1 Funções renais, anatomia e processos básicos O estudante deve entender o papel dos rins na manutenção da saúde. Estabelecer as sete principais funções dos rins. Definir o conceito de equilíbrio. O estudante deve entender a constituição estrutural dos rins, seu suprimento sangüíneo e a relação entre seus principais componentes funcionais. Definir a estrutura básica e suas inter-relações: pelve renal, cálices, pirâmides renais, medula renal (zonas interna e externa), córtex renal, papila. Definir os componentes do néfron e suas inter-relações: corpúsculo renal, glomérulo, néfron e sistema de ductos coletores. Determinar a relação entre glomérulo, cápsula de Bowman e túbulo proximal. Descrever as três camadas que separam o lúmen capilar glomerular e o espaço de Bowman; definir podócitos, processos podais e fendas de filtração. Definir células glomerulares mesangiais e enumerar suas funções e localizações no glomérulo. Listar individualmente os segmentos tubulares em ordem; estabelecer os segmentos que formam o túbulo proximal, a alça de Henle e o sistema de ductos coletores; definir células principais e células intercaladas. Listar em ordem os vasos através dos quais o sangue flui desde a artéria renal até a veia renal; comparar o suprimento de sangue para o córtex e para a medula; definir vasos retos e feixes vasculares. Descrever, em termos gerais, as diferenças entre néfrons cortical, meio-cortical e justamedular. Definir aparelho justaglomerular e descrever seus três tipos celulares; determinar a função das células granulares. O estudante deve entender como os rins manejam substâncias para alcançar seu equilíbrio. Definir os processos renais básicos: filtração glomerular, reabsorção tubular e secreção tubular. Definir o metabolismo renal de uma substância e dar exemplos. Objetivos
6ª edição Cap 01 - Funções renais, anatomia e processos básicos
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1Funções renais, anatomia
e processos básicos
O estudante deve entender o papel dos rins na manutenção da saúde.
� Estabelecer as sete principais funções dos rins.� Definir o conceito de equilíbrio.
O estudante deve entender a constituição estrutural dos rins, seu suprimento sangüíneo ea relação entre seus principais componentes funcionais.
� Definir a estrutura básica e suas inter-relações: pelve renal, cálices, pirâmides renais,medula renal (zonas interna e externa), córtex renal, papila.
� Definir os componentes do néfron e suas inter-relações: corpúsculo renal, glomérulo,néfron e sistema de ductos coletores.
� Determinar a relação entre glomérulo, cápsula de Bowman e túbulo proximal.� Descrever as três camadas que separam o lúmen capilar glomerular e o espaço de
Bowman; definir podócitos, processos podais e fendas de filtração.� Definir células glomerulares mesangiais e enumerar suas funções e localizações no
glomérulo.� Listar individualmente os segmentos tubulares em ordem; estabelecer os segmentos
que formam o túbulo proximal, a alça de Henle e o sistema de ductos coletores; definircélulas principais e células intercaladas.
� Listar em ordem os vasos através dos quais o sangue flui desde a artéria renal até aveia renal; comparar o suprimento de sangue para o córtex e para a medula; definirvasos retos e feixes vasculares.
� Descrever, em termos gerais, as diferenças entre néfrons cortical, meio-cortical ejustamedular.
� Definir aparelho justaglomerular e descrever seus três tipos celulares; determinar afunção das células granulares.
O estudante deve entender como os rins manejam substâncias para alcançar seu equilíbrio.
� Definir os processos renais básicos: filtração glomerular, reabsorção tubular e secreçãotubular.
� Definir o metabolismo renal de uma substância e dar exemplos.
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Os rins realizam uma grande variedade de funções para o organismo, sendo que
a maioria delas é essencial para a vida. Algumas funções renais possuem conexões
lógicas e necessárias entre elas. Outras aparentam ser totalmente independentes. A
maioria envolve a combinação entre a excreção e a reabsorção renal de substâncias
para fora e para dentro do organismo (produzindo um balanço entre entrada e saída).
FUNÇÕES
A visão popular considera o rim um órgão primariamente responsável pela
remoção de restos metabólicos do corpo. Apesar de essa ser certamente uma fun-
ção do rim, há outras funções também importantes.
Função 1: Regulação do equilíbrio hídrico e eletrolítico
O conceito de equilíbrio estabelece que nosso organismo está em equilíbriopara qualquer substância quando a entrada e a saída dessa substância estão
igualadas. Qualquer diferença entre a entrada e a saída leva a aumento ou
diminuição na quantidade de determinada substância dentro do corpo. Nossa ingestão
de água e eletrólitos é muito variável, havendo situações em que pode ser “força-
da” em resposta às necessidades do organismo. Embora bebamos água quando
estamos com sede, bebemos muito mais por ser um componente das bebidas que
consumimos do que por razões de hidratação. Também consumimos alimentos para
prover energia, mas alimentos freqüentemente contêm grandes quantidades de água.
O rim responde variando a eliminação de água na urina, mantendo desse modo o
equilíbrio de água (o conteúdo total de água no organismo se mantém constante).
Minerais como sódio, potássio, magnésio e outros são componentes dos alimentos e
geralmente estão em excesso, se analisadas as necessidades do organismo. Assim como
em relação à água, os rins excretam minerais em quantidades muito variáveis que, no
geral, igualam a entrada. Um dos aspectos mais interessantes do rim é a sua capacida-
de de regular cada um desses minerais independentemente (podemos estar fazendo
uma dieta com alto sódio e baixo potássio ou uma dieta com baixo potássio e alto
sódio, e os rins ajustam apropriadamente a excreção de cada uma dessas substâncias1).
1Um ponto a ser enfatizado, e que geralmente é mal-compreendido, é que quando se tem um nível excepcional-mente alto ou baixo de alguma substância em nosso organismo em relação ao normal, isso não significa queestamos constantemente em desequilíbrio. Para aumentar o nível de uma substância no organismo, devemosestar provisoriamente num equilíbrio positivo. Entretanto, assim que o nível alcançar valor constante, comentrada e saída iguais, estamos de volta ao equilíbrio. Considere o caso da uréia, uma substância que o fígadoproduz continuamente. Em condições normais, o rim excreta uréia na mesma taxa em que é sintetizada noorganismo. Estamos normalmente em equilíbrio para a uréia. Se ocorre dano aos rins, a excreção é brevementediminuída, e a uréia se acumula no corpo. Os altos níveis de uréia no sangue restabelecem a excreção renal deuréia para o valor anterior, apesar do dano renal, e estamos de volta ao equilíbrio, mesmo com a manutenção deníveis aumentados no sangue. O mesmo se aplica a substâncias mais complexas, como ácidos ou bases. Quandoapresentamos acidose metabólica, a entrada de ácidos temporariamente excede a sua eliminação. Isso leva aoacúmulo de ácidos, o qual estimula a excreção renal de ácidos. Logo a excreção se iguala à entrada (estamos devolta ao equilíbrio), mas ainda resta elevada quantidade de ácidos no organismo.
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Função 2: Excreção de restos metabólicos
Nosso organismo forma continuamente produtos finais dos processos meta-
bólicos. Na maioria dos casos esses produtos são inúteis e prejudiciais em altas
concentrações. Alguns desses produtos incluem uréia (das proteínas), ácido úrico
(dos ácidos nucléicos), creatinina (da creatina muscular), os produtos finais da
quebra da hemoglobina (o que dá à urina muito da sua coloração) e os metabólitos
de vários hormônios, entre muitos outros.
Função 3: Excreção de substâncias bioativas (hormônios e muitas substânciasestranhas, especialmente fármacos) que afetam a função do corpo
Os médicos devem estar cientes de quão rápido os rins excretam fármacos
para prescrever a dose que irá alcançar os níveis apropriados no organismo. Os
hormônios no sangue são removidos de várias maneiras, principalmente no fígado,
mas alguns são removidos em paralelo por processos renais.
Função 4: Regulação da pressão sangüínea arterial
Embora muitas pessoas compreendam ao menos vagamente que os rins
excretam substâncias residuais, como uréia (daí o nome urina) e sais, pou-
cos se dão conta do papel essencial dos rins no controle da pressão san-
güínea. A pressão sangüínea depende fundamentalmente do volume de sangue, e
a manutenção do equilíbrio de sódio e água pelos rins acaba regulando o volume
de sangue. Dessa maneira, por meio do controle do volume, os rins participam do
controle da pressão sangüínea. Eles também participam da regulação da pressão
sangüínea via geração de substâncias vasoativas que regulam o músculo liso dos
vasos periféricos.
Função 5: Regulação da produção de células vermelhas do sangue
A eritropoietina é um hormônio peptídico que está envolvido no controle da
produção de eritrócitos (células vermelhas do sangue) pela medula óssea. Sua maior
fonte são os rins, embora o fígado também secrete pequenas quantidades. As célu-
las renais que a secretam são um grupo particular de células do interstício. O estí-
mulo para a sua secreção é a redução da pressão parcial de oxigênio nos rins, como
ocorre, por exemplo, em situações de anemia, hipoxia arterial e fluxo sangüíneo
renal inadequado. A eritropoietina estimula a medula óssea a aumentar sua produ-
ção de eritrócitos. Doenças renais resultam na diminuição da secreção de eritro-
poietina, e a decorrente diminuição da atividade da medula óssea é um importante
fator causador da anemia da doença renal crônica.
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Função 6: Regulação da produção de vitamina D
Quando pensamos na vitamina D, geralmente lembramos da luz solar ou de
aditivos do leite. A síntese in vivo de vitamina D envolve uma série de transforma-
ções bioquímicas, sendo que a última ocorre nos rins. A forma ativa da vitamina D
(1,25-dihidroxivitamina D3) é de fato produzida nos rins, e sua taxa de síntese é
regulada por hormônios que controlam o equilíbrio de cálcio e fosfato.
Função 7: Gliconeogênese
Nosso sistema nervoso central utiliza obrigatoriamente a glicose sangüínea
tanto se acabamos de comer um açucarado sonho quanto se estamos sem comida
por uma semana. Sempre que a ingestão de carboidratos é interrompida por muito
mais do que meio dia, nosso organismo começa a sintetizar glicose nova (processo
chamado de gliconeogênese) a partir de fontes sem carboidratos (por exemplo,
aminoácidos das proteínas e glicerol dos triglicerídeos). A maior parte da glico-
neogênese ocorre no fígado, mas uma substancial fração ocorre nos rins, particu-
larmente durante o jejum prolongado.
Muito do que os rins fazem de fato para realizar as funções já mencionadas
envolve transporte de água e solutos entre o sangue que flui através dos rins e o
lúmen dos túbulos (néfrons e túbulos coletores que correspondem à massa funcio-
nal dos rins). O lúmen de um néfron é topologicamente fora do corpo, e qualquer
substância nesse lúmen que não é transportada de volta ao sangue é eventualmen-
te excretada na urina. À medida que estudamos a função renal em maior detalhe,
constantemente nos referimos à estrutura tubular e à vascularização em sua volta.
Por isso, na seção seguinte, apresentaremos os aspectos essenciais da anatomia
renal necessários para descrever as suas funções.
ANATOMIA DOS RINS E DO SISTEMA URINÁRIO
Os dois rins situam-se fora da cavidade peritoneal, junto à parede abdominal
posterior, um de cada lado da coluna vertebral. Cada um dos dois rins é uma estru-
tura em forma de feijão. A superfície externa convexa e arredondada de cada rim
está posicionada lateralmente, e a superfície côncava, chamada de hilo, é medial.
Cada hilo é penetrado por uma artéria renal, veia renal, nervos e um ureter, que
conduz a urina do rim para a bexiga. Cada ureter dentro do rim é formado por
cálices maiores, que, por sua vez, são formados por cálices menores. Os cálices são
estruturas em forma de funil, que se encaixam sobre um tecido renal adjacente em
forma de cone chamado pirâmide. O topo de cada pirâmide é chamado de papila e
se projeta para um cálice menor. Os cálices agem como copos coletores da urina
formada pelo tecido renal nas pirâmides. As pirâmides estão arranjadas radialmen-
te ao redor do hilo, com a papila apontando em direção ao hilo e as bases das
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mesmas voltadas para fora, no sentido do ápice para a extremidade inferior do rim
(como o sentido dos ponteiros do relógio, indo da posição de 12 horas para a
posição de 6 horas). As pirâmides constituem a medula do rim. Por fora do tecido
medular está o córtex, e cobrindo o tecido cortical na superfície mais externa está
uma fina cápsula de tecido conjuntivo (Figura 1.1).
FIGURA 1.1A, o sistema urinário. A urina formada pelo rim é recolhida na pelve renal e então flui através do ureter até a
bexiga, de onde é eliminada via uretra. B, corte de rim humano. Metade do rim foi eliminado. Note que a
estrutura mostra diferenças regionais. A parte externa (córtex) contém todos os glomérulos. Os ductos
coletores formam uma grande porção do interior do rim (medula), dando aspecto semelhante a pirâmides,
que desembocam na pelve renal. A papila está na porção interna da medula.
A
B
Pelve renal
Ureter
Bexiga
Uretra
Rim
Córtex
Papila
Cálice
Pelve renal
Ureter
Medula
(pirâmides
renais)
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A massa de tecido funcional tanto do córtex quanto da medula é constituída
principalmente por túbulos (néfrons e túbulos coletores) e vasos sangüíneos (vasos
capilares e semelhantes a capilares). Túbulos e vasos sangüíneos estão entrelaça-
dos ou dispostos em arranjos paralelos e, em ambos os casos, estão sempre perto
uns dos outros. Entre os túbulos e os vasos sangüíneos está o interstício, que
corresponde a menos de 10% do volume renal total. O interstício contém células
intersticiais espalhadas (fibroblastos e outras) que sintetizam uma matriz extra-
celular de colágeno, proteoglicanos e glicoproteínas.
O córtex e a medula apresentam diferentes propriedades tanto estruturais
quanto funcionais. Numa visão mais aproximada, vemos que (1) o córtex
possui aparência altamente granular, ausente na medula, e (2) cada pirâ-
mide medular é dividida em zona externa (adjacente ao córtex) e zona interna,
que inclui a papila. Todas essas distinções refletem a disposição dos vários túbulos
e vasos sangüíneos.
O NÉFRON
Cada rim contém aproximadamente 1 milhão de néfrons, sendo um deles
mostrado esquematicamente na Figura 1.2. Cada néfron apresenta um com-
ponente esférico filtrante, chamado de corpúsculo renal, e um túbulo es-
tendendo-se a partir do corpúsculo renal. Vamos iniciar com o corpúsculo renal,
que é responsável pela etapa inicial na formação de urina: a separação de um
filtrado do plasma livre de proteínas.
O corpúsculo renal
O corpúsculo renal consiste em um tufo compacto de alças capilares interconec-
tadas, o glomérulo ou capilares glomerulares, rodeado por uma cápsula oca em
forma de balão: a cápsula de Bowman (Figura 1.3). O sangue entra e sai da cápsula
de Bowman através de arteríolas que penetram na superfície da cápsula pelo pólo
vascular. Um espaço preenchido com fluido (o espaço urinário do espaço de
Bowman) existe dentro da cápsula, e é para dentro desse espaço que o filtrado flui.
Oposto ao pólo vascular, a cápsula de Bowman possui uma abertura que leva à
primeira porção do túbulo (ver Figura 1.3, parte inferior).
A barreira de filtração no corpúsculo renal através da qual todas as substâncias
filtradas devem passar consiste em três camadas: o endotélio dos capilares glo-
merulares, uma membrana basal bastante espessa e uma camada simples de célu-
las epiteliais (Figura 1.4). A primeira camada, as células endoteliais dos capilares,
é perfurada por muitas fenestras amplas (janelas), como uma fatia de queijo suíço,
e é livremente permeável a tudo no sangue, exceto células vermelhas e plaquetas.
A membrana basal no meio não é propriamente uma membrana, no sentido de
uma bicamada lipídica, mas uma malha acelular semelhante a um gel de
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FIGURA 1.2Relações entre as partes componentes de um néfron de alça longa, o qual foi “desenrolado” para maior
clareza (os comprimentos relativos dos diferentes segmentos não estão desenhados em escala). A combina-
ção do glomérulo e da cápsula de Bowman forma o corpúsculo renal.
Ducto
papilar
Túbulo
contorcido
proximal
Túbulo
contorcido
distal
Porção inicial do ducto
coletor corticalMácula
densa
Cápsula de
Bowman
Túbulo
conector
GloméruloDucto coletor
cortical
Arteríolas
aferente e
eferente
Túbulo
proximal
reto
Segmento espesso
ascendente da alça
de Henle
Ducto coletor
medular
Segmento delgado
descendente da
alça de Henle Segmento delgado
ascendente da
alça de Henle
glicoproteínas e proteoglicanos, como uma esponja de cozinha. As células epiteliais
que estão apoiadas na membrana basal e voltadas para o espaço de Bowman são
chamadas podócitos. Elas são bastante diferentes das células relativamente simples
e achatadas que revestem a parte de fora da cápsula de Bowman. Os podócitos
apresentam uma estrutura incomum, semelhante a um polvo. Pequenos “dedos”,
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FIGURA 1.3Diagrama da secção longitudinal de um glomérulo e seu aparelho justaglomerular (JG). O aparelho JG con-
siste em células granulares (CG), que secretam renina, mácula densa (MD) e células mesangiais extraglo-
merulares (MEG). E, endotélio dos capilares; AE, arteríola eferente; AA, arteríola aferente; EP, epitélio parietal
(externo) do espaço de Bowman; PO, podócitos da cápsula de Bowman; MBG, membrana basal glomerular;
EU, espaço urinário; M, Mesângio; E, células endoteliais; P, células do tubo proximal. (Reproduzido, com
permissão, de Kriz W et al. Em: Davidson AM, ed. Proceedings of the 10th International Congress on