODOLGICAS: UNIDADE HISTRICA E
REGIONALISMO
Com base no levantamento histrico que realizamos, foi possvel
afirmar que o Amap
foi muito menos um fato em si (a criao do Territrio Federal e
depois do estado) e muito
mais um processo socialmente construdo, entendido na perspectiva
das relaes estabelecidas
entre os atores envolvidos nessa construo. Para o fim deste
muito nos ajudou a
perspectiva metodolgica da unidade histrica6 apresentado por
Lucien Febvre (2004).
Objetivamos entender que o Amap estado foi uma construo social,
real, e no algo dado
por natureza ou conseqncia simples do presente.
Tal como Febvre, que procurou destacar que a noo de Europa era
uma noo real e
viva (FEBVRE, 2004, p. 61), portadora de uma solidariedade
comum, de uma civilizao
6 Enquanto uma construo social que se pode saber quando surgiu e
com quais foras sociais, ou seja, que se pode precisar sua gnese
histrica. Neste sentido, no devemos confundir com uma unidade
federativa, que uma diviso poltico-administrativa de um pas.
-
12
comum,7 interessou-nos saber com quais elementos geogrficos e
sociais foi constitudo o
Amap. Quais eram as foras polticas e sociais que o de fora e de
dentro, que lhe
deram, entre outras, sua forma poltica, econmica e cultural? O
que queremos evidenciar
com esta perspectiva metodolgica que a compreenso do presente
necessita de um
conhecimento preciso do passado, no sentido de desvendar uma
gnese que no se inicia com
um fato em si, tal qual a data de criao do Estado do Amap, por
exemplo.
Um movimento terico que buscou analisar o movimento histrico da
sociedade, mas
partindo da geografia e, portanto, do territrio (enquanto
conceito geogrfico), foi realizado
por Moraes (2000). Esse autor usou como objeto emprico a
categoria formao territorial
para apreender o movimento histrico da sociedade. O conceito de
territrio, no contexto do
Estado-Nao, destacou-se como uma escala analtica que objetivou
uma relao entre
sociedade e espao, uma viso angular especfica da histria. Nessa
abordagem o territrio foi
apresentado como um espao dotado de uma historicidade prpria,
que corresponderia
espacialidade de uma dada formao econmica e social, ou seja,
todo territrio tem uma
histria que explica sua conformao e sua estrutura atual. Para
apreend-la necessrio
equacion-la como um processo (MORAES, 2000, p. 21).
A formao territorial foi, assim, apresentada por Moraes (2000)
como um objeto de
pesquisa de anlise histrica retrospectiva, uma vez que o autor
buscou a gnese dos
conjuntos espaciais contemporneos que no passado no
necessariamente possuam unidade
e integrao. Tomaram-se os territrios atuais como resultado de
uma histria cuja lgica foi
atribuda e os estudos dos processos de formao territorial
indicaram que
seus resultados foram construes de natureza diversas: blicas,
jurdicas, ideolgicas e
polticas. O territrio, enquanto uma construo poltica teve tambm
de ser reintegrado por
meio de pactos e disputas sociais. At por isso, a formao
territorial apresentou ainda uma
7 Na perspectiva do autor, a civilizao era algo que por natureza
tendia ao universal uma homogeneizao no sentido de se ver como
iguais.
post festum
-
13
face ideolgica, resultando em construes discursivas que comandam
tanto a conscincia dos
lugares quanto sua produo material. A questo federativa, o
regionalismo e a
municipalizao exemplificaram bem o contedo de tais sociais de
ordenamento
poltico do poder no espao que, por sua vez, expressaram pactos
territoriais.
A anlise de Moraes (2000) e, particularmente, a de Febvre
(2004), chamam a ateno
para a discusso da identidade. Featherstone (1998) interpretou-a
a partir da anlise da
comunidade/nao no contexto da globalizao. A comunidade nacional
foi inveno, porm
no foi criada do nada, ao contrrio, sustentava-se
necessariamente em um estoque comum de
mitos, heris, eventos, paisagens e memrias que deveriam ser
organizados e que assumiam
um papel crucial na construo do nacional. A relao diferenciao
externa entre ns e
eles unificava as estruturas internas dos grupos; aparentando
para quem visse de fora a
localidade de fora uma imagem unificada e homognea dessa
cultura. A cultura local era
internamente sedimentada pelas experincias cotidianas e pelas
crenas comuns, mas a
integrao dessas crenas e do sentimento de pertencimento, de
particularidade tornava-se
mais definida no contato com o outro. Foi por meio do contato
que os grupos criaram,
recriaram smbolos e formaram uma imagem unificada sua, afirmando
sua identidade em
relao ao outro.
Ortiz (2005), ao estudar a cultura brasileira e a identidade
nacional, afirmou que toda
identidade define-se em relao a algo que lhe externo. Alm da
dimenso exterior, a
identidade possui outra dimenso interna, que o que os
identifica. Identidade foi entendida,
nessa compreenso terica, como algo que se construiu, como uma
construo simblica. Ela
no espontnea. Essa viso eliminou da anlise questes sobre
falsidade ou verdade do que
era produzido, pois, existiria no uma identidade autntica, mas
uma pluralidade de
identidades, construdas por diferentes grupos em diferentes
momentos histricos.
-
14
Entender a identidade significava, ento, compreend-la como
projeto que se vincula
s formas sociais que a sustentam (ORTIZ, 2005, p. 13 . Foi dessa
forma que o autor
entendeu o que seria a identidade nacional. Na sua tica, foi o
Estado que delimitou o
quadro de construo dessa identidade, constituda por meio de uma
relao poltica. Isso
implicava afirmar que existia a histria da identidade e da
cultura brasileira que correspondia
aos interesses dos diferentes grupos sociais na sua relao com o
Estado. A questo
fundamental a respeito da identidade nacional consiste em saber
quem o artfice desta
identidade e desta memria que se querem nacionais? A que grupos
sociais elas se vinculam e
a que interesses elas servem? (ORTIZ, 2005, p. 39). Tudo isso
deve ser considerado quando
se analisa o processo de autonomia do Amap.
A elaborao da identidade regional foi um elemento importante no
movimento
regionalista. Assim, as questes levantadas por Ortiz foram tambm
pertinentes para a anlise
do regionalismo no Amap, reforando a compreenso colocada por
Featherstone (identidade
relacional) e tornando mais complexa, a partir de sua
incorporao, a noo de unidade
histrica.
No Amap, a construo da identidade foi importante para a
existncia de um
movimento regionalista, e particularmente autonomista, conduzido
por uma elite poltica em
formao, cujas aes e cujo discurso buscaram, primei afirmar o TFA
como uma unidade
da Federao brasileira e, posteriormente, elev-lo condio de
estado brasileiro. O estudo
do regionalismo possibilitou-nos visualizar a ao poltica na
relao entre o governo do TFA
e a Icomi. Pela importncia do tema, o regionalismo ser abordado
em seo especfica.
-
15
1.5 SOBRE AS FONTES
Nossa abordagem do objeto de estudo partiu de uma caracterizao
dos processos
histrico-geogrficos, polticos e econmico-financeiros, incluindo
elementos da organizao
administrativa, espacial, demogrfica, simblica e cultural do
Amap. Desse modo, o trabalho
situou-se na fronteira entre a geografia, a economia e a histria
do Amap e manteve dilogos
com a poltica. Destacamos, portanto, duas rbitas que se
interligaram: a gnese e a
organizao do espao, ou seja, a relao entre tempo e espao.8
A busca das autonomias polticas e econmico-financeiras foram
fundamentais para
a construo do Estado do Amap. Assim, para alcanar nossos
objetivos, trabalhamos com
trs fontes de informaes, alm do levantamento da literatura e da
consulta de documentos
oficiais. Primeiro, estudamos a evoluo e a diversificao da
produo da Icomi (exportao,
receita, pagos e novos empreendimentos), relacionando-as, em
diversos momentos,
com o desenvolvimento da demografia local, a arrecadao fiscal, o
valor dos principais
ramos produtivos do Territrio e a (re)organizao espacial
(originando novos ncleos
populacionais ou dinamizando outros j existentes). Recorremos a
uma srie de dados
secundrios (anurios, censos, estatsticas e publicaes da Icomi,
Receita Federal e outros),
analisando-os no sentido de compreender a dinmica da relao entre
o TFA e a Icomi na
construo do Amap estado.
A respeito dos dados sobre a produo do mangans (qua exportada,
receita e
), constatamos algumas diferenas entre os montantes dos valores
divulgados pela
8 Nossa ateno especial concentrou-se naquele que foi o maior
empreendimento produtivo do setor privado no Amap o complexo Icomi.
Sua importncia para a transformao do Amap em estado levou-nos a no
dar a mesma ateno a outro projeto de explorao de recursos naturais
implantado no Territrio: o projeto Jari. Esse projeto foi
significativo no ltimo perodo do Amap como territrio federal, porm
no teve o mesmo impacto sobre a dinmica econmico-espacial
amapaense. Por conta disso e da nossa concentrao no objeto proposto
para a tese, o projeto Jari foi abordado apenas superficial e
rapidamente. Alm disso, outro tema abordado de forma bastante
secundria foi a questo ambiental. A r m se deve a que nosso objeto
no enfatizar essa temtica com destaque.
royalties
royalties
-
16
empresa e aqueles registrados pela Receita Federal. Alm disso,
os dados colhidos na empresa
apresentaram uma srie histrica menor. Por causa disso, optamos
por seguir os dados da
Receita Federal.
As informaes sobre a evoluo demogrfica (quantidade de
habitantes, populao
rural e urbana, concentrao populacional) e sobre a formao de
novos municpios foram
retiradas dos censos demogrficos e dos anurios estatsticos do
IBGE e dos anurios
estatsticos do governo do Amap.
Em relao arrecadao fiscal, no foi possvel construir uma srie
histrica
confivel. A razo principal, mas no nica, foi que, muitos anos, a
Receita Federal e os
anurios do IBGE no apresentaram nmeros especficos o TFA,
incluindo sua
arrecadao tributria na arrecadao do Estado do Par. Nesse caso,
optamos por fazer um
levantamento, ainda que incompleto, nos anurios estatsticos do
Amap.
Os demais dados sobre a economia (valor da produo dos setores
produtivos,
produo do extrativismo mineral em relao economia amapaense e do
Norte e outros)
foram levantados juntos aos anurios do IBGE e do Amap, do Atlas
do Amap de 1966
(elaborado tambm pelo IBGE) e dos planos de desenvolvimento do
Amap.
Eventualmente, na impossibilidade de ter acesso a outras fontes,
recorremos a
informaes presentes em outros trabalhos realizados sobre o Amap:
Porto (2003),
Drummond e Pereira (2006) e Leal (2007a, 2007b).
A segunda fonte em que nos apoiamos foi o , que foi fundado
pelo
governo do Territrio em 1945 e se manteve at o final dos anos
1970. Ele funcionava, na
prtica, como o rgo oficial desse governo, apresentando posies
governamentais,
discursos, documentos (como os contratos de explorao mineral) e
reprodues do
e de matrias de jornais do Rio de Janeiro, de So Paulo e de Belm
do Par.
Por meio dele, tivemos acesso a documentos at ento inacessveis,
estatsticas e posies dos
Jornal Amap
Dirio
Oficial da Unio
-
17
principais atores polticos envolvidos diretamente com a idia de
autonomia, relacionados
com o nosso objeto de pesquisa. Essa fonte foi de enor
importncia para nossa pesquisa,
dada a falta de informaes estatsticas, documentais histricas
registradas sobre o Amap.
Embora a Biblioteca Pblica de Macap no conte com alguns de seus
exemplares, o vasto
levantamento que realizamos (trs dcadas contnuas) ajudou-nos
muito a fazer a anlise
histrica necessria complementada por outros jornais, como o
(incio dos
anos 1960), o e o na dcada de 1980, entre outros.
Finalmente, como terceira fonte, alm do dilogo com
pesquisadores,9 entrevistamos
algumas pessoas que viveram e atuaram no intervalo temporal que
compreendeu nosso objeto
de estudo: familiares de personalidades polticas dos anos 1940 a
1970, funcionrios da
Icomi, o ex-governador do Amap Annibal Barcellos e o
ex-governador do Par e ex-ministro
Jarbas Passarinho. As entrevistas foram conduzidas no ntido de
perceber-se o movimento
dos principais atores presentes no processo de emancipao poltica
do Amap, a relao
destes com a populao em geral, os discursos e interesses em
questo e, ainda, a utilizao
do aparato governamental para alcanar o objetivo
autonomista.
Alm de Macap, nossa pesquisa incluiu instituies de Belm do Par
(Arquivo
Pblico, jornais locais, Universidade Federal do Par UFPA), IBGE,
etc.), do Rio de Janeiro
(Ministrio da Fazenda, IBGE, Ministrio do Exrcito e bibliotecas
de universidades) e de
Braslia (Senado e Cmara Federal).
9 Maria Clia Coelho, Alusio Leal, Rosa Acevedo, Gilberto
Marques, Maurlio Monteiro e outros.
Voz Catlica
Informativo Amap Jornal do Dia
-
18
O regionalismo possui diferentes dimenses, como a econmica, a
poltica, a
simblica. Privilegiamos aqui aquelas que facilitam o do Amap
como uma
construo poltica, histrica, geogrfica e cultural.
2.1 REGIONALISMO COMO DISCUSSO TERICA
A discusso sobre regio e regionalismo bastante variada em suas
abordagens e
assume diferentes perspectivas metodolgicas em diversas
correntes tericas e em diferentes
campos do conhecimento cientfico.10
No seu sentido mais comum para a economia, em grande medida
regionalismo a
reao de uma regio que se atrasou no desenvolvimento econmico
que, para muitos,
foi sinnimo de industrializao capitalista. A regio tornou-se,
nessa abordagem, o lugar das
reivindicaes, e tanto ela quanto o regionalismo foram
apresentados como se fossem
homogneos, de onde se retirou a vontade regional, representao do
interesse de todos.
Furtado (1999), apesar das suas contribuies para a economia
poltica brasileira,
incorreu, pelo menos nas suas primeiras elaboraes, na estreiteza
da elaborao acima
exposta. Para os que raciocinaram segundo esse esquema, o
regionalismo reduziu-se a um
conjunto de reivindicaes da regio atrasada com o objetivo de
alcanar o nvel de
desenvolvimento (ou de industrializao) das regies que se
industrializaram. O progresso e a
superao do atraso e da desigualdade dependeriam da ao estatal e,
em particular, do
planejamento pblico. Evidentemente, dependendo da corrente
terica, o papel do Estado
10 A ttulo de constatao rpida da diversidade de abordagens,
basta lembrar a elaborao de Werlen (2001), queanalisou o
regionalismo, no com base no espao ou na regio, mas a partir do
sujeito. Sustentado nos conceitos de Giddens (1991), Werlen
incorporou o regionalismo aos quadros da globalizao, numa relao
contraditria entre moderno e pr-moderno, destacando uma modernidade
tardia.
2 O REGIONALISMO COMO QUESTO IMPORTANTE NO ESTUDO DO AMAP
-
19
recebeu mais ou menos destaque na soluo dos desequilbrios no
caso das vertentes
liberais, esse papel foi mais discreto, pelo menos
teoricamente.11
Nas diversas abordagens do regionalismo, trs esferas assumem
maior importncia.
Alguns autores destacaram muito mais uma em detrimento de outra.
Estes elementos eram:
(1) a dimenso poltica, que inclua o debate sobre po dominao,
opresso/alienao e
ideologia; (2) a dimenso territorial, expressada na definio de
regio, ponto de partida para
os diversos autores, que ora a negam, ora tentam conceitu-la;
(3) finalmente, a dimenso da
cultura, abordada sob o aspecto da representao, que destacava a
identidade e o simblico.
Gottman (1952) entendeu o regionalismo como a tendncia de um
setor para
individualizar-se em um espao habitado. Mas a capacidade de
individualizar-se, prpria
dessa viso do regionalismo, permitiu geografia regional
incorporar a iconografia (dimenso
simblico-cultural) s suas anlises. O autor destacou a importncia
do estudo do sistema de
movimento (circulao no espao, que podia ser de ordem poltica,
econmica, cultural, etc.)
e do sistema de resistncia ao movimento (iconografia) para a
criao da diferenciao na
superfcie do globo. Para Gottman, o movimento constante de
multides no parecia catico;
pelo contrrio, o movimento tornava um pas suficientemente
dinmico, permitindo organizar
o espao. Ao longo desse processo, o espao diferenciou-se,
regionalizou-se. Entretanto, essa
diferenciao por meio do movimento teve de incorporar princpios
abstratos, ou seja, fez-se
necessrio acrescentar smbolos nos quais os indivduos
acreditavam. Esses smbolos foram
ignorados ou negados por outros indivduos.12
11 Qual o problema da abordagem economicista? Foi justamente
cair no determinismo econmico, depositando uma expectativa
exacerbada e uma neutralidade inexistente no planejamento e nos
planejadores, deixando de levantar questionamentos bsicos de grande
significncia. Quem ou o que produziu aquela realidade desigual?
Quem tem a prerrogativa do ato de planejar?12 Foi assim que a
iconografia tornou-se, em geografia regional, uma barreira de
resistncia ao movimento, possibilitando a criao de plo de
diferenciao. Neste sentido, o autor ressaltou que no h fronteira
escrita na natureza que separe dois povos de maneira completamente
eficiente. Da a importncia dos princpios abstratos (lembranas
coletivas) que so responsveis pelos cdigos sociais comuns, que unem
os indivduos, estabelecendo laos e fixando-os no espao, criando
unidades (regies) numa rea de circulao.
-
20
Na concluso de Gottman, foi a trplice associao de circulao,
movimento e
iconografia que explicou a diferenciao do espao e sua organizao,
pois essa trplice
associao permitiu compreender que a delimitao do mundo devia-se
mais s barreiras que
estavam na subjetividade dos indivduos do que a todas as
caractersticas fsic presentes no
espao.
Para Bourdieu (1989), os critrios de identidade regional ou
tnica na prtica social
eram objetos de uma dupla representao. Eram (lngua, sotaque
e
outros elementos), ou seja, eram atos de representao e de
apreciao, de conhecimento e de
reconhecimento, aos quais os indivduos aplicavam seus interesses
e seus pressu stos. Eram
tambm , coisas (emblemas, bandeiras, insgnias, etc.) ou atos,
que
seriam estratgias destinadas manipulao simblica tinham por
objetivo determinar a
representao mental que o grupo podia ter destas propriedades e
de seus portadores. Assim,
as lutas em defesa da identidade tnica ou regional seriam um
caso particular das lutas de
classificaes, luta pelo monoplio de fazer ver e fazer crer, de
dar a conhecer e de fazer
reconhecer, de impor a definio legitima das divises do mundo
social e, por este meio, de
fazer e de desfazer os grupos (BOURDIEU, 1989, p. 113).
Nessa luta, o que estava em jogo era o poder de impor uma viso
do mundo social por
meio dos princpios de di-viso, que no grupo realizavam o sentido
e o consenso sobre o
sentido, em particular sobre a identidade e a unidade o grupo. O
princpio de di-viso, tal
como apresentado por Bourdieu, era um ato propriamente social
que introduzia uma ruptura,
uma fronteira, que separava ns e eles no mundo social. Mas o ato
de traar as fronteiras
deveria ser realizado pelo indivduo de maior autoridade, que, ao
faz-lo, traria existncia
aquilo por ele enunciado.
representaes mentais
representaes objetivas
-
21
Em Bourdieu, o discurso regionalista era um discurso ,13 que
buscava
impor como legtima uma nova definio das fronteiras, de conhecer
e de se fazer reconhecer
a regio contra a definio dominante. Desse modo, o ato de
classificar, quando conseguia
fazer-se reconhecer, institua uma realidade usando do poder de
revelao e de construo
exercido pela objetivao no discurso. Mas a eficcia discurso
performativo, que pretendia
fazer existir o que ele enunciava no prprio ato de enunciar, era
proporcional autoridade
daquele que enuncia. Porm, essa eficcia no dependia apenas do
reconhecimento dessa
autoridade, dependia tambm do nvel em que o discurso, ao
apresentar ao grupo a sua
identidade, estava fundamentado na objetividade desse grupo,
isto , nas propriedades
econmicas ou culturais que seus membros tinham em comum.14
Nesse movimento terico, o regionalismo foi apenas mais um caso
das lutas
propriamente simblicas, na qual os atores podiam estar em estado
de disperso,
individualmente, ou em estado coletivo, organizados. O que
estava em jogo era a conservao
ou a transformao das relaes de foras simblicas. os atores
entravam na luta
simblica de forma isolada, eles no tinham outra alternativa a no
ser aceitar a definio
dominante da sua identidade ou buscar a assimilao da identidade
dominante como sendo a
sua. J a luta em estado coletivo pela transformao das relaes de
fora simblica tem como
objetivo, no a eliminao das caractersticas
estigmatizadas/negativas, mas a apropriao
coletivamente do poder sobre os princpios de construo e de
avaliao da sua prpria
identidade, do qual o grupo tinha abdicado em favor do dominante
enquanto aceitava ser
negado ou negar-se. Desse modo, o estigma produz a revolta
contra o estigma
(BOURDIEU, 1989, p. 125).
13 A representao foi comparada ao desempenho teatral.14 Para
Bourdieu, a oficializao teve a sua realizao na manifestao, ato pelo
qual o grupo tornava-se visvel, manifesto para com ele prprio,
comprovando assim sua existncia como grupo conhecido e reconhecido
que aspirava institucionalizao. Desse modo, o mundo social tambm
representao e vontade, e existir socialmente tambm ser percebido
como distinto (BOURDIEU, 1989, p. 118).
performativo
-
22
A reivindicao regionalista seria, assim, uma resposta ao estigma
que produzia o
territrio do qual aparentemente ela fora produto, ou seja, se a
regio no existisse como
espao estigmatizado, como atrasado, definido pela distncia
econmica e social em relao
ao centro, no teria de reivindicar sua existncia.
O movimento regionalista visava sustentar sua prtica identidade
regional que
foi simblica e historicamente construda por diferentes atores
sociais interessados em fazer
valer sua existncia. Essa existncia, como assinalou urdieu, era
produto do discurso
regionalista (diramos ns: era tambm produto desse discurso), ou
seja, de um discurso
performativo que buscava impor como legtima uma nova definio das
fronteiras e dava a
conhecer e fazia reconhecer a regio. Assim, o regionalismo tinha
em vista universalizar
valores, constituindo-se a universalizao como a estratgia de
legitimao.
Do que apresentamos de Bourdieu, podemos concluir que smbolos
eram
instrumentos de integrao social, e o regionalismo era um exemplo
de luta simblica, na qual
o grupo dominante construa a imagem da regio como algo do
interesse de todos; porm esse
grupo falava da regio de acordo com sua viso e seus interesses e
esforava-se para fazer
dessa viso particular a viso de todo o grupo (identidade),
buscando desse modo a integrao
social de que falamos.
Castro (1989a) analisou a prtica regionalista no Nordeste
brasileiro tendo como um
dos objetivos evidenciar a importncia do territrio como base
para a ao poltica. Tal estudo
definiu o espao como produto e mediador das relaes sociais e
destacou que este, para
realizar-se, precisou de uma base territorial concreta o
territrio, suporte fsico fornecido
pela natureza, em que a sociedade organizou-se e construiu o seu
espao.
Para a autora, a dimenso territorial era ao mesmo tempo uma
unidade geogrfica,
uma unidade social e uma unidade poltica (CASTRO, 1989a, p. ). O
espao era definido
como espao-territorial. Ele era pensado com base em seu contedo
e social, mas a
-
23
materializao dos processos histricos (a produo do espao) no era
homognea, pois a
sociedade relacionava-se de forma diferente e com recursos
diferentes com a ureza,
produzindo espaos diferenciados. Essa compreenso impunha a
existncia da noo de
fraes de espao dentro do espao total. A regio, partindo dessa
compreenso, seria uma
frao do espao total, constituiria um nvel de anlise do
territrio. Esse nvel no era
estabelecido de forma arbitrria; pelo contrrio, era fruto do
acontecer particular do fato
social, ou seja, fazia parte da totalidade socioespacial, embora
fosse definido pelo lugar em
que ela ocorria. Nesse sentido, a compreenso da regio deve
apoiar-se na contextualizao da
identidade regional.15
Havia dois nveis de identidade em Castro: um era o imediato,
estruturado
individualmente (topofilia) e o outro era o coletivo,
estruturado na dinmica das relaes
sociais denominado pela autora regio de vivncia ou identidade
regional. Nesses termos, a
regio era uma frao estruturada do territrio. Por apresentar
estrutura, uma regio
especfica possua uma identidade que a diferenciava das demais
regies. Essa frao
personalizada possibilitava a sua delimitao com base na
compreenso da especificidade que
ela continha. Assim, a regio era concreta, observvel, delimitvel
e socialmente construda
(CASTRO, 1989b, p. 391). A regio era, ento, o espao vivido da
identidade fsica, cultura
econmica. Contudo, Castro lembrou que esse carter especfico e
diferenciado da regio no
significava o seu isolamento, pelo contrrio, a regio era o espao
da interao com a
sociedade global.16
15 De modo geral, a identidade territorial, em Castro, foi um
fundamento extremamente importante para a anlise da regio, pois a
diferenciao espacial define-se na identidade que se realiza nas
relaes homem-meio (CASTRO, 1989a, p. 15). Partindo dessa compreenso
e apoiada no conceito de topofilia de Bachelard, que evidenciou a
relao afetiva entre o indivduo e o lugar, a autora procurou mostrar
que o espao em sendo a morada do homem estabelece com ele os seus
laos (CASTRO, 1989b, p. 390).16 Santos (1985) evidenciou o carter
especfico da regio, onde ela apresentava uma combinao localizada de
uma estrutura especfica de demografia, de estruturas sociais, de
receitas, de consumo, etc. Ela um local que tem seguimentos e
momentos, pois evolui na histria. Contudo, apesar de destacar as
especificidades da regio, Santos no a concebeu como um ente
autnomo; ao contrrio, para ele, a regio seria parte do sistema
nacional, uma subunidade do todo nacional.
-
24
Castro tambm destacou a diferena entre a regio de vivncia e a r
io definida por
critrios poltico-administrativos. A regio de vivncia era
construda pelas relaes
territoriais, econmicas, sociais e culturais. Por outro lado, a
regio administrativa estava
relacionada com os nveis administrativos de poder territorial.
Essa escala administrativa
podia englobar diferentes regies de vivncia, como poderia inibir
ou incentivar identidades
regionais. Assim, a regio moldada pelas imposies objetivas da
natureza e da sociedade e
redefinida pelas imposies subjetivas das relaes de poder
(CASTRO, 1989a, p. 19).
Esses dois nveis de regio no eram necessariamente excludentes,
ao contrrio, eles
podiam complementar-se e mascarar-se entre si, dando
legitimidade regio poltica. A
integrao entre esses dois nveis decorria da arbitragem das
alianas e coalizes das elites
das diferentes regies de vivncia que compunham a regio poltica.
Logo, a regio enquanto
construo histrica era forjada pelos atores mais importantes
desse processo. Assim, o papel
desempenhado pelas elites era fundamental, tanto para definir o
carter da regio como para a
projeo de sua imagem.
A questo da imagem evidenciou que a regio, alm de uma forma
concreta, foi
tambm representao e ideologia. Essa representao foi apropriada e
reelaborada pela elite,
que construiu um conjunto de idias que foi reassimilado
coletivamente como ideologia. Essa
ideologia, elaborada a partir da base regional com um fim
especfico, constituiu uma
dimenso do regionalismo, que se manifestou como conscincia
regional.
Castro destacou ainda que as opes ideolgicas das el laes com o
poder
central eram elementos fundamentais dos meios de articulao da
poltica regional. As elites
tanto podiam estabelecer alianas com o poder central o que as
tornava beneficirias da
-
25
situao de marginalidade econmica ou poltica quanto confrontar-se
com ele, se isso lhes
trouxesse benefcios.17
Qual a importncia da elite local no processo em anlise? Pa
Castro, a elite tinha a
tarefa de remover as barreiras que dificultavam a atuao do
Estado entendido pela autora
como facilitador da expanso do capital. Assim, o Estado
apoiava-se nas elites locais,
estabelecendo alianas com elas ou captando-as; elas, por sua
vez, utilizavam o seu poder de
barganha para direcionar, mesmo que em parte, as decises de
acordo com seus interesses.
As caractersticas regionais referem-se, ento, a uma tendncia
histrica patrocinada
pelos interesses localmente dominantes famlia, religio, poltica
e empreendimentos no
sentido de favorecer prticas compatveis, e tornar-se parte da
mesma estrutura de percepo
cultural (CASTRO, 1989a, p. 26). Desse modo, a identidade
regional era influenciada pelo
comportamento da elite local em relao prpria regio, ao poder
central e s outras
regies.18
A anlise regionalista era, assim, bastante complexa, pois
envolvia identificao e
coeso no interior da regio, como tambm articulao com o poder
central e competio
externa tendo em vista a defesa, a preservao ou a obteno de
condies mais vantajosas.
Dessa forma, o regionalismo era simultaneamente intrnseco,
relativo e relacional. De acordo
com Castro, a investigao sobre o regional evidenciou, de modo
geral, a espacializao do
sistema poltico; por isso, a autora buscou compreender suas
articulaes e interaes tanto no
17 Nesse sentido, as questes regionais poderiam ser tratadas de
diferentes formas, fazendo-se necessrio analisar os recursos e a
materializao da expresso poltica d diferenas. Um exemplo: nos pases
com problemas de diferenas tnicas e culturais bem definidas, essas
diferenas serviam como recursos para tornar visvel o confronto
desencadeado por um poder poltico e econmico desigual.18
Interpretar o regionalismo dessa forma supunha ter como referncia a
interao entre espao e poltica, na qualcada um era reciprocamente
determinante e determinado. Logo, a ao poltica, enquanto atividade
governamental, definia espaos, mas era tambm definida por eles.
Assim, o regionalismo do Nordeste, segundo Castro, era produto da
especificidade do carter poltico das interaes sociais regionais, e
sua existncia resultava tanto dos fatores histricos locais como das
relaes da regio com o poder central. O confronto de interesses
regionais apontava para a questo do regionalismo entendido como
mobilizao poltica de grupos dominantes numa regio que lutam para
defender interesses especficos, contra outros grupos dominantes de
outras regies ou contra o prprio governo central. Assim, o
regionalismo seria um conceito poltico, vinculado aos interesses
territoriais. Desse modo, o regionalismo referia-se tanto ao tema
da participao poltica, como ao da organizao espacial, pois a
manipulao poltica supunha tambm interveno espacial.
-
26
mbito local quanto com o poder central. Essa deciso implicou
analisar o regionalismo com
base na complexa relao entre espao, ideologia e poltica.
Pelo que foi exposto, foi possvel constatar que o regionalismo
foi tomado como a
expresso poltica de uma regio, particularmente na tica do
conflito (apesar de poder haver
coalizo de interesses, quando a regio poltica fundia-se com a
regio de vivncia) entre os
da regio e os de fora. A elite conduzia a defesa da regio, mas,
para que a regio fosse
considerada um espao da ao poltica, fez-se necessria a
constituio de uma identidade
regional. Por conseguinte, a regio apresentava-se como
representao (que tinha base
concreta) e ideologia e como um espao que possibilitava a
disputa pelo poder.
A anlise centrada na elite pressupunha uma desigualdade de
poder, um desnvel entre
os setores componentes da sociedade. Sendo assim, ficava
implcita a existncia do conflito,
apesar de que a anlise de Castro centrava-se muito mais no
estudo da elite e os conflitos
quando emergiam se apresentavam, principalmente como disputa
entre grupos dominantes.
Diferentemente, na anlise de Gottman, o conflito ou desaparecia,
ou perdia importncia, de
modo que o carter reivindicatrio que marcou o regionalismo
perdeu evidncia. Assim, a
dimenso poltica perdeu importncia, apresentando-se como um
carter organizacional.19
Sustentada no marxismo e na anlise com base em conflitos,
Markusen (1981) afirmou
que o significado de uma regio encontrava-se, no na realidade
emprica denominada regio,
mas nas lutas que nela ocorriam. Enquanto Castro (1989a) fez da
regio um problema de
anlise o regionalismo seria um de seus contedos possveis ,
Markusen evitou abordar a
19 Diferentemente de Gottmam (1952), Castro (1989a) sustentou
que a identidade estava intimamente relacionada ao conflito. Sua
concepo de identidade diferenciava-se da concepo adotada pela
antropologia tradicional, que considera o contato entre as
diferentes culturas como o elemento essencial da construo de
identidade. A autora no negou o contato entre culturas presente na
identidade, porm procurou problematizar o aspecto cultural ligado
noo de identidade ao conceb-lo como recurso poltico. Ela concluiu
que o conflito entre identidades diferentes remete-nos disputa de
poder, ou seja, o confronto com o outro (com o diferente
culturalmente) um confronto de interesses, refletindo um desnvel de
poder. Isso expressava ainda uma superposio de escala de poder no
territrio (o regional e o Estado central). Nesse processo, a
delimitao daregio e da identidade no podia ser rgida, ela era uma
construo social poltica e era arbitrria e concreta ao mesmo
tempo.
-
27
regio, que, segundo sua anlise, no evidenciava as relaes
sociais. Desse modo, a autora
centrou seu estudo, no na regio, mas no regionalismo, por
entender que ele expressava as
lutas sociais, e a regio no.20
Entre as instituies da sociedade humana, Markusen (1981) afirmou
que o Estado
Nacional foi a instituio central para a anlise do regionalismo.
Para a autora, o Estado
Nacional foi uma forma de opresso e serviu como meio de manuteno
da explorao de
uma classe social por outra. Enquanto instrumento de o poltica,
o Estado usa o poder
poltico para negar a um grupo o direito plena parti na vida
poltica de uma
sociedade ou mesmo o controle de seu futuro coletivo atravs do
exerccio de mecanismo
poltico.
Markusen enfatizou, portanto, a dimenso poltica em seu estudo
sobre o
regionalismo. Segundo a autora, mesmo uma questo regional de
causa econmica teria
objetivo poltico, uma vez que se tornaria regionalizada
precisamente por meio da
reivindicao contra uma instituio do Estado. Desse do, o
regionalismo seria uma
reivindicao poltica de um grupo de pessoas identificado
territorialmente contra um ou
muitos mecanismos do Estado Nacional.
Em Markusen, a natureza territorial de uma luta regional, a
diferenciao territorial,
por si s, no seria a base para a definio regional para a luta
regional. A diferenciao
era legitimada e expandida pelo Estado, de tal maneira que
alguns grupos sociais
reivindicavam melhor tratamento para seu territrio com a
finalidade de eliminar fontes
adversas de diferenciao.
Em Castro, o conflito no esteve dissociado da base territorial,
j que a regio era um
elemento importante na definio da identidade regional. Assim
como Anne Markusen, 20 Para investigar os conflitos sociais que
constituem o regionalismo, a autora utilizou a definio marxista de
alienao. Porm, enquanto no marxismo clssico a alienao
desenvolveu-se na relao capital-trabalho, em Markusen, essa alienao
encontra-se nas diversas instituies da sociedade humana, e no
apenas na produo. Est no lar, no Estado Nacional e no conjunto de
instituies culturais. Em qualquer uma dessas instituies, a opresso
ou a explorao ocorre em comum com uma forma de alienao da sociedade
humana.
-
28
Castro destacou a dimenso poltica, mas a Markusen abordou a
esfera poltica no sentido de
evidenciar que as reivindicaes regionalistas eram uma reao ao
Estado. Nessa abordagem,
o Estado ganhou uma centralidade no encontrada em outros autores
at aqui abordados.
Muito mais que em Castro, na segunda autora o Estado foi
abordado como uma forma de
opresso poltica. Desse modo, a alienao era elemento de dominao
ao mesmo tempo em
que impulsionava as lutas pelo fim da opresso. Em Castro, como
vimos, o poltico foi
problematizado a partir do confronto, segundo a tica elite, e a
identidade foi, ao mesmo
tempo, recurso de coeso interna e de dominao da elite em relao
sociedade local; foi
tambm recurso poltico usado no confronto com outro grupo ou
poder central.21
Tambm partindo do marxismo, Massey (1981) discutiu o gionalismo
enquanto
produto da acumulao de capital. Essa acumulao, responsvel por
uma diviso espacial do
trabalho, produziu uma diferenciao espacial desigual no
capitalismo.22 Diferentemente de
quem parte da regio para definir e analisar o regionalismo,
Massey defendeu que o estudo
deveria comear, no pela regio, mas pela acumulao de capital.
Desse modo, a autora
priorizou a acumulao de capital na anlise da diferenciao
espacial e, por conseguinte, do
prprio regionalismo. O desenvolvimento regional apresentou-se,
ento, como um
desenvolvimento desigual. Problemas aparentemente especficos de
uma regio estiveram
relacionados com um contexto mais amplo da dinmica
econmico-social intraestatal.
Massey enfatizou a esfera econmica (enquanto acumulao
capitalista) entendeu a
regio, sobretudo, como produto e desdobramento da div
territorial do trabalho realizada
pelo capital. Nesse caminho, mas partindo da sociologia,
Oliveira (1977) definiu regio com
21 Markusen (1981) teve o mrito de tornar mais complexo o estudo
do conflito social, pela nfase dada opresso, mas, ao negar a regio,
deixou de perceber que a base fsico-material de um territrio pode
em alguma medida influenciar as relaes sociais e, portanto, o
regionalismo. Ao colocar toda capacidade de determinao nas relaes
sociais em si, independentemente da realidade fsica e/ou de outras
dimenses, incorreu num certo determinismo que limitou a riqueza de
sua anlise.22 Mesmo tratando dessa caracterizao, Massey chamou a
ateno para o fato de que as formas de diferenciao espacial
relevantes para a acumulao no se restringem economia pura. Vrios
outros tambm podem influir na diferenciao espacial, como questes
fundirias, luta de classes, polticas estatais, etc.
-
29
base na especificidade da reproduo de capital, nas formas
assumidas pela acumulao, nas
estruturas de classes relacionadas a elas e nas formas da luta
de classes e do conflito social no
plano mais geral. A regio era o espao onde se imbricam a
reproduo de capital e a luta de
classes, onde econmico e poltico se fundiam, assumindo uma forma
especial de apario no
produto social e nos pressupostos de reposio. Mesmo dizendo que
no queria criar uma
tipologia de regies a partir de uma tipologia de formas de
capitais, Oliveira afirmou que as
diversas formas de acumulao do capital produziam diferentes
regies.23
Ao apresentarmos a necessidade de incorporar uma anlise das
relaes da
acumulao capitalista, no estamos propondo reduzir a regio e o
regionalismo a um simples
movimento de homogeneizao ou de concentrao de capital. Queremos
somente alertar para
o fato de que o regionalismo, a autonomia, o discurso, a
identidade e a representao no
esto de todo isolados da realidade capitalista.
2.2 REGIONALISMO E AUTONOMIA NO AMAP
A anlise de Bourdieu (1999) ajudou-nos a compreender como foi
construda a
imagem da regio amapaense, pois o Amap, enquanto regio
poltico-administrativa era
produto da ao do governo federal, que criou o Territrio Federal
do Amap, porm a
identidade desta regio no era fruto de um decreto-lei, mas de um
processo mais complexo,
onde o simblico passava a ser elemento constituinte.
Por outro lado, se discordamos da geografia tradicional de
Ratzel (1990a, 1990b), que
apresentou o ser humano como passivo diante do meio, tambm temos
de constatar que as
construes sociais no so puro simbolismo abstrato. Elas so feitas
em um territrio 23 Assim, a constituio das regies decorria do modo
de produo capitalista, a partir do qual as regies eramespaos
socioeconmicos aos quais se sobrepunha uma das formas de capital
homogeneizando a regio por conta de sua preponderncia e pela formao
de classes sociais e tanto a hierarquia quanto o poder
eramdeterminados pelo lugar e pela forma em que eram do capital e
de sua contradio bsica(OLIVEIRA, 1977).
personas
-
30
concreto.24 No podemos deixar de constatar, por exemplo, que a
realidade amaznica, por
causa do grande volume de guas, de alguma forma interagiu nas
relaes que os seres
humanos estabeleceram entre si nesse espao, contribuindo para a
conformao da identidade
do ribeirinho (aquele que vive margem do rio).
No Amap, a ao da elite poltico-administrativa foi fundamental
para forjar
simblica e objetivamente o carter regional e tambm a imagem de
progresso do TFA como
predestinado ao futuro estado.
O debate sobre regionalismo em Castro foi importante para nossa
investigao, mas,
no caso do Amap, devemos considerar algumas especificidades. Por
isso, nosso ponto de
partida afasta-se do objeto prtico de Castro (1989a). Em nossa
anlise, no partimos de uma
regio j estabelecida (por exemplo, o Nordeste), que ia sofrendo
mudanas, assim como sua
elite, j estabelecida e consolidada; partimos do prprio processo
de constituio da regio (o
Amap). Nesse sentido, o estudo da gnese histrica do Amap
possibilitou-nos compreender
como foi constituda a especificidade regional, assim como os
prprios sentidos de
regionalismo.
Recorremos ao regionalismo para enfatizar a ao poltica de base
territorial na
construo da autonomia do Amap. A mobilizao regionalista foi
analisada em distintos
momentos, o que nos permitiu perceber formas diferentes de relao
da elite poltico-
administrativa local com o poder central. O regionalismo
amapaense foi fortemente marcado
pela ao direta do poder central. Essa ao especfica foi
determinante para a diferenciao
inicial da regio amapaense, a criao da nova unidade federativa,
a constituio de suas
fronteiras e da prpria identidade local. No primeiro to, foi o
governo federal que
impulsionou a formao da elite no Amap que no se colocava numa
posio de confronto
24 Pdua (1997) partiu da interpretao de natureza e mundo natural
como construes sociais, mas reconheceuque a continuidade da vida
humana depende da sua relao com elementos no-humanos (geomorfologia
e clima, por exemplo) que possuem dinmica e constituio prprias.
Assim, constatou a importncia dos elementos biofsicos como
componentes intrnsecos do jogo de interao entre a sociedade e a
natureza.
-
31
com o primeiro, ao contrrio, havia associao direta e imediata
com ele. Posteriormente, essa
relao assumiu outros contornos. O poder central passou a ser
alvo de questionamento, e a
busca da autonomia sustentou-se na crtica da falta de apoio ao
TFA por parte do prprio
governo federal.
Neste nosso estudo sobre o regionalismo, a elite, enquanto
recurso conceitual e prtico
foi considerada elemento importante, mas devemos, desde j, fazer
algumas observaes
necessrias a esse respeito. Primeiro, elite um termo com
diversos sentidos, que variam
dependendo de quem e de como manipulado, o que o deixa, em
alguns casos, com um
contedo impreciso e vago. A elite a expresso de uma dominao
intelectual e econmico-
poltica que guarda proximidade ou relao direta com setores
economicamente
dominantes da sociedade. Isso significa que a elite era a
burguesia diretamente no poder? No
necessariamente, entretanto esteve diretamente ligada aos
esquemas de dominao poltica
que envolviam diferentes classes e atores sociais.25
Afora isso, quando se examina a elite na tica do confronto
interregional ou com o
poder central, normalmente se incorre em dois problemas:
primeiro, minimizam-se ou
desconsideram-se os conflitos internos da regio (grandes
proprietrios pequenos
produtores descapitalizados, por exemplo) essa minimizao diminui
a capacidade de
compreender a complexidade de uma realidade marcada pelo
conflito entre diversos nveis e
setores da sociedade, no apenas entre quem domina, mas tambm
entre dominantes e
dominados; segundo, tende-se (at pelo silncio do pesquisador) a
considerar a sociedade
local como totalmente passiva e receptora das aes da elite.
25 Para Bobbio a teoria da elite era aquela que afirmava que em
toda sociedade, existe, sempre e apenas, uma minoria que, por vrias
formas, detentora de poder, contraposio a uma maioria que dele est
privada. [...] Ela pode ser redefinida como a teoria segundo a
qual, em cada sociedade, o poder poltico pertence sempre a um
restrito crculo de pessoas: o poder de tomar e impor cises vlidas
para todos os membros do grupo, mesmo que tenha que recorrer fora,
em ltima instncia (BOBBIO, 1984, p. 5). Poulantzas (1977) afirmou
que as elites so diversas e suas fontes de dominao residem no poder
econmico e no Estado. Elas influenciam e participam do poder
poltico institucionalizado. O autor destacou ainda que a
burocracia, como uma das elites, possui um poder poltico prprio,
que esta manteria pelo simples fato do seu controle sobre o
aparelho de Estado.
versus
-
32
Por que, ento, recorremos elite no estudo do regionalismo na
conformao do
Amap em estado? Porque ali as classes no estavam plenamente
constitudas; estavam em
construo e ainda muito fragilizadas. No havia um significativo
sistema de pequena
produo descapitalizada, muito menos um operariado forte e
organizado, longe disso. At
mesmo os proprietrios de terra e os comerciantes eram frgeis, em
relao aos quadros no
apenas nacionais, mas tambm regionais (quando comparados com
outros do Par).
O Territrio Federal sob a imagem de progresso, recurso da
ideologia que orientou a
busca da autonomia, foi potencializado com a presena Icomi que,
por sua vez, foi
determinante na definio da funcionalidade da regio amapaense.26
A ao poltica no
caso, a mobilizao regionalista deu nitidez identidade regional e
perspectiva
autonomista a partir dos elementos que a estruturaram: a Icomi e
o TFA. Mais do que isso: a
ao poltica foi fundamental na construo concreta da regio,
(re)organizando o espao, ou
seja, desestruturando-o e reestruturando-o. A regio
representou-se, assim, como um produto
poltico, e no apenas fsico e econmico.
Tambm a perspectiva metodolgica de unidade histrica de Lucien
Febvre (2004) foi
til para compreendermos a constituio do Amap como ente
federativo brasileiro. O Amap
vivo, real e humano, enquanto unidade histrica, remeteu-nos
questo da gnese: quando
surgiu este Amap? Procuramos compreender a gnese histrica do
Amap no como algo
simples, produto de um ato repentino de um determinado momento
(o decreto-lei que criou o
TFA ou a Constituio brasileira de 1988, que o transformou em
estado), mas, ao contrrio,
26 A funo foi aqui entendida com base no conceito de espao como
construo social de Milton Santos (1991), que o definiu como o meio,
o lugar material da possibilidade de ocorrncia dos o meio onde a
vida se torna possvel. O espao um conjunto de objetos (naturais e
artificiais) e de relaes que se realizam