António Julio Duarte -www.antoniojulioduarte.com Nasceu em Lisboa (Portugal), 1965. Vive e trabalha em Lisboa Caio Reisewitz www.lucianabritogaleria.com.br Nasceu em São Paulo (Brasil), 1967. Vive e trabalha em São Paulo Cristina Ataíde - www.cristinataide.com Nasceu em Viseu (Portugal), 1951. Vive e trabalha em Lisboa Marcelo Moscheta - www.marcelomoscheta.art.br Nasceu em São José do Rio Preto (Brasil), 1976. Vive e trabalha em Campinas Mariana Viegas - www.marianaviegas.com Nasceu em Lisboa (Portugal), 1969 . Vive e trabalha em Lisboa e Berlim Ynaiê Dawson - www.ynaiedawson.blogspot.com Nasceu em São Paulo (Brasil), 1979. Vive e trabalha em Londres e Rio de Janeiro Em registo fotográfico, presentificam-se as imagens de existências, encenações e/ou simulacros com tópicos de genuinidade. Assim se demonstram subjectividades de autores nos territórios estéticos da fotografia. Numa fotografia, supostamente, congela-se o tempo e o espaço. Congelam-se as figuras individuadas no tempo pois deixam de ser pessoas e talvez sejam, transitoriamente, personagens. Estas localizam-se ou ausentam-se, consoante os casos e as estratégias estéticas dos autores. Inequívoca é a decisória presença do fotógrafo-viajante, aquele que concretiza acto e obra. Não é verdade? “Em minha opinião, não há nenhum [caminho] mais atraente do que andar no encalço das próprias ideias, tal como o caçador persegue a caça, sem procurar manter um dado caminho.” 3 O próprio fotógrafo-viajante torna-se visível – em proposição de auto-retrato – ou oculto, consoante sua intencionalidade ou desejo. Mas é a sua afirmação de sujeito/agente artístico que deter- mina a produção das fotografias que o “antecedem”, o estimulam e o acompanham a posteriori. Através do seu acto, que concebe e concretiza obra, mantém laços com as imagens fotográficas, conferindo-lhes – ad simultaneum – autonomia e projecção. Os fotógrafos-viajantes cativam pessoas e lugares, convertendo-os, respectivamente, em figuras/personagens e em paisagens. “A paisagem não se entrega. O que você vê não se fotografa.” 4 As paisagens, com alguma frequência, correspondem a tempos de respiração, quer do pensamento, quer da acção/actividade do fotógrafo. O ritmo da viagem decide os intervalos na paisagem, as consequências de sobrevivência de ideias ou de substâncias. Fragmentos, parcelas ou secções presidem às escolhas espontâneas ou morosamente destinadas pelo autor em jornadas, camin- hadas e transportando-se. O veículo em que desloca condiciona o ritmo da captação de imagens; os momentos em que dispõe uma paragem ou a continuidade do seu movimento. As tomadas de vistas são distantes, conforme o viajante as realiza enquanto condutor de um automóvel (p.ex.) ou não. Assim, está-se perante tomadas de vista com ponto de fuga numa estrada ou encarada na lateral, esperando aquilo que se vai descortinando. Se a deslocação ocorre num comboio, a ambiguidade relativa entre a paisagem (aparentemente em movimento) e a ilusão hierática do via- jante, gera imagens de uma cativação insustentável e precária. A paisagem que é consequente da mobilidade da viagem anatomofisiológica assume pressupostos diferenciados de uma viagem de indexação psicofisiológica…e assim por diante. A viagem preenche, recheia ou esvai a paisagem, propiciando uma reentrado no si mesmo do fotógrafo-viajante: “A paisagem em volta esvaziada de sentido, reflectindo-se nos meus olhos, brotava dentro de mim…” 5 Definitivamente as pessoas alocam-se a lugares – mesmo que estes se possam configurar, teoricamente, enquanto “não-lugares” (seguindo Marc Augé) e, consequentemente, os espaços efec- tivos transcendem o tempo real, expandindo-se e adquirindo uma simbologia transfiguradora – independentemente de seu índice ou percentualidade documental. “Julgamos que nos libertamos dos lugares que deixamos para trás de nós. Mas o tempo não é o espaço e é o passado que está diante de nós. Deixá-lo não nos distancia. Todos os dias vamos ao encontro daquilo de que fugimos.” 6 Seja um deambulador, flâneur, Wanderer, peregrino, caminhante… et allie… uma qualquer, entre as distintas tipologias de viajantes…os fotógrafos asseguram para nós a autenticidade, tanto quanto nos garantem uma gestante ilusão. Marcam, estipulam ou estabelecem com rigor – que pode oscilar entre o topográfico e o metafísico - lugares e territórios específicos, onde as con- fluências de imaginário e real definem o humano, onde paisagem e natureza entrelaçam vidas. “Dans un voyage, on évolue, on change, on se transforme. Et souvent, on rentre et tout est annulé par le retour.” 7 Agosto de António Júlio Duarte resultou de um percurso, curiosamente, desenvolvido em Portugal, se atendermos às latitudes e longitudes das viagens do autor que, com maior frequência, o conduzem pelo Oriente e aí o estabilizam por períodos de duração significativa. “O vazio “em si” e em conotações, o “nada”, o branco, o espaço em branco, o silêncio, a pedra, a impossibilidade, a solitude, o desconhecido, as potencialidades, etc. e seus valores criativos na filosofia e na estética do extremo oriente (e comparativamente, alhures).” 8 O display em dípticos orienta o meu olhar as dicotomias, ambiguidades e/ou consolidações, evidenciáveis durante uma viagem. A força de um rosto, a morfologia de elementos afastados ou próximos ao espectador propiciam um jogo quase de cena (parafraseando o título do filme de Eduardo Coutinho). Entenda-se, a flexibilidade manifesta no acto de recepção estética, gerida pela efabulação perceptiva-afectiva-conceptual, pertença de cada um, exercendo sua identidade pessoal sobre o produto de artístico de outrem - interpretação falar-se-á, mas não apenas…Assim, sabe-se que a definição imaginal de díptico conduz a um “diálogo do visível”, parafraseando René Huyghe, pois o confronto de referenciais “identificados” (diferente de se saberem “reconhecidos” ou “parecidos”) é pura sedução e volúpia para as relacionalidades ressaltarem. As notas identitárias patentes em cada uma das unidades que constituem os 15 dípticos abordam elementos visu- ais que cativaram pessoas, objetos, fragmentos de paisagem; oscilando entre o afastamento do “alvo” fotografado e sua proximidade; propondo reconhecimentos ou conduzindo para equivoci- dades percetivas visuais, ricas em pensamento e afeto. É inevitável a emergência de certa avidez para “reconhecer”, de buscar o parecido dentro dessa caixa de memória (desse arquivo mental/ imagético) que cada espectador transporta em si; é acto intuitivo, semi-inconsciente e/ou implícito na “apropriação estética” que advém das fotografias enquanto tal. A vasta obra de fotografia de Caio Reisewitz organiza-se em séries específicas, refletindo uma identidade documental que se apropria da paisagem, plasmando-a em imensidão que estreita a alma do autor com os espectadores. A dimensão sublime que se desprende de suas fotografias é de uma evidência subjetivante e, em simultâneo, glosando os parâmetros conceituais que Kant, depois de Edmund Burke, soube definir. Sublime dinâmico e sublime grandioso (ou matemático) pontuam, nalguns casos uma mesma imagem, noutros um privilegia e expande-se sobre o outro. Mamangua enfrenta aquele que vê e sabe contemplar, demorando-se na paisagem adentro. À semelhança de outras séries do fotógrafo, o elemento| matéria dominante é a água, estabilizando o recorte, na vegetação, através de uma afirmação “terra” que nos lembra as reflexões sobre a imaginação poética desenvolvida por Gaston Bachelard. Mas a dominante, no caso da fotografia de grande formato, presente nesta mostra é a água. A água tranquila e parada que não se confunde com estagnação numa acepção castradora ou à qual esteja arredada a vida pulsátil. Seria impossível não associar as significações matriciais que, com frequência, reverberam no respeitante a este elemento (em termos cosmogónicos e cosmológicos). Mas, a imagem ultrapassa mais e mais, assegurando uma experiência estética única para cada um, quanto sabemos seja um dos tópicos adstritos a definição de sublime. A presença do espetador ausenta-se num mundo onde evanescência e lucidez são cúmplices; onde a dimensão estética, a artisticidade é a efetividade imprescindível de uma natureza consciente e em causa sócio-cultural. A cor- renteza que se queda muda, expondo em visbilidade o silêncio, atinge o âmago de uma memória circular filogenética, quanto também ontogenética. O espelho de água absorveu a ausência ou a presença do humano, desde os tempos primordiais: nós ficamos nesse tempo de suspensão, interpelados e vigiando para que o mundo seja um Cosmos ordenado e redimido de ações irreversíveis. continua na pág seguinte notas de rodapé 1. Nelson Brissac Peixoto – “Miragens”, Cenários em ruínas – a realidade imaginária contemporânea, Lisboa, Gradiva, 2010, p.137 2. Michel Maffesoli, Sobre o Nomadismo, Rio de Janeiro, Record, 2001, pp.23-24 3. Xavier de Meistre, Viagem à roda do meu quarto, Lisboa, & etc, 2002, p.25 4. Bernardo de Carvalho, Mongólia, São Paulo, Companhia das Letras, 2003, p.41, p.115 5. Yukio Mishima, O templo dourado, Lisboa, Assírio & Alvim, 1985, p.148 6. Carlos Drummond de Andrade – “Mãos dadas”, Antologia Poética, Lisboa, Dom Quixote, 2002, p.149 7. Raymond Depardon, Errance, Paris, Seuil, 2000, p.56. 8. Pedro Xisto – Lumes, uma antologia de Haikais, SP, Berlendis & Vertecchia, 2007, p.17 9. Bernardo de Carvalho, Mongólia, São Paulo, Companhia das Letras, 2003, p.41, p.115 10. Mariana Viegas, excerto inédito, Agosto 2011. 11. Idem, ibidem 12. “Nesse contexto, a fotografia é tida não como representação, mas sim expressão. Expressão da multiplicidade de sensações ou intensi- dades de um sujeito, expressão de uma paisagem interior que encontra-se em constante processo de transformação, sempre a (re)criar-se a partir do apre(e)nder as forças das paisagens.” Ynaiê Dawson, excerto inédito, Julho 2011. 13. Rêves d’errances - Pierre Givodan in Raymond Dépardon, Errance, Paris, Seuil, 2000, p.181. 14. João Guimarães Rosa - A terceira margem do rio, Primeiras Estórias, Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, (1962), 2004, p.80 Financiamento: Apoio: Plataforma Revólver | Rua da Boavista, 84 3º 1200-068 Lisboa | www.artecapital.net | [email protected] | +351 213433259 Fotógrafos Viajantes & viagens de fotógrafos * António Julio Duarte / Caio Reisewitz / Cristina Ataíde / Marcelo Moscheta / Mariana Viegas / Ynaiê Dawson curadoria de Fátima Lambert Plataforma Revólver - Lisboa - 29 de setembro a10 de novembro 2011 “O viajante, no seu movimento incessante, vê tudo à distância. Silhuetas recortadas contra a paisagem. Imagens arquitectur- ais se destacando no horizonte. Pessoas e lugares que pretende encontrar depois da próxima curva. A viagem é produção de simulacros, de um mundo puramente espectral erguido à beira da estrada.” 1 “Será que o drama contemporâneo não vem do fato de que o desejo de errância tende a ressurgir como substituição, ou con- tra o compromisso de residência que prevaleceu durante toda a modernidade?” 2 * Ainda para ti, passeante dilecto no mundo.