SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros COSTA, SBB. Fontes lexicais de adverbiais espaciais e temporais portugueses. In: OLIVEIRA, K., CUNHA E SOUZA, HF., and SOLEDADE, J., orgs. Do português arcaico ao português brasileiro: outras histórias [online]. Salvador: EDUFBA, 2009, pp. 77-99. ISBN 978-85-232-1183-7. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. Fontes lexicais de adverbiais espaciais e temporais portugueses Sônia Bastos Borba Costa
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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros COSTA, SBB. Fontes lexicais de adverbiais espaciais e temporais portugueses. In: OLIVEIRA, K., CUNHA E SOUZA, HF., and SOLEDADE, J., orgs. Do português arcaico ao português brasileiro: outras histórias [online]. Salvador: EDUFBA, 2009, pp. 77-99. ISBN 978-85-232-1183-7. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>.
All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported.
Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada.
Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.
Fontes lexicais de adverbiais espaciais e temporais portugueses
Sônia Bastos Borba Costa
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FONTES LEXICAIS DE ADVERBIAIS ESPACIAIS E TEMPORAIS PORTUGUESES
Sônia Bastos Borba COSTA
(UFBA/PROHPOR) INTRODUÇÃO
Sem adentrar a complexa questão de conceituação da classe dos advérbios,
daremos notícia de trabalho que vimos desenvolvendo desde a defesa de Tese de
Doutoramento intitulada Adverbiais espaciais e temporais do português: indícios
diacrônicos de gramaticalização. Naquele estudo, levantamos, em 9 textos do século
XVI1, integrais ou por amostragem, todas as formas adverbiais espaciais e
temporais, simples ou locucionais, analisando-as em sua constituição
morfossintática, em seu conteúdo semântico e em seu estatuto quanto à foricidade,
com o intuito não apenas descritivo, mas de contribuição para a sua compreensão
a partir da ótica da teoria da Gramaticalização, focalizando sua trajetória do latim
ao português.
Desde então temos trabalhado com os mesmos tipos de adverbiais nas cartas
escritas no Brasil pelo Pe. Antônio Vieira (séc. XVII) no período em que o jesuíta se
incumbiu da missão da Companhia de Jesus para a catequese indígena, na região
que, à época, se identificava como Província do Grão-Pará e Maranhão e hoje
corresponde a grande parte do norte do Brasil, entre junho de 1651 e junho de
1661, conhecidas como Cartas do Maranhão, e em cartas de juízes escritas no
Estado da Bahia-Brasil, na segunda metade do século XVIII, não só com o intuito
de avaliar a continuidade, o desuso ou a emergência de novos adverbiais, mas
também com o intuito de averiguar possíveis registros de adverbiais de formação
já portuguesa e, particularmente, brasileira.
1 A Carta de Pero Vaz de Caminha (texto integral); Cartas de D. João III (as de número 1 a 22); Cartas da Corte de D. João III (as de número 3, 8, 9, 22, 43, 47; 50 a 57; 84, 85, 86, 106; 163, 165, 167; 169; 171; 173); Gramática da Linguagem Portuguesa, de Fernão de Oliveira (texto integral); Gramática da Língua Portuguesa , de João de Barros (texto integral); Diálogo em Louvor de Nossa Linguagem, de João de Barros (texto integral); Diálogo da Viciosa Vergonha, de João de Barros (texto integral); Ásia, de João de Barros (primeira e segunda décadas – texto parcial).
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Assim, para o presente trabalho, consideramos os adverbiais encontrados nos
9 textos do séc. XVI pesquisados (11.244 linhas); nas 39 cartas do Pe. Vieira (em
torno de 6.500 linhas); e nas 127 cartas de juízes da Bahia, escritas entre os anos
1764-1799 (em torno de 1.900 linhas).
Um dos temas afetos à Teoria da Gramaticalização que nos tem ocupado é a
alegada propriedade da unidirecionalidade, considerada essencial para a citada
teoria. Tem-nos intrigado, sobretudo, o fato de que uma teoria que se inclui em
abordagem funcionalista das línguas possa se ver engessada em tratamento
diacrônico um tanto determinista. Como conciliar a admissão de que o uso é
fundamental na criação, expansão e fixação de um elemento lingüístico, com a
admissão de que existe um direcionamento prévio, que “guia” essa mudança?
Talvez a interface da teoria com a abordagem cognitivista apresente uma
justificativa para o fato de que os falantes testam e selecionam expressões em uso e
inovadoras, a partir de tendências cognitivistas, por essência, razoavelmente
previsíveis, o que admitimos, mas não há dúvida de que a discussão abordando a
questão das tendências prévias versus usos deve ser empreendida em relação aos
estudos de Gramaticalização, como já tem sido contemplada em estudos de
mudança lingüística, a partir de outros aportes metodológicos.
Alertamos que advogar a qualificação de teoria para as abordagens da
Gramaticalização nos parece razoável, considerando que reconhecemos nesses
estudos:
a) objeto próprio, a saber, a compreensão de como termos e estruturas
gramaticais são originados nas línguas;
b) método próprio, que permite submeter os elementos que analisa a
avalições de alterações semânticas, sintáticas, mórficas e fônicas que os fazem
inserir-se cada vez mais na estrutura gramatical de cada língua;
c) capacidade de formular hipóteses, submetidas à hipótese–mor, qual seja, a
admissão de que existe um continuum discurso → gramática, de que a gramática
de uma língua é um contínuo fazer-se, o que implica não só a inclusão de termos
novos para expressar relações gramaticais, como também de estruturas
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gramaticais novas que possam vir a dar conta das relações de sentido necessárias,
segundo a admissão da existência de competição de motivações no jogo da
linguagem; e que normalmente, estruturas mais extensas, ou frouxamente
conectadas se transformam paulatinamente em estruturas mais compactas, mais
interconectadas, mais interdependentes, assim como termos integrantes de classes
lexicais mais ligadas à denominação podem vir a integrar classes lexicais mais
afetas às inter-relações, que afinal são o que constitui a gramática de uma língua;
d) compreensão particular do fenômeno das línguas, vistas como um devir
da parole para a langue, em termos saussurianos, ou do desempenho para a
competência, em termos chomskianos, ou do uso para a gramática, em termos
funcionalistas, o que torna a gramática de uma língua, ou, pelo menos, os meios
pelos quais a gramática de uma língua se manifesta, sempre emergente, no sentido
de Hopper (1991) e sempre compreendida como incluindo variações, que podem
ou não levar à mudança, como querem os sociolinguistas. Assim, embora o
arcabouço abstrato das gramáticas das línguas seja, grosso modo, predizível, como
querem os gerativistas, as formas pelas quais ele se manifesta (incluindo
estruturas ou construões gramaticais) se organizam sintagmaticamente e
paradigmaticamente, permitindo um fluir no sentido do mais estruturado, mais
predizível, mais compacto, mais econômico, embora novas formas continuem
eclodindo e passando pelo mesmo fluir, o que garante a perenidade e a
funcionalidade natural das línguas;
e) identificação e caracterização de mecanismos que os elementos perpassam
no seu fluir, prevendo parâmetros de avaliação dessa implementação (cf., por
exemplo, LEHMANN, 1982).
Como já manifestado em outros momentos (cf., por exemplo, COSTA, 2006,
p. 298-299), consideramos que, no tratamento da cadeia da unidirecionalidade,
estão inter-relacionados três tipos de continuum: o continuum conceitual, que
identificamos como de tipo a; o continuum morfossintático, que identificamos
como de tipo b, e o continuum do tipo c, relacionado à possível seqüência na
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aplicação diacrônica dos mecanismos de gramaticalização, esse sobre o que menos
se reflete. Caracterizamos a seguir os dois primeiros tipos:
iii) do latim ao português (fīnĭs, mănŭs, pāssŭs, pūnctă, mēns, āctŭālĭs,
bāssŭs, dērětrāriŭs, vīstă)
iv) já no português (cima, fim, fundo, logo, mão, grande, novo, próximo,
antes, este, ali, ainda, perto, sempre, trás)
O espaço de que dispomos agora não nos permite reflexões
pormenorizadas sobre o percurso de todas as fontes. Contudo, destacaremos aqui
algumas que podem representar maior dificuldade de acompanhamento apenas
pelos quadros ou que apresentem particularidades que os quadros não podem
captar:
a) A fonte cyma nome latino, ‘pimpolho, renovo, grelo de plantas’
(SARAIVA, s.d., s.v. cyma), é proveniente de kyma, nome grego, ‘onda, vaga,
qualquer produção, animal ou vegetal’. (HOUAISS, 2001, s.v.cima). Segundo
Houaiss, no latim vulgar o termo assumiu (metonimicamente, acrescemos) o
sentido de “o que avulta à superfície, extremidade, parte superior ou mais alta das
coisas” e, no português arcaico, significou (pelo deslizamento metafórico espaço
→ tempo, acrescemos) “cobro, remate, termo”, sendo citada uma expressão
exemplificativa, “dar cima a um mal-entendido”. Mattos e Silva (1989, p. 249)
também registra a ocorrência de aa cima, com esse último sentido, no século XIV.
(1) E aa cima a piedade venceu a homildade (MATTOS E SILVA, 1989:250).
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b) A fonte pittaccium,–ii, nome latino, ‘rótulo, emplastro, pequeno escrito’,
provém do grego pittákion, ‘pano sobre o qual se estende um emplastro’. Sofreu,
portanto, processo metonímico do grego ao latim e, já em português assume o
sentido temporal que capturamos no séc. XVI:
(2) ...e comecaram asaltar e dançar huũ pedaço (Carta de Pero Vaz Caminha, fl.5, ls.29-30).
c) A fonte latina agina, ‘encaixe ou buraco em que se move o travessão da
balança’, é, segundo Machado (1965, s.v. asinha), proveniente da forma feminina
de *aginus, adjetivo derivado do verbo āgō, no sentido de ‘pesar’. Assumiu
também em latim, segundo Machado, a acepção de ‘balança’, num rico jogo
metonímico, portanto. Para Corominas e Pascual (1980-1991, s.v. aína) ăgīnā é
nome do latim vulgar, ‘atividade’, derivado, por abstração, do sentido de ăgěre, na
acepção de ‘conduzir, empurrar’, e é o étimo de ajinha (~asinha), advérbio
trasmontano, ‘imediatamente, pronto’. Lembram, também, a existência do verbo
ăgĭnāre, ‘agitar-se’, documentado em Petrônio, e as formas hispânicas ajinarse,
‘apressar-se’ e aginhado, ‘apressado’. Curioso que tão rica história semântica e
morfossintática se tenha esvaído no português, talvez devido à intensa formação
de novos adverbiais locucionais, como depressa, que não fez parte dos adverbiais
que analisamos.
d) Tarde aparece duas vezes como fonte, sendo uma como o adverbial
latino, tārdē, que nos deu o adverbial tarde, e outra como o nome português tarde,
que nos deu as locuções à tarde, de tarde, pela tarde. Observe-se que, em latim, o
adverbial desliza semanticamente de um adverbial temporal de aspecto,
fronteiriço de modo (‘lentamente’) para um adverbial de localização temporal
(‘após o termo de algum evento’), sentido que continua em português. Mas o
português produziu um substantivo cognato tarde, com o sentido de ‘parte do dia
após o meio-dia’ que, por sua vez, produziu os citados adverbiais temporais.
Assim, este é um caso interessante para a avaliação da unidirecionalidade quanto
ao continuum do tipo b (morfossintátrico), visto que o português “tirou” um
substantivo provavelmente do sentido de um adverbial. A esse respeito, temos
uma posição já expressa em outra oportunidade (cf. COSTA, 2006, p. 307-309).
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Alguns outros adverbiais que aqui trouxemos mereceriam também estudo
quanto a seus percursos semânticos, o que ficará para uma próxima oportunidade.
Deles, destacamos acolá, jamais, nelhures, ontem e os derivados de māněană, cujas
histórias são particularmente interessantes para estudo sob a ótica da Teoria da
Gramaticalização.
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