A questão presente em todas as páginas deste livro é: como es- capar da representação na pintura? Pois se o filósofo Gilles Deleuze (1925-95) analisa detalhadamente a obra de Francis Bacon (1909-92), não é apenas por considerá-lo um dos maiores pintores contemporâ- neos. É sobretudo por encontrar no pintor irlandês um exercício do pen- samento que pretende neutralizar a narração, a ilustração, a figuração. Guiado por essa temática, Deleuze situa Bacon na história da pintura, privilegiando Cézanne como aquele de quem mais se aproxima pela im- portância que a sensação tem em suas obras. Mas também apresenta a origi- nalidade de Bacon em relação a duas tentativas contemporâneas de ultra- passar a representação nas artes plás- ticas: a pintura abstrata de Mondrian e Kandinsky – que rejeita a figura- ção clássica, privilegiando as formas abstratas – e o expressionismo abstra- to, a Action Painting de Pollock – que dissolve todas as formas. A singularidade de Bacon – pintor que não pretende representar obje- tos, histórias, personagens, mas faz questão da figura – é apresentar uma figura não figurativa, desfigurada, deformada por forças invisíveis que vêm de fora. Assim, ao explicar a na-
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Gilles Deleuze
FRANCIS BACONLÓGICA DA SENSAÇÃO
A questão presente em todas aspáginas deste livro é: como es-
capar da representação na pintura?Pois se o filósofo Gilles Deleuze(1925-95) analisa detalhadamente aobra de Francis Bacon (1909-92),não é apenas por considerá-lo umdos maiores pintores contemporâ-neos. É sobretudo por encontrar nopintor irlandês um exercício do pen-samento que pretende neutralizar anarração, a ilustração, a figuração.
Guiado por essa temática, Deleuzesitua Bacon na história da pintura,privilegiando Cézanne como aquelede quem mais se aproxima pela im-portância que a sensação tem em suasobras. Mas também apresenta a origi-nalidade de Bacon em relação a duastentativas contemporâneas de ultra-passar a representação nas artes plás-ticas: a pintura abstrata de Mondriane Kandinsky – que rejeita a figura-ção clássica, privilegiando as formasabstratas – e o expressionismo abstra-to, a Action Painting de Pollock – quedissolve todas as formas.
A singularidade de Bacon – pintorque não pretende representar obje-tos, histórias, personagens, mas fazquestão da figura – é apresentar umafigura não figurativa, desfigurada,deformada por forças invisíveis quevêm de fora. Assim, ao explicar a na-
tureza da violência na pintura deBacon, e mostrar, por exemplo, por-que ele pinta o grito, mais que o hor-ror, Deleuze chama a atenção para ofato de ele ser um pintor da força, daintensidade, ou para a preeminênciaexistente em sua obra da força sobre aforma. Além disso, defende que, aoapresentar esse trabalho de deforma-ção no próprio curso de sua realização,fazendo-se ao vivo, Bacon pinta não sóforças, mas também o próprio tempo.
Francis Bacon: Lógica da sensação,no entanto, não é apenas um livrosobre Bacon ou mesmo sobre pintu-ra. Ao expor os procedimentos em-pregados por ele para livrar-se da re-presentação, Deleuze estabelece umaaliança entre esse grande pintor eliteratos como Kafka, Artaud, Beckette vários outros que se notabilizarampelo mesmo projeto. Isso torna estaobra esclarecedora de um dos proce-dimentos principais utilizados porDeleuze na criação de seu própriopensamento filosófico: a transforma-ção em conceitos de elementos nãoconceituais – perceptos e afetos –oriundos da literatura e das artes.
RO B E RTO MAC H A D O
Departamento de Filosofia, UFRJ
Ilustração da capa: Francis Bacon, Três estudos para umauto-retrato, 1979.
Aquestão presente em todas as páginas deste livro é: como escaparda representação na pintura? Pois se o filósofo Gilles Deleuze
analisa detalhadamente a obra de Francis Bacon, não é apenas porconsiderá-lo um dos maiores pintores contemporâneos. É sobretudopor encontrar no pintor irlandês um exercício do pensamento quepretende neutralizar a narração, a ilustração, a figuração. ...
A singularidade de Bacon ... é apresentar uma figura não figurativa,desfigurada, deformada por forças invisíveis que vêm de fora. ...Deleuze chama a atenção para o fato de ele ser um pintor da força,da intensidade, ou para a preeminência existente em sua obra daforça sobre a forma. Além disso, defende que, ao apresentar esse tra-balho de deformação no próprio curso de sua realização, fazendo-seao vivo, Bacon pinta não só forças, mas também o próprio tempo.
Lógica da sensação é uma obra esclarecedora de um dos procedimen-tos principais utilizados por Deleuze na criação de seu próprio pensa-
mento filosófico: a transformação em conceitos de elementos nãoconceituais – perceptos e afetos – oriundos da literatura e das artes.
RO B E RTO MAC H A D O
LE I A N A M E S M A C O L E Ç Ã O:
Kallias ou Sobre a beleza, Friedrich Schiller
Ensaio sobre o trágico, Peter Szondi
Nietzsche e a polêmica sobre “O nascimento da tragédia”,Roberto Machado (org.)
O nascimento do trágico, Roberto Machado
Introdução à tragédia de Sófocles, Friedrich Nietzsche
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capa bacon fim 6/27/07 5:09 PM Page 1
Gilles Deleuze
FRANCIS BACONLÓGICA DA SENSAÇÃO
A questão presente em todas aspáginas deste livro é: como es-
capar da representação na pintura?Pois se o filósofo Gilles Deleuze(1925-95) analisa detalhadamente aobra de Francis Bacon (1909-92),não é apenas por considerá-lo umdos maiores pintores contemporâ-neos. É sobretudo por encontrar nopintor irlandês um exercício do pen-samento que pretende neutralizar anarração, a ilustração, a figuração.
Guiado por essa temática, Deleuzesitua Bacon na história da pintura,privilegiando Cézanne como aquelede quem mais se aproxima pela im-portância que a sensação tem em suasobras. Mas também apresenta a origi-nalidade de Bacon em relação a duastentativas contemporâneas de ultra-passar a representação nas artes plás-ticas: a pintura abstrata de Mondriane Kandinsky – que rejeita a figura-ção clássica, privilegiando as formasabstratas – e o expressionismo abstra-to, a Action Painting de Pollock – quedissolve todas as formas.
A singularidade de Bacon – pintorque não pretende representar obje-tos, histórias, personagens, mas fazquestão da figura – é apresentar umafigura não figurativa, desfigurada,deformada por forças invisíveis quevêm de fora. Assim, ao explicar a na-
tureza da violência na pintura deBacon, e mostrar, por exemplo, por-que ele pinta o grito, mais que o hor-ror, Deleuze chama a atenção para ofato de ele ser um pintor da força, daintensidade, ou para a preeminênciaexistente em sua obra da força sobre aforma. Além disso, defende que, aoapresentar esse trabalho de deforma-ção no próprio curso de sua realização,fazendo-se ao vivo, Bacon pinta não sóforças, mas também o próprio tempo.
Francis Bacon: Lógica da sensação,no entanto, não é apenas um livrosobre Bacon ou mesmo sobre pintu-ra. Ao expor os procedimentos em-pregados por ele para livrar-se da re-presentação, Deleuze estabelece umaaliança entre esse grande pintor eliteratos como Kafka, Artaud, Beckette vários outros que se notabilizarampelo mesmo projeto. Isso torna estaobra esclarecedora de um dos proce-dimentos principais utilizados porDeleuze na criação de seu própriopensamento filosófico: a transforma-ção em conceitos de elementos nãoconceituais – perceptos e afetos –oriundos da literatura e das artes.
RO B E RTO MAC H A D O
Departamento de Filosofia, UFRJ
Ilustração da capa: Francis Bacon, Três estudos para umauto-retrato, 1979.
Aquestão presente em todas as páginas deste livro é: como escaparda representação na pintura? Pois se o filósofo Gilles Deleuze
analisa detalhadamente a obra de Francis Bacon, não é apenas porconsiderá-lo um dos maiores pintores contemporâneos. É sobretudopor encontrar no pintor irlandês um exercício do pensamento quepretende neutralizar a narração, a ilustração, a figuração. ...
A singularidade de Bacon ... é apresentar uma figura não figurativa,desfigurada, deformada por forças invisíveis que vêm de fora. ...Deleuze chama a atenção para o fato de ele ser um pintor da força,da intensidade, ou para a preeminência existente em sua obra daforça sobre a forma. Além disso, defende que, ao apresentar esse tra-balho de deformação no próprio curso de sua realização, fazendo-seao vivo, Bacon pinta não só forças, mas também o próprio tempo.
Lógica da sensação é uma obra esclarecedora de um dos procedimen-tos principais utilizados por Deleuze na criação de seu próprio pensa-
mento filosófico: a transformação em conceitos de elementos nãoconceituais – perceptos e afetos – oriundos da literatura e das artes.
RO B E RTO MAC H A D O
LE I A N A M E S M A C O L E Ç Ã O:
Kallias ou Sobre a beleza, Friedrich Schiller
Ensaio sobre o trágico, Peter Szondi
Nietzsche e a polêmica sobre “O nascimento da tragédia”,Roberto Machado (org.)
O nascimento do trágico, Roberto Machado
Introdução à tragédia de Sófocles, Friedrich Nietzsche
DeleuzeF
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capa bacon fim 6/27/07 5:09 PM Page 1
Francis BaconLógica da Sensação
Gilles Deleuze
Francis BaconLógica da Sensação
Equipe de tradução:
Roberto Machado (coordenação)
Aurélio Guerra NetoBruno Lara Resende
Ovídio de AbreuPaulo Germano de Albuquerque
Tiago Seixas Themudo
Rio de Janeiro
Título original:
Francis Bacon: Logique de la sensation
Tradução autorizada da edição francesa,
publicada em 2002 por Éditions du Seuil, de Paris, França