5/13/2018 FunoSocialdostributos-PauloBarrosdeCarvalho-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/funcao-social-dos-tributos-paulo-barros-de-carvalho 1 Função social dos tributos Paulo de Barros Carvalho ∗ Sumário: 1. O significado da palavra “tributo” e sua mutação no processo histórico nacional. 2. Tributo como fato social?. 3. Estado e Tributo: a Constituição como a determinação jurídica dos valores sociais. 4. A operatividade do Sistema Tributário Nacional como reflexo do depósito exegético da história dos tributos. 5. Evolução social e Desenvolvimento do Direito Tributário: a constante atualização semântica dos valores envolvidos. 6. Reforma social e seus prejuízos à sociedade tributária. 7. O direito empregado na função pragmática de regular condutas. 8. Fiscalidade, extrafiscalidade e parafiscalidade dos tributos: o Estado no ambiente social. 9. Os princípios da isonomia tributária, capacidade contributiva e equidade na participação do custeio. 10. A concessão de serviço público, a tarifa e o equilíbrio econômico- financeiro do contrato. 1. O significado da palavra “tributo” e sua mutação no processo histórico nacional Concebido o direito positivo como objeto do mundo da cultura, sua historicidade será presença inafastável do correspondente processo cognoscitivo. A camada de linguagem prescritiva, voltada para a região das condutas interpessoais, com o propósito de discipliná-las implantando valores, a que chamamos de ordenamento jurídico, surge no contexto social como gradativo depósito de objetivações históricas. Com efeito, as oscilações semânticas por que passam os signos idiomáticos no seio da sociedade têm que ser acompanhadas evolutivamente, para podermos compreender o objeto cultural “direito”, na plenitude de seus conteúdos de significação. Isso implica, desde logo, reconhecer que a construção da norma jurídica se acha condicionada por situações factuais que organizam o ∗ Professor Titular de Dir. Tributário da PUC/SP e da USP; Coordenador do programa de pós- graduação da PUC/SP; e Chefe do Departamento econômico e financeiro da USP.
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Função Social dos tributos - Paulo Barros de Carvalho
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Sumário: 1. O significado da palavra “tributo” e sua mutaçãono processo histórico nacional. 2. Tributo como fato social?. 3.
Estado e Tributo: a Constituição como a determinação jurídica
dos valores sociais. 4. A operatividade do Sistema Tributário Nacional como reflexo do depósito exegético da história dos
tributos. 5. Evolução social e Desenvolvimento do DireitoTributário: a constante atualização semântica dos valores
envolvidos. 6. Reforma social e seus prejuízos à sociedade
tributária. 7. O direito empregado na função pragmática de
regular condutas. 8. Fiscalidade, extrafiscalidade e parafiscalidade dos tributos: o Estado no ambiente social. 9.Os princípios da isonomia tributária, capacidade contributiva e
equidade na participação do custeio. 10. A concessão de
serviço público, a tarifa e o equilíbrio econômico-
financeiro do contrato.
1. O significado da palavra “tributo” e sua mutação no processo histórico
nacional
Concebido o direito positivo como objeto do mundo da cultura, sua
historicidade será presença inafastável do correspondente processo cognoscitivo.
A camada de linguagem prescritiva, voltada para a região das condutas
interpessoais, com o propósito de discipliná-las implantando valores, a que
chamamos de ordenamento jurídico, surge no contexto social como gradativo
depósito de objetivações históricas.
Com efeito, as oscilações semânticas por que passam os signos
idiomáticos no seio da sociedade têm que ser acompanhadas evolutivamente,
para podermos compreender o objeto cultural “direito”, na plenitude de seus
conteúdos de significação. Isso implica, desde logo, reconhecer que a construção
da norma jurídica se acha condicionada por situações factuais que organizam o
∗ Professor Titular de Dir. Tributário da PUC/SP e da USP; Coordenador do programa de pós-graduação da PUC/SP; e Chefe do Departamento econômico e financeiro da USP.
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pelos graves problemas que nos afligem. Ninguém pode conformar-se com a má
distribuição da riqueza, com o débito imenso do Estado, com a insegurança
pública, com o descuido acerca de providências básicas em termos de saúde e
educação, com as páginas lamentáveis dos golpes políticos, da tortura, do atrasona assistência social e, sobretudo, com a mancha inextinguível de ser o Brasil
considerado o maior império escravista da história da humanidade. Nesse campo,
aliás, aquilo que nos consola é verificar que nunca houve povo que não fizesse
inscrever na sua história acontecimentos sobre os quais, mais tarde, viesse a se
envergonhar. Sendo assim, o máximo que se pode almejar é a tomada de
consciência dos cidadãos do presente, a respeito dos erros cometidos no passado.
A marcha do tempo, contudo, provoca uma síntese inevitável porque o processo
histórico é necessariamente contínuo e a avaliação não pode deter-se apenas nos
aspectos negativos.
Com todos os sofrimentos, o Brasil segue sua caminhada em direção ao
futuro e aos brasileiros cumpre conhecer sua história para nela compreender sua
identidade cultural.
No que tange ao direito tributário, como ordem posta, tudo se passa da
mesma maneira. Bem que caberia num livro denso e substancioso a trajetória
semântica do signo “tributo”, com todos os aspectos, valiosos e desvaliosos, que
as sociedades foram depositando ao longo de seu caminho. O vocábulo “tributo”,
que já experimentara acepções francamente negativas, como instrumento de
opressão e de discriminação social, atravessou os séculos, vivendo-os
intensamente, para assumir, nos dias atuais, a configuração de um valor
caríssimo, em que são punidos os comportamentos violadores do mesmo modocomo se tutela o valor “vida humana” ou se protege a integridade física das
pessoas. Nessa linha, é uma constante das legislações modernas a preocupação
com o fiel cumprimento dos deveres jurídico-tributários por parte dos
destinatários, o que representa, por outro ângulo, a luta sempre viva para dar
eficácia aos mandamentos legais.
É curioso assinalar como, à semelhança da experiência jurídica de um
povo, que se vai formando gradativamente pela incessante sobreposição de
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camadas de linguagem prescritiva, a experiência do jurista também se forma em
níveis de vivências que se vão acumulando ao longo do tempo. É precisamente
no nível das formulações literais que o legislador, empregado aqui na sua mais
ampla configuração semântica, introduz modificações, alterando o sistema total.Essa prática não impede, contudo, que a integridade sistêmica venha a
transformar-se por força de mudanças ocorridas nos dois outros subsistemas, pois
é sabido que a pragmática das comunicações jurídicas vai provocando, a cada
passo, modificações até substanciais nas mensagens deônticas, o que implica,
igualmente, transformação no todo do ordenamento.
Devemos reconhecer que as modificações introduzidas pelo plano da
literalidade textual representam, usualmente, o caminho mais prático e direto,
sendo, por isso mesmo, deliberado, consciente, querido pelas fontes produtoras
do direito posto, em termos de alteração do ordenamento, uma vez que as
oscilações ocorrentes na instância pragmática são incontroláveis. Ninguém pode
prever, com visos de racionalidade, o rumo que os utentes da linguagem do
direito, num dado momento histórico, vão imprimir às significações de certas
palavras. Quem, por exemplo, poderia antecipar que o vocábulo “casamento”,
sempre ajustado a situações tradicionalmente configuradas, pudesse assumir,
como nos dias atuais, a amplitude de significação que vem adquirindo? A radical
mutação significativa da palavra “tributo” é o modelo eloqüente, apesar de que o
processo transformativo se tenha operado num trato de tempo muito mais largo
do que no primeiro caso.
Com o sensível aumento na velocidade das informações, os processos de
alteração significativa dos termos jurídicos vêm se desenvolvendo em intervaloscada vez mais curtos, o que valoriza a pesquisa da dimensão pragmática, na
busca do reconhecimento das mudanças por que passam os sistemas jurídico-
positivos. Mesmo assim, porém, não chega a ponto de roubar a primazia da
plataforma física das formulações literais, como o locus mais adequado para que
o legislador faça inserir, no sistema, as modificações que lhe parecerem mais
convenientes. Afinal de contas, matérias sociais novas reivindicam, a todo
instante, sua absorção pelas hipóteses normativas, passando a ser reguladas pelo
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direito. Isso se faz, regularmente, mobilizando-se as fontes produtoras de normas
jurídicas, que se assentam por meio de enunciados expressos, em documentos
formalmente concebidos para exprimi-las em linguagem técnica.
No empreender um estudo da função social do tributo, muitosdoutrinadores passam a assumi-lo como fato social. É bem verdade que a
realidade jurídica toma como ponto de partida o universo social, porém há que se
dizer que isso não desqualifica o caráter jurídico do fato relevante para o direito.
2. Tributo como fato social?
A escolha do caráter disciplinar ou interdisciplinar, como estratégia para a
construção do discurso científico, além de opção incontornável, continua sendo
tema discutido nos círculos epistemológicos, juntamente com a própria amplitude
da inter-relação das disciplinas, conteúdo de outra decisão a ser tomada pelo
cientista. Tudo para perseguir aquele quantum de objetividade que pretende ter
contraparte na carga mínima de subjetividade no agente do conhecimento.
Ele, o fato social, na sua congênita e inesgotável plurilateralidade de
aspectos, reivindica, enquanto objeto, uma seqüência de incisões que lhe
modelem o formato para a adequada apreensão do espírito humano. Está presente
nessa atividade tanto a objetivação do sujeito como a subjetivação do objeto, em
pleno relacionamento dialético. Isso impede a concepção do “fato puro”, seja ele
social ou sociológico, econômico, histórico, político, jurídico ou qualquer outra
qualidade que se lhe pretenda atribuir. Tais fatos, como bem salientou Lourival
Vilanova1, são elaborações conceptuais, subprodutos de técnicas de depuração deidéias seletivamente ordenadas. Não acredito ser possível, por isso mesmo,
isolar-se, dentro do social, o fato jurídico, sem uma série de cortes e recortes que
representem, numa ascese temporária, o despojamento daquele fato cultural
maior de suas colorações sociológicas, políticas, econômicas, éticas, históricas
etc., bem como dos resquícios de envolvimento do observador, no fluxo inquieto
de sua estrutura emocional.
1 As estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo: Noeses, 2006, p. 104.
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implantando valores.2 E esse projetar-se sobre o fluxo do suceder humano, na sua
peculiar e característica instabilidade, ocorre num contínuo processo dialético
que se estabelece entre normas gerais e abstratas, de um lado, e normas
individuais e concretas ou individuais e abstratas, de outro, dinâmica da qual participam, invariavelmente, as regras gerais e concretas como veículos
introdutores dos comandos prescritivos. Tudo isso se opera mediante a presença
indispensável da linguagem, num contexto de crenças, idéias e convicções, a que
chamamos de ideologia. Pondere-se, contudo, que somente tem sentido falar
numa engenharia do social, se for atendido o pressuposto do respeito à ordenação
causal do mundo, pois o direito não pode pretender opor-se aos efeitos da
causalidade. Pelo contrário, há de observá-la para, dentro dela, causalidade física
ou natural e, principalmente, a social, abrir suas possibilidades disciplinadoras de
condutas intersubjetivas.
Quando pensamos no fenômeno da percussão jurídico-tributária acode-nos
logo à mente o nascimento Estado e, em contraponto, o dever subjetivo do
administrado, tendo ambos por objeto a conduta que se consubstancia numa
pretensão pecuniária. Di-lo Alfredo Augusto Becker:
“Aqueles deveres centrípetos e aqueles direitos centrífugos sãooriginalmente Naturais e posteriormente jurídicos, porquanto o Estadonasce por uma relação natural e sobrevive porque – ele mesmo – utilizando a força natural racional de sua existência (capacidade de agir,Poder), transfigura aquela relação natural em relação jurídica.”3 (grifosdo original)
É criando laços dessa natureza que os comportamentos intersubjetivos são
regrados, procurando o legislador implantar certos valores que a Constituiçãodetermina para o desempenho da atividade financeira do poder Público no que
tange a essa matéria. Eis que empreender estudo sobre a função social do tributo
é compreender a própria função do Estado e os valores que o sistema estatal quer
ver implementados na figura da Carta Maior.
2 VILANOVA, Lourival. Analítica do dever-ser. In Escritos jurídicos e filosóficos. Axis
Mundi/IBET: São Paulo, 2005, Vol. 2, p. 69.3 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 4ª ed. São Paulo: Noeses,2007, p. 189.
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A função social dos tributos é tema delicado e controvertido, em seu nome
muitos excessos já foram praticados, mesmo porque se têm por assente a relação
entre o bem estar dos povos e o bom funcionamento dos correspondentes
sistemas tributários. É certo que tudo se liga ao tipo e à evolução do Estado queestamos analisando, aquele corpus unificador da pluralidade de grupos, de raças,
de crenças, que monta o substrato da nação como individualidade histórica,
retrocedendo no passado, atuando no presente e projetando-se sobre o futuro,
como agudamente o registra Lourival Vilanova,4 asserto que legitima a
proposição segundo a qual os tributos de um dado sistema guardam traços
pragmáticos que lhe atribuem especificidade em relação a outros similares de
ordenações diversas.
Um perigo sempre iminente está contido na dosagem da carga tributária, vale
dizer, nas proporções da medida levada a termo para a implantação concreta do
tributo. Daí o cuidado na escolha da base de cálculo e no plexo de normas que
estabelecem técnicas para sua apuração nas ocorrências da vida real, sem falar, é
claro, no abuso da estipulação de alíquotas, procedimento capaz de revelar os
excessos do legislador, logo no exame do primeiro instante.
Ora, se pensarmos nos efeitos da imposição tributária, tocando valores
fundamentais como a propriedade e a liberdade, vê-se quão tênue é o espaço de
manobra do legislador ao constituir os instrumentos jurídicos adequados a esse
fim. No Brasil, particularmente, há uma série de princípios, alguns como
autênticos valores, bastantes em si, outros como limites objetivos que se
preordenam, da mesma forma, à realização de estimativas, porém de maneira
indireta. A planta fundamental do sistema tributário brasileiro está naConstituição da República, como conjunto de diretrizes mediante as quais se
torna possível a configuração das várias entidades cogitadas pelo constituinte.
Seu desdobramento é tarefa infra-constitucional, porém dentro de mecanismos
rigorosamente estabelecidos e que tolhem eventuais arroubos criativos do
legislador ordinário.
4 VILANOVA, Lourival. A crise do Estado sob o ponto de vista da Teoria do Estado. In Escritos jurídicos e filosóficos. Axis Mundi/IBET: São Paulo, 2005, Vol. 1, p. 341-66.
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O aproximar-se, em atitude cognoscente, desses enunciados canônicos,
expressos ou implícitos, sugere uma distinção prática de fácil manejo: já que
todos os princípios perseguem valores, convém isolar aqueles de conteúdo
axiológico direto, bastantes em si, daquel´outros que o fazem mediatamente, istoé, prescrevem procedimentos objetivos que, devidamente realizados, operam para
a implantação de um fim (valor).
Certo é que o texto da Constituição é o espaço, por excelência, das linhas
gerais que informam a organização do Estado. Examinando o sistema jurídico de
baixo para cima, cada unidade normativa encontra-se fundada, material e
formalmente, em normas superiores. Invertendo-se o prisma de observação,
verifica-se que das regras superiores derivam, material e formalmente, regras de
menor hierarquia. A Carta Magna exerce esse papel fundamental na dinâmica do
sistema, pois nela estão traçadas as características dominantes das várias
instituições que a legislação comum posteriormente desenvolverá.
Com efeito, os valores e sobrevalores que a Constituição proclama hão de
ser partilhados entre os cidadãos, não como quimeras ou formas utópicas
simplesmente desejadas e conservadas como relíquias na memória social, mas
como algo pragmaticamente realizável, apto, a qualquer instante, a cumprir seu
papel demarcatório, balizador, autêntica fronteira nos hemisférios da nossa
cultura. A propósito, vale a afirmação peremptória de que o direito positivo, visto
como um todo, na sua organização entitativa, nada mais almeja do que preparar-
se, aparelhar-se, pré-ordenar-se para implantá-los.
Dentre os impostos do sistema tributário nacional, o imposto sobre a renda
e proventos de qualquer natureza é elucidativo para demonstrar o papel socialdos tributos em sociedade, justamente pela circunstancia de sempre ocupar lugar
importante, independentemente do volume de receita que é capaz de produzir
para os cofres públicos. Sua dimensão histórica, seus amplos recursos
econômicos, políticos e jurídicos; sua potencialidade de atingir em cheio a
capacidade contributiva do sujeito passivo; sua compostura tão propícia à
realização de valores supremos como a “justiça tributária”; tudo isso foi criando,
ao longo da tradição, um ambiente favorável ao desenvolvimento desse tributo
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como mecanismo social de implementação das políticas estatais. A princípio,
mais no plano contábil; depois, no campo da política e da economia, passando a
interessar fortemente os juristas. Nada obstante esse papel de crescente
relevância para a Dogmática, a verdade é que somente agora surgem estudos jurídicos de maior envergadura, submetendo o gravame a uma análise mais fina,
a ponto de aproveitar com profundidade a messe de informações que a
experiência brasileira tem ensejado.
Nesse sentido, penso que o grande problema na interpretação jurídica da
função social do tributo sempre foi a conexão entre os preceitos estatuídos no
modelo da Lei Suprema e os desdobramentos infra-constitucionais que a farta
legislação tributária prevê. O domínio de certos primados, cujos conteúdos hão
de manter-se presentes no longo e complexo processo de positivação, estava por
reclamar outras reflexões mais aturadas, mais rigorosas, mais criativas, que a
mera preocupação com aspectos econômicos e contábeis jamais poderia oferecer.
Com efeito, os desvios inerentes a interpretações pouco elaboradas dos
objetivos e políticas de tributação, impedindo que isco e contribuinte possam
usufruir das indiscutíveis vantagens que o seu bom desempenho na vida social
oferece.
4. A operatividade do Sistema Tributário Nacional como reflexo do depósito
exegético da história dos tributos
Pode dizer-se auspiciosa a experiência vivida pela comunidade jurídica
brasileira com o advento do Código Tributaria Nacional. Em face de umaestrutura rica e minuciosa, como a prevista pela Lei Básica, as construções
doutrinárias encontraram repercussão na jurisprudência, que debateu,
amplamente e com abertura de propósitos, os temas imprescindíveis ah
implantação dos tributos concebidos pelo texto Supremo. Ao mesmo tempo,
institutos caríssimos para a compostura do sistema tributário passaram por um
processo de evolução e de acabamento normativo digno de nota. O resultado não
demorou a aparecer: a despeito das críticas que venhamos a formular sobre os
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efetiva na construção da sua própria história, modelou, sem que o
percebêssemos, um sistema tributário operativo, atuante, que nem sempre realiza
os valores constitucionalmente previstos, na conformidade de nossas
expectativas, porém que funciona em termos concretos, propiciando arrecadaçõesvultosas, que saem do capital e do trabalho dos contribuintes para ingressar nos
cofres do Erário.
Para movimentar-se bem no domínio dessa realidade que começa com as
superiores disposições constitucionais e vai ganhando corpo com os atropelos do
dia-a-dia, nas contendas administrativas e judiciais, é preciso recolher as
situações contenciosas e examiná-las com atenção, preparando os caminhos
adequados e montando os procedimentos jurídicos mais eficientes para fazerem
valer os direitos que o ordenamento consagra.
Para mim, o melhor retrato desse incessante atualizar-se do Sistema
Tributário Nacional encontra-se no chamado “comércio eletrônico”, que ganhou
corpo com o advento da Internet, rede mundial ou rede das redes. Essa formula
peculiar do comércio, nos melhores moldes da atualidade, é um subproduto da
aceleração vertiginosa das conquistas da tecnologia, projetado sobre o campo das
relações mercantis. Inserindo-se num processo de retroalimentação, a velocidade
das mensagens atinge níveis sofisticados, que aprimoram a comunicação e se
abrem em ramificações diversas por outros canais da convivência entre os
indivíduos, para tanto colaborando, decisivamente, os sistemas computacionais
das diferentes mídias. Não é preciso dizer que o impacto dessas transformações
enriqueceu sobremaneira a participação subjetiva das pessoas envolvidas nos
contratos, munindo-as de novas perspectivas sobre o negócio.Agora, bem. Um dos ângulos da disciplina jurídica dessas situações
comunicacionais é o tributário. Importa refletir, por isso mesmo, com que
amplitude de compreensão nosso sistema constitucional vai permitir às pessoas
políticas abrangê-las, dimensioná-las, mas, sobretudo, definir as linhas
demarcatórias das várias unidades operacionais. E essa temática, nos dias de
hoje, é algo que se afigura difícil e pressupõe o conhecimento minucioso do
universo factual em que se processam as condutas.
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Não se pode perder de vista a noção fundamental de que tanto a realidade
normada quanto as próprias regras do direito positivo aparecem sempre na forma
de texto. Nada melhor, portanto, que a concepção semiótica para submetê-lo a
uma crítica rigorosa, passando e repassando a estrutura da ordem jurídicavigente, no que atina aos tributos, mediante uma série de considerações de cunho
sintático, semântico e pragmático.
6. Reforma social e seus prejuízos à sociedade tributária
Ora, a sociedade brasileira vive momentos de inquietação. O debate sobre
matérias relativamente simples, cuja solução já se encontrava sedimentada na
experiência jurídica nacional, mercê de remansosa e pacífica jurisprudência,
apoiada em sólida doutrina, conduziu nossas consciências, de maneira
vertiginosa, ao questionamento de princípios fundamentais, sem que pudéssemos
perceber o que estava se passando. Aquilo que há de mais caro para a dignidade
de um sistema de direito positivo foi posto em tela de juízo, desafiando nosso
espírito e estimulando nossas inteligências, ao reivindicar uma tomada de posição
firme e contundente. Chegando-se a esse ponto, não cabem mais tergiversações e
os expedientes retóricos somente serão admitidos para fundamentar a decisão de
manter a segurança jurídica, garantindo a estabilidade das relações já
reconhecidas pelo direito, ou de anunciar que chegou o reino da incerteza, que o
ordenamento vigente já não assegura, com seriedade, o teor de suas diretrizes,
que as pomposas manifestações dos tribunais superiores devem ser recebidas
com reservas, porque, a qualquer momento, podem ser revistas, desmanchando-se as orientações jurídicas até então vigentes, sem outras garantias para os
juriscionados.
Trata-se de pura idealização pensar na possibilidade de funcionamento de
um subsistema social qualquer sem a boa integração dos demais subsistemas que
formam o tecido social pleno. Não cabe cogitar da implantação de um primoroso
modelo econômico, por exemplo, sem a sustentação das estruturas políticas e
jurídicas que com ele se implicam. As virtudes da Constituição de 1988, que são
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muitas, fizeram imaginar um Brasil avançado e democrático, em que os direitos e
garantias dos cidadãos se multiplicariam em várias direções. Mas bastou a prática
dos primeiros anos para nos fazer ver que as previsões da Carta Suprema não se
concretizariam sem o suporte de um plano econômico consistente e amparado, por sua vez, em procedimentos políticos e administrativos compatíveis com as
dimensões do projeto. Algumas expectativas se frustraram, é certo, mas ficou a
lição da experiência, vivida intensamente na operosidade turbulenta do convívio
social, caracterizado pela instabilidade de suas relações.
O sistema que temos foi forjado na prática das nossas instituições, nasceu
e cresceu entre as alternâncias de uma história política agitada, irrequieta, no
meio de incertezas econômicas internas e externas. Aquilo que de negativo se lhe
atribuem nem sempre corresponde à realidade. Antes, porém, revela posturas de
cunho ideológico já conhecidas de outras circunstâncias. Querem mudar o
sistema em nome de uma simplificação mais retórica do que efetiva; em nome da
“racionalidade”, princípio de difícil identificação, uma vez que dele precisamos
para dele falarmos; em nome, até, de uma “progressividade” que viria a imprimir
projeção mais dinâmica e justa à administração de certos gravames. Mal se
lembram, contudo, que a Constituição de 1988 determinou que o imposto sobre a
renda e proventos de qualquer natureza fosse progressivo e, “curiosamente”, a
partir desse marco, a legislação infraconstitucional passou a adotar tabela com
apenas duas faixas de alíquotas para a pessoa física, além da de isenção, negando
acatamento ao princípio superior, de redação cristalina.
Aspirar à simplificação, à racionalidade, à eficiência econômica, à
eficiência administrativa, à progressividade, ao fortalecimento da federação e daautonomia municipal é o lugar comum de todos aqueles que se referem, em tom
retórico, ao sistema tributário nacional. Considerá-lo, porém, como eficiente
produto da experiência jurídica, política e econômica do nosso país, curtido,
demoradamente, no dia-a-dia das discussões administrativas e judiciais, bem
como no pensamento acurado da dogmática, é algo que aponta para sugestões de
muito equilíbrio e prudência. Mexer em alguma coisa que apresenta tal
rendimento, com respostas ágeis e prontas aos estímulos da sociedade, como tem
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sido iterativamente demonstrado, é um passo difícil e que pode deixar marcas
indesejadas.
Devemos reconhecer, por outro lado, que a carga tributária no Brasil é
excessiva, sufocando setores da economia e afetando a competitividade dos produtos nacionais, além de vários outros desvios que não escapariam à atenção
de um observador pouco exigente do cotidiano. Entretanto, sob pena de erro
histórico irreparável, essas anomalias não podem ser atribuídas ao sistema, que
em si mesmo é bom, capaz de propiciar arrecadações vultosas aos cofres do
Poder Público, e que está preparado para operar de muitas maneiras diferentes.
Em suma, creio que o sistema tributário nacional possa ser acionado de formas
positivas, levando-se às últimas conseqüências diretrizes constitucionais que
estão aí, à nossa frente, e, por uma série de razões, não foram ainda mobilizadas.
Eis um ponto de real interesse para o programa de uma reforma
constitucional, que envolve diretamente o bom funcionamento das instituições,
garantindo o contribuinte e o próprio Estado-administração contra excessos que a
Carta Magna esteve longe de conceber e de autorizar. Por que não aproveitarmos
o ensejo para estabelecer os limites que estão faltando? Por que não emendarmos
a Constituição em trechos como esse, atendendo às reivindicações dos
especialistas, para aperfeiçoar um sistema que vem sendo construído como a
projeção do sentimento histórico da sociedade brasileira? Estas sim são as
mudanças concretas que o sistema tributário pede em nome da segurança jurídica
e dos princípios constitucionais tributários fundamentais, na maioria explícitos, e
que a legislação infraconstitucional deve acatar, em toda a latitude.
7. O direito empregado na função pragmática de regular condutas
Sob certo aspecto, torna-se até confortável transitar pelo texto do direito,
dado que os enunciados prescritivos — suas unidades — encontram-se soltos,
derramados por todo o conjunto, nas mais variadas estruturas frásicas. A forma
da linguagem, o texto em sentido estrito, ainda que importante, não será decisiva,
principalmente no tema que nos toca no presente estudo – o Preâmbulo da Carta
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Maior – porque o predomínio é da função em que esta linguagem é tomada que,
para o subsistema do direito positivo, estará sempre voltada para a regulação das
condutas intersubjetivas. A prescritividade do ordenamento jurídico reside no
modo como tal linguagem é empregada, a despeito da composição sintático-gramatical que presidir seu revestimento. Os enunciados do direito positivo não
são expressões de atos de objetivação cognoscente. Não pretendem reproduzir o
real-social, descrevendo-lhe os aspectos. Longe disso, o vetor semântico que os
liga ao “mundo da vida” contém, invariavelmente, um dever-ser , assim no estado
neutro, sem modalização, ou operando por intermédio dos functores obrigatório,
proibido ou permitido, com o que se exaure o campo material das possíveis
condutas interpessoais.
O dever-ser, frequentemente, comparece disfarçado na forma apofântica,
como se o legislador estivesse, de modo singelo, descrevendo situações da vida
social ou eventos da natureza, a ela relacionados: a existência da pessoa natural
termina com a morte (art. 6º do CC). A capacidade tributária passiva independe: I
— da capacidade civil das pessoas naturais (art. 126 do CTN). Em outros
momentos, porém, os modalizadores deônticos vêm à tona, expressando-se,
ostensivamente, na linguagem do direito posto, com o que denunciam, de forma
evidente, sua função prescritiva: o tutor, antes de assumir a tutela, “é obrigado” a
especializar, em hipoteca legal, que será inscrita, os imóveis necessários, para
acautelar, sob a sua administração, os bens do menor (art. 1.745 do CC). O
contribuinte do ITR entregará “obrigatoriamente” em cada ano, o Documento de
Informação e Apuração do ITR — DIAT, correspondente a cada imóvel,
observadas datas e condições fixadas pela Secretaria da Receita Federal (art. 8ºda Lei nº 9.393 de 19.12.96).
Enquanto se movimenta entre os enunciados, para compreendê-los na sua
individualidade, o intérprete dos textos jurídicos deve saber que manipula frases
prescritivas, orientadas para o setor dos comportamentos estabelecidos entre
sujeitos de direito. É preciso, contudo, considerá-las na forma em que se
apresentam, para que seja possível, posteriormente, congregá-las e convertê-las
em unidades normativas, em que o sentido completo da mensagem deôntica
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incidir a exação de maneira mais onerosa, no caso dos imóveis inexplorados ou
de baixa produtividade, busca atender, em primeiro plano, a finalidades de ordem
social e econômica e não ao incremento de receita. A legislação do Imposto
sobre a Renda e proventos de qualquer natureza (IR) permite o abatimento deverbas gastas em determinados investimentos, tidos como de interesse social ou
econômico, tal o reflorestamento, justamente para incentivar a formação de
reservas florestais no país. Em outras passagens, na composição de sua base de
cálculo, seja entre as deduções ou entre os abatimentos da renda bruta, insere
medidas que caracterizam, com nitidez, a extrafiscalidade. Quanto ao IPI, a
própria Constituição prescreve que suas alíquotas serão seletivas em função da
essencialidade dos produtos (art. 153, § 3.º, I), fixando um critério que leva o
legislador ordinário a estabelecer percentuais mais elevados para os produtos
supérfluos. Os chamados tributos aduaneiros — impostos de importação e de
exportação — têm apresentado relevantíssimas utilidades na tomada de
iniciativas diretoras da política econômica. Haja vista para a tributação dos
automóveis importados do exterior, desestimulante ao extremo, para impulsionar
a indústria automobilística nacional.
Há tributos que se prestam, admiravelmente, para a introdução de
expedientes extrafiscais. Outros, no entanto, inclinam-se mais ao setor da
fiscalidade. Não existe, porém, entidade tributária que se possa dizer pura, no
sentido de realizar tão-só a fiscalidade, ou, unicamente, a extrafiscalidade. Os
dois objetivos convivem, harmônicos, na mesma figura impositiva, sendo apenas
lícito verificar que, por vezes, um predomina sobre o outro.
Consistindo a extrafiscalidade no emprego de fórmulas jurídico-tributárias para a obtenção de metas que prevalecem sobre os fins simplesmente
arrecadatórios de recursos monetários, o regime que há de dirigir tal atividade
não poderia deixar de ser aquele próprio das exações tributárias. Significa,
portanto, que, ao construir suas pretensões extrafiscais, deverá o legislador
pautar-se, inteiramente, dentro dos parâmetros constitucionais, observando as
limitações de sua competência impositiva e os princípios superiores que regem a
matéria, assim os expressos que os implícitos. Não tem cabimento aludir-se a
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de suas atividades específicas. Nesta última hipótese, temos consubstanciado o
fenômeno jurídico da parafiscalidade. E é novamente Paulo Ayres quem
assevera: “A não coincidência entre a titularidade da competência impositiva e a
indicação do sujeito ativo da relação jurídica não desnaturam o caráter tributárioda exigência. Da mesma forma, a disponibilidade do recurso ao eleito para
figurar no pólo ativo dessa mesma relação jurídica, com o objetivo de aplicação
nos propósitos que motivaram a sua exigência, não modifica a sua natureza
tributária. A parafiscalidade harmoniza-se plenamente com o conceito de
tributo”3.
Colocado esse preâmbulo, podemos definir parafiscalidade como o
fenômeno jurídico que consiste na circunstância de a lei tributária nomear sujeito
ativo diverso da pessoa que a expediu, atribuindo-lhe a disponibilidade dos
recursos auferidos, para o implemento de seus objetivos peculiares.
Dois aspectos, por conseguinte, hão de ser atendidos para que venhamos a
isolar o chamado tributo parafiscal : 1) sujeito ativo indicado expressamente na
lei instituidora da exação, diferente da pessoa política que exerceu a
competência; e 2) atribuição, também expressa, do produto arrecadado, à pessoaapontada para figurar como sujeito ativo.
Poderão ser sujeitos ativos de tributos parafiscais as pessoas jurídicas de
direito público, com ou sem personalidade política, e as entidades paraestatais,
que são pessoas jurídicas de direito privado, mas que desenvolvem atividades de
interesse público.
Inúmeros são os casos de tributação parafiscal no direito positivo brasileiro.
As contribuições previdenciárias (INPS — autarquia federal); o pedágio cobrado
pelo DERSA (Desenvolvimento Rodoviário S. A. — entidade paraestatal); as
quantias exigidas pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil — autarquia
federal) e muitos outros.
Todas as espécies impositivas são instrumentos idôneos da parafiscalidade.
Quer as exações vinculadas (taxas e contribuições de melhoria), quer as não-
vinculadas (impostos). O pedágio pago ao DERSA, pelos veículos que transitam
por estradas sob a administração dessa entidade, por exemplo, tem a natureza
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legislação de cada tributo, tomando em consideração as notas singulares das
diversas classes de sujeitos passivos, eleger fatos distintivos que sejam hábeis
para atender às especificidades dos casos submetidos à imposição, de tal maneira
que se mantenha a correspondente equivalência entre as múltiplas situaçõesempíricas sobre as quais haverá de incidir a percussão tributária. O estabelecer
itens de desigualdade entre os destinatários da norma, achando-se esses em
situações jurídico-econômicas semelhantes, exige a observância de rigorosa e
manifesta proporcionalidade, marca decisiva da própria isonomia com que foram
tratadas as ocorrências distintas, e que se traduz numa equação reveladora da
aplicação do princípio da igualdade tributária. Afinal, todos sabemos que o real é
irrepetível, não havendo nem podendo haver dois sucessos totalmente iguais.
Resta ao legislador, portanto, assegurar a estabilidade funcional do diploma
normativo de modo que a lei possa irradiar sua eficácia por toda a extensão do
domínio pretendido, fazendo-o, contudo, uniformemente, sem oscilações que
escapem da equação montada para realizar o equilíbrio da atividade impositiva.
Dentro daquele seguimento, os sujeitos saberão, previamente, o modo pelo qual
serão alcançados pela incidência da regra tributária, assegurada a proporção entre
as inevitáveis desigualdades existentes.
Tudo seria fácil se o princípio da isonomia não fosse um autêntico valor.
Para o universo do direito, múltiplos são os critérios que podem ser tomados para
a realização da igualdade. Há isonomia entre pessoas qualificadas como maiores
para os atos da vida civil, para fins eleitorais, criminais; há igualdade entre
pessoas do mesmo sexo, nacionalidade, cor, grupo profissional, político e social.
Quando a estimativa “igualdade” é empregada no direito tributário, o critério é bem objetivo: dois sujeitos de direito que apresentarem sinais de riqueza
expressos no mesmo padrão monetário haverão de sofrer a tributação em
proporções absolutamente iguais. Exemplificando, podemos mencionar a
situação de duas empresas localizadas em território nacional, em que uma delas
aufira o dobro de receita do valor obtido pela outra: o montante da Cofins devida
por uma será exatamente o dobro da outra. Isso quer dizer que o critério jurídico
da igualdade, para fins de incidência tributária, tem como ponto de referência a
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variação jurídico-econômica da base de cálculo, podendo, em casos muito
específicos, ser temperado por providências de natureza extrafiscal.
Aproveito para afirmar que não vejo fundamento algum que afaste as
contribuições do princípio da capacidade contributiva previsto no art. 145, § 1º,da Constituição. Apesar de o legislador só ter feito menção expressa aos
impostos, é certo que a capacidade do sujeito passivo da obrigação tributária
sempre (de modo expresso ou implícito) inspirou a edição de normas de
tributação por encontrar-se intimamente vinculada ao postulado da isonomia.
Além disso, entendo que as contribuições assumem feição de impostos ou taxas,
conforme a hipótese de incidência eleita. E, apresentando características de
impostos, com escolha de fato signo-presuntivo de riqueza não-vinculado à
atuação estatal, como é o caso do “pagamento de folha de salários ou
rendimentos pela prestação de serviços”, inexistem motivos para excluir a
aplicação do primado da capacidade contributiva.
Ademais, observando o sistema constitucional como um todo, identifica-
se, no art. 194, V, mais um desdobramento do princípio da isonomia tributária,
aplicável à seara da previdência social: a equidade na participação do custeio.
Conquanto deva a seguridade social ser financiada por toda a sociedade, é
indiscutível a existência de categorias economicamente diferentes, compondo o
tecido social, cabendo à equidade ditar as diferenças porventura existentes na
massa de contribuintes.
A isonomia opera acionando a proporcionalidade e, com isso, temperando
as desigualdades econômicas entre os sujeitos de direito. A equidade, como
critério de justiça, há de levar em conta a capacidade econômica, com o intuito deque os menos abastados contribuam com parte menor que os economicamente
mais fortes.
Importa acrescentar, também, que o art. 150, II, da Carta Magna não veda
discriminação tão-somente quanto ao montante do tributo a ser recolhido ou dos
fatos jurídicos a serem tributados. Sua prescrição tem abrangência mais ampla,
vedando a instituição de qualquer tratamento desigual entre contribuintes que se
encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de
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ocupação profissional ou função por eles exercida. Essa proibição alcança,
também, os deveres instrumentais, entendidos como relações de índole fiscal,
cujo objeto é um fazer ou não-fazer .
10. A concessão de serviço público, a tarifa e o equilíbrio econômico-
financeiro do contrato
A concessão de serviço público pode ser definida como o conjunto finito
de normas jurídicas mediante as quais o Estado atribui o exercício de um serviço,
de interesse público, a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, sob garantia
de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria
exploração, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos
usuários do serviço e submetendo-se ao regime de direito privado5. Diz-se geral
e basicamente porque a concessionária poderá remunerar-se de outras formas,
como, por exemplo, veiculação de publicidade. Não obstante, a tarifa continua
sendo o modo mais usual de contraprestação do serviço público executado sob
regime de contrato de concessão.
Segundo dispõe o art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.987/95, que regulamenta o
art. 175, da Constituição, disciplinando o regime de concessão e permissão do
prestar serviços públicos, o contrato de concessão deve ser sempre precedido de
procedimento licitatório, na modalidade de concorrência. Na oportunidade da
apresentação da proposta, compete aos licitantes indicar o valor da tarifa a ser
cobrado dos usuários do serviço público. O montante assinalado servirá como um
dos critérios para selecionar a empresa vencedora do certame licitatório, deacordo com o art. 15, inciso I, dessa Lei, inclusive. Como se vê, o valor inicial da
tarifa é moldado por meio da manifestação de vontade da empresa
concessionária, bem como do poder concedente. O artigo 9º, da lei de
concessões, confirma o enunciado acima, ao dispor que “a tarifa do serviço
público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação
5 Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 17ª ed., São Paulo:Malheiros, 2004, p.
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