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ALGUMAS CONSIDERAES ROBERTO LOBATO CORRA
Universidade Federal d o Rio d e Janei ro
O presente texto procura apresentar algumas reflexes e exemplos
a respeito das formas simblicas, privilegiando a dimenso espacial
que muitas delas apresentam. Trata-se de dar visibilidade a um
importante aspecto da espacialidade da ao humana, que marcada no
apenas por uma perspectiva econmica, mas tambm por um simbolismo
que marca e influencia as demais dimenses dessa espacialidade.
Este texto insere-se na perspectiva da geografia cultural que
emerge a partir da metade da dcada de 1970, incorporando de modo
crtico a tradio precedente, assim como outras tradies, o marxismo,
as filosofias dos significados e as humanidades. Apresentaremos,
primeiramente, um breve resumo sobre as formas simblicas e sua
espacialidade e em segundo lugar alguns exemplos, visando
evidenciar a importncia da temtica em questo para a geografia.
Formas Simblicas e Significados
As formas simblicas so representaes da realidade, resultantes d
o complexo processo pelo qual os significados so produzidos e
comunicados entre pessoas de um mesmo grupo cultural, conforme
aponta Hall (1997). As formas simblicas, materiais ou no,
constituem signos construdos a partir da relao entre formas, os
significantes, e os conceitos, os significados. As formas
simblicas, no entanto, so sujeitas a interpretaes distintas,
caracterizando-se por uma instabilidade de significados, por uma
polivocalidade. H, segundo Hall (1997), trs
' Trabalho apresentado na Aula Inaugural do Programa de
Ps-Graduao em Geografia da UFF-Niteri, em 19.03.2007.
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GEOgraphia - Ano IX - No 17 - 2007 Roberto Lobato Corra
grandes correntes que definem a natureza da interpretao dos
signos. A mais importante para os propsi tos des te t r aba lho a
cor ren te construcionista que considera que os significados so
construdos a partir das experincias daqueles que interpretam as
formas simblicas. Esta corrente, originria com o lingista Saussure,
nega a corrente reflexiva, na qual as formas simblicas j so
portadoras de.um dado significado. Nega tambm a corrente
intencionalista, na qual as formas simblicas expressam apenas as
intenes daqueles que as conceberam. Na corrente reflexiva a
interpretao obtida diretamente da forma simblica, enquanto que para
a corrente centrada na intencionalidade suficiente decodificar as
intenes de seus autores. De acordo com a corrente construcionista,
as formas simblicas so marcadas pela instabilidade de significados,
pela polivocalidade.
Em "Iconografia e Iconologia: Uma Introduo ao Estudo da Arte na
Renascena", Panofsky (2004) oferece um quadro de referncia para a
interpretao de formas simblicas. Este no o nico quadro de
referncia, mas parece consistente com a idia da instabilidade das
interpretaes sobre formas simblicas espaciais, tendo sido j objeto
de interesse, entre outros gegrafos, por Daniels e Cosgrove (1988)
e Eyles e Peace (1990), os primeiros com uma coletnea de artigos e
os outros dois com um estudo sobre signos e smbolos na cidade
canadense de Hamilton.
A iconografia, segundo Panofsky, estuda os significados das
obras de arte, que so construdos em trs nveis. No primeiro
verifica-se a identificao das formas puras, que so reconhecidas
como portadoras de significados primrios ou naturais. No segundo
nvel produzem-se significados secundrios ou convencionais.
Articulam-se motivos artsticos e suas combinaes com temas e
conceitos. Estabelecem-se imagens, estrias e alegorias. Este nvel
denominado de iconogrfico. O terceiro nvel, finalmente, produz um
significado profundo, intrnseco, no qual a forma associada aos
princpios "que revelam a atitude bsica de uma nao, de um perodo,
classe social, crena religiosa ou filosfica" (PANOFSKY, 2004:52).
Esse nvel corresponde ao que Panofsky denomina iconologia, "um
mtodo interpretativo que est baseado em qualquer (...) mtodo
histrico, psicolgico ou crtico ..." (PANOFSKY, 2004:54). A
iconografia/iconologia , assim, um mtodo aberto,
construcionista.
- Formas Simblicas e Espacialidade
As formas simblicas tornam-se formas simblicas espaciais quando
constitudas por fixos e fluxos, isto , por localizaes e
itinerrios,
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Formas Simblicas e Espao - Algumas Consideraes
apresentando, portanto, os atributos primeiros da espacialidade.
Palcios, templos, cemitrios, memoriais, obeliscos, esttuas,
monumentos em geral, shopping centers, nomes de logradouros
pblicos, cidades e elementos da natureza, procisses, desfiles e
paradas, entre outros, so exemplos correntes de formas simblicas
espaciais.
As relaes entre formas simblicas e espao so complexas,
caracterizando-se por serem de mo dupla. As formas simblicas
espaciais se realizam, enquanto tais, em grande parte, em razo da
localizao e itinerrio que cada uma apresenta. Localizaes e
itinerrios, por sua vez, so marcados pela presena de formas
simblicas. Assim, as formas simblicas podem incorporar os atributos
j conferidos aos lugares e itinerrios, como estes podem, por outro
lado, beneficiar-se ou no da presena de formas simblicas.
possvel falar em poltica locacional das formas simblicas, que
deriva do desejo que elas cumpram eficientemente o papel que delas
esperam aqueles que as conceberam. Esta poltica envolve as dimenses
absoluta, relativa e relacional do espao. Uma forma simblica tem
uma localizao absoluta, um stio onde ocorreu um dado evento
considerado significativo ou que se deseja transformar em local de
celebrao, contestao ou memorializao, por apresentar um potencial
positivo para este fim. As formas simblicas, por outro lado, tm uma
localizao relativa, associada visibilidade, mas, sobretudo,
acessibilidade face a toda a cidade ou espao regional ou nacional.
Esta acessibilidade um dos meios mais importantes para que as
formas simblicas possam transmitir as mensagens que delas se
espera. Finalmente, as formas simblicas apresentam uma localizao
relacional, isto , so localizadas em relao a outras formas
simblicas que denotam interesses divergentes: a localizao delas
enfatiza um conjunto de valores que referenciado a um dado espao,
ao qual ope-se outro espao.
H tambm uma poltica de escala, isto , uma poltica na qual as
dimenses das formas simblicas so concebidas politicamente. Fala-se,
em realidade, em dimenso absoluta e dimenso relacional. A primeira
diz respeito ao fato da forma simblica apresentar uma certa dimenso
fsica, expressa em rea, volume e altura, as quais associam-se a
magnitude do evento ou personagem a ser celebrado, contestado ou
memorializado, e aos recursos disponveis. A dimenso relacional da
escala das formas simblicas diz respeito comparao com outras formas
simblicas caracterizadas pelas dimenses fsicas imponentes, que
representam eventos, personagens ou posies em conflito. As dimenses
absoluta e relacional da escala associam-se idia de poder, e, mais
do que isto, superioridade. A escala, como afirma Marston (2000),
uma construo social, tendo uma ntida conotao poltica quando se
trata de formas
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GEOgraphia - Ano IX - No17 - 2007 Roberto Lobato Corra
simblicas. A escala pode ser tambm referenciada ao espao, sendo
esta uma
viso eminentemente geogrfica. As formas simblicas esto, em
muitos casos, associadas a eventos e personagens cujos significados
extrapolam a escala local, regional ou nacional, podendo referir-se
a eventos e personagens de expresso internacional e global. Nesse
sentido, a escala relacional, vista em termos de dimenso fsica,
torna-se plenamente inteligvel. As formas simblicas no so, assim,
apenas singulares, mas adquirem um sentido universal. Isto
particularmente nos sculos XIX e XX, quando transformaes profundas
geraram novos valores e prticas, para as quais novas formas
simblicas foram suscitadas. Entre essas transformaes esto a expanso
imperial, a unificao nacional, a independncia poltica, a ascenso da
burguesia e a emergncia da classe mdia e do proletariado, a ascenso
e queda de estados totalitrios e os conflitos sociais, raciais e
religiosos. As formas simblicas espaciais tm, assim, forte conotao
poltica.
Formas Simblicas Espaciais e Significados Polticos
As formas simblicas espaciais so intencionalmente dotadas de um
sentido poltico, constituindo-se em "mecanismos regulatrios de
informaes que controlam significados" (ROWNTREE e CONLEY,
1980:465). So concebidas segundo os seus idealizadores para
realizar uma ou mais funes abaixo indicadas:
i. Glorificar o passado, acentuando alguns aspectos julgados
relevantes para o presente e o futuro;
ii. Reconstruir o passado, conferindo-lhe novos significados.
Neste caso, como no anterior, tradies podem ser inventadas, como
argumentam Hobsbawm e Ranger (2002);
iii. Transmitir valores de um grupo como se fossem de todos.
Nesse caso esto envolvidas fortes relaes de poder;
iv. Afirmar a identidade de um grupo religioso, tnico, racial ou
social . A identidade nacional tem sido objeto de inmeras formas
simblicas;
v. Sugerir que o futuro j chegou, sendo portador de
caractersticas julgadas positivas;
vi. Criar "lugares de memria", cuja funo a de estabelecer ou
manter a coeso social em torno de um passado comum (NORA,
1989).
As interpretaes a respeito das formas simblicas espaciais so .
socialmente produzidas e imersas na vida poltica em suas mltiplas
escalas, tal como, por exemplo, Duncan (1990) evidenciou em seu
estudo
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Formas Simblicas e Espao - Algumas Consideraes
sobre as interpretaes a respeito da paisagem urbana na capital
do reino d e Kandy, n o Sr i Lanka, n o pr imeiro quar te l d o scu
lo X IX . A polivocalidade das formas simblicas espaciais j foi
apontada pelos gegrafos, entre outros Duncan (1990), Duncan e Sharp
(1993), Peet (1996) e Atkinkson e Cosgrove (1998). Estes ltimos
reconhecem que uma nica e oficial interpretao da histria,
articulada pelas elites e expressa em formas simblicas gera, em
contrapartida, interpretaes populares mais amplamente
compartilhadas e que se caracterizam pela contestao e
polivocalidade de significados.
Representaes sociais de uma sociedade marcada por diferenas e
desigualdades, as formas simblicas espaciais so portadoras de um
sentido poltico, fazendo parte da "iconografia poltica da paisagem"
(LEIB, 2002).
Formas Simblicas Espaciais e Identidade
As formas simblicas espaciais constituem importantes elementos
no processo de criao e manuteno da identidade, seja tnica, racial,
social, religiosa ou nacional, seja ainda a identidade de um lugar
(RELPH, 1976). Constituem elas geo-smbolos (BONNEMAISON, 2003),
marcas identitrias que individualizam uma certa poro do espao ou um
grupo humano.
A toponmia constitui uma forma simblica que identifica um
logradouro pblico, bairro, cidade, pas ou forma da natureza,
atribuindo- lhes um significado que pode valorizar ou estigmatizar
o prprio objeto. Segundo Azaryahu (1996), e Azaryahu e Golan
(2001), nomear um dado local constitui uma forma de apropriao do
espao, impregnando-o de significado associado ao nome, e de poder.
A toponmia pode ser vista, em muitos casos, como a resultante da
combinao entre linguagem, poltica terri torial e ident idade
(AZARYAHU e GOLAN, 2001). Os dois mencionados autores exemplificam
com a pol t ica israelense que hebraicizou os nomes de lugares,
rios e montanhas de Israel que, at 1948, apresentavam uma toponmia
rabe ou referenciada ao cristianismo. Brunet (2001), por sua vez,
discute a poltica do Casaquisto que, aps a independncia em 1991,
desrussificou a toponmia do pas, estabelecendo novos nomes ou
termos equivalentes, todos na lngua casaque.
A toponmia, enquanto forma simblica com conotao poltico-
territorial e identitria, foi um dos meios pelos quais a Companhia
Geral do Gro Par e Maranho, entre 1755 e 1778, estabeleceu marcas
do domn io por tugus na Amaznia . As ant igas a lde ias indgenas ,
transformadas em aldeias missionrias, tiveram seus nomes
indgenas
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GEOgraphia - Ano IX - No 17 - 2007 Roberto Lobato Corra
alterados, exibindo nomes de povoaes portuguesas: Alenquer,
Almeirim, Barcelos, Borba, Breves, Ega, Faro, bidos, Ourm, Santarm
e Soure, entre outras. A identidade lusa dos lugares, alados
categoria de vilas, estabelecida pela empresa pombalina, conforme
aponta Dias (1970).
As formas simblicas espaciais vinculadas identidade religiosa de
um grupo especfico ou pretensamente de toda uma nao, so numerosas.
Neste caso, identidade nacional e identidade religiosa so
identificadas como correlatas. A catedral dedicada ao Cristo
Salvador em Moscou, inaugurada em 1997, tem o sentido de reafirmar,
aps o fim da Unio Sovitica, a identidade religiosa do povo russo
(SIDOROV, 2000).
A identidade catlica do povo brasileiro est representada por
diversas formas simblicas. A mais importante, mais conhecida e um
dos smbolos da cidade do Rio de Janeiro, a gigantesca esttua do
Cristo Redentor, localizada no alto do Macio da Tijuca, na metrpole
carioca (GRINBERG, 1999).
Intelectuais catlicos, reunidos em torno do Crculo Catlico,
idealizaram na dcada de 1920 um monumento como um meio de reafirmar
a viso do Brasil como um pas catlico. a despeito da Repblica ser
dominada pelas idias positivistas e da separao em 1890 entre Estado
e Igreja. A forma simblica escolhida foi uma esttua representando
Cristo Rei, uma devoo instituda pelo Papa Pio XI na dcada de 20. A
esttua foi concebida para se localizar em um espao aberto, em local
que, desde a dcada de 1880, graas a uma pequena ferrovia que subia
o Macio da Tijuca, tornara-se local de lazer para parte da populao
carioca. Sua localizao e escala so meios para que o papel que se
esperava da forma simblica fosse efetivado. A esttua seria vista
por toda a cidade. Nas palavras de Grinberg (1999:63), "a esttua
tem como pano de fundo a floresta e como cenrio a cidade. A esttua
construda numa escala apropriada para tornar-se parte da paisagem
da cidade".
No dia 12 de outubro de 1931 a esttua foi inaugurada. A data
duplamente simblica, sendo o dia do descobrimento da Amrica e o dia
dedicado a Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. A
inaugurao se fez noite, com a cidade as escuras: da Itlia o famoso
inventor Marconi ligou as luzes que iluminaram a esttua; vista por
toda a cidade.
Trata-se de uma forma simblica que representa e reafirma a
"Repblica Catlica" (GRINBERG, 1999). A esttua um geo-smbolo que
identifica a cidade, tornando-se presente no seu cotidiano. "A viso
do Cristo como cruz qualifica (...) o territrio da cidade (ou do
pas, por extenso, porque s mbolo do pas) como um terr i tr io
catlico" (GRINBERG, 1999: 7 1).
Smbolo religioso, a esttua do Cristo Redentor est impregnada
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Formas Simblicas e Espao - Algumas Consideraes
de significado poltico. Segundo Grinberg (1999: 67), o monumento
pode ser visto como "parte da poltica de presso e cooperao da
Igreja Catlica sobre o Estado", visando, por meio de importante
forma simblica, expandir o seu poder sobre um territrio em relao ao
qual nunca foi expressivo, mas que se torna progressivamente forte.
Rosendahl e Corra (2003), por exemplo, apontam que o nmero d e
dioceses e prelazias catlicas, unidades de gesto territorial da
Igreja, passaram de 19 em 1900 para 80 em 1930, apresentando uma
distribuio espacial relativamente mais dispersa. A criao de uma
identidade nacional catlica seria, assim, um objetivo a ser
reafirmado, contribuindo para fortalecer o poder da Igreja.
Formas Simblicas Espaciais e Reconstruo do Passado
O passado pode ser visto como um texto incompleto, cuja leitura
permite, mais do que o presente, interpretaes diversas,
possibilitando reconstrues adequadas s vicissitudes de cada momento
e de cada grupo social. O passado pode ser inventado e re-inventado
(LOWENTHAL, 1975). As interpretaes sobre o passado e suas
reconstrues podem ser expressas de diversos modos, entre eles as
formas simblicas espaciais como esttuas, memoriais e prdios.
A fachada e o interior de um prdio podem ser remodelados,
alterando-se a sua iconografia de acordo com a inteno de quem
pretende reciclar significados sobre o passado, "apagando" a
iconografia cuja inteno era de gerar outra interpretao. Mais do que
uma esttua ou memorial, um prdio apresenta uma flexibilidade que
permite uma refuncionalizao simblica. Um prdio pode, assim,
tornar-se um meio til para uma poltica de significados.
O estudo de Til1 (1999) sobre o palcio Neue Wache, localizado no
distr i to histrico de Berl im, um exemplo de forma simblica
remodelada vrias vezes para se adequar aos diversos contextos
polticos que a Alemanha passou. A cada remodelao tentou-se
reconstruir o passado. Construdo entre 18 16 e 18 18 pelo rei
Frederich Wilhelm I11 como uma unidade militar, durante a Repblica
de Weimar foi transformado em memorial dos soldados alemes mortos
durante a 1"Guerra Mundial. Sua refuncionalizao simblica
traduziu-se na remodelagem de seu interior: um bloco de mrmore
negro em cujo topo situava-se uma coroa de folhas douradas e
prateadas constitua o ponto focal do memorial. Durante o 3" Reich o
prdio passa por nova refuncionalizao. Sua iconografia dizia'
respeito a milhares de anos de identidade alem. Situado em Berlim
Oriental aps a ' 2 " Guerra Mundial , o Neue Wache foi
novamente
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GEOgraphia - Ano IX - No 17 - 2007 Roberto Lobato Corra
refuncionalizado simbolicamente. Sua iconografia dizia respeito
s vtimas do nazismo (TILL, 1999).
Aps a reunif icao alem o Neue Wache novamente reconfigurado e o
passado reconstrudo. Mas que passado? A refuncionalizao simblica
constitui-se em objeto de controvrsias. A iconografia principal uma
esttua de uma me coma seu filho morto nos braos, cpia de escultura
de Kathe Kollwitz, de 1937. A redefinio iconogrfica constitui-se em
objeto de debates em torno de trs pontos principais: o de
identidade nacional, caracterizada por forte tenso; o carter cristo
da iconografia principal, que representa a Piet de Michelangelo,
constituindo-se em ofensa populao no-crist; e, sobretudo, ao fato
do novo memorial ser dedicado aos mortos de todas as guerras,
aplainando diferenas entre vtimas e algozes, entre grupos tnicos e
religiosos, como se a morte apagasse as diferenas, como se o
passado fosse o mesmo para todos.
O Neue Wache constitui-se, assim, em dramtico exemplo de
reconstrues do passado por meio de formas simblicas.
Formas Simblicas Espaciais e o Anncio do Futuro
O futuro constitui-se em objeto de profunda preocupao por parte
daqueles que detm poder, interessados em reproduzir aquelas condies
que garantam a continuidade do poder que desfrutam, e daqueles que
se empenham em construir um futuro diferente do presente. O futuro
, assim, marcado por uma tenso entre permanncia e mudana. As formas
simblicas espaciais constituem importante veculo por meio do qual o
futuro pode ter a sua concepo comunicada, aprovada ou
contestada.
"Daqui podemos ver o que est por vir". Citando Andr Breton, o
gegrafo Strohmayer (1996: 282) analisa a Feira Universal realizada
em Paris em 1937, s vsperas da 2" Guerra Mundial. A Feira
denominava-se "Arte e Tecnologia na Vida Moderna", exibindo as mais
recentes inovaes tecnolgicas. Assim, grandes empresas como a
Philips e Mazda apresentaram a iluminao a non e a Leica as mais
avanadas mquinas fotogrficas. A Feira de 1937, como as anteriores,
era um evento nitidamente associado publicidade das inovaes
industriais. Anunciava assim a chegada do futuro. Mas era muito
mais do que isto. Prenunciava tambm outra face do futuro que em
breve emergiria. Este prenncio era, em parte, expresso em formas
simblicas espaciais.
,Na Feira de 1937 estavam em exposio os iderios polticos em
confronto. Frente a frente estavam os pavilhes da Alemanha e da
Unio Sovitica. Na rea ocupada pela primeira, uma torre exibia ao
alto uma enorme sustica, enquanto na rea destinada Unio Sovitica,
uma
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Formas Simblicas e Espao - Algumas Consideraes
colossal esttua representava a foice e o martelo. A localizao
dos dois pavilhes, um em frente ao outro, era uma "poderosa
alegoria dos tempos" (STROHMAYER, 1996:287). O pavilho da Espanha
republicana apresentava o mural de Pablo Picasso, "Guernica", que
indicava o futuro em marcha.
A Feira Universal de Paris, realizada dois anos antes da
2"Guerra Mundial anunciava dois aspectos cruciais do capitalismo da
dcada de 1930: o comeo da expanso da publicidade e do consumo de
massa e a devastadora guerra que se aproximava.
A Guisa de Concluso
As formas simblicas espaciais esto dispersas pela superfcie
terrestre, sugerindo a fora das representaes que os homens
constroem a respeito de diversas facetas da vida, envolvendo o
passado, o presente e o futuro, as diferenas e a igualdade e o
poder, a celebrao e a contestao e a memorializao. As formas
simblicas so marcas e matrizes (BERQUE, 1998) presentes na criao e
recriao das prticas scio- espaciais.
Este um rico campo de investigao para os gegrafos que vivem em
pases marcados por profundas diferenas e desigualdades que precisam
ser afirmadas, re-afirmadas, re-significadas, e justificadas ou
contestadas por meios diversos, entre eles as formas simblicas
espaciais.
Resumo Este texto discute o conceito de formas simblicas
espaciais, isto ,
representaes, materiais ou no, relativas s diversas esferas da
vida, que esto
espacialmente localizadas ou que perfazem itinerrios definidos.
Templos,
palcios, cemitrios, shopping centers, parques temticos, paradas
e procisses
so alguns dos exemplos. No presente texto so discutidas as
relaes entre formas
simblicas espaciais e identidade, de um lado, a reconstruo do
passado e o
anncio do futuro, de outro.
Palavras-chave: Formas simblicas, espao, localizao, escala,
identidade,
passado, futuro.
SYMBOLIC FORMS AND SPACE: SOME NOTES
Abstract: This paper discusses the concept of spatial symbolic
forms, that is,
social representations spatially located as temples, palaces,
cemeteries, shopping
centers and thematic parks or performing well-defined
itineraries, as parades and
processions. As examples, in this paper are discussed the
relationships among
spatial symbolic forms and identity, in one hand, and the
process of reconstruction '
of the past and the announcing of the future, in the other.
Key-words: Symbolic forms, space, location, scale, identity,
past, future.
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GEOgraplzia - Ano IX - No 17 - 2007 Roberto Lobato Corra
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