FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL: IDENTIDADES, SABERES E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL Painel apresenta resultados de pesquisas de enfoque qualitativo, no campo da formação de professores de educação infantil, incluindo a formação nos cursos de Pedagogia, o desenvolvimento profissional considerando contextos políticos de aprendizagem da profissão e a perspectiva de professores dessa área sobre a aprendizagem de conhecimentos científicos. A primeira pesquisa analisou matrizes curriculares de 144 cursos de Pedagogia no estado de São Paulo, por meio de análise documental, no que se refere à educação infantil. A segunda pesquisa buscou analisar o contexto sócio- histórico-legal-cultural brasileiro e as questões relacionadas à formação e à atuação de professores para a educação infantil, conjugada aos dados de pesquisa que buscou ouvir as "vozes" de professoras sobre seu fazer e as condições de qualidade possível à realização de seu trabalho pedagógico. A terceira pesquisa, investigou a concepção de professores polivalentes sobre o papel do trabalho com conhecimentos científicos na educação infantil. Em comum, as pesquisas apresentam a finalidade de contribuir para a melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas, tanto no que se refere às demandas formativas desses profissionais, como para a defesa do direito à educação de crianças pequenas. Os resultados das pesquisas indicam: i) a fragilidade e a dispersão curricular dos cursos de Pedagogia e a insuficiência da formação específica para a educação infantil; ii) o não reconhecimento dos próprios professores como profissionais da Educação, com fragilidades no discurso conceitual podendo colocar em risco o compromisso com o desenvolvimento integral da criança; iii) a necessidade de que os processos formativos de professores de educação infantil considerem a educação científica com as crianças de modo a conciliar a socialização do saber e a participação do educando nos processos de apropriação e de produção de cultura. Palavras-chave: Professores de Ed. Infantil, Desenvolvimento Profissional. Conhecimentos Científicos. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 7133 ISSN 2177-336X
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL:
IDENTIDADES, SABERES E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL
Painel apresenta resultados de pesquisas de enfoque qualitativo, no campo da formação
de professores de educação infantil, incluindo a formação nos cursos de Pedagogia, o
desenvolvimento profissional considerando contextos políticos de aprendizagem da
profissão e a perspectiva de professores dessa área sobre a aprendizagem de
conhecimentos científicos. A primeira pesquisa analisou matrizes curriculares de 144
cursos de Pedagogia no estado de São Paulo, por meio de análise documental, no que se
refere à educação infantil. A segunda pesquisa buscou analisar o contexto sócio-
histórico-legal-cultural brasileiro e as questões relacionadas à formação e à atuação de
professores para a educação infantil, conjugada aos dados de pesquisa que buscou ouvir
as "vozes" de professoras sobre seu fazer e as condições de qualidade possível à
realização de seu trabalho pedagógico. A terceira pesquisa, investigou a concepção de
professores polivalentes sobre o papel do trabalho com conhecimentos científicos na
educação infantil. Em comum, as pesquisas apresentam a finalidade de contribuir para a
melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e
cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas, tanto no que se refere às
demandas formativas desses profissionais, como para a defesa do direito à educação de
crianças pequenas. Os resultados das pesquisas indicam: i) a fragilidade e a dispersão
curricular dos cursos de Pedagogia e a insuficiência da formação específica para a
educação infantil; ii) o não reconhecimento dos próprios professores como profissionais
da Educação, com fragilidades no discurso conceitual podendo colocar em risco o
compromisso com o desenvolvimento integral da criança; iii) a necessidade de que os
processos formativos de professores de educação infantil considerem a educação
científica com as crianças de modo a conciliar a socialização do saber e a participação
do educando nos processos de apropriação e de produção de cultura.
Palavras-chave: Professores de Ed. Infantil, Desenvolvimento Profissional.
Conhecimentos Científicos.
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EDUCAÇÃO INFANTIL: CONTEXTO POLÍTICO EDUCACIONAL DE
APRENDIZAGEM E ENFRENTAMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO
PROFISSIONAL
Profª Drª Maristela Angotti –
FCLAr/UNESP/Araraquara-SP-Brasil-
Resumo: Tem este trabalho a finalidade de analisar o contexto sócio, histórico, legal e cultural
brasileiro e as questões relacionadas à formação e atuação de professores para a Educação
Infantil, bem como identificar consequências para o processo de aprendizagem e
desenvolvimento desses profissionais para qualificar o atendimento oferecido, sobretudo a partir
do fortalecimento do ser pessoa que se constrói e se apresenta no ser profissional. Além da
análise do itinerário histórico das recentes perdas angariadas pela Educação Básica, utilizamos
como elemento para nossas análises dados oriundos de pesquisa de abordagem qualitativa, na
qual se buscou ouvir as "vozes" de professoras sobre seu fazer e as condições de qualidade
possível à realização de seu trabalho pedagógico. Incongruências no contexto da política
educacional favorecem a construção de uma imagem profissional duvidosa e a revelação de
procedimento de pouca importância ou não reconhecimento das professoras como profissionais,
gerando fragilidades identificadas no discurso conceitual em sua relação com as práticas
pedagógicas efetivadas, o que acaba por colocar em risco o compromisso com o
desenvolvimento integral da criança e a construção de seus processos identitários, além do não
estabelecimento de responsabilidade frente a um pacto social inerente a este fazer. Assim,
buscamos oferecer contribuições a partir da pesquisa sobre o como aprende e se desenvolve o
docente na Educação Infantil, com foco na especificidade desta etapa pertencente ao sistema
educacional brasileiro para que possamos pensar em como melhor formá-los.
Palavras chaves: Educação Infantil; identidade docente; aprendizagem e desenvolvimento
profissional.
Este trabalho tem por hipótese que as políticas públicas tem sido um entrave
para a atuação docente na Educação Infantil, uma vez que as mesmas têm provocado
frequentemente a ideia de que esta etapa educacional seja ou possa ser considerada
menor no contexto educacional, o que acaba por impactar negativamente a pessoa do
professor e sua condição de atuação. Fato continuo é que diante deste processo de
desvalorização que afeta a pessoa do professor e insistentes elementos de fragmentação
da etapa educacional, a formação de professores não revelam sensibilidade e
compromisso com esta questão, comprometendo a formação da pessoa, seu aprendizado
relativo às dimensões de atuação cidadã e profissional .
Parte-se do princípio de ser a formação elemento fundamental para que se possa
pensar sobre a melhoria da educação, e retorna-se a esta formação com a definição de
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ser necessário considerar na mesma a pessoa na qual habita o profissional, sobretudo na
perspectiva de um protagonismo cidadão e de um profissionalismo inovador, cuja
profissionalidade se estenda para além dos compromissos com a especificidade da
prática didático-pedagógica realizada junto à criança, para pensar também nas
consequências sociais, históricas e culturais deste fazer.
Muitos autores têm sustentado este princípio, como Nóvoa que, fundamentado
em Jeniffer Nias, defende que a formação da pessoa é importante para a elaboração do
profissional, para que possamos pensar em produzir a formação, as aprendizagens e o
desenvolvimento profissional de docentes. Assim os referidos autores defendem e
divulgam a premissa de que “O professor é a pessoa; e uma parte importante da pessoa
é o professor".( Jennifer Nias apud NÓVOA, 2000, p.9.).
Neste sentido, é fato reconhecido a necessidade de investimento na pessoa do
futuro professor que se encontra em processo formativo. Este investimento recairia nas
bases de conhecimento, inclusive do autoconhecimento para que a pessoa possa projetar
o profissional que pretenda ser, a delimitação das linhas teóricas com as quais se
identifica e assume do ponto de vista do desenvolvimento humano e de sua consequente
prática teórico metodológica.
O referenciado autoconhecimento é determinante também na identificação com
o objeto de interesse da educação: o ser humano e o conhecimento, bem como no caso
do professor que irá atuar na Educação Infantil com a criança menor de seis anos e a
especificidade do trabalho a ser realizado, reconhecendo sua forma de ser, agir, de
revelar interesses e necessidades perante o mundo e suas relações com ele. Portanto,
esta pessoa em seu processo de ser pessoa em permanente desenvolvimento e necessário
investimento constitui o filtro pelo qual será constituído o profissional docente.
Esta pessoa está inserida e faz parte de um determinado contexto sócio-histórico-
cultural e as relações constituídas no contexto social de pertença contribuem de maneira
bastante objetiva e significativa para a construção das imagens pessoais e profissionais.
As concepções que proliferam, as condições de valorização ou não da pessoa e do
profissional atuam sobre o ser e na elaboração de sua imagem, bem como definem suas
condições próprias de atuação. Vivemos em situação de conhecimento pessoal em que
uma das vias constitui-se o enxergar-se, o reconhecer-se no e pelo outro ou pela imagem
construída pelo outro na construção da estima, da autoestima que pode fortalecer ou
enfraquecer as condições do ser pessoa. Esta condição mantém relação estreita com a
atuação profissional, definindo seus "contornos" e essência.
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Precisamos nos ater em como o contexto tem contribuído para a construção de
imagens frágeis referentes à pessoa e a sua construção enquanto profissional; como as
contribuições podem ou têm se constituído em elemento negativo, nefasto e apassivador
de perspectivas inovadoras, criativas, produtivas, pois que deixem sempre entrever
que quem escolhe a docência o faz por falta de opções e tal fazer, sobretudo se realizado
com crianças menores, torna-se também um fazer menor, um ato determinante pela
condição de gênero feminino, instinto e condição natural da mulher com o ato de
educar, uma atitude de amor e cuidado para com a criança; a maternagem instalada e
não um fazer pedagógico, portanto profissional e necessário de ser reconhecido e
valorizado como qualquer outra profissão.
Sem querer teorizar de maneira profunda sobre, mas considerando necessário
destacar para a análise a ser realizada, atrevo-me a trazer para a discussão questões
teóricas sobre as representações sociais e para isso ancoro-me em um artigo bastante
interessante de Angela Arruda, que nos conduz pelo seu caminhar teórico ao
entendimento conceitual elaborado por Denise Jodelet, o qual assim se apresenta como
sendo “As representações sociais são uma forma de conhecimento socialmente
elaborado e compartilhado, com um objetivo prático, e que contribui para a construção
de uma realidade comum a um conjunto social”. (Arruda, 2002, p.138) Neste
entendimento nortearemos parte do nosso processo de análise no sentido de entender o
como imagens externas, percepções podem comprometer a autoestima de uma pessoa e
sua condição de ser e estar profissional, neste caso, profissional docente na Educação
Infantil.
Com este conceito analisaremos o quadro de referência legal no qual os
professores e profissionais da Educação Infantil estão inseridos para analisarmos o
como as aprendizagens e a construção da identidade docente podem estar sendo
influenciadas por elementos que contribuem para uma construção negativa, de
desvalorização da imagem e consequentemente da construção da identidade docente no
seio da categoria profissional.
Vejamos, em 1988 foi promulgada a Carta Constitucional da República
Federativa do Brasil, um marco no nosso contexto histórico que se caracterizou como
determinante para que um sentimento forte de esperança em relação ao reconhecimento,
valorização e crescimento quantitativo e qualitativo do atendimento pedagógico à
primeira infância pudesse acontecer.
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O fato de ter sido alterada a concepção e o estatuto de cidadania para o ser
criança ao ser reconhecida nesta nova Constituição como ser de direitos trouxe um novo
e difícil caminho social a ser percorrido para atendê-la. Os termos da Lei precisam de
crédito e definições estruturais para que possam ser implementados na dinâmica da
sociedade. Há que se reconhecer a importância e a legitimidade do interlocutor social e
cidadão para que a dinâmica, no caso sócio educacional possa ser redesenhada,
reformulada, recriada sob novas e determinantes posições conceituais com suas
derivações práticas.
A denominação Educação Infantil já revela expressão de nova concepção de
atendimento que atribui importância e reconhecimento de valor aos primeiros anos de
vida, não devendo ser considerado o melhor e/ou mais importante momento sobre os
demais que virão, mas tão importante e merecedor de atenção e investimentos como
qualquer outro atendimento de educação e ensino escolarizado.
Defende-se assim, em entendimento possível, o compromisso da educação como
elemento fundamental na sustentabilidade humana para prover a criança
desenvolvimento integral, pleno e prepará-la para uma vida sadia em sociedade, na qual
se insira como protagonista, ator principal da e na construção dinâmica do processo de
inovação, transformação social, cultural e histórica.
Há subjacente a esta defesa o princípio de que não somos apenas produto de
cultura, mas também produzimos cultura, somos positivamente transgressores no ato
criativo de participação/transformação/inovação na dinâmica do processo sócio-
histórico-cultural do qual e no qual estamos inseridos e a criança dele assim faz parte,
elaborando suas concepções e conhecimentos e criando dentro do possível o “novo
melhor” que permita qualificar a vida.
Tal colocação nos situa diante da condição de que, para que efetivamente
consigamos tal finalidade perante a Educação da primeira infância, importante também
seria a construção da identidade docente nesta mesma perspectiva. Portanto, a formação
de professores deve assumir importante papel no sentido de formar profissionais que
possam ser atuantes, protagonistas frente à sociedade e seu dinamismo.
Na sequência histórica legal, o passo subsequente à condição de direito
consignado aos menores de 6 anos de idade foi dinamizado com o reconhecimento de
que o atendimento à primeira infância estaria saindo definitivamente da área assistencial
e sendo incluído na educacional, assim assumido pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional de 1996, em seu artigo 29, que reconhece a Educação Infantil
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enquanto primeira etapa da Educação Básica no Brasil. Material rico e de profundo
conhecimento sobre a criança, respeitada em seu desenvolvimento, identidade singular e
coletiva e nas metodologias lúdicas e artísticas favorecedoras de seu desenvolvimento
integral, considerando-se os contextos específicos de pertença cultural.
Com advento do século XXI e as discussões sobre financiamento educacional,
nem tudo seguiu com o otimismo de conquistas; neste sentido delineia-se um cenário de
desconforto na desigualdade valorativa entre os níveis e etapas educacionais, revelando
na política um descrédito no conhecimento sobre a infância e a adequação do
atendimento pedagógico que a ela deveria ser oferecido em condições de qualidade.
O contexto sócio-histórico-legal-cultural brasileiro parece não estar muito
favorável e convicto da importância do atendimento educacional à crianças menores de
6 anos, e assim a educação para a infância sofre um duro golpe com a Lei nº 11.274, de
6 de fevereiro de 2006, que dispõe sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino
fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade (muitas vezes
menores ainda). Quebra-se a concepção de primeira infância estruturada desde os
primórdios da psicologia estimulada por Frederico Froebel, na Alemanha (século XIX).
A implementação da referida Lei nos permite a consideração de que o
conhecimento sobre a infância e seu desenvolvimento em pouco importa para a
definição de políticas públicas e que o elemento norteador da mesma está respaldado
nas condições de financiamento. O que pode levar à interpretação de que o conquistado
após a Constituição (1988) em termos de atendimento à primeira infância pelas vias da
Educação Infantil é de pouca importância, até desnecessário, e assim o trabalho docente
pode ser considerado também como algo menor para esta fase da vida do ser e sem
muita contribuição para a formação da pessoa, do ser social, político, histórico e
cultural.
Com a Emenda Constitucional nº 53/ 2006, a criação do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação –
FUNDEB, ficam suficientemente claros os motivos da inserção da criança aos 6 anos de
idade no Ensino Fundamental de 9 anos, pois a renda per capita financiada nesta etapa é
superior a qualquer outra pertencente ao sistema educacional. Portanto, a Educação
Infantil novamente passa por um duro golpe de desvalorização e pouco reconhecimento
de importância, tendo quase ficado de fora do financiamento da Educação Básica a
creche, que no Brasil envolve o período etário dos 0 aos 3 anos de idade, não tendo sido
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consolidada tal situação em decorrência do reconhecimento de que seria um ato
inconstitucional, o que poderia significar a suspensão do FUNDEB.
Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 59, de 11 de dezembro de
2009, que amplia o direito público subjetivo a toda a Educação Básica, tornando
obrigatória e gratuita a matrícula de crianças de idade entre 4 aos 17 anos, pode-se
constatar o ganho para a sociedade que amplia sua base de direitos e formação
educacional, indubitável, mas um duro golpe para a Educação Infantil que se fragmenta
e se define por etapas diferenciadas de importância perante a política educacional em
seu processo de financiamento. A não inclusão da creche enquanto direito público
subjetivo favorece sua não valorização e reconhecimento de importância menor para o
desenvolvimento humano.
Ações políticas por vezes interessantes à formação do cidadão podem estar
corroborando para a hierarquização das etapas educacionais e desqualificação de seus
profissionais, favorecendo concepções dúbias sobre a matéria para e perante a
sociedade. É a construção de um novo desenho social fundamentado em um ideário que
favorece a pauperização para o conhecimento pedagógico e suas áreas correlatas, bem
como favorece as representações sociais e menor reconhecimento para o profissional
que atua na Educação Infantil, contribuindo para que sua estima se enfraqueça e para
que sua dignidade se fragilize diante do não reconhecimento de sua importância na
promoção do desenvolvimento humano e na consolidação de uma sociedade mais
voltada ao processo de humanização. “Algo menor”, fazer qualquer que assim
entendido se torna socialmente menos valorizado, promovendo em seus profissionais
um sentimento de pequenez profissional e social, o que certamente poderia contribuir
para o mal estar docente pelas vias das mudanças sociais, segundo Esteves. (ESTEVES,
1994; ESTEVES; FRANCO e VERA, 1995).
A situação assim descrita está provocando sérias consequências para o processo
de construção das identidades profissionais, bem como para a aprendizagem e
desenvolvimento profissional de docentes na e da Educação Infantil. O que inclusive
vem favorecendo o enraizamento de uma cultura institucional hierarquizada,
competitiva e de desqualificação de pares que atuam com crianças menores: quanto
menor a criança atendida, menos crédito ao docente que com ela atua.
Pode-se, portanto, considerar que os mecanismos legais, institucionais, culturais
estejam coibindo a estruturação da autoestima e do processo de construção positivo da
identidade do docente que atua na Educação Infantil, o que faz dele um mero técnico e
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não um profissional com perfil e identidade marcadamente voltados ao compromisso
com a criança e com a sociedade de pertença, já que a legislação fragmentou esta etapa
educacional, criou processos de hierarquização pelo valor do financiamento per capita e
pela condição de direito público subjetivo a quase toda a Educação Básica, com exceção
da creche. Fatos significativos para comprometer a identidade profissional, bem como a
atuação dos docentes na Educação Infantil, bem como diante das famílias e
comunidade.
Portanto,
Tratar da identidade docente é estar atento para a política de
representação que instituem os discursos veiculados por grupos e
indivíduos que disputam o espaço acadêmico ou que estão na gestão do
Estado. É considerar também os efeitos práticos e as políticas de
verdade que discursos veiculados pela mídia impressa, televisiva e
cinematográfica estão ajudando a configurar. A identidade docente é
negociada entre essas múltiplas representações, entre as quais, e de
modo relevante, as políticas de identidade estabelecidas pelo discurso
educacional oficial. Esse discurso fala da gestão dos docentes e da
organização dos sistemas escolares, dos objetivos e das metas do
trabalho de ensino e dos docentes; fala também dos modos pelos quais
são vistos ou falados, dos discursos que os vêem e através dos quais
eles se vêem, produzindo uma ética e uma determinada relação com eles
mesmos, que constituem, a experiência que podem ter de si próprios.
(GARCIA, HYPÓLITO e VIEIRA, 2005, p. 47)
[...]
A identidade profissional dos docentes é assim entendida como uma
construção social marcada por múltiplos fatores que interagem entre si,
resultando numa série de representações que os docentes fazem de si
mesmos e de suas funções, estabelecendo, consciente e
inconscientemente, negociações das quais certamente fazem parte suas
histórias de vida, suas condições concretas de trabalho, o imaginário
recorrente acerca dessa profissão — certamente marcado pela gênese e
desenvolvimento histórico da função docente —, e os discursos que
circulam no mundo social e cultural acerca dos docentes e da escola.
(GARCIA, HYPÓLITO e VIEIRA, 2005, p.54-55)
A construção das identidades, dos saberes, das aprendizagens e do
desenvolvimento profissional docente tem sido temática recorrente no trabalho de
pesquisa de autores que tratam a questão em profundidade, sendo Maurice Tardif um
deles. O autor revela a estruturação de relações entre os saberes por ele defendidos.
Pode-se definir o saber docente como um saber plural, formado pelo
amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação
profissional e dos saberes disciplinares, curriculares e experienciais.
(TARDIF, 2002, p. 36)
Saber eivado de vivência, marcado e decorrente da experiência, saber
experiencial que, para Tardif, se constitui na elaboração pessoal expresso nas condições
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práticas do fazer. O saber experiencial estará sendo aqui entendido de forma mais
ampla, para além da atuação circunscrita à prática do efetivo exercício profissional
envolvendo também as experiências de vida da pessoa do docente. Nesta perspectiva
será utilizado como fonte de saberes o contexto de pertença das professoras e dos
profissionais da educação infantil.
Assim se poderá analisar e confirmar o fato de que este saber experiencial pode
trazer contribuições bastante complexas e negativas à construção da identidade
profissional e de contribuições para este amálgama de saberes que constituem os saberes
docentes, podendo fragilizar as relações do docente na instituição e com a família, com
a sociedade, comprometendo o fazer pedagógico oferecido às crianças menores de seis
anos, bem como a participação política, histórica e social intencionada e definida pelo
docente, mantendo-o na condição de subserviência, heteronomia pessoal e profissional,
com consequências para exercer efetivamente a vida com protagonismo, com
determinação, convicção e compromissos, sobretudo com a infância e a etapa inicial
educacional na qual está inserida. Não cumprindo com as condições favorecidas pela
legislação em termos de uma educação possivelmente constituída pela participação,
envolvimento, diálogo entre pares docentes e profissionais, com as famílias e a
sociedade, inclusive para a estruturação de um possível pacto decorrente de um projeto
consensuado de sociedade.
A formação de professores também precisa tomar para si a pessoa, o professor
em sua essência singular de ser como elemento foco de preocupação, exigente de um
investimento na pessoa para que possa se constituir profissional enquanto laboratório de
profissionalidade, mas também um espaço de constituição da pessoa em formação para
buscar a sustentação para o desenvolvimento pessoal, filtro do profissional e estrutura
do cidadão que habita o docente.
O trabalho de pesquisa aqui referenciado e agora apresentado tem por
preocupação e intenção estabelecer critérios válidos e sustentáveis para a estruturação
de um nível de qualidade a ser oferecido no atendimento educacional à faixa etária
anterior aos seis anos de idade, efetivando-se o compromisso e o direito da criança com
o seu desenvolvimento integral. Neste sentido, constitui-se enquanto questão de
pesquisa, a investigação relativa ao como os critérios de qualidade, considerados
inquestionáveis no entendimento do grupo de pesquisa, estão sendo analisados pelos
profissionais que desempenham diferentes funções nas instituições de Educação
Infantil?
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A pesquisa realizada buscou ouvir as vozes dos profissionais que atuam na
Educação Infantil em município do interior do Estado de São Paulo, referente aos
critérios de qualidade para a Educação Infantil. Preocupação reside no como analisam
as condições existentes e reais para que se possa oferecer uma educação que atenda
efetivamente a um patamar de qualidade definidor da melhor situação para que o
desenvolvimento integral da criança possa se realizar.
A metodologia da pesquisa sustentou-se na abordagem qualitativa com a
ancoragem necessária também na quantitativa, portanto foi desenvolvida sob condições
de utilização que demarcam uma abordagem mista, tendo por amostra de sujeitos 79
profissionais que se apresentaram voluntariamente dentro das trinta e quatro (34)
unidades de educação infantil constituídas no município à época e se tornaram
respondentes de um extenso formulário eletrônico que abarcou perspectivas de
formação, atuação, concepções, infraestrutura, conteúdos e metodologias específicas,
projeções de melhoria do atendimento pedagógico oferecido à primeira infância.
A amostra de sujeitos ficou composta por: 32 agentes educacionais que atuam
com crianças na faixa etária dos 0 aos 3 anos; 25 diretores; e 22 professoras que atuam
com crianças na faixa etária dos 4 aos 6 anos, portanto, a categoria de docentes foi
composta pela menor amostra voluntária de sujeitos por segmento, dado relativo a
resistência à participações que já pode ser considerado como um elemento dificultador
da participação na dinâmica estrutural da educação.
A análise dos dados referentes à formação dos profissionais que estão atuando
na referida etapa educacional é bastante interessante, revelando um percentual
considerável de 72,15% (57 sujeitos dentre os 79) cuja formação ocorreu na Educação
Superior em curso completo de graduação. Porém é interessante colocar que corroboram
com esta análise a conquista de titulação subsequente, cuja situação revela que 34 deles
(43,04%) já completou um curso de especialização; 05 (6,33%) já têm o mestrado e 04
(5,06%) o doutorado concluídos.
Interessante destacar que, apesar desta condição tão favorecida em termos de
formação, a análise identifica um dado contraditório e preocupante, que revela uma
posição perigosa dos sujeitos em não considerar necessária a formação educacional
superior para atuação profissional. Quando perguntados sobre Como você
caracterizaria uma educação infantil de qualidade?, em primeira opção apenas 9,09 da
amostra relativa aos docentes (22 sujeitos), ou seja, duas professoras defendem que
professores bem formados constituem critério de qualidade ao atendimento educacional
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à primeira infância. O que permite considerar que há certa desconsideração em relação à
formação específica para o trabalho com crianças menores de seis anos, não
constituindo este elemento como prioritário na condição de se analisar e definir critérios
que poderiam qualificar a Educação Infantil.
Nesta mesma linha de reflexão, fato que os profissionais têm formação
diferenciada em nível superior, espera-se que sejam mais esclarecidos, atentos as
questões sociais, que sejam mais atuantes socialmente falando na defesa dos direitos
educacionais.
Apesar da docência na Educação Infantil ter que desenvolver integralmente a
criança e entendê-la em seu protagonismo social, histórico e cultural os docentes não
têm se constituído em modelo para tanto, nem revelam perspectivas de que vivenciam
esta condição em favor da infância, da criança e da etapa educacional na qual atuam.
O caminho da escola de Educação Infantil como espaço de ação e formação
entre contextos que precisam se integrar pela melhoria da qualidade do atendimento
pedagógico oferecido à criança menor de seis anos e garantir seus direitos ainda está
com pouca força e não começou seu processo de engatinhar. A cultura institucional
precisa ser transgredida, novos créditos precisam ser atribuídos aos pais e à comunidade
como parceiros colaborativos e cooperativos na busca por uma educação de qualidade,
mesmo que disso dependa uma profissionalidade docente ampliada que publicize a
importância e o papel da Educação Infantil para o favorecimento do desenvolvimento
pleno da criança extra muros.
A existência da normativa legal não garante a participação em defesa dos
direitos da criança, ser de direitos. A ampliação da condição de cidadania oferecida pela
Constituição reconhecida e definida como cidadão não favoreceu os processos de
participação em defesa dos direitos da criança, sobretudo à Educação.
Em relação ao critério de qualidade que envolve a participação das docentes na
melhoria de seu espaço de trabalho, condição favorecida pela própria autonomia
prevista na legislação, dezenove docentes (86,36%) acreditam que podem melhorar e
três dizem que não (13,64%). O interessante é que nas respostas abertas fica claro o tipo
de necessidade para a melhoria e que normalmente perpassa a um investimento pessoal
em relação ao trabalho de grupo, ao não ser individualista, à constituição de uma equipe
de fato na unidade educacional que possa colaborar e cooperar entre si até mesmo na
troca de conhecimento. Tais respostas permitem inferir a não participação na dinâmica
institucional por parte dos docentes de maneira a tornar a mesma uma unidade
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pedagógica, a realizar um protagonismo profissional enquanto critério para se pensar
coletivamente a melhoria da qualidade do atendimento. Então vejamos algumas
respostas das docentes em relação às contribuições para a melhoria do espaço de
trabalho:
.Mais autonomia para o professor e direção.;
.Em meio aos problemas e dificuldades não olhar apenas as minhas
dificuldades, mas a do grupo como um todo.;
. Colaboração, ética, organização do ambiente.
.Tempo para diálogos referentes ao trabalho e atividades
desenvolvidas entre os pares da unidade.
. Trabalhar em equipe.
.Partilhar com os colegas de trabalho, procurar manter um ambiente
de amabilidade tanto em relação aos educandos como com o corpo
docente e discente da escola. Demonstrar sempre disposição para
ajudar e compartilhar sempre.
.Bom humor (pois ele contagia), não reclamar por pouca coisa, não
falar mal dos colegas em geral, ser um ótimo profissional.
As falas das docentes (a composição deste segmento era em sua totalidade de
mulheres) permitem inferir que o espaço de trabalho, a unidade institucional não tem se
revelado em espaço prazeroso, coletivo, de participação e pertença com trocas e
gentilezas sendo necessário elevá-lo a um patamar diferenciado de respeito para se
conquistar o grupo, a coletividade e, porque não dizer, a unidade pedagógica
institucional. Revela-se a necessidade de participação e interveniência, um
disponibilizar-se pessoal para que o profissional possa aflorar de maneira a contribuir
para algo novo, melhor e comprometido com o fazer, com os pares, com a instituição,
consequentemente que acaba atendendo de maneira diferenciada as crianças em suas
necessidades e interesses.
À guisa de um encaminhamento, importante se faz colocar o crédito de que a
situação sócio, histórica, política, educacional e cultural inicialmente apresentada não é
condição única e ou via direta na determinação das condições pessoais e profissionais
de realização do fazer docente na educação infantil, porém deve se considerar elemento
absolutamente possível de contribuição para a não “consolidação” dos direitos da
infância, sobretudo de ter uma educação infantil oferecida com qualidade e que
promova desenvolvimento integral das crianças atendidas.
Talvez, pela baixa estima em relação ao seu fazer, apesar de índice alto em
termos de formação superior, este grupo de professores possa ter dificuldades em se
elaborar enquanto profissionais, uma vez que a sociedade não os reconhece
efetivamente e nem tampouco os trata com respeito devido, dignidade e valorização,
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considerando a educação infantil como algo menor no processo de formação de seus
filhos.
Como exemplo pode ser apresentada a seguinte situação. No final da aplicação
do questionário eletrônico para a coleta de dados da pesquisa realizada, uma das
profissionais veio ao encontro de um membro do grupo de pesquisa e, num ímpeto
extremo de ansiedade e necessidade, segurando-a em seus braços pediu para que "nós
da Universidade" fizéssemos algo pela Educação Infantil, pois ela acreditava que só
nós poderíamos conseguir isso, pois eles não tinham força nenhuma para tanto.
A situação revela em muito o sentimento da profissional, a condição de fraqueza
e impotência diante do que considera ser essencial realizar pela e para a busca da
qualidade na e da Educação Infantil. Revela sua autoimagem profissional frágil e de
limitações.
Portanto, temos muito que fazer em termos de formação para melhorar a imagem
da profissão e constituir estrutura diferenciada para pessoas que tenham interesse e
queiram, por identificação pelo objeto e pela atuação, se tornar pedagogos, professores
de Educação Infantil com claro compromisso pelo protagonismo profissional que
promova a profissionalidade docente e fortaleça os processos de profissionalização em
contexto sócio, histórico, cultural específico. Que consigamos forjar profissionais
atuantes politicamente na defesa da infância, da criança e de seus direitos já ou ainda
não consignados em Lei, mas que defendam a condição de atendimento pedagógico
adequado e de qualidade a todas as crianças menores de seis anos de idade, com o
intuito de que possam ter favorecido seus processos de desenvolvimento integral e de
identidade pessoal e coletiva, pelas vias do cuidar-educar-brincar com forte apelo as
atividades expressivas, em ambientes sustentados pela inserção no mundo da ética,
estética e da iniciação política.
Referências Bibliográficas:
ARRUDA, A. Teorias das representações sociais e teorias de gêneros. Cadernos de
Pesquisa. FCC, Cadernos de Pesquisa, n. 117, novembro/ 2002 p.127-147)
(http://www.scielo.br/pdf/cp/n117/15555.pdf consulta realizada em 10 de agosto de
2014.
Brasil. Presidência da República. Lei nº 11.274, de 06 de fevereiro de 2006, D.O.U. de -
7/02/2006, p.1.
___________________________. Emenda Constitucional nº 53, D.O.U. de 20/12/2006,
p.5.
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