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TEORIA DE GALOIS — NOTAS DE CURSO NIVALDO MEDEIROS Resumo. Estas são notas para o curso de Álgebra III, bacharelado em Matemática, da Universidade Federal Fluminense. São uma introdução, algo sucinta, da teoria básica de extensões de corpos e da correspondência de Galois, ênfase em extensões finitas, que formam o núcleo da segunda parte do curso. Procurei escrevê-las em seções curtas, de até três páginas, que correspondem aproximadamente a cada uma das aulas. Estão em elaboração e pedem sua compreensão, paciência. Quaisquer observações, considerações, recomendações, sugestões, correções (tradução: estou realmente pedindo ajuda!) são muito bem-vindas. Para contribuir ou encontrar versões mais recentes, dê uma espiada em www.professores.uff.br/nmedeiros 12 agosto 2013 N. e Sumário 2 1. ignição 2 1.1. Equações lineares e quadráticas 3 1.2. Equações cúbicas 3 1.3. Equações de grau superior 5 2. permutar é preciso 5 2.1. Newton em simétricos 5 2.2. Discriminantes 7 2.3. Lagrange em cúbicas 8 3. extensões de corpos 9 3.1. Corpos 9 3.2. Adjunção 9 3.3. Álgebra Linear 10 3.4. O grau em torres de extensões 10 4. extensões algébricas 11 5. extensões separáveis 14 6. extensões normais 15 7. extensões, agora de homomorfismos 17 8. teoria de Galois 20 1
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Galois 9

Nov 10, 2015

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Luiza Sorice

teoria de galois
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  • TEORIA DE GALOIS NOTAS DE CURSO

    NIVALDO MEDEIROS

    Resumo. Estas so notas para o curso de lgebra III, bacharelado em Matemtica, daUniversidade Federal Fluminense. So uma introduo, algo sucinta, da teoria bsicade extenses de corpos e da correspondncia de Galois, nfase em extenses finitas, queformam o ncleo da segunda parte do curso. Procurei escrev-las em sees curtas, deat trs pginas, que correspondem aproximadamente a cada uma das aulas. Esto emelaborao e pedem sua compreenso, pacincia.

    Quaisquer observaes, consideraes, recomendaes, sugestes, correes (traduo:estou realmente pedindo ajuda!) so muito bem-vindas. Para contribuir ou encontrarverses mais recentes, d uma espiada em

    www.professores.uff.br/nmedeiros

    12 agosto 2013N.

    eSumrio

    21. ignio 21.1. Equaes lineares e quadrticas 31.2. Equaes cbicas 31.3. Equaes de grau superior 52. permutar preciso 52.1. Newton em simtricos 52.2. Discriminantes 72.3. Lagrange em cbicas 83. extenses de corpos 93.1. Corpos 93.2. Adjuno 93.3. lgebra Linear 103.4. O grau em torres de extenses 104. extenses algbricas 115. extenses separveis 146. extenses normais 157. extenses, agora de homomorfismos 178. teoria de Galois 20

    1

  • 2 NIVALDO MEDEIROS

    8.1. A correspondncia de Galois 208.2. Extenses galoisianas 219. razes da unidade 2510. solubilidade por radicais 2811. corpos algebricamente fechados 3111.1. O fecho algbrico 3111.2. O teorema fundamental da lgebra 3212. a caracterstica de um corpo 3312.1. Corpos finitos 3313. o teorema do elemento primitivo 3414. concorrncia amistosa 36Referncias 36

    Anis so comutativos, com unidade e exigimos 1 6= 0. O anel dos inteiros mdulo n

    denotado por Zn. Letras gregas (, , , . . . ) indicam homomorfismos. Um homomorfismode anis : A B, por definio, satisfaz: (u + v) = (u) + (v), (u v) = (u)(v)e (1A) = 1B.

    Em geral, k, E, F denotam corpos; elementos de um corpo sero denotados por u, v,w.Corpos com um nmero finito ` de elementos so denotados por F`. At a Seo 11 apenassubcorpos dos nmeros complexos so considerados. A palavra: simplicidade.

    Escrevo |S| para indicar a cardinalidade do conjunto S.Para grupos, Dn o grupo diedral das simetrias de um polgono regular de n lados, e

    portanto possui 2n elementos; Cn o grupo cclico de ordem n.Em anis de polinmios, as indeterminadas so sempre denotadas por x, x1, x2, etc, em

    letras minsculas, como por exemplo em k[x] e k[x1, . . . , xn].No utilizo para indicar incluses estritas e logo F k permite que F seja eventual-

    mente igual a k. Idem para .

    1. ignio

    Nestas notas tratamos do problema de encontrar razes de polinmios. Para iniciar aconversa, vamos pensar apenas em polinmios cujos coeficientes so nmeros reais.

    Em primeiro lugar, consideramos a questo da existncia de razes. Tendo resolvido isso,a pergunta seguinte : como determin-las?

    A primeira questo tem uma resposta satisfatria, cuja primeira demonstrao foi as-sunto da tese de doutorado de Gauss:

    Teorema Fundamental da lgebra. Todo polinmio no-constante com coeficientescomplexos possui uma raiz nos nmeros complexos.

  • LGEBRA III - 12 AGOSTO 2013 3

    Passamos ento questo seguinte: gostaramos de uma frmula ou, pelo menos, umalgoritmo para encontrar essas razes. Embora no seja possvel determin-las exatamentepara um polinmio escolhido ao sabor do acaso, bons algoritmos existem e hoje em diatemos bons computadores que rapidamente nos fornecem boas aproximaes, com precisoa nosso bel prazer; mas este tema mais afim da Anlise Numrica do que da lgebra.

    Nossa busca aqui em outra direo: procuramos frmulas exatas. Tais frmulas existempara polinmios de grau pequeno e so bem conhecidas. Faamos um passeio breve.

    1.1. Equaes lineares e quadrticas. Comeamos com polinmios lineares. No hmuito a dizer aqui: uma equao

    ax+ b = 0 (a 6= 0)possui apenas uma soluo, a saber, x = b/a.

    Os babilnios possuam mtodos para resolver algumas equaes quadrticas j em 1600a.C., assunto que hoje tema de longas listas de exerccios no ensino mdio. . . Procuramosresolver

    ax2 + bx+ c = 0 (a 6= 0). (1)Completamos o quadrado ou, de maneira equivalente, perfazemos a substituio x = y b/2a, obtendo

    a(yb

    2a)2 + b(y

    b

    2a) + c = ay2 by+

    b2

    4a+ by

    b2

    2a+ c = ay2

    b2

    4a+ c

    ou seja, para resolvermos a equao (1) basta resolvermos

    ay2 b2

    4a+ c = 0

    e isso, espero que estejamos de acordo, algo que sabemos fazer: as solues so y =b24ac2a

    . Substituindo agora o valor de x, reobtemos a familiar

    x =bb2 4ac

    2a(2)

    Eis a nossa frmula. Em retrospectiva, o que fizemos foi transmutar (1) em uma equaomais simples, da forma y2 u = 0, que declaramos saber resolver. Esta a estratgia queseguiremos adiante.

    1.2. Equaes cbicas. Mtodos para resolver equaes cbicas so, quando comparadasao caso quadrtico, recentes. Frmulas remontam a Scipione del Ferro, Niccolo Fontana(Tartaglia), Cardano, em verses que datam do sc.XVI. Consideramos agora

    ax3 + bx2 + cx+ d = 0 (a 6= 0). (3)Tome x = y b/3a. Como exerccio: esta substituio elimina o termo de grau 2; somoslevados a ay3 + ry+ s = 0. Dividindo por a, chegamos a

    y3 + py+ q = 0 (4)

  • 4 NIVALDO MEDEIROS

    com p = r/a e q = s/a. Para resolv-la, escrevemos uma raiz como uma soma

    y = u+ v (5)

    com u, v ambos no-nulos. No h nenhum mal nisso, mas no parece haver bem al-gum. . . Seja como for, substituindo em (4),

    (u+ v)3 + p(u+ v) + q

    = u3 + v3 + q+ (3uv+ p)(u+ v)

    e logo para encontrar uma raiz suficiente que{u3 + v3 = q

    3uv = p(6)

    e, passe de mgica, temos um sistema que podemos resolver. Fazendo v = p/3u esubstituindo,

    u3 p3

    27u3+ q = u6 + qu3

    p3

    27= 0

    e fazendo u3 = z, obtemos

    z2 + qzp3

    27= 0

    uma equao quadrtica, com a qual j sabemos lidar: z = q2

    q2

    4+ p

    3

    27. Escolhendo

    u =3

    q

    2+

    q2

    4+p3

    27vem de (6) que v =

    3

    q

    2

    q2

    4+p3

    27.

    Para obter as outras solues, tomamos uma raiz cbica da unidade, o nmero complexo = e2pii/3 = cos(2pi/3) + i sen(2pi/3), que satisfaz 3 = 1. Note que 6 R. Agoraobservamos que se u, v so solues de (6) ento os pares u,2v e 2u,v tambm nosfornecem outras solues distintas. Em resumo, as razes de (4) so

    y1 =u+ v

    y2 =u+2v (7)

    y3 =2u+v

    Como todo polinmio real de grau mpar tem uma raiz real, vem que se p, q R, entopelo menos uma destas trs razes sempre um nmero real. Curioso, no?

    A expresso para as razes de x3 + px+ q = 0:

    3

    q

    2+

    q2

    4+p3

    27+

    3

    q

    2

    q2

    4+p3

    27(8)

    uma fonte de surpresas. Por exemplo

    f = x3 + 3x 14

  • LGEBRA III - 12 AGOSTO 2013 5

    tem 2 como raiz e logo f = (x 2)(x2 + 2x + 7). As outras razes so 1 i6, que noso nmeros reais. Assim, segue de (8) que

    37+50+

    3750 = 2. (9)

    Elementar, meu caro Watson?

    1.3. Equaes de grau superior. Frmulas para razes de equaes de grau 4 foramdescobertas no muito depois da soluo da cbica, e so devidas a Ferrari, Descartes,Euler, Lagrange, entre outros. Como de se esperar, so um pouco mais complicadas,mas tem uma caracterstica em comum com as frmulas para graus 2 e 3: as razes sodescritas em termos de radicais aplicados aos coeficientes. Convido voc a dar uma olhadanas notas de aula da profa. Maria Lcia Villela [Vilella] aqui da UFF ou em [Stillwell94].

    Naturalmente, o sucesso levou os matemticos a buscarem solues similares para asequaes de grau 5. Lagrange tinha um mtodo que unificava a obteno de todas as frmu-las para grau 4, mas seu mtodo no produzia resultados para as qunticas. Instalou-sea dvida: tais frmulas para equaes de grau 5 de fato existem?

    Ruffini fez tentativas entre 1799 e 1813, obtendo avanos, mas sem sucesso; e Abel pu-blicou um artigo com a primeira demonstrao da impossibilidade em 1824, resultado porvezes referido como o teorema de AbelRuffini. Entretanto a teoria definitiva foi estabe-lecida por variste Galois (18111832), publicada postumamente em 1846. A problema,dito de maneira precisa, o seguinte: dada uma equao polinomial

    arxr + + a1x+ a0 = 0

    como determinar se possvel encontrar uma expresso para as razes que envolvam so-mente as operaes +,,,, ? aplicadas sucessivamente aos coeficientes? Quando istoacontece, dizemos que o polinmio solvel por radicais. Para equaes quadrticas, c-bicas e qurticas isto sempre ocorre, mas no em geral!

    A compreenso das tcnicas para demonstrar isto o assunto do nosso curso: para cadapolinmio sobre o corpo k associa-se um grupo finito, o seu grupo de Galois. O teorema deGalois : um polinmio solvel por radicais se e somente se seu grupo de Galois possuiuma propriedade especial o nome tcnico solvel. Verificar se dado grupo solvel ouno, relativamente simples.

    Um exemplo concreto: o polinmio de grau 5

    f = x5 4x+ 2

    no solvel por radicais: no existe uma frmula para expressar suas razes utilizandoapenas as operaes aritmticas elementares e razes ?-simas aplicadas aos coeficientes.Veja o Exemplo 10.7.

    2. permutar preciso

    2.1. Newton em simtricos. Nosso problema buscar expresses para razes de umpolinmio em termos dos seus coeficientes. Caminhamos aqui no sentido contrrio: dadasas razes, o que podemos dizer sobre os coeficientes?

  • 6 NIVALDO MEDEIROS

    Sejam u1, . . . , un indeterminadas sobre um corpo k. Consideramos o polinmio geral

    f = (x u1)(x u2) (x un)onde x uma outra indeterminada sobre k. Expandindo,

    f = xn s1xn1 + s2x

    n2 + + (1)jsjxnj + + (1)nsnvem que os coeficientes de f so dados por:

    s1 = u1 + + uns2 =

    i

  • LGEBRA III - 12 AGOSTO 2013 7

    avaliados nas razes: aj = (1)jsj(u1, . . . , un); ou seja, so sempre obtidos atravs dasequaes (10). Isto para equaes quadrticas

    f = x2 (u1 + u2)x+ u1u2

    no nada alm da frase: o termo linear a soma das razes com sinal trocado e o termoconstante produto das razes.

    A principal observao que, pelo Teorema de Newton, qualquer expresso simtrica nosuis expressa em termos dos coeficientes de f, mesmo que no saibamos explicitamentequais so as razes ! E podemos usar isto para determinar relaes, isto , equaes envol-vendo as razes; se as temos em nmero suficiente, podemos resolver e expressar as razesem termos dos coeficientes. Se o nome do jogo simetria, o nome do jogador : Lagrange.

    2.2. Discriminantes. Nossa prxima obsesso procurar por expresses simtricas nasrazes. Entre muitas, h uma particularmente notvel, o discriminante: se u1, . . . , un soas razes de f = xn + an1xn1 + + a0 k[x], observe que

    i

  • 8 NIVALDO MEDEIROS

    2.3. Lagrange em cbicas. Considerar apenas o discriminante no suficiente paraencontrar frmulas para razes em grau superior a dois. O mtodo de Lagrange (que foiexpandido amplamente por Galois) consiste em encontrar mais expresses simtricas paraas razes, na tentativa de capturar suas simetrias.

    Considere f = x3 + ax2 + bx + c Q[x] e sejam u1, u2, u3 C suas razes. Tome = e2pii/3 = 1/2+

    3/2 uma raiz cbica da unidade. Lagrange nos convida a considerar

    u = (u1 +u2 +2u3)

    3.

    Como 3 = 1, segue que este elemento invariante pelas permutaes pares de S3, mas aspermutaes mpares o levam a

    v = (u1 +2u2 +u3)

    3

    Assim, embora u e v no sejam invariantes separadamente, qualquer expresso simtricaenvolvendo ambos o . Em particular, u + v e u v so invariantes e, pelo Teorema deNewton, podem ser escritos em termos dos coeficientes a, b, c. Com algum trabalho (1 ++2 = 0 pode ajudar) encontramos

    u+ v = 2a3 + 9ab 27c

    u v = a6 9a4b+ 27a2b2 27b3.Ganhamos um polinmio auxiliar

    r(x) = x2 (u+ v)x+ u vconhecido como a resolvente de Lagrange; seus coeficientes pertencem ao mesmo corpodos coeficientes de f, so nmeros racionais. Seu grau menor do que o de f, e portantosabemos resolv-lo, encontrando os valores de u e v.

    Finalmente, para obter as razes, acrescentamos a equao linear correspondente aocoeficiente de x2 s duas que j possumos e obtemos o sistema

    u1 + u2 + u3 = a

    u1 +u2 +2u3 =

    3u

    u1 +2u2 +u3 =

    3v

    Resolvendo, expressamos as razes em termos de radicais nos coeficientes do polinmio f.Notvel!

    Exerccio 2.3. Tomando a = 0, b = p e c = q, encontre u e v, resolva o sistema acimae recupere as solues em (7), obtidas pelo mtodo de Cardano. Note que os coeficientesformam a matriz de Vandermonde V(1,,2), cujo determinante 3(2 ) =

    27.

    Exerccio 2.4. Se f uma cbica e r sua resolvente, ento 27 disc(f) = disc(r).

  • LGEBRA III - 12 AGOSTO 2013 9

    3. extenses de corpos

    3.1. Corpos. Um corpo um anel onde todo elemento no-nulo invertvel. Os exemplosmais familiares:

    O conjunto dos nmeros racionais Q = {p/q | p, q Z, q 6= 0}; Os nmeros reais R; Os nmeros complexos C = {a+ bi | a, b R}; Para p Z primo, o anel Zp dos inteiros mdulo p.

    Uma extenso de corpos consiste simplesmente de dois corpos k e F, onde k um subcorpode F. Escrevemos F k. O corpo de base de extenso o corpo k. So exemplos: R Q,C R, C Q.

    Estamos interessados no comportamento relativo e no absoluto: estudamos proprieda-des do par F, k e no somente de um dos corpos.

    Exerccio 3.1. Mostre que o conjunto

    {a+ b2 | a, b Q}

    um corpo que contm Q.

    3.2. Adjuno. Dada uma extenso de corpos F k, temos um processo para criar corposintermedirios entre k e F: se S F um subconjunto qualquer, a adjuno k(S) o menorsubcorpo de F contendo k e S.

    O caso mais simples o da adjuno de um nico elemento, que consideramos agora.Tomemos u F. Pense bem: qualquer corpo contendo k e u deve conter todas as potnciasde u, bem como combinaes lineares envolvendo essas potncias digamos: anun + +a1u+a0, com os ais em k; ou seja, polinmios de k[x] avaliados em u. Alm disso, um talcorpo deve conter tambm quaisquer fraes de elementos desse tipo. E de fato o conjuntode todos esses elementos j nos fornece um corpo, que portanto o menor contendo k {u}.Simbolicamente,

    k(u) ={ f(u)g(u)

    | f, g k[x], g(u) 6= 0}. (12)

    Em tempo: quando S = {u1, . . . , un} um conjunto finito, denotamos k(S) por k(u1, . . . , un).

    Exerccio 3.2. Mostre o conjunto definido em (12) de fato um subcorpo de F. Emseguida, prove que Q(

    2) coincide com o corpo definido no primeiro exerccio.

    O caso de um nmero finito de elementos similar:

    k(u1, . . . , un) ={ f(u1, . . . , un)g(u1, . . . , un)

    | f, g k[x1, . . . , xn], g(u1, . . . , un) 6= 0}. (13)

    Quando S um conjunto possivelmente infinito, k(S) ainda conjunto das fraes depolinmios avaliados em elementos de S, com uma ressalva: usamos apenas um nmerofinito indeterminadas para cada polinmio, mas permitimos que este nmero fique arbitra-riamentre grande.

    Exerccio 3.3. Seja i =1 C. Ento C = R(i) e Q(i) = {a+ bi | a, b Q}.

  • 10 NIVALDO MEDEIROS

    3.3. lgebra Linear. Seja F k uma extenso de corpos. Evidentemente podemossomar elementos de F e tambm realizar produtos de elementos de F com elementos dek. Sendo operaes dos corpos k e F, elas se comportam decentemente: so comutativas,associativas, possuem elemento neutro, vale a distributividade, etc. Ou seja, F possui aestrutura de espao vetorial, com o corpo k fazendo o papel dos escalares.

    Sim, um ponto de vista mais abstrato do que o usual. Os escalares so o corpo debase da extenso e portanto podem variar. Isto, provavelmente, bem diferente do quevoc aprendeu no seu primeiro curso de lgebra Linear, onde os escalares so sempre osnmeros reais.

    A boa notcia essencialmente todos os conceitos e resultados do seu saudoso cursoainda so vlidos aqui, sem custo, mesmas demonstraes. So exemplos: independncialinear, geradores, bases, dimenso, etc. Entretanto, estes conceitos agora tem que sertomados relativamente ao corpo de base: assim, falamos de k-independncia linear, k-bases, transformaes k-lineares, etc.

    Este ponto de vista extremamente til no caminho que iremos percorrer. De qualquermodo, um aviso: a intuio geomtrica tem que ser adaptada.

    Exemplo 3.4. O corpo Q(2) um Q-espao vetorial de dimenso dois: os vetores

    1 e2 formam uma base. De fato, formam um conjunto de geradores, como visto nos

    Exerccios 3.1 e 3.2; e so linearmente independentes sobre Q, visto que se a, b Q sotais que a + b

    2 = 0, ento a = b = 0, pois

    2 no um nmero racional. Escrevemos

    dimQQ(2) = 2. Para pensar: quanto vale dimQ(2)Q(

    2)?

    uma situao curiosa, no? Ambos os corpos Q(2) e Q esto contidos na reta R.

    Um desenho ingnuo seria: um monte de pontos desconexos contidos na reta real. . . E podepiorar: os corpos k e F podem ter um nmero finito de elementos.

    O grau de uma extenso F k simplesmente a dimenso de F como k-espao vetoriale a denotamos [F : k]. Assim, o grau a cardinalidade de qualquer base de F sobre k. Umaextenso dita finita se o seu grau finito, infinita caso contrrio.

    Exerccio 3.5. [F : k] = 1 se e somente se F = k.

    Exerccio 3.6. Qual a dimenso de R como espao vetorial sobre Q?

    3.4. O grau em torres de extenses. Seja F k uma extenso de corpos. Seja E umcorpo intermedirio, F E k (neste caso dizemos que temos uma torre de extenses).Como vimos, tanto F quanto E tm uma estrutura de k-espao vetorial; mas podemostambm considerar F como um espao vetorial tendo E como escalares. Este tipo desituao nova, no? H uma relao entre os graus de todas estas extenses.

    Teorema 3.7 (Multiplicatividade do grau). Dada uma torre k E F, a extensok F finita se e somente se as extenses k E e E F so finitas. Precisamente:se u1, . . . , um uma base de E sobre k e v1, . . . , vn uma base de F sobre E, ento uivj,i = 1, . . . ,m, j = 1, . . . , n uma base de F sobre k. Em particular:

    [F : k] = [F : E][E : k].

  • LGEBRA III - 12 AGOSTO 2013 11

    Demonstrao: Se F k uma extenso finita, ento E k finita pois E um subespaovetorial de F; e F E tambm finita, uma vez que E contm k.

    Reciprocamente, dado v F, escreva v =bjvj, com bj E para cada j. Em seguida,expressamos cada bj em termos da base de E sobre k, digamos bj =

    i aijui (aij k), e

    obtemosv =

    j(

    i aijui)vj =

    i,j aijuivj

    e portanto osmn elementos uivj geram F como um k-espao vetorial. Afirmamos que esteselementos so linearmente independentes. De fato, dados aij k,

    0 =

    i,j aijuivj 0 =

    j(

    i aijui)vj 0 =

    i aijui, para j = 1, . . . , n

    0 = aij, para j = 1, . . . , n, i = 1, . . . ,m.

    sugestivo utilizar diagramas para representar extenses de corpos. Assim, na situao

    do enunciado do teorema:F

    n

    E

    m

    k

    e o grau de F k mn.

    4. extenses algbricas

    Seja F k uma extenso de corpos. Um elemento u F algbrico sobre k se existeum polinmio f k[x] no-nulo que tenha u como raiz. Se no algbrico, u chamadotranscendente sobre k. Sem dvida o caso de maior interesse k = Q, quando falamossimplesmente de nmeros algbricos ou nmeros transcendentes.

    Assim,2,

    35, i e e2pii/3 so nmeros algbricos, pois so razes de x2 2, x3 5, x2+ 1

    e x3 1, respectivamente. Outro exemplo: 42 algbrico sobre Q(

    2), pois raiz de

    x2 2 Q(2)[x]. Por fim, pi algbrico sobre R; e tambm algbrico sobre Q(pi),

    pois raiz do polinmio x pi.Seja u F algbrico sobre k. Dentre os polinmios no-nulos em k[x] que tem u com

    raiz, h aqueles cujo grau mnimo. Se p um destes, ento multiplicando-o por constanteadequada obtemos um polinmio mnico (isto , o coeficiente do seu termo de mais altograu 1). Estas propriedades determinam unicamente p, como veremos a seguir; ele chamado o polinmio minimal de u sobre k, simbolizado pu,k.

    Exemplo 4.1.

  • 12 NIVALDO MEDEIROS

    (1) Uma das razes do polinmio x2 2 2. Como

    2 6 Q, ele de fato o polinmio

    minimal.(2) O polinmio f = x35 tem u = 3

    5 como raiz e , de fato, o seu polinmio minimal

    sobre os racionais; com efeito, seja p = pu,Q. Realizamos a diviso euclidiana eobtemos f = qp + r com r = 0 ou grau r < grau f. Como f(u) = p(u) = 0, vemque r(u) = 0 e logo devemos ter r = 0, pela minimalidade do grau de p. Sendof irredutvel em Q[x] (Eisenstein), vem que q uma constante. Como f e p somnicos, q = 1, ou seja, p = f.

    (3) Os polinmios minimais de i e e2pii/3 sobre os racionais so, respectivamente, x2+ 1e x2 + x+ 1.

    (4) O polinmio minimal de 42 sobre Q x4 2; j sobre Q(

    2) x2

    2.

    Exerccio 4.2. Prove que um polinmio minimal pu,k irredutvel em k[x].

    Teorema 4.3. Seja F k uma extenso de corpos, u F algbrico sobre k e p k[x] seupolinmio minimal. Ento:(a) Dado f k[x], ento f(u) = 0 se e somente se p divide f. Em particular, p o nico

    polinmio mnico irredutvel em k[x] que tem u como raiz.(b) Seja n o grau de p. Ento 1, u, u2, . . . , un1 uma base de k(u) sobre k.

    Demonstrao: Provemos o item (a). Realizamos a diviso euclidiana de f por p e encon-tramos polinmios q, r k[x] tais que

    f = qp+ r

    onde r = 0 ou grau r < graup. Como f(u) = p(u) = 0, temos r(u) = 0 e logo devemos terr = 0, pela minimalidade do grau de p. Assim p divide f. O item (a) agora se segue doExerccio 4.2.

    Para o item (b), tome uma combinao linear a0 + a1u + + an1un1 = 0 sobrek. Ento todos os ais so nulos, pois caso contrrio a0 + a1x + + an1xn1 seria umpolinmio de grau menor que do que o de p e que anula u. Portanto 1, u, . . . , un1 umconjunto linearmente independente sobre k.

    Mostrar que eles formam um conjunto de geradores requer um pouco mais de trabalho.Um elemento v em k(u) se escreve como f(u)/g(u), com f, g k[x] e g(u) 6= 0. Do item(a) vem que p no divide g e logo mdc(p, g) = 1, pois p irredutvel. Assim, existems, t k[x] tais que

    sp+ tg = 1

    e como p(u) = 0, temos que t(u) = 1/g(u). Logo h = ft um polinmio com coeficientesem k e tal que v = h(u). Dividindo h por p, obtemos h = qp + r, onde r = a0 + a1x + + an1xn1 k[x]. Mais uma vez, como p(u) = 0, obtemos v = r(u) o que conclui ademonstrao.

    Do teorema: se um polinmio mnico e irredutvel anula u, ento ele o seu polinmiominimal. Se temos a boa fortuna de utilizar algum critrio indireto para determinar airredutibilidade (Eisenstein, por exemplo), determinamos ento o polinmio minimal e

  • LGEBRA III - 12 AGOSTO 2013 13

    da o grau da extenso envolvida. Alm disso, para elementos algbricos sobre k nonecessitamos de fraes para descrever o corpo k(u):

    Exerccio 4.4. Se u algbrico sobre k, ento k(u) = k[u] onde k[u] := {f(u) | f k[x]}.O que voc tem a dizer sobre a recproca?

    Uma extenso F k algbrica se todo elemento de F algbrico sobre k.Proposio 4.5. Toda extenso finita algbrica.

    Demonstrao. Suponha F k finita, digamos de grau n. Ento, dado u F, os n + 1elementos 1, u, u2, . . . , un so necessariamente k-linearmente dependentes, ou seja, existema0, . . . , an k no todos nulos tais que u raiz do polinmio a0+a1x+ +anxn k[x]. Exerccio 4.6. Uma extenso k(u) k finita se e somente se u algbrico sobre k.Exerccio 4.7. Uma extenso algbrica necessariamente finita?

    Para motivar o prximo resultado considere a seguinte situao:2 e3 so nmeros

    algbricos e no difcil mostrar que u =2 +3 tambm um nmero algbrico. De

    fato, u2 5 = 26 e logo u4 10u2 + 1 = 0.

    Exerccio 4.8. Prove que2 6 Q(3) e logo [Q(2,3) : Q] = 4. Conclua que Q(2+

    3) = Q(2,3) e da que x4 10x2 + 1 o polinmio minimal de

    2+3 sobre Q.

    Esse um exemplo simples, mas se voc se tentar provar que 5775+ 75

    57 um nmero

    algbrico tentando encontrar o polinmio que o anule, rapidamente se convencer de queno um bom negcio. H uma outra maneira.

    Proposio 4.9. A soma, diferena, produto e quociente de elementos algbricos so ele-mentos algbricos.

    Demonstrao: Sejam u, v F algbricos sobre k. Pelo Exerccio 4.6, as extenses k(u) ke k(u, v) k(u) so finitas; pela multiplicatividade dos graus, k(u, v) k tambm umaextenso finita e logo algbrica, pela Proposio 4.5. Portanto, u v, u v e u/v (v 6= 0)so algbricos sobre k, uma vez que pertencem a k(u, v).

    F

    k(u, v)n

    k(u) k(v)

    n

    k

  • 14 NIVALDO MEDEIROS

    Exerccio 4.10. No diagrama acima: [k(u, v) : k(u)] [k(v) : k].Vem do legado de Cantor que os nmeros algbricos foram um conjunto enumervel, e

    portanto so poucos". Por outro lado, no sabemos muitos exemplos explcitos de nmerostranscendentes. At 1844 a sua existncia era uma questo em aberto, quando Liouvillemostrou que nmeros cuja expanso decimal contm cadeias cada vez maiores de zeros sotranscendentes, como por exemplo

    n=0 10

    n!. Determinar se um dado nmero transcen-dente ou no uma questo bem mais difcil. Hermite demonstrou que e transcendenteem 1873, usando mtodos analticos; e Lindermann provou o mesmo resultado para pi em1882, baseando-se nas ideias de Hermite. Uma demonstrao elegante pode ser encontradaem [Rowen95, Appendix A].

    5. extenses separveis

    Esta uma seo curta. Seu objetivo responder ao seguinte desafio: como determinarse um polinmio tem razes repetidas sem fator-lo?

    Tome k um subcorpo de C. Seja u C uma raiz de um polinmio f k[x]. Da divisoeuclidiana vem que f = (xu)g ou seja, xu divide f. Dizemos que u uma raiz simplesse (x u)2 - f. Para detectar razes simples buscamos ajuda do Clculo.

    Escreva f = anxn + + a1x+ a0, com os coeficientes em k. Tomando-se a derivada dafuno definida por f, obtemos um polinmio

    f = nanxn1 + + 2a2x+ a1que ainda tem coeficientes em k. Se f, g k[x], ento

    (f+ g) = f + g e (fg) = f g+ fg .Agora:

    Exerccio 5.1. u raiz simples de f f(u) = 0 mas f (u) 6= 0.Um polinmio f k[x] separvel se todas as suas razes so simples, ou seja, no

    possui razes repetidas. De maneira equivalente, se f possui grau n, ento f separvelse e somente se f possui n razes distintas em C. Observe que a noo de separabilidadediz respeito somente ao polinmio em questo e independe do corpo onde ele se encontra;note o contraste com a noo de irredutibilidade.

    Usando o critrio da derivada, temos a resposta questo do incio da seo:

    Proposio 5.2. Seja k um subcorpo de C. Um polinmio f k[x] separvel se esomente se mdc(f, f ) = 1. Em particular, se f irredutvel em k[x], ento f separvel.

    Demonstrao. A primeira afirmao do enunciado decorre imediatamente do Exerccio5.1, pois se d = mdc(f, f ) k[x], ento as razes de d em C so razes tanto de f como def . Finalmente, se f irredutvel, ento f no divide f j que grau f = grau f 1.

    Um elemento de uma extenso F de um corpo k separvel sobre k se seu polinmiominimal separvel. A extenso separvel se todos seus elementos so separveis sobreo corpo de base.

  • LGEBRA III - 12 AGOSTO 2013 15

    Para subcorpos dos complexos toda extenso separvel, em virtude da Proposio 5.2.Isto, porm, no vale para um corpo arbitrrio. A palavra-chave aqui caracterstica zero.Veja a seo sobre caracterstica para mais informaes.

    Exerccio 5.3. Se F k separvel e E um corpo intermedirio, ento F E e E kso separveis.

    6. extenses normais

    Nesta seo estudamos homomorfismos em extenses de corpos que fixam o corpo debase. Este caminho nos leva ao encontro de um tipo particular de extenses, conhecidascomo normais, que examinamos com detalhe.

    Mais uma vez, consideramos somente subcorpos dos nmeros complexos.Comeamos com um aquecimento:

    Exerccio 6.1. Seja : A B um homomorfismo de anis. Se A um corpo, ento injetivo.

    Seja F k uma extenso de corpos. Tome u um elemento de F e seja f um polinmiono-nulo em k[x] que tenha u como raiz. Seja : F F um homomorfismo com umapropriedade especial: suponha que (a) = a para todo a k. Ento (u) tambm umaraiz de f. Isto muito simples: se f = anxn + an1xn1 + + a0, ento

    0 = f(u) = 0 = (f(u)) = (anun + an1un1 + + a0)= (an)(u)

    n + (an1)(u)n1 + + (a0) (14)

    = an(u)n + an1(u)

    n1 + + a0= f((u))

    Como o conjunto das razes finito e todo homomorfismo de corpos injetor, segue que permuta as razes de f. Est aberto o caminho que nos levar ao grupo de Galois.Comecemos com algumas definies, motivadas pelo vimos.

    Sejam F, F extenses de um corpo k. Um k-homomorfismo : F F um homomor-fismo que estende a identidade de k, isto , |k = idk (e logo (a) = a para todo a k).Um k-endomorfismo um k-homomorfismo de F em si mesmo, ou seja, (F) F; e umk-automorfismo de F um k-isomorfismo, ou seja, (F) = F. Os k-automorfismos de F coma operao de composio formam um grupo, que denotamos por Galk(F).

    Exerccio 6.2. A aplicaoQ(2) C dada por a+b2 7 ab2 um homomorfismo.

    Exerccio 6.3. Suponha F = k(u1, . . . , un). Mostre que todo k-homomorfismo fica com-pletamente determinado pela sua ao nos geradores de F. Precisamente: se : F F um k-homomorfismo, ento

    (F) = k((u1), . . . , (un)).

    (Sugesto: utilize a descrio da equao (13).)

  • 16 NIVALDO MEDEIROS

    Exerccio 6.4. Se k um subcorpo de C, ento k Q (pois 1 k). E vale tambm quetodo homomorfismo : k C um Q-homomorfismo (pois (1) = 1).

    Para encurtar referncias no futuro: os k-conjugados de um elemento u F so simples-mente as razes (em C) do seu polinmio minimal sobre k.

    E uma observao: podemos assumir que todos nossos homomorfismos assumem valo-res no corpo dos nmeros complexos, uma vez que ali encontramos todas as razes quenecessitarmos.

    A equao (14) tem consequncias interessantes. Um k-homomorfismo F C permutak-conjugados; se todos eles j esto em F, temos uma aplicao de F em si mesmo, ou seja,um endomorfismo. Peculiar, no?

    Definio 6.5. Sejam f k[x] um polinmio e S C o conjunto de todas as razes de f.O corpo de decomposio de f sobre k o corpo k(S). O grupo de Galois de f sobre k ogrupo de automorfismos desta extenso: Galk f := Galk k(S).

    Uma extenso F k normal se F o corpo de decomposio de algum polinmiono-nulo em k[x].

    Exemplo 6.6.(1) Q(

    2) normal sobre Q.

    (2) Se = e2pii/n C uma raiz n-sima da unidade, ento Q() o corpo dedecomposio de xn 1, pois suas razes so 1,, . . . ,n1. Logo Q() Q normal.

    (3) A extenso C R normal.(4) O corpo Q( 4

    2, i) normal sobre Q, pois o corpo de decomposio de x42, cujas

    razes so 42,i 42.Exerccio 6.7. Toda extenso de grau 2 normal.

    Manfredo Perdigo do Carmo um excelente professor e gemetra, famoso por palestrasmemorveis e frases de efeito. Uma delas:

    Uma boa definio deve estar grvida de teoremas.Assim seja.

    Proposio 6.8. Se uma extenso F k normal, ento todo k-homomorfismo F C um endomorfismo.

    Demonstrao. Escrevemos F = k(u1, . . . , ur) onde os uis so as razes de f k[x]. Ento(14) nos diz que um k-homomorfismo : F C permuta estas razes e, em particular,(ui) F para cada i = 1, . . . , r. O resultado agora segue do Exerccio 6.3.

    Assim, para extenses normais, homomorfismos que fixam o corpo de base no vo alugar algum: tudo acontece dentro da prpria extenso.

    H mais surpresas. Antes, um resultado auxiliar.

    Lema 6.9. Seja F k uma extenso algbrica. Ento todo k-endomorfismo de F umautomorfismo.

  • LGEBRA III - 12 AGOSTO 2013 17

    Demonstrao: Dado u em F, seja S o conjunto das razes do polinmio minimal de usobre k que esto em F ,ou seja, S = {k-conjugados de u} F. Um k-endomorfismo levao conjunto S em si mesmo e, sendo injetivo, induz uma bijeo em S, uma vez que este um conjunto finito. Portanto existe v S tal que (v) = u. Conclumos que F = (F).

    Eis a concluso do que provamos at aqui, enunciada como um teorema e no comocorolrio, devido sua importncia.

    Teorema 6.10. Se F k uma extenso normal, ento todo k-homomorfismo F C de fato um automorfismo.

    7. extenses, agora de homomorfismos

    Seja F k uma extenso algbrica. Buscamos descrever os k-homomorfismos : F C,isto , as extenses da identidade de k ao corpo F. Se u F, vem da equao (14) que leva u em algum dos seus k-conjugados. Nossa questo sobre existncia: dado v C umk-conjugado de u, possvel estender a identidade de modo que u 7 v?

    A resposta positiva, e podemos generalizar. De fato, buscamos estender no somentea identidade, mas qualquer homomorfismo. Assim, dados : k k e um polinmiof = anx

    n + an1xn1 + + a0 em k[x], definimosf = (an)x

    n + (an1)xn1 + + (a0) k [x]

    que o polinmio obtido aplicando-se aos coeficientes de f. Se u F uma raiz def e : F C um homomorfismo que estende , ento (u) uma raiz do polinmiotransformado f. A conta a mesma de (14):

    0 = (0) = (anun + an1u

    n1 + + a0)= (an)(u)

    n + (an1)(u)n1 + + (a0) (15)

    = f((u))

    uma vez que (a) = (a) para todo a k.Temos tambm:

    (f+ g) = f + g e (f g) = f g. (16)Em particular, se um isomorfismo, ento f irredutvel em k[x] se e somente se f irredutvel em k [x].

    Eis a almejada descrio de extenses de homomorfismos em extenses finitas.

    Teorema 7.1 (Extenso). Sejam k(u) C uma extenso finita de um corpo k, p opolinmio minimal de u sobre k, : k C um homomorfismo e v1, . . . , vr C as distintasrazes de p. Ento possui exatamente r extenses i : k(u) C, dadas por u 7 vi.Demonstrao: Toda extenso de leva u em uma raiz de p, como vimos em (15).

  • 18 NIVALDO MEDEIROS

    Reciprocamente, denote k = (k) e seja v uma das razes de p k [x]. Pelo Teo-rema 4.3, cada elemento de k(u) pode ser escrito como f(u) para algum f em k[x]. Entoa aplicao : k(u) k (v) dada por

    (f(u)) = f(v)

    est de fato bem definida: se f, g k[x] so tais que f(u) = g(u), ento (f g)(u) = 0 elogo p divide f g; segue da que p divide (f g) e portanto f(v) = g(v). Finalmente,as igualdades em (16) mostram que um homomorfismo, que evidentemente estende .A prova est terminada.

    Corolrio 7.2. sempre possivel estender homomorfismos em extenses finitas.

    Demonstrao. Dada F k finita, temos uma torrek = F0 F1 Fs = F

    onde Fi = Fi1(ui) com ui algbrico sobre Fi1. Agora basta aplicar o Teorema 7.1 suces-sivamente a cada passo da torre.

    Depois de lavoura feita com tanto cuidado, hora de colhermos frutos.

    Corolrio 7.3. Se F k normal e E um corpo intermedirio, ento todo k-homomorfismoE C se estende a um k-automorfismo de F.Demonstrao. Segue imediatamente do Corolrio 7.2 e do Teorema 6.10.

    fcil construir extenses normais. Decidir se uma dada extenso normal uma outraestria. . .

    Suponha que F uma extenso normal de k. Dado u F, seja v C um k-conjugadode u. Do Teorema 7.1 existe um k-homomorfismo k(u) C que leva u 7 v; peloCorolrio 7.3, podemos estend-lo a um k-automorfismo de F e logo v F. Um resumo doque acabamos de mostrar:

    Corolrio 7.4. Se F k normal, ento os k-conjugados de elementos de F esto em F.Temos assim um critrio para mostrar que uma extenso no normal. Por exemplo,

    Q( 42) Q no uma extenso normal, pois os Q-conjugados de 42 so 42,i 42; os

    dois ltimos no so nmeros reais e logo no pertencem ao corpo Q( 42).

    Exerccio 7.5. As extenso Q( 32, i) Q no normal.

    Enfim, vamos calcular nosso primeiro grupo de Galois.

    Exemplo 7.6. Sejam u = 32 e = e2pii/3 C uma raiz cbica da unidade. O polinmio

    minimal de u sobre Q f = x32, e suas razes so u,u e2u. O corpo de decomposiode f sobre Q F = Q(u,u,2u) = Q(u,). Ento F Q uma extenso normal cujo

  • LGEBRA III - 12 AGOSTO 2013 19

    grau 6, uma vez que 6 Q(u).Q(u,)

    Q(u)

    3

    Q()

    2

    Q

    Repetimos o modus operandi da prova do Corolrio 7.2 para descrever os automorfismosde G = GalQ f. Pelo Teorema 7.1 existem exatamente trs Q-homomorfismos

    i : Q(u) C i = 0, 1, 2dados por u 7 iu. Como F = Q(u)() e o polinmio minimal de sobre Q(u) p = x2+x+1, vem do Teorema de Extenso que cada i se estende a dois homomorfismosij : F C, j = 1, 2, dados por 7 j (note que pi = p). Como [F : Q] = 6, estasso todas as possveis extenses. Enfim, F Q normal e da cada ij de fato umautomorfismo, pelo Teorema 6.10. Em resumo,

    G = {0,1, 0,2, 1,1, 1,2, 2,1, 2,2}

    e cada automorfismo ij : F F fica definido pela sua ao no par u, (Exerccio 6.3),segundo a tabela abaixo:

    0,1 : u 7 u, 7 0,2 : u 7 u, 7 21,1 : u 7 u, 7 1,2 : u 7 u, 7 22,1 : u 7 2u, 7 2,2 : u 7 2u, 7 2

    Para um grupo de ordem 6, h apenas duas possibilidades: ou cclico, isomorfo a Z6, ou isomorfo ao grupo S3 de permutaes de 3 elementos. E agora?

    Comparemos os automorfismos 2,11,2 e 1,22,1. Mais uma vez, basta calcular a com-posio no par u,; temos

    (2,11,2)(u) = 2,1(u) = 2,1()2,1(u) = (2u) = u

    (2,11,2)() = 2,1(2) = 2

    e logo 2,11,2 = 0,2; por outro lado,

    (1,22,1)(u) = 1,2(2u) = 1,2()

    21,2(u) = (2)2(u) = 2u

    (1,22,1)() = 1,2() = 2

    ou seja 1,22,1 = 2,2. Assim G no abeliano e, consequentemente, G = S3. 2Exerccio 7.7. Calcule as ordens dos elementos do grupo G no exemplo acima.

  • 20 NIVALDO MEDEIROS

    Exerccio 7.8. Mostre que GalQQ( 42) = Z2. Note que [Q( 4

    2) : Q] = 4 mas o grupo de

    automorfismos tem ordem 2. . . Qual a origem da discrepncia?

    Para terminar esta seo, recorde que se um grupo G age em um conjunto S, ento cadaelemento de G induz uma permutao dos elementos de S. A ao transitiva se cadarbita igual ao prprio conjunto S, isto : dados u, v S, existe G tal que (u) = v.Proposio 7.9. Seja f um polinmio irredutvel em k[x], de grau n. Ento Galk f isomorfo a um subgrupo de Sn que age transitivamente nas razes de f.

    Demonstrao. Seja S C o conjunto das razes de f e F = k(S) o corpo de decomposiode F. Como f separvel (Proposio 5.2), temos |S| = n. Como vimos, cada elementode Galk f define uma permutao em S e logo temos um homomorfismo Galk f Sn;este homomorfismo injetor, pois = idF se e somente se (u) = u para todo u S.Finalmente, escolha u, v S. Pelo Teorema 7.1 existe um k-homomorfismo k(u) Clevando u 7 v, que se estende a um automorfismo de F (Corolrio 7.3). Logo a ao transitiva.

    8. teoria de Galois

    8.1. A correspondncia de Galois. Seja F k uma extenso de corpos e tome G =Galk F o grupo de automorfismos desta extenso. Dado um automorfismo G, entou F um ponto fixo de se (u) = u.

    A cada corpo intermedirio k E F fica associado a um subgrupo de G, a saberGalE F = { G | (u) = u, u E}

    o subgrupo dos automorfismos para os quais todos os elementos de E so pontos fixos.Reciprocamente, seja H um subgrupo de G. Definimos

    FH = {u F | (u) = u, H}o conjunto dos pontos fixos por todos os automorfismos pertencentes a H. Este corpointermedirio na extenso F k: de fato, como s consideramos k-automorfismos, elecontm k; e se u, v FH, ento

    (u+ v) = (u) + (v) = u+ v ( H)donde u+ v FH. Uma conta anloga funciona para u v, u v e u/v. Denominamos FHo corpo fixo por H.

    A correspondncia de Galois o par de aplicaes{corpos intermedirios

    de F k}

    {subgrupos de G}

    E 7 GalE FFH H

    que, em geral, no desfrutam de quaisquer propriedades especiais, tais como serem injetorasou sobrejetoras ou serem inversas uma da outra. Entretanto, sucessivas aplicaes fazemcrescer o corpo ou grupo com o qual comeamos:

  • LGEBRA III - 12 AGOSTO 2013 21

    Exerccio 8.1. Dado um corpo intermedirio E, para H = GalE F temos

    E 7 H 7 FHe vale E FH. Reciprocamente, dado um subgrupo H, para E = FH temos

    H 7 E 7 GalE Fe vale H GalE F. Encontre exemplos onde no valem as incluses opostas.8.2. Extenses galoisianas.

    Definio 8.2. Uma extenso galoisiana (ou de Galois) se normal e separvel.

    Mais uma vez: como estamos considerando apenas subcorpos dos complexos, nossasextenses so automaticamente separveis e logo, aqui, uma extenso galoisiana se esomente se normal.

    Proposio 8.3. Se F k galoisiana, ento |Galk F| = [F : k].Demonstrao. Escreva F = k(u1, . . . , us), onde os uis so algbricos sobre k. Construmosa torre

    k = F0 F1 Fs = Fonde Fi = Fi1(ui). Seja pi o polinmio minimal de ui sobre Fi1. Temos

    |{razes de pi em C}| = graupi = [Fi : Fi1]onde a igualdade da esquerda vem do fato de que cada pi separvel (Proposio 5.2).Segue ento do Teorema 7.1 que um homomorfismo possui exatamente [Fi : Fi1] extensesno i-simo passo da torre. Assim, se comeamos com a identidade de k, podemos estend-laa F C de exatamente [F1 : F0] [Fs : Fs1] = [F : k] maneiras distintas e estes so osk-automorfismos, uma vez que a extenso normal (Teorema 6.10).

    Veremos a seguir que as extenses galoisianas finitas so exatamente aquelas para asquais a correspondncia de Galois bem comportada, ou seja, as aplicaes da correspon-dncia de Galois so de fato bijees.

    Lema 8.4. Se F k uma extenso separvel tal que [k(u) : k] n para cada u F, entoa extenso finita e vale [F : k] n.Demonstrao: Seja v em F escolhido de forma que [k(v) : k] seja mxima. Mostremos queF = k(v): dado u F, ento k(u, v) k finita e separvel e logo possui um elementoprimitivo, digamos w. Ento as desigualdades

    [k(v) : k] [k(u, v) : k] = [k(w) : k] [k(v) : k]so de fato igualdades e portanto u k(v), como queramos.

    Apresentamos agora o principal resultado desta seo, o clebre Teorema Fundamentalda Teoria de Galois, devido a Emil Artin:

  • 22 NIVALDO MEDEIROS

    Teorema 8.5 (Artin). Sejam F um corpo e G um subgrupo finito qualquer do grupo deautomorfismos de F. Ento F FG uma extenso galoisiana de grau |G|, cujo grupo deGalois G.

    Demonstrao: Denote k = FG. Dado u F, seja S F o conjunto das diferentes imagensde u pelos elementos de G, digamos S = {u = u1, . . . , ur}; observe que r |G|. Definaf =

    i(x ui), um polinmio em F[x].Cada elemento de G induz uma permutao no conjunto S das razes. Como os coefi-

    cientes de f so os polinmios simtricos elementares (10) nos uis, segue-se que cada umdestes coeficientes fixado por todos os elementos de G, ou seja, pertencem ao corpo fixopor G. Assim f de fato um polinmio em k[x], que tem u como raiz.

    Em suma, mostramos que todo elemento de F raiz de um polinmio separvel em k[x]cujas razes esto em F, ou seja, F k separvel e normal. Agora, como G Galk F,temos

    |G| |Galk F| = [F : k] |G|

    onde a igualdade vem da Proposio 8.3 e a desigualdade da direita segue do Lema 8.4,j que [k(u) : k] |G| para cada u F. Portanto as desigualdades acima so de fatoigualdades, concluindo a demonstrao do teorema.

    Corolrio 8.6. Se F k uma extenso galoisiana finita, ento a correspondncia deGalois uma bijeo. De modo preciso, as aplicaes{

    corpos intermediriosde F k

    }{subgrupos de Galk F}

    E 7 GalE FFH H

    so a inversa uma da outra. Alm disso, |H| = [F : FH] e [FH : k] = (Galk F : H).

    Demonstrao: Por um lado, tome E um corpo intermedirio e seja H = GalE F. Como aextenso F E galoisiana finita, temos |H| = [F : E]; agora, pelo Exerccio 8.1,

    F FH E

    e como [F : FH] = |H| (Teorema de Artin), temos que a incluso da direita de fato umaigualdade, como desejado.

    Por outro lado, sendo Galk F finito, segue do Teorema de Artin que GalFH F = H paratodo subgrupo H, o que prova que a correspondncia de Galois de fato uma bijeo. Paraas igualdades do final do enunciado, apenas a segunda merece nota: uma consequnciado bom e velho Teorema de Lagrange da teoria de grupos.

  • LGEBRA III - 12 AGOSTO 2013 23

    Um diagrama, mil palavras: para extenses F k galoisianas,F

    |H|

    {id}

    FH = E

    (G:H)

    H = GalE Fk G

    Exemplo 8.7. Seja = e2pii/5 = cos(2pi/5)+i sen(2pi/5) C uma raiz 5-sima da unidade,isto , 5 = 1. As razes do polinmio x5 1 so 1,, . . . ,4. Temos x5 1 = (x 1)p,onde p = x4 + + x+ 1. Pelo critrio de Eisenstein, p irredutvel em Q[x], pois 5 umnmero primo. Logo a extenso Q() Q galoisiana de grau 4; os Q-conjugados de so , . . . ,4.

    Seja G o grupo de automorfismos desta extenso. Cada automorfismo G devepermutar as razes de p e fica completamente determinado pela sua imagem (). LogoG = {1, 2, 3, 4} onde j() = j. Note que 1 = id; e aplicando sucessivamente 2,obtemos

    7 2 7 4 7 8 = 3 7 6 = e logo 2 tem ordem 4. Portanto G = Z4.

    Sendo cclico de ordem 4, o grupo G possui um subgrupo prprio, que tem ordem 2, asaber H = 22 = 4. Da, pela correspondncia de Galois, a extenso Q() Q possuiapenas um subcorpo intermedirio no-trivial, o corpo fixo por H. Para determin-lo,tome u = + 4. Nnote que 4(u) = u e portanto u Q()H. Como 4 = oconjugado complexo de , vem que u R e da Q() Q(u) uma extenso de grau 2,pois 6 Q(u) e (x)(x ) = x2 ux+ 1 Q(u)[x]. A correspondncia de Galois bem simples:

    Q()

    2

    {id}

    Q(u)

    2

    HQ G

    Exemplo 8.8. Revisitamos agora o Exemplo 7.6, usando a mesmo notao ali estabelecida.Vimos que o corpo F de decomposio do polinmio x3 2 uma extenso de grau 6 sobreQ, e cujo grupo de Galois sobre isomorfo ao grupo simtrico S3. O grupo S3 possuiexatamente 3 subgrupos de ordem 2, a saber 0,2, 1,2, 2,2 e exatamente um subgrupode ordem 3. Da correspondncia de Galois vem que existem exatamente 3 subcorposintermedirios E tais que [F : E] = 2; como Q(u),Q(2u) e Q(u) so extenses de grau3 de Q, estes so os corpos em questo. O subcorpo restante Q() que fica associado

  • 24 NIVALDO MEDEIROS

    ao subgrupo gerado por 1,1, que um elemento de ordem 3 de G. Eis o diagrama quedescreve a correspondncia:

    Q(u,)2

    3

    2

    2

    {id}

    Q(u) Q(2u) Q(u) 0,2 1,2 2,2

    Q() 1,1

    Q G

    Exerccio 8.9. Mostre que o diagrama do exemplo anterior est correto, isto , queQ(3iu) corpo fixo por i,2, para i = 0, 1, 2.Exerccio 8.10. Um caso em que a extenso no normal: descreva a correspondnciade Galois para Q( 4

    2) Q.

    Duas extenses E, E de um corpo k so chamadas conjugadas se existe um k-isomorfismoE E . Recorde que dois subgrupos H,H de um grupo G so conjugados se existe Gtal que H = H1.

    Lema 8.11. Seja F k uma extenso galoisiana finita. Ento dois corpos intermediriosE e E so conjugados se e somente se GalE F e GalE F so subgrupos conjugados em Galk F.

    Demonstrao: Comeamos com a seguinte

    Afirmao: Dado Galk F, ento Gal(E) F = (GalE F)1.De fato,

    Gal(E) F ((u)) = (u), u E (1)(u) = u, u E 1 GalE F (GalE F)1.Seja agora : E E um k-isomorfismo. Como F k uma extenso finita e normal,

    estendemos um k-automorfismo : F F. Ento (E) = E e da Afirmao segue-se queGalE F e GalE F so conjugados.

    Reciprocamente, se GalE F e GalE F so conjugados, ento decorre da Afirmao queGalE F = Gal(E) F para algum Galk F. Como F k galoisiana finita, vem dacorrespondncia de Galois que E = (E), o que termina a prova.

    Teorema 8.12 (Segundo Teorema Fundamental). Seja F k uma extenso galosianafinita e E um corpo intermedirio. Ento a extenso E k normal se e somente se

  • LGEBRA III - 12 AGOSTO 2013 25

    GalE F um subgrupo normal de Galk F. Nesse caso,

    Galk E =Galk FGalE F

    .

    Demonstrao: Pelo Lema 8.11:

    GalE F normal em Galk F (E) = E, Galk Fe esta condio vlida se e somente se E k uma extenso normal. Isto prova aprimeira afirmao do teorema.

    Por outro lado, se E k uma extenso normal, ento a restrio de um k-automorfismode F ao corpo E induz de fato um automorfismo (Teorema 6.10). Temos portanto umhomomorfismo de grupos

    |E : Galk F Galk Eque sobrejetor, uma vez que todo k-automorfismo de E se estende a um k-automorfismode F (Corolrio 7.3); seu ncleo evidentemente GalE F, pois estes so os automorfismos quefixam E. Segue do Teorema dos Homomorfismos que vale o isomorfismo do enunciado.

    Traduzindo em um diagrama: para extenses F k galoisianas,F {id}

    E

    normal H

    normal

    k G (e nesse caso Galk E = G/H)

    Exemplo 8.13. Denote E = Q( 42) e F = Q( 4

    2, i). Ento F Q uma extenso normal.

    O seu grupo G de automorfismos no abeliano: de fato, como E Q no normal, vemdo Teorema 8.12 que o subgrupo H = GalE F no normal em G.

    Exerccio 8.14. No exemplo anterior, mostre que |G| = 8 e que GalQQ(i) cclico deordem 4. Mais ainda, encontre , em G tais que

    G = , , 4 = 1, 2 = 1 e = 3(estas so as relaes necessrias para demonstrar que G = D4, o grupo das simetrias deum quadrado).

    9. razes da unidade

    Seja n 1 um inteiro. Um elemento em um corpo F uma raiz n-sima da unidadese n = 1, ou seja, se uma raiz do polinmio xn 1. A ordem de qualquer raiz n-simada unidade como elemento do grupo multiplicativo F , portanto, um divisor de n; a raiz dita primitiva se sua ordem igual a n.

  • 26 NIVALDO MEDEIROS

    O conjunto Un(F) das razes n-simas um subgrupo finito do grupo multiplicativo deum corpo, sendo portanto cclico e cuja ordem divide n; vale que |Un(F)| = n se e somentese F possui uma raiz n-sima primitiva.

    Exemplo 9.1. claro que U1(F) = {1} e U2(F) = {1} para qualquer corpo F. Consideren 3. Para os nmeros complexos, temos Un(C) = Zn e uma raiz primitiva da unidade e2pii/n = cos(2pi/n) + i sen(2pi/n). J para os nmeros racionais ou reais, Un(Q) =Un(R) = {1} ou {1} caso n seja par ou mpar, respectivamente.

    Recordamos alguns fatos sobre grupos cclicos finitos. Se G cclico de ordem n, entoG = Zn. Dado um gerador g deG, ento ga um outro gerador se e somente se mdc(a, n) =1; assim G possui (n) geradores, onde a funo de Euler. Um automorfismo de Gnecessariamente leva um gerador em outro gerador e portanto Aut(G) = Zn.Proposio 9.2. Tome k um subcorpo dos nmeros complexos e C uma raiz n-simaprimitiva da unidade. Ento a extenso k() k galosiana e seu grupo de Galois umsubgrupo de Zn, sendo portanto abeliano.Demonstrao. Como k() o corpo de decomposio do polinmio xn 1, a extensok() k normal e logo galoisiana. Seja um automorfismo desta extenso. A restriode ao grupo das unidades U = Un(k()) induz um automorfismo deste grupo. Comobrinde, ganhamos um homomorfismo Galk k() Aut(U) = Zn dado pela restrio, 7 |U; este homomorfismo injetor, pois = id se e somente se () = .

    Uma descrio mais concreta: como induz um automorfismo de U, temos () = aonde mdc(a, n) = 1. Por outro lado, como um k-automorfismo de k() fica determinadopela sua imagem em , vem que fica determinado este expoente, e denotamos a = a.O homomorfismo Galk k() Zn fica dado por 7 a. Note que 7 aa, pois()() = (a) = aa .

    Temos uma descrio mais precisa quando o corpo de base so os nmeros racionais.

    Teorema 9.3. Sejam n 1 e C uma raiz n-sima primitiva da unidade. Ento[Q() : Q] = (n). Consequentemente, GalQQ() = Zn.Demonstrao. Comeamos com um resultado auxiliar.Afirmao: Se uma raiz n-sima primitiva da unidade, f seu polinmio minimal sobreQ e p um primo tal que p - n, ento

    f(p) = 0.

    De fato, como f divide xn 1, existe h Q[x] mnico tal quexn 1 = fh

    Pelo Lema de Gauss, f, h Z[x]. Assuma que a Afirmao no valha, ou seja, f(p) 6= 0.Ento h(p) = 0, o que significa que uma raiz de h(xp). Como f o polinmiominimal de , temos h(xp) = fg para algum polinmio g e, como anteriormente, temosg Z[x]. Considerando essa igualdade mdulo p, temos

    h(xp) = hp = fg em Fp[x]

  • LGEBRA III - 12 AGOSTO 2013 27

    e como Fp[x] um domnio fatorial, segue-se que f e h possuem um fator comum. Masxn 1 = fh temos uma contradio, pois o polinmio xn 1 separvel uma vez que p - n.Logo nossa Afirmao vale.

    Passemos prova de que cada raiz n-sima primitiva uma raiz de f. Com efeito,tome m com mdc(m,n) = 1 e decomponha m = p1 pr como produto de primos, nonecessariamente distintos. Dado que nenhum dos pis divide n, segue da Afirmao quef(p1) = 0 e da pp1 ,Q divide f; portanto estes polinmios so iguais, pois so irredutveis.Agora, tome 1 = p1 ; esta uma raiz n-sima primitiva da unidade, e com o mesmo ar-gumento provamos que p1,Q = pp21 ,Q. Assim prosseguindo, conclumos que os polinmiosminimais de e m coincidem.

    Em resumo, provamos que grau f (n). A outra desigualdade e a ltima afirmaodo enunciado seguem da Proposio 9.2.

    Dado um inteiro n positivo, o n-simo polinmio ciclotmico o polinmio minimal,sobre k, de uma raiz n-sima primitiva. Quando k = Q, o denotamos por n; vimos noTeorema 9.3 que este polinmio tem grau (n).

    Exerccio 9.4. As razes de n so exatamente as razes n-simas primitivas da unidade.

    Exemplo 9.5. Se p um nmero primo, ento p = xp1 + xp2 + + x + 1, poiseste polinmio divide xp 1 e irredutvel sobre os racionais (troque x 7 x + 1 e useEisenstein). Se n no um nmero primo, encontrar n d um pouco mais de trabalho.Por exemplo, 6 = x2 x+ 1 e h pelo menos duas maneiras de verificar isto. Uma delasvem do exerccio acima: tomando = e2pii/6, basta multiplicar (x)(x ) (note que5 = ). A outra recursiva, descrita pelo exerccio abaixo.

    Exerccio 9.6. Prove que xn 1 =

    d|nd em Q[x], onde d percorre os divisores de n.Sugesto: agrupe as razes n-simas de unidade de acordo com sua ordem e observe quepara um divisor d de n existem exatamente (d) razes d-simas primitivas da unidadeem C. A partir da fique de olho no Exerccio 9.4.

    Uma extenso F k ciclotmica se F o corpo de decomposio do polinmio xn 1para algum n.

    Exemplo 9.7. Para n = e2pii/n, vimos que Q(n) Q tem grupo de Galois Zn. NoExemplo 8.7 descrevemos o caso n = 5 com detalhe: vimos ali que o grupo de Galois cclico, isomorfo a Z4. De fato, vale o seguinte: Zn cclico se e somente se n = 2, 4, prou 2pr, onde p um primo mpar (veja [GL02]).

    Analisamos agora o caso = e2pii/8, uma raiz 8-sima primitiva da unidade.A extenso Q() Q galoisiana e tem grau 4, vide Teorema 9.3. Logo seu grupo

    de automorfismos tambm tem ordem 4, digamos G = {1, 3, 5, 7}. Os ndices foramescolhidos dessa maneira porque cada j definido por 7 j, uma vez que um auto-morfismo permuta as razes primitivas da unidade (que so as razes do polinmio minimalde , pelo Exerccio 9.4). Temos

    23 = 25 =

    27 = id

  • 28 NIVALDO MEDEIROS

    pois3

    2= 5

    2= 7

    2= 1 uma vez que 32 52 72 1 (mod 8).

    Logo no existem elementos de ordem 4 e portanto G = Z2 Z2. Os corpos fixos corres-pondentes aos subgrupos 3, 5, 7 so todos os subcorpos intermedirios no-triviaisda extenso, e os apelidamos F3, F5, F7.

    Como encontrar esses corpos? Para extenses ciclotmicas h alguns truques. Porexemplo, como 3 leva 7 3 7 , vem que u = +3 fixado por este automorfismoe logo Q(u) F3; como [F3 : Q] = [G : 3] = 2 e u 6 Q (desenhe!), obtemos F3 = Q(u).

    Q() {id}

    Q(u) F5 F7 3 5 7

    Q GExerccio 9.8. Encontre os outros dois corpos fixos no exemplo anterior. Se estiver debom humor, descreva a correspondncia de Galois para Q(e2pii/9); restando algum flego,faa para Q(e2pii/12).

    10. solubilidade por radicais

    Estamos em condies de resolver o problema levantado no incio destas notas: decidirquando um polinmio tem suas razes expressas em termos das operaes +,,,, naplicadas aos coeficientes. Nossa estratgia reformular o problema em termos de extensesde corpos e em seguida resolv-lo via a correspondncia de Galois.

    Como motivao, considere os exemplos:Exemplo 10.1.

    (1) Tome f = x4 6x2 + 7 Q[x]. Suas razes so 32. Para obt-las, conside-

    ramos a torre de extenses

    Q Q(2) Q(2)(3+2) Q(2,

    3+2)(32)

    obtidas adjuntando-se uma raiz de um elemento da extenso anterior. O ltimocorpo da torre, contm todas as razes de f. Note que todo elemento deste corpose escreve como somas, produtos e quocientes de razes quadradas sucessivamenteaplicadas a nmeros racionais.

    (2) Tome f = x3 + 3x 14 = (x 2)(x2 + 2x + 7). Suas razes so 2,1 i6 epertencem extenso

    Q Q(6)onde

    6 uma raiz do polinmio x2+6. Por outro lado, se utilizamos as frmulas

    de Cardano em (7), as razes se escrevem comou+ v, u+2v e 2u+v

  • LGEBRA III - 12 AGOSTO 2013 29

    onde u = 37+50, v = 3

    750 e = e2pii/3 uma raiz cbica da unidade.

    Considere a torre de extenses

    Q Q() Q()(50) Q(,50)( 37+50)

    que so obtidas adjuntando-se sucessivamente razes quadradas e cbicas de ele-mentos da extenso anterior. Mais uma vez, o maior corpo da torre contm todasas razes do polinmio f (note que u + v = 2, veja (9)). Vrios caminhos, umdestino.

    Seja F k uma extenso de corpos. Se u F satisfaz un = a para algum a k,escrevemos u = n

    a. Ao contrrio do que acontece com os nmeros reais, o smbolo n

    a

    ambguo e indica qualquer uma das razes de xn a.Uma extenso F k radical se pode ser decomposta em uma torre

    k = F0 F1 Fr = Fde modo que cada corpo obtido adjuntando-se uma raiz ?-sima de um elemento do corpoanterior, isto : Fi = Fi1( ni

    ai) onde ai Fi1 e os nis so inteiros positivos.

    Um artifcio, to simples quanto til: se todos os nis so iguais entre si, digamosn1 = = nr = n, a extenso dita n-radical ; e de fato toda extenso radical m-radicalpara algum m: basta tomar m = n1 nr.

    Um polinmio f k[x] solvel por radicais se existe uma extenso radical F k talque f se decompe em F (note: no pedimos aqui que F seja o corpo de decomposio def, mas apenas um corpo no qual f se fatore linearmente).

    Exerccio 10.2. Se F E e E k so radicais, ento F k radical.Antes de provar o teorema de Galois, precisamos de dois resultados auxiliares. O primeiro

    descreve o grupo de Galois em extenses obtidas adjuntando-se razes.

    Lema 10.3. Suponha k um subcorpo de C e que k contm uma raiz n-sima primitivada unidade. Dado a k, a extenso k( na) k galosiana com grupo de Galois cclico.Demonstrao. Seja k uma raiz n-sima primitiva e denote u = na. Temos quexn a um polinmio em k[x] que possui n razes distintas, a saber u,u, . . . ,n1u eportanto a extenso k(u) k normal e logo galoisiana.

    Um automorfismo desta extenso fica determinado pela sua ao em u. Da, como(u) = au para algum a {0, . . . , n 1}, o expoente a determina . Definindo

    Galk k(u) Zn (a 7 a)obtemos um homomorfismo, pois 7 a + a, j que (u) = (au) = a+au.Finalmente, se 7 0, ento (u) = u e logo = id, e portanto nosso homomorfismo injetor. Isto termina a prova.

    Eis o segundo, de natureza puramente tcnica.

    Lema 10.4. Considere uma extenso F k (de subcorpos de C) n-radical. Ento existeum corpo N F tal que a extenso N k normal e n-radical.

  • 30 NIVALDO MEDEIROS

    Demonstrao. Por hiptese, existe uma torrek = F0 F1 Fr = F

    tal que Fi = Fi1(ui) e onde ui raiz de xn ai1 Fi1[x].Podemos supor que k contm uma raiz n-sima primitiva da unidade (adjunte caso seja

    necessrio). Ento k(u1) o corpo de decomposio de xn a0, e portanto F1 k umaextenso normal. Tome f1 =

    (x

    n (a1)) onde percorre o grupo de automorfismosGalk F1. Ento cada fixa cada um dos coeficientes de f1, o que mostra que f1 k[x]; eadjuntando as razes de f1 sucessivamente ao corpo F1, obtemos um corpo R, que umaextenso n-radical de F1. Logo R k uma extenso normal ( dada pelo corpo dedecomposio de f1) e n-radical. Assim prosseguindo, obtemos a extenso N F kdesejada.

    Recorde que um grupo G solvel se existe uma cadeia de subgruposG = G0 B G1 B G2 B B Gn = {id}

    tal que cada quociente Gi1/Gi um grupo abeliano.

    Proposio 10.5. Seja N um subgrupo normal de um grupo G. Ento G solvel se esomente se N e G/N so solveis.

    Teorema 10.6 (Galois). Suponha que k um subcorpo de C. Dado f k[x], seja F ocorpo de decomposio de f. Ento f solvel por radicais se, e somente se, Galk F umgrupo solvel.

    Demonstrao. Suponha que f solvel por radicais. Ento existe uma extenso n-radicalR k tal que R F. Seja = e2pii/n C uma raiz n-sima primitiva da unidade. EntoR() tambm uma extenso n-radical de k. Pelo Lema 10.4, existe N R() tal queN k normal e n-radical.

    Temos ento uma torre de corpos (comeamos adjuntando a raiz da unidade)k = N0 k() = N1 N2 Nr = N

    onde Ni = Ni1( nai) e ai Ni1 para i 2.

    Sejam G = GalkN e Gi = GalNi N. Da correspondncia de Galois, obtemos uma cadeiade subgrupos

    G = G0 B G1 B G2 B B Gr = {id}onde cada subgrupo de fato normal no seguinte, uma vez que Ni1 Ni uma extensonormal e tendo em vista o Teorema 8.12. Ainda, do mesmo teorema vem que Gi1/Gi =GalNi1 Ni, que um grupo abeliano: para i = 1 isto segue da Proposio 9.2, pois N1 k ciclotmica; para i 2, vem do Lema 10.3 que o grupo de Galois de Ni Ni1 cclico,pois o corpo de base destas extenses contm uma raiz n-sima primitiva da unidade.

    Logo G um grupo solvel. Finalmente: como F k normal, mais uma vez lanamosmo do Teorema 8.12 para concluir Galk F = G/GalFN, que um grupo solvel pelaProposio 10.5. Terminamos assim esta parte da demonstrao.

    A recproca requer algo mais, aguarde em uma verso futura destas notas.

  • LGEBRA III - 12 AGOSTO 2013 31

    Exemplo 10.7. Considere f = x5 4x+ 2 Q[x]. Afirmamos que o seu grupo de Galois isomorfo ao grupo S5 de permutaes de 5 elementos.

    Com efeito, sejam F o corpo de decomposio de f sobre Q e G = GalQ F. Como vimosna Proposio 7.9, podemos ver G como um subgrupo de S5. Como f irredutvel, temosque [Q(u) : Q] = 5 para qualquer raiz u de f. Isso nos diz que 5 divide |G|; vem doTeorema de Cauchy que G contm um elemento de ordem 5 e logo possui um 5-ciclo (se p primo, todo elemento de ordem p de Sp um p-ciclo).

    Por outro lado, uma anlise com derivadas e convexidade l dos nossos bons temposde Clculo mostram que f possui exatamente duas razes complexas no-reais, que soconjugadas entre si. Da, se : C C a conjugao complexa, troca essas duas razese fixa as outras trs; ou seja, |F G uma transposio note que a restrio de a Fdefine um automorfismo, pois F Q normal.

    Em resumo, G um subgrupo de S5 que contm um 5-ciclo e uma transposio e logoG = S5. Como S5 no um grupo solvel, vem do Teorema 10.6 que o polinmio f no solvel por radicais. 2

    Do lado positivo da fora, claro que existem equaes qunticas solveis por radicais.Eis um exemplo interessante, explicado em detalhe em [BSW02, p. 29]:

    x5 + 15x+ 12 = 0

    tem como uma de suas solues

    5

    75+ 21

    10

    125+

    5

    75 21

    10

    125+

    5

    225+ 72

    10

    125+

    5

    225 72

    10

    125

    e as outras razes tem expresso similar.

    Exerccio 10.8. Os polinmios x5 20x2 + 20, x5 + x 1 e x5 2ax+ a (a 2) tambmtem S5 como grupo de Galois e portanto no so solveis por radicais sobre Q.

    Exerccio 10.9. Sejam p um primo e f um polinmio irredutvel em Q[x]. Se f possuiexatamente duas razes complexas no-reais, ento GalQ f = Sp, o grupo de permutaesde p elementos.

    11. corpos algebricamente fechados

    11.1. O fecho algbrico. Todo polinmio no constante com coeficientes complexos possuiuma raiz em C. Este o famoso Teorema Fundamental da lgebra. Apresentamos abaixo(Teorema 11.1) uma demonstrao, mais algbrica, que faz uso da correspondncia deGalois e da teoria de grupos.

    Decorre da que todo polinmio f C[x] tem de fato todas suas razes em C e portantose decompe totalmente, isto , existem nmeros complexos c, z1, . . . , zn tais que f =c(x z1) (x zn).

    Se k um corpo qualquer, no necessariamente contido em C, o que podemos obter?Nossa questo : dado um polinmio em k[x], existe um corpo que contenha todas suas

  • 32 NIVALDO MEDEIROS

    razes? Mais ambiciosamente: existe um corpo que contenha todas as razes de todos ospolinmios de k[x]?

    A resposta . . . sim!

    Teorema 11.1 (Kronecker). Dado um polinmio p com coeficientes em um corpo k, existeuma extenso finita F k na qual p de decompe totalmente.Demonstrao: Podemos supor que p irredutvel em k[x] (caso no seja, consideramos umfator irredutvel de p). Considere o ideal (p) k[x] dos mltiplos de p e seja F = k[x]/(p)o anel quociente. Afirmamos que F de fato um corpo. Com efeito, seja f k[x] tal quef 6= 0. Ento p no divide f e, sendo p irredutvel, mdc(p, f) = 1. Logo existem g, h k[x]tais que gp+ fh = 1, ou seja, fh = 1. Assim f invertvel em F.

    O homomorfismo k F dado por a 7 a injetivo e logo F contm uma cpia isomorfade k. Finalmente, x uma raiz de p, pois p(x) = p = 0 em F. Esta extenso finita, umavez que F = k(x).

    Tendo encontrado em F uma raiz u de p, fatoramos p = (x u)g com g F[x], econstrumos uma extenso finita de F que contenha uma raiz de g; assim prosseguindo, emum nmero finito de etapas obtemos uma extenso de k contendo todas as razes de p.

    Se temos uma coleo finita de polinmios, ento uma aplicao sucessiva do teorema deKronecker nos fornece uma extenso com todas as razes desses polinmios. A demonstra-o para uma coleo infinita mais elaborada, necessariamente envolve o Lema de Zorne, sorrateiramente, a omitimos; referncias: [Lang02], [Morandi96].

    Um corpo F algebricamente fechado se cada polinmio no-constante em F[x] possuiuma raiz em F. O corpo dos nmeros complexos um exemplo. Um fecho algbrico de umcorpo k um corpo algebricamente fechado F tal que a extenso F k algbrica.

    Fechos algbricos sempre existem e so, essencialmente, nicos:

    Teorema 11.2. Seja k um corpo qualquer. Ento k possui um fecho algbrico. Ainda, seF e F so dois deles, ento existe um k-isomorfismo F F .

    Dada a unicidade, usualmente denotamos um fecho algbrico de k por k.

    Exemplo 11.3. O corpo C um fecho algbrico do corpo R dos nmeros reais. Porm,C no um fecho algbrico de Q, j que a extenso transcendente. De fato, Q C oconjunto de todos os nmeros algbricos.

    Exerccio 11.4. Mostre que Q enumervel. Vale que Q R? O que voc tem a dizersobre a dimenso do corpo Q como Q-espao vetorial?

    11.2. O teorema fundamental da lgebra. Como uma aplicao da teoria de Galois,provamos agora que todo polinmio complexo no-constante possui uma raiz complexa.

    A prova que apresentamos aqui repousa sobre um fato topolgico: a reta real conexa(suspeito que qualquer prova deva envolver esse fato, ainda que indiretamente apreciariamuito se voc puder me dizer algo mais profundo a respeito), o que implica que todopolinmio real de grau mpar possui uma raiz real.

    Para polinmios de grau pequeno no h muito a fazer.

  • LGEBRA III - 12 AGOSTO 2013 33

    Exerccio 11.5. Todo polinmio de grau 2 com coeficientes complexos possui uma raizem C. Em particular, no existem extenses de C de grau 2.

    Teorema 11.6 (Fundamental da lgebra). O corpo dos nmeros complexos algebrica-mente fechado.

    Demonstrao: Suponha que u algbrico sobre C e seja N o fecho normal da extensoC(u) R. Ento N R uma extenso galoisiana finita, digamos com grupo de GaloisG.

    Sejam H o 2-subgrupo de Sylow de G e F = NH o seu corpo fixo. O ndice [G : H] igual ao grau da extenso F R, e logo um nmero mpar. Portanto, dado v F, o seu opolinmio mnimo sobre R tem tambm grau mpar e consequentemente, pelo Teorema doValor Intermedirio, possui uma raiz em R. Isso mostra que v R. Conclumos F = R, ouseja, H = G, e logo |G| uma potncia de 2.

    Afirmamos que |G| = 2: caso contrrio, tomaramos um subgrupo no-trivial dentro do2-grupo G de ndice 2 e teramos, pela correspondncia de Galois, uma extenso de grau 2de C, contradio com o resultado do Exerccio 11.5.

    Finalmente, segue da nossa afirmao que N = C e da que u C, demonstrandoportanto que C algebricamente fechado.

    12. a caracterstica de um corpo

    Seja k um corpo. Existe um homomorfismo natural : Z k, dado porn 7 n 1k = 1k 1k (|n| vezes).

    Denote por D = (Z) sua imagem. O ncleo de um ideal de Z e logo da forma pZpara algum inteiro p 0. Como Z/pZ = D e D um domnio (pois D k), ento p zero ou um nmero primo.

    O nmero p definido como sendo a caracterstica do corpo k. De maneira equivalente,a caracterstica de k o menor nmero p tal que, em k, 1+ + 1 (p vezes) igual a zero,sendo 0 se isso no acontece. Notao: cark := p.

    Suponha que k tenha caracterstica zero. Ento injetivo e logo D = Z. Tomando ocorpo de fraes, conclumos que k contm uma cpia isomorfa do corpo Q dos nmerosracionais. Se cark > 0, ento D um corpo e portanto k contm um corpo com pelementos, a saber, uma cpia de Z/pZ.

    O corpo primo k0 de k definido como o menor corpo contido k, isto , a interseode todos os subcorpos de k. Seja F k0 o corpo de fraes da imagem do homomorfismo : Z k0 como acima. Sendo F um subcorpo de k, temos, por definio, que k0 F elogo F = k0. Assim, os nicos corpos primos existentes, a menos de isomorfismos, so Q eZ/pZ, p primo. De agora em diante batizamos o nico corpo com p elementos por Fp.

    12.1. Corpos finitos. Um corpo finito se possui to somente um nmero finito de ele-mentos. Estes corpos so importantes tanto do ponto de vista terico como para aplicaes.

    Seja F um corpo finito. Observe que F possui caracterstica positiva, uma vez que nocontm uma cpia de Q. Ento F Fp para algum primo p e logo F um Fp-espao

  • 34 NIVALDO MEDEIROS

    vetorial de dimenso finita, digamos dimFp F = n. Segue da que F isomorfo, comoFp-espao vetorial, ao produto direto de n cpias, Fp Fp, e portanto possui pnelementos. Provamos assim que a cardinalidade de qualquer corpo finito uma potnciade um nmero primo. Por exemplo, no existem corpos com 10 ou 36 elementos.

    O conjunto F das unidades de F um grupo multiplicativo, de ordem pn 1. Peloteorema de Lagrange, temos que apn = a para cada a F. Assim, se F um fechoalgbrico de F e S F o conjunto das razes do polinmio xpn x, ento F S e como|S| pn, temos que F = S.

    Reciprocamente, sejam dados um primo p e um inteiro n 1. Seja F um fecho algbricode Fp. Sendo p primo, temos que p divide

    (pi

    )para cada i = 1, . . . , p 1 e logo

    (a+ b)p = ap + bp

    para quaisquer a, b F. Indutivamente, obtemos(a+ b)p

    n

    = apn

    + bpn

    (n 1).Seja agora S F o conjunto das razes do polinmio xpn x. Note que 0, 1 S. Maisainda, dados a, b S, segue da identidade acima que

    a+ b, a, ab, e 1/a (a 6= 0)so tambm elementos de S. Portanto S um subcorpo de F. Por outro lado, como asrazes de xpn x so distintas duas a duas (provaremos a seguir), temos que S possui pnelementos. Em resumo, acabamos de demonstrar:

    Teorema 12.1. Seja p um primo e n um inteiro positivo. Ento, fixado um fecho algbricode Fp, existe exatamente um nico corpo finito com pn elementos, denotado Fpn, que dadopelas razes do polinmio xpn x.

    Finalmente, como pm 1 divide pn 1 se e somente se m | n, temos que (considerandoos grupos de unidades Fpm e Fpn):

    Fpm Fpn m | n.13. o teorema do elemento primitivo

    Dizemos que u F um elemento primitivo sobre um corpo k se F = k(u). Seupressentimento est correto: nem toda extenso admite um elemento primitivo. Mas istoocorre em uma situao bem geral, um resultado muito til.

    Teorema 13.1 (Elemento primitivo). Seja F k uma extenso finita e separvel. Entoexiste w F tal que F = k(w).Demonstrao: A prova se divide em dois casos. No primeiro, supomos que k um corpofinito. Ento F tambm um corpo finito e logo basta tomar w como um gerador do grupomultiplicativo F (que cclico).

  • LGEBRA III - 12 AGOSTO 2013 35

    Assuma k infinito. Comeamos com o caso em que F gerado por apenas dois elementos,digamos F = k(u, v). Sejam f, g k[x] os polinmios minimais de u, v sobre k e {u =u1, . . . , ur} e {v = v1, . . . , vs} as razes desses polinmios. Escolha c k tal que

    u+ cv 6= ui + cvjpara todo i e todo j 2, ou seja, escolha c fora do conjunto finito

    {(ui u)/(v vj) | i = 1, . . . , r, j = 2, . . . , s}.

    Tome w = u + cv. Ento v uma raiz dos polinmios g(x) e f(w cx), que esto emk(w)[x]. Seja h o polinmio minimal de v sobre k(w). Ento h divide tanto g(x) comof(w cx); por outro lado, segue da escolha de c que v a nica raiz comum de g(x) ef(w cx) e, como h separvel, obtemos h = x v. Conclumos que v e a posteriori u,esto em k(w), o que termina este caso.

    Para o caso geral: como F k uma extenso finita, temos F = k(u1, . . . , un) ondecada ui algbrico sobre k. Aqui basta aplicar sucessivamente o caso anterior s extensesk k(u1, u2) k(u1, u2, u3) = k(w,u3) . Convido voc a preencher os detalhes.

    A demonstrao fornece um mtodo para encontrar um elemento primitivo.

    Exerccio 13.2. Encontre elementos primitivos para as extensesQ(2,3) eQ(

    2,3,5)

    sobre os nmeros racionais.

    e

  • 36 NIVALDO MEDEIROS

    14. concorrncia amistosa

    H timas referncias para aprender mais sobre o assunto. A lista apresentada nas refe-rncias no completa: qualquer tentativa seria pelo menos injusta. Alguns comentrios:

    Emil Artin [Artin66] o clssico, um primor de simplicidade e elegncia; Serge Lang (umaluno de Artin) [Lang02] semi-enciclopdico; Patrick Morandi [Morandi96] moderno,bem escrito, apontando conexes com tpicos mais avanados; John Stillwell [Stillwell94] ligeiro, traz consigo algo de histria; David Cox [Cox12] recente, com vis computacionale de rara riqueza em exemplos e construes clssicas; e o artigo da Wikipedia [Wiki] quase obrigatrio: a ponta de um novelo que traz prazer ao puxar, seja pela matemtica,seja por conhecer mais do drama que pairou, insistente, sobre a curta vida de Galois.

    Enfim, minha predileo recai sobre Galois Theory, de Ian Stewart [Stewart03] e Algebra,de Michael Artin [Artin91], duas delcias explcitas de leitura.

    Referncias

    [Artin66] E. Artin, Galois Theory, Notre Dame Mathematical Lectures Number 2, 1966.[Artin91] M. Artin, Algebra, Prentice-Hall, 1991.[BSW02] B.C. Berndt, B.K. Spearman and K.S. Williams, Commentary on a unpublished lecture by G.N.

    Watson on solving the quintic. Mathematical Intelligencer 4(24), 1 533, 2002.[Cox12] D. Cox, Galois Theory, 2nd. edition, John Wiley & Sons, 2012.[GL02] A. Garcia, Y. Lequain, Elementos de lgebra, Projeto Euclides, IMPA, 2002.[Herstein75] I. Herstein, Topics in Algebra, 1975.[Kaplansky69] I. Kaplansky, Fields and Rings, University of Chicago Press, 1969.[Rotman98] J. Rotman, Galois Theory, (New York, 1998).[Rowen95] L. Rowen, Algebra: Groups, Rings, and Fields, A. K. Peters, Ltd., 1995.[Morandi96] P. Morandi, Field and Galois Theory, GTM 167, Springer-Verlag, 1996.[Lang02] S. Lang, Algebra, GTM 211 (Revised third ed.), Springer-Verlag, 2002.[Galois] E. Galois, uvres Mathmatiques, Journal de Liouville, 1846.[Stewart03] I. Stewart, Galois Theory, Chapman & Hall, 2003.[Stillwell94] J. Stillwell, Elements of Algebra, UTM, Springer, 1994.[Tignol88] J.-P. Tignol, Galois Theory of Algebraic Equations, Longman, New York, 1988.[Vilella] M. L. Vilella, Notas de aula para o curso de lgebra III, UFF, 2010.[Wiki] Wikipedia, variste Galois: pt.wikipedia.org/wiki/variste_Galois

    127 1. ignio1.1. Equaes lineares e quadrticas1.2. Equaes cbicas1.3. Equaes de grau superior

    2. permutar preciso2.1. Newton em simtricos2.2. Discriminantes2.3. Lagrange em cbicas

    3. extenses de corpos3.1. Corpos3.2. Adjuno3.3. lgebra Linear3.4. O grau em torres de extenses

    4. extenses algbricas5. extenses separveis6. extenses normais7. extenses, agora de homomorfismos8. teoria de Galois8.1. A correspondncia de Galois8.2. Extenses galoisianas

    9. razes da unidade10. solubilidade por radicais11. corpos algebricamente fechados11.1. O fecho algbrico11.2. O teorema fundamental da lgebra

    12. a caracterstica de um corpo12.1. Corpos finitos

    13. o teorema do elemento primitivo14. concorrncia amistosaReferncias