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v. 1, n. 2 - jul-out de 2010, p. 7-30.
FILOSOFIA, DIVERSIDADE E A QUESTO DO NEGRO:
ARGUMENTOS CRIADOS NO SEIO DA FILOSOFIA PODEM NOS
AUXILIAR A ENTENDER A QUESTO RACIAL CONTEMPORNEA?
Gislene Aparecida dos Santos1
Resumo: Neste artigo, apresento algumas discusses inspiradas nas
questes propostas pela
filosofia (e pelo questionamento de teorias filosficas) que
podem ser importantes para a
construo de um conhecimento crtico sobre as questes raciais. So
discutidas a crtica
racionalidade instrumental e a crtica do conhecimento focalizado
somente em categorias
eurocentradas. Como alternativa a isso, proponho construir novas
formas de pensar que focalizem
a valorizao da diversidade.
Palavras-Chave: filosofia, diversidade, negro, conhecimento,
reconhecimento.
PHILOSOPHY, DIVERSITY AND THE BLACK QUESTION: CAN ARGUMENTS FROM
PHILOSOPHY
HELP US UNDERSTAND THE CONTEMPORARY RACIAL DISCUSSION?
Abstract: In this article, I present some discussions inspired
by the questions posed by
philosophy (and the questioning of philosophical theories) that
may be important for building a
critical knowledge about racial issues. I discuss the criticism
of instrumental rationality and the
criticism of knowledge focused only on Euro-centric categories
of thinking. As an alternative to
that, I propose to build new ways of thinking focused on the
appreciation of diversity.
Key Words: philosophy, diversity, black people, knowledge,
recognition.
FILOSOFIA, DIVERSIDAD Y LA CUESTIN DE NEGRO: ARGUMENTOS CREADOS
EN LA
FILOSOFA PUEDEN AYUDARNOS A CENTENDER LA QUESTIN RACIAL
ONTEMPORANEA?
Resumen: En este artculo, presento algunas discusiones
inspiradas en las preguntas formuladas
por la filosofa (y el cuestionamiento de las teoras filosficas)
que pueden ser importantes para
construir un conocimiento crtico sobre los problemas raciales.
Se discute la crtica de la
racionalidad instrumental y el conocimiento crtico slo se centra
en las categoras eurocentrada.
Como alternativa a esto, propongo para construir nuevas formas
de pensamiento que se centra en
valorar la diversidad.
Palabras clave: filosofa, la diversidad, el negro, el
conocimiento, el reconocimiento.
1 Livre docente pela Universidade de So Paulo (USP) e professora
associada da Escola de Artes,
Cincias e Humanidades, lecionando no curso de Gesto de Polticas
Pblica. Tambm professora
orientadora do Programa de Ps Graduao em Direito rea de
Concentrao em Direitos Humanos da Faculdade de Direito da
Universidade de So Paulo. Possui mestrado em Filosofia,
especializao em
epistemologia da psicologia e da psicanlise, doutorado em
Psicologia, ps-doutorado pelo Kings College
London e pela York University. E-mail: [email protected].
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8 Gislene Aparecida dos Santos v.1, n.2 jul. out. de 2010, p.
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INTRODUO
Os estudiosos da questo racial no Brasil tradicionalmente
realizam suas pesquisas
nas reas da Antropologia, Sociologia (ou cincias sociais) e
Histria. rara a
investigao desta temtica a partir da Filosofia. Acredita-se que
seria atributo da
Filosofia pensar idias e conceitos universais e atemporais
formulados e encadeados
dentro das obras dos filsofos. E o negro (os negros), sabe-se,
so pessoas, indivduos,
homens e, portanto, melhor compreendidos se estudados pelas
cincias que tratam de
homens, indivduos quer na histria quer na vida social. Tambm
comum se afirmar que
o pensamento filosfico opera de forma no alusiva, em sentido
indireto, a no-aluso
seria uma de suas chaves. E a questo do racismo e da discriminao
requereria, quase
sempre, uma fala direta, alusiva e, segundo esses, que impediria
ou empobreceria o
pensamento filosfico.
Esses, entre outros argumentos, tm impedido que pesquisadores da
Filosofia
reflitam sobre a questo racial e que pesquisadores sobre o
racismo se lancem
investigao filosfica. Ignora-se, assim, que pela Filosofia se
poderia compreender
como, por meio do racismo, se permite a desumanizao dos homens,
se entrelaam
teorias do pensamento autoritrio e uma ideologia que impregna as
sociedades e seus
indivduos de modo a faz-los reproduzir aquilo mesmo que os
nega.
Neste artigo, procuro mostrar que algumas discusses inspiradas
pela filosofia
(mas no exclusivamente por ela) podem ser importantes na
construo de um
conhecimento crtico sobre as questes raciais.
A RETOMADA DO SENSO COMUM E AS APORIAS DO MULTICULTURALISMO
Tema clssico para os estudiosos das teorias sociais e da
Filosofia, o
questionamento da validade do senso comum como fonte/produtor de
conhecimento volta
baila, inspirada por autores como Boaventura Sousa Santos (2002)
e Serge Moscovici
(2004). Tanto ao considerar a experincia e as aes sociais quanto
ao focalizar as
representaes sociais como fonte de um saber que no deve ser
desperdiado, esses
autores contestam o foco tradicional do conhecimento elaborado
por especialistas,
cientistas e filsofos e sugerem a existncia de um pensamento
social entranhado na
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vivncia do cotidiano, manifesto por meio de idias comuns a um
determinado grupo e
por meio das representaes que esse grupo elaboraria sobre si e
sobre o mundo.
Para Moscovici, a dualidade entre cincia ou ideologia (no
sentido marxista do
termo) seria uma reduo irreal, havendo nela um componente nunca
considerado o
senso comum. Nessa abordagem, o senso comum (ou pensamento
comum) seria edificado
a partir da observao, da experincia e do compartilhamento de uma
viso comum de
mundo que permitiria a construo de um discurso que, mesmo sob a
tica especializada,
considerado precrio e contingente, seria compreensvel e
suficiente para um conjunto
relativo de pessoas. Ou, nos dizeres de Oswaldo Porchat Pereira,
seria o discurso de todos
aqueles que se consideram homens comuns. Na exata medida em que
nos reconhecemos
uns aos outros como homens que vivem a experincia comum do
mundo, podemos falar
de uma viso comum do mundo, pressuposto irrecusvel dessa
experincia comum, assim
como da comunicao que nos une atravs de nosso discurso comum
(Pereira, 1994, p.
63).
Entretanto, o pensamento comum, edificado a partir de uma
experincia imediata
e espontnea do mundo, tem sido questionado pelos pensadores da
Filosofia que o
consideram uma iluso e/ou ideologia, por assumir como verdade
aquilo que est
circunstanciado e delimitado histrica, espacial e
subjetivamente, tomando como verdade
o que foi construdo apoiado em aparncias e comandado pela
imaginao que, sabe-se,
conduz os homens a acreditar ser sophia (sabedoria) ou episteme
(conhecimento) aquilo
que no passa de doxa (opinio).
Para Moscovici, esse conhecimento no pode ser reduzido
ideologia, pois
quando se estuda o senso comum, o conhecimento popular, ns
estamos estudando algo
que liga sociedade ou indivduos, a sua cultura, sua linguagem,
seu mundo familiar
(Moscovici, 2004, p. 322). Muito embora, tradicionalmente, o
senso comum seja
vinculado irracionalidade, o autor considera que ele nada tenha
de irracional e que seria,
outrossim, espao de um conhecimento consensual.
Enquanto o conhecimento cientfico tradicional se apoiaria em
investigaes que
se pretenderiam imparciais, independentes do sujeito que as
elaboraria e universais, o
conhecimento comum partiria do pressuposto de que seria
necessrio uma negociao e
uma aceitao mtua, ocorrendo, portanto, uma polifasia do
conhecimento.
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10 Gislene Aparecida dos Santos v.1, n.2 jul. out. de 2010, p.
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O primeiro procede, sistematicamente, da premissa para a
concluso e ele se
apia naquilo que ele considera puros fatos. O mtodo do segundo
no to
sistemtico; ele se apia na memria coletiva, no consenso. Mas o
que deve ser
enfatizado que ambos os modos de pensar esto baseados na razo.
O
pensamento do senso comum razovel, racional e sensvel... (Idem,
Ibidem, p.
323).
Boaventura Sousa Santos tambm parte da premissa de que a cincia
moderna
construiu-se em oposio ao senso comum, que foi por ela
considerado superficial,
ilusrio e falso. E faz eco s consideraes de Moscovici, ao
afirmar que o senso comum
to moderno quanto a cincia moderna, sendo ambos entidades
epistmicas uma
oposta a outra. Moscovici destacou o princpio da no-contradio
como alicerce do
conhecimento cientfico. Sousa Santos argumentar que as leis da
inteligibilidade
cientfica repousariam no conceito de causalidade desenvolvido
por Aristteles e segundo
o qual haveria quatro tipos de causas: a causa material, a
formal, a eficiente e a final. A
cincia moderna se assentaria na causa formal, que privilegiaria
o conhecimento do como
as coisas funcionariam em detrimento do conhecimento do agente e
das finalidades das
coisas. O senso comum faria coincidir a causa e a inteno e
estaria vinculado ao
humana como princpio criativo e de responsabilidade
individual.
Para Sousa Santos, o senso comum seria prtico e pragmtico,
reproduz-se
colado s trajectrias e s experincias de vida de um dado grupo
social e, nessa
correspondncia, inspira confiana e confere segurana (Santos,
2002, p.108). E tambm
seria transparente e evidente, desconfiando, por sua prpria
natureza, de um
conhecimento fechado sobre si mesmo, com uma linguagem que no
permitisse o acesso
irrestrito a ele. O senso comum indisciplinar e no-metdico; no
resulta de uma
prtica especificamente orientada para produzir; reproduz-se
espontaneamente no suceder
quotidiano da vida. O senso comum privilegia a aco que no
produza rupturas
significativas no real. O senso comum retrico e metafrico; no
ensina, persuade ou
convence (Idem, Ibidem).
Com base nessas observaes, Sousa Santos demonstra que o senso
comum, e
no o conhecimento cientfico, que ofereceria as condies para a
transformao da
ignorncia em saber solidrio. O conhecimento cientfico seria
totalitrio, na medida em
que negaria o carter racional a outras formas de conhecimento
que no se alicerassem
em seus pressupostos epistemolgicos. Por outro lado, o
conhecimento comum, ou o
senso comum, seria uma forma de enriquecer nossa relao com o
mundo, guardando
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feies utpicas e libertadoras, por no se constituir a partir das
relaes de causa-efeito
tradicionais e por considerar a intencionalidade e as
finalidades humanas. Por isso, o
senso comum est na base da reformulao epistemolgica proposta por
ele.
Ora, pode-se indagar como o senso comum se tornaria um paradigma
para a
transformao social ou se tornaria um conhecimento emancipatrio.
A resposta seria:
sendo ele prprio originrio da tpica dos grupos sociais. O senso
comum emancipatrio
um senso comum discriminatrio (ou desigualmente comum, se
preferirmos),
construdo para ser apropriado privilegiadamente pelos grupos
sociais oprimidos,
marginalizados ou excludos, e, de facto, alimentado pela prtica
emancipatria destes
(Idem, Ibidem, p. 109). O senso comum emancipatrio originrio da
confluncia dos
discursos consensuais dos diferentes grupos sociais que
reivindicam alguma forma de
transformao social. Haver senso comum emancipatrio quando os
topoi2
emancipatrios desenvolvidos numa dada comunidade interpretativa
encontrarem
traduo adequada nos topoi de outras comunidades e se
converterem, assim, em topoi
gerais (Idem, Ibidem, p. 111). Isso ocorre, por exemplo, quando
a tpica assumida por
um grupo especfico (o autor cita como exemplo os movimentos
feministas, mas
considera que o mesmo pode ocorrer com todas as tpicas
emancipatrias) expande seu
espao domstico, local e encontra traduo no espao da produo, do
mercado, da
cidadania, da comunidade e no espao mundial. Quanto maior for o
domnio tpico
influenciado pelos topoi emancipatrios, maior ser o senso comum
emancipatrio
(Idem, Ibidem).
Dessa forma, percebe-se que (alicerado em um conhecimento
como
emancipao) o conceito de senso comum emancipatrio desenvolvido
por Sousa Santos
recupera e valoriza a aes coletivas como foco de transformao
social. De um
conhecimento-como-regulao para um conhecimento-como-emancipao o
trnsito no
apenas epistemolgico, tambm um trmite entre conhecimento e ao
(Santos,
1999, p. 110). Ao aqui entendida como ato de rebeldia, como
ao-com-clinamen.3 A
2 Os topoi so os lugares onde se fala e os argumentos que so
escolhidos ou so mobilizados para se falar
desse lugar de modo a se fazer entender, dialogar e convencer
uma platia ou uma comunidade de ouvintes.
So os lugares-comuns a essa comunidade, ou os pontos de vistas
aceitos nela e por ela acerca de
determinados contedos. Recurso da retrica clssica contempornea,
Sousa Santos utiliza o conceito de
topoi para defender a necessidade da construo de uma novssima
retrica baseada numa argumentao
dialtica na qual os lugares do orador e do auditrio sejam
mveis.
3 A ao com clinamen aquela que brota onde no seria esperado que
brotasse, o movimento que existe
apesar de todas as adversidades e a prpria luta coletiva contra
a ordem opressora, apesar da ordem
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reformulao epistemolgica seria, ento, no s forma de reinveno da
democracia,
mas tambm uma forma de conhecimento solidrio. Sendo uma revoluo
cientfica que
ocorre numa sociedade ela prpria revolucionada pela cincia, o
paradigma a emergir
dela no pode ser apenas um paradigma cientfico (o paradigma de
um conhecimento
prudente), tem de ser tambm um paradigma social (o paradigma de
uma vida decente)
(Idem, Ibidem, p. 74).
Partindo desses pressupostos, haveria uma confluncia entre a
proposio feita
pelos tericos que valorizam o senso comum como forma de
emancipao e aqueles que
defendem o multiculturalismo como afirmao do direito ao
reconhecimento e
expresso dos diferentes grupos socioculturais, principalmente no
sentido de
multiculturalismo oferecido por autores que defendem que o
respeito dignidade dos
diferentes resulte na efetivao de um ideal cvico comunitrio, de
bem comum.
Contudo, essa passagem no tranquila, j que a simples assuno da
rubrica
multicultural ou do multiculturalismo no oferece garantia para a
construo de uma
sociedade democrtica ou para a reformulao epistemolgica que
daria voz aos topoi dos
grupos excludos e que poria fim hegemonia de um pensamento
eurocentrado.
Radicalizando a proposta multicultural, o afrocentrismo
considera que enquanto a
construo terica sobre negros e afrodescendentes, sobre a frica e
a Dispora, no
colocar em xeque os conceitos, a epistemologia e a racionalidade
eurocentrada,
correremos o risco de continuar a reproduzir duplos de discursos
racistas pautados nas
mesmas categorias da razo e das epistemologias eurocntricas.
Elisa Larkin do
Nascimento salienta que:
a cultura universal do modelo liberal pressupe um jogo poltico
em que todos
participem em condies de igualdade. (...) Para oferecer a uma
identidade
subordinada iguais condies de competir nesse jogo democrtico,
impe-se a
necessidade de quebrar a hegemonia da identidade dominante, a
brancura
eurocentrista, construda com tamanha solidez e a tal ponto
reforada que reina
silenciada sem ser percebida (Nascimento, 2003, p. 94).
Para essa autora, somente o afrocentrismo seria capaz de
reverter essa perspectiva,
no que diz respeito construo de um conhecimento do negro sobre o
mundo. Assumir
uma perspectiva afrocentrada, ou afrocntrica, permitiria no
somente uma leitura das
opressora. Por isso, Sousa Santos considera a valorizao da
experincia e a recuperao do senso comum
como fonte de conhecimento til.
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contribuies que as culturas negras da frica e da Dispora
oferecem e ofereceram,
mas tambm permitiria uma leitura africana e diasprica de toda a
produo cultural.
O afrocentrista priorizaria a desconstruo dos conceitos
dominantes de histria e
cultura africanas, distorcidas pelo eurocentrismo, e a
reconstruo dos contedos por eles
encobertos (...) Por isso, a proposta da afrocentricidade
resultou na fundao de escolas
afrocentradas e no desencadeamento de um movimento amplo na rea
da educao.
(Idem, Ibidem, p. 97-98).
Na mesma perspectiva, Gonalves e Silva, retomando o estudo de
Willinsky
acerca de Taylor, afirmam:
No basta oferecer aos alunos, salienta ele, a possibilidade de
em estudo
comparativo das diferentes culturas para que eles apreendam seu
valor relativo.
Nessa perspectiva, bastante arguta sua crtica [de Willinsky]
posio do
filsofo Charles Taylor, que defende uma postura relativista no
trato com as
diferentes culturas, porque acredita ser possvel, por meio dela,
reduzir o
etnocentrismo.
(...) dependendo de como isto feito, a comparao leva
fatalmente
supervalorizao do Ocidente.
(...) O segundo problema apontado por Willinsky, quanto postura
relativista de
Taylor, nosso conhecido de longa data. O autor a chama de
esforos protomulticulturais cujo objetivo ensinar aos jovens como
os diferentes povos que constituem sua nao contriburam para
constru-la. Ele cita ironicamente
iniciativas que buscavam fazer estudantes canadenses aprenderem
como os nativos americanos introduziram o milho, a batata, o tomate
e o tabaco no
Ocidente, como se isso pudesse reduzir algum etnocentrismo. No
Brasil, essas iniciativas que, na verdade, minimizam a contribuio
dos povos na construo da
nao, focalizaram ndios e africanos (Gonalves e Silva, 2003, p.
114).
No se trataria somente de fuses de horizontes com a construo de
novos
vocabulrios de comparao, por meio dos quais poderamos nos
movimentar com mais
desenvoltura na comparao entre culturas diferentes. A demanda
dos jovens (sob a gide
do reconhecimento) se refere ao manejo e distribuio do poder
associados construo
dos cnones e a tudo que se vincula valorizao daquilo que se
configura como
conhecimento.
A presena de sujeitos negros dentro do espao de produo de
conhecimentos
decisria para que ele seja transformado. No somente sua presena,
mas a possibilidade
de que, eles prprios (como intelectuais orgnicos ou simplesmente
como pessoas mais
atentas para a diversidade) ofeream novos sentidos quilo que a
academia j realizava,
mas de uma perspectiva que tida como equivocada porque
eurocentrada. A prpria
presena do diverso dentro do espao de produo do conhecimento,
seria ela mesma
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turbulenta o suficiente para alter-lo e para afetar modos de
pensar e contedos a serem
pensados. Essa , basicamente, a tnica do discurso do
multiculturalismo, em todas as
suas variveis.
A CRTICA DA RETOMADA DO SENSO-COMUM
Ao mencionar a discusso de Souza Santos e Moscovici, pretendi
deixar claro o
que tem sido compreendido por uma mudana de estruturas na forma
como o
conhecimento produzido-formulado-elaborado. Contudo, no creio
que a proposta feita
por Boaventura Santos, focalizando o conhecimento emancipatrio
por meio da
valorizao do senso comum e dos tpicos dos movimentos sociais,
tivesse como objetivo
o mundo acadmico ou universitrio. Ao contrrio, faz mais sentido
pensar que seu
intento fosse exatamente outro: o de desacreditar o mundo
acadmico como o nico e o
mais privilegiado lugar de saber-conhecimento. Nesse sentido,
seria permitido (guardadas
as diferenas bsicas) recuperar a idia formulada por Chau acerca
de um discurso
competente, que silenciaria todas as outras falas. Chau
considera que o discurso
competente aquele que pode ser proferido, ouvido e aceito como
verdadeiro ou
autorizado:
O discurso competente o discurso institudo. aquele no qual a
linguagem sofre
uma restrio que poderia ser assim resumida: no qualquer um que
pode dizer
a qualquer outro qualquer coisa em qualquer lugar e em qualquer
circunstncia. O
discurso competente confunde-se, pois, com a linguagem
institucionalmente
permitida ou autorizada, isto , com um discurso no qual os
interlocutores j
foram previamente reconhecidos como tendo o direito de falar e
ouvir, no qual os
lugares e as circunstncias j foram predeterminadas para que seja
permitido falar
e ouvir e, enfim, no qual o contedo e a forma j foram
autorizados segundo os
cnones da esfera de sua prpria competncia (Chau, 1993, p.
7).
O discurso competente do ponto de vista do conhecimento o
discurso do
especialista que explica, ensina as pessoas como se relacionarem
com o mundo e entre
elas prprias e que desqualifica o social (os sujeitos sociais e
polticos) como capazes,
eles prprios, de oferecerem sentido ao mundo e serem eles mesmos
fonte de sentido, sem
a necessria racionalizao do especialista, que transforma a todos
em objetos sociais e
objetos para o seu conhecimento. Quando Souza Santos afirma que
as tpicas dos
movimentos sociais e o senso comum seriam os nicos com condies
de gerarem o
conhecimento solidrio, penso que seja a isso que esteja se
referindo. Esse conhecimento
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no estabeleceria hierarquias nem competncias, nem teria carter
totalitrio nem
totalizador e valorizaria a diversidade.
No entanto, no podemos nos esquecer de que a conceituao do senso
comum
como pensamento comum partilhado vai ao encontro das definies
elaboradas pelos
tericos da representao social, na rea da Psicologia. Muito
embora se considere que a
temtica das representaes sociais deva muito a Durkheim, os
autores da rea da
Psicologia Social iro se afastar das discusses positivistas e
consideraro que:
o importante a natureza da mudana atravs da qual as representaes
sociais se
tornam capazes de influenciar o comportamento do indivduo
participante de uma
coletividade. dessa maneira que as coisas so criadas,
internamente,
mentalmente, pois dessa maneira que o prprio processo coletivo
penetra, como
o fator determinante, dentro do pensamento individual
(Moscovici, 2004, p. 40).
Essa organizao mental aquela que permite tornar familiar o que
no familiar.
Afastar sentimentos angustiantes e sensaes de desconforto, por
meio do processo de
ancoragem e da objetivao. A ancoragem, nada mais do que o
exerccio mental por
meio do qual se tenta encaixar o que no familiar. E a objetivao
seria a maneira por
meio da qual tornaramos concretas e visveis realidades abstratas
de difcil compreenso,
associando essas idias a imagens j conhecidas.
Todo conhecimento seria um processo de ancoragem, ou seja, uma
maneira de
traduzir aquilo que investigamos em uma linguagem que nos seja
familiar. Entretanto, h
um grande risco quando passamos a acreditar que a ancoragem deva
tomar o lugar da
problematizao, tradicionalmente associada construo do pensamento
cientfico;
quando passamos a desejar o apaziguamento em vez da indagao e
dos questionamentos
que geram inquietude, mas nos fazem sair do lugar comum em busca
de respostas em
lugares inusitados.
Miriam Chnaiderman e Octvio de Souza (ambos discutidos por
Santos, 2004)
consideram que esse processo de traduo do estranho em algo
familiar pode ser uma
das formas utilizadas para a construo do racismo. A produo do
outro como diferente
e ameaador a forma que temos para adquirir segurana diante de
nossa prpria
estranheza, diante de nossa impossibilidade de reconhecer em ns
mesmos contedos que
nos horrorizariam. Ento, se projeta no Outro, inventado por ns,
tudo aquilo que no
gostaramos de ver reconhecido em ns mesmos. E, para objetivarmos
esse sentimento de
to difcil decodificao, transformamos o Outro em imagem. O lado
negro, o lado
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escuro, a sombra... No toa essas imagens teriam sido associadas
aos povos africanos e
aos indivduos negros. O racismo equivale projeo que se faz de
todas as
caractersticas e valores negativos que os humanos possuem em um
Outro (o negro, o
judeu) que passariam a representar toda a negatividade.
A operao que viabilizaria a percepo dessa projeo seria aquela
que, por um
lado, possibilitaria a ressignificao do Eu e do Outro, de modo
que os sujeitos pudessem
reincorporar (enxergar como contedos seus) os valores tanto
positivos quanto negativos.
Na impossibilidade de realizar esse processo de incorporao, os
humanos, ainda
ameaados pela sua prpria estranheza, inventam a figura do extico
e criam o racismo
como maneiras para lidarem com o Outro, que seria considerado
ameaador. O processo
de tornar o estranho algo familiar, o processo da ancoragem,
tambm pode permitir a
duplicao de preconceitos e estereotipias.
No pretendo aqui retomar a discusso sobre essa temtica, visto j
t-la realizado
com mais vagar em outros trabalhos. Porm, quero destacar que
nesse sentido que
alguns autores da filosofia condenam o senso comum como
repositrio de ideologias.
Ideologia entendida como pensamento fracionado, construdo de
modo a manter a
dominao social e o poder de uma classe sobre outras, de modo a
inculcar nos
dominados os mesmos valores, idias e conceitos da classe
dominante, tornando sua
forma de ser, ver, pensar, sentir no s hegemnica como tambm
universal.
Os estudos do negro (Black Studies) so o melhor lugar/rea para
percebermos a
complexidade dessa questo, visto nos permitirem compreender a
falcia de uma srie de
argumentaes, tanto no que diz respeito supremacia do intelectual
em referncia ao
homem comum quanto no que diz respeito articulao de tpicas
sociais a partir do
senso comum.
sabido que, antes de serem dispersos no mundo social sob a forma
de senso
comum, houve um longo e intrincado processo de construo da
figura do negro como
inferior, por meio de argumentos elaborados pela Filosofia, pela
Antropologia, pela
Biologia, pela Psicologia... Poderamos, facilmente, afirmar que
esses contedos no so
propriamente cientficos, mas sim ideolgicos. Mas qual seria o
limite entre cincia e
ideologia e quem estaria habilitado a estabelec-lo?
A dificuldade para encontrar respostas a essas questes
dificuldades j
enunciadas por Mannheim, de acordo com a avaliao feita desse
terico por Paul
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Ricouer (1991) que faz com que hoje se considere parte da
efetivao da justia o
direito dos povos, grupos e discriminados escreverem a sua
prpria verso da histria e
confrontarem seus conhecimentos, tanto sobre si mesmos, quanto
sobre o mundo, queles
conhecimentos j estabelecidos pelo cnone acadmico e pela cincia
tradicional. E isso
se configura um terrvel dilema. Se, por um lado, os movimentos
sociais no podem
prescindir da possibilidade da articulao do pensamento comum
partilhado como forma
para se organizarem coletivamente; por outro lado, o prprio
senso comum pode ser o
veculo mais rpido e poroso de preconceitos e esteretipos sobre
os prprios movimentos
sociais. A construo de um pensamento comum partilhado (tanto
pelo homem comum
ou pelo senso comum quanto pelos intelectuais cercados por
discursos competentes)
pode no ir alm da construo de novos preconceitos. Por isso,
parte da demanda por
reconhecimento, principalmente entre intelectuais feministas, e
tem-se alicerado tanto na
incluso de novos contedos no cnone quanto na reconstruo de
teorias que
demonstrem como o conhecimento construdo, considerando o lugar
de quem elabora as
idias, o lugar que se ocupam no mundo, as representaes
construdas sobre ele e por
ele, de modo que se conceba que conhecer construir relaes.
Diante desse dilema, muitos optaram por, ao mesmo tempo, assumir
a tpica dos
movimentos sociais como quando afirmam o desejo de que seu
conhecimento reflita os
anseios de suas comunidades de origens, e tambm assumir o desejo
de partilhar desse
mundo de conceitos e idias hierarquizados e que demarcam espaos
para a
intelectualidade, a ao dos movimentos sociais e o pensamento no
sistematizado,
elaborado pelo homem comum. Por isso, afirmam tanto a tpica do
senso comum quanto
o seu oposto, que a valorizao do cnone, por meio da expresso de
demanda por sua
alterao.
Contudo, a busca por mudanas no cnone, simplesmente, cria novas
figuras de
poder, novas competncias e novos especialistas que iro operar
dentro da mesma
estrutura hierrquica. Fugindo dessa lgica maniquesta, no quero
dizer que isso seja
necessariamente bom ou ruim em si mesmo. A diversidade, dentro
do mundo acadmico
implica a possibilidade efetiva de incorporar novos elementos ao
cnone, de alter-lo e
ampli-lo a partir das contribuies de novos paradigmas. Alis,
dessa forma que o
mundo acadmico tem sobrevivido at os dias de hoje. Nesse
sentido, incorporar ao
cnone contedos das diferentes culturas africanas e indgenas,
questionar o carter da
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18 Gislene Aparecida dos Santos v.1, n.2 jul. out. de 2010, p.
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produo do conhecimento difundido nas universidades como sendo
orientado pela tica
masculina e branca fundamental, mas no altera as regras do jogo
que implica a
institucionalizao do conhecimento, a naturalizao da formao
escolar e seriada, a
valorizao dos especialistas e das autoridades.
Ao longo de sculos, o conhecimento produzido apareceu como
neutro, quando
sabemos que isso era e falso. A neutralidade, assim como a
imparcialidade, e a
autoridade so construes ideolgicas. Uma das grandes contribuies
que as discusses
sobre multiculturalismo nos oferece a de mostrar que todos os
saberes e culturas tm
direito mesma dignidade. Porm, a crtica feita a Taylor pelos
autores afrocentristas
que, de fato, ele no ofereceria o mesmo valor aos conhecimentos,
mantendo, dessa
forma, a hierarquia entre aqueles mais valorosos para humanidade
e os menos. Sobre esse
aspecto recai a crtica de Peter Mclaren, segundo o qual os
paradigmas do
multiculturalismo manteriam as ideologias conservadoras
neoliberais sob o manto
discursivo da diversidade. E as crticas de Asante, segundo as
quais:
a recusa da agncia africana restringe a expectativa e o espao de
sua participao
no jogo de poder das identidades do multiculturalismo. Reforada
pelo poder da
mdia e das instituies de educao e cultura, a representao do
africano como
no-produtor de conhecimento, tecnologia ou civilizao, e portador
apenas de
culturas tnicas da ordem do sub (por exemplo, samba, futebol e
culinria) leva limitao dessa participao do afrodescendente (Asante,
1998, p. 99).
Entretanto, pergunto: em que momento essas mesmas instituies so
criticadas?
Em quais momentos, no lugar de sugestes de mudanas de
autoridades, so sugeridas
mudanas radicais na prpria maneira de se pensar o conhecimento e
o lugar de saber-
poder das universidades e das escolas? Ambas foram naturalizadas
como se, sem elas e
fora delas, reinasse o mundo da ignorncia absoluta. Penso se no
faria parte da adoo
da lgica eurocntrica a ratificao desse lugar de saber que, j foi
dito, hierrquico e
regido pela lgica da racionalidade instrumental. Criticamos. Mas
a prpria crtica o
reafirma.
A CRTICA DA RACIONALIDADE INSTRUMENTAL
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Gislene Aparecida dos Santos v.1, n.2 jul. out. de 2010, p.
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Todos sabemos que o cone da racionalidade instrumental
representado pelos
estudiosos do tema pela estria e pela figura melanclica de
Ulisses, heri da mitologia
que vence o medo, controla os afetos e utiliza da astcia e do
clculo racional para
alcanar seus objetivos. Ora, haveria na constituio da chamada
racionalidade
instrumental algo que permitiria a instaurao da diferena como
sinnimo de
negatividade. Sob essa tica, considerado racional aquilo que
obedece aos princpios de
Identidade, No contradio, Causalidade, Separao entre sujeito e
objeto do
conhecimento. E o mais importante, desde os primrdios da
Filosofia, estabelece-se que
somente se pode conhecer aquilo que se coloca na esfera da
identidade, partindo de si
mesmo como parmetro e como metro, e o parmetro seria o branco
europeu. J a
separao entre sujeito e objeto como norma para um conhecimento
aceitvel, legtimo e
rigoroso cria obstculos para a aceitao do saber produzido quando
negros, mulheres,
homossexuais, indgenas discutem a sua prpria realidade. Mais
grave ainda, cria
obstculos para a aceitao dos conhecimentos pautados em aspectos
considerados no-
cientficos, como a intuio, a espiritualidade, os rituais e
outros fartamente encontrados
entre as culturas consideradas primitivas porque pr-lgicas
(algicas) e, portanto
irracionais. No se considera as possibilidades de existncia de
um conhecimento
elaborado em funo da conjuno entre sujeito e objeto, entre razo,
desejo e
afetividade. Marion Iris Young discute essa questo:
Nesta lgica da identidade a razo no significa apenas ter razes
ou uma
explicao, ou inteligentemente refletir sobre uma situao. Para a
lgica da
identidade razo ratio, isto , a reduo, com base em princpios dos
objetos de
pensamento a uma medida comum, as leis universais. (...) A lgica
da identidade
vai alm desse empenho por ordenar e explicar os particulares da
experincia. Ela
constri sistemas completos que procuram mergulhar a alteridade
das coisas na
unidade do pensamento. O problema com a lgica da identidade que,
atravs
dela, o pensamento procura ter tudo sob controle, eliminar toda
incerteza e
imprevisibilidade, idealizar o fato corporal da imerso sensorial
num mundo que
ultrapassa o sujeito, eliminar a alteridade (Young, 1987, p.
70).
Nessa perspectiva, a racionalidade, a lgica e a tecnologia
seriam atributos da
cultura branca, masculina e europia, enquanto o primitivismo, a
emotividade, a
corporeidade pertenceriam aos povos africanos, indgenas,
aborgenes e s mulheres. Isso
no s os tornaria inaptos a decidir sobre suas prprias vidas,
como tambm no lhes
ofereceria condies para o pensamento adequado sobre o mundo
social e poltico,
interditando-os, portanto, participao poltica plena.
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20 Gislene Aparecida dos Santos v.1, n.2 jul. out. de 2010, p.
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Vale a pena relembrar a forma como geralmente o conhecimento
produzido pelos
sujeitos negros recebido:
atividade folclrica e de entretenimento e raramente como
cultura;
expresses de emotividade e raramente como conhecimento puro.
Por que nossa produo no pode ser cultura e o que levaria nosso
pensamento a
no ser considerado ordenado e adequado? Mais uma vez, o recurso
racionalidade
instrumental explicaria. Ora, as normas da academia estabelecem
como forma de
conhecimento o controle dos sentimentos e do corpo pela razo, o
distanciamento entre
sujeito e objeto, o que pode acontecer no momento em que, na
produo do
conhecimento, sujeito e objeto se encontram? Ou seja, como
avaliar as pesquisas
realizadas pelos sujeitos negros e que tenham a si prprios como
tema? E ainda mais,
como nos afastarmos do mote de que essa emotividade desqualifica
o trabalho acadmico
o tornando intimista, subjetivo e sem valor?
Penso que possa ser interessante avaliar em que medida, ao nos
obrigarmos
produo dentro dos padres estabelecidos pela racionalidade
instrumental no
estaramos camuflando as prprias tenses e contradies que esto
vinculadas a essa
busca do conhecimento. Ao contrrio de encarar estas tenses, se
estabelece a idia de
que alguns so autorizados e competentes para falar sobre todos
os assuntos e outros no
o so. Por esta lgica se considera que os negros, por serem
negros (e por isso
considerados emotivos, ligados natureza), no seriam
suficientemente isentos para
discutir as questes referentes a ns prprios com a mesma
neutralidade e iseno que os
brancos o fariam. J por nossa emotividade e racionalidade
imperfeita, no seramos
competentes o suficiente para discutir qualquer outro assunto
com a mesma propriedade
que os brancos o fariam. O que restaria a ns? Ainda em acordo
com esta lgica, nos
restaria a tutela pela racionalidade mais perfeita e menos
equivocada que a nossa.
Esta lgica cruel se revela nos momentos em que fazemos a opo por
nossos
parceiros preferenciais de trabalho e quando negamos o
reconhecimento produo
intelectual daqueles que no so brancos. O privilgio da brancura
ou a branquitude
implica considerar que o ser branco, ou no negro, no indgena em
uma sociedade como
a nossa j oferece vantagens mesmo que a pessoa no as deseje e
nunca tenha demandado
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Gislene Aparecida dos Santos v.1, n.2 jul. out. de 2010, p.
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ou compactuado com elas. Uma pessoa, ao nascer branca (mesmo que
lute contra todas as
formas de opresso em toda a sua vida) j desfruta,
simbolicamente, de uma srie de
vantagens e privilgios que outros jamais tero (enquanto as
normas que hoje vigem na
sociedade prevalecerem).
Piza, recuperando as discusses de Frankenberg sobre branquitude,
afirma:
Frankenberg vai definir branquitude a partir do significado de
ser branco, num
universo racializado: um lugar estrutural de onde o sujeito
branco v os outros e a
si mesmo; uma posio de poder no nomeada, vivenciada em uma
geografia
social de raa como um lugar confortvel e do qual se pode
atribuir ao outro
aquilo que no atribui a si mesmo (...) Muitos de ns, brancos, j
experimentaram
alguns desses traos de conforto, cuja caracterstica mais
evidente encontra-se na
sensao de no representar nada alm de nossas prprias
individualidades (Piza,
2002, p. 71).
Essa autora enfatiza, por meio de exemplos, como os brancos
podem e so
pensados como indivduos com direito a nome e a sobrenome e os
negros (e descendentes
de asiticos, no caso brasileiro) so pensados como grupo. Dessa
forma, a prpria
estrutura da discriminao racial calcada na construo de
esteretipos sobre o que seria o
negro d a pauta para a construo de um projeto de identidade de
grupo. Se a lgica da
ideologia racista fez com que todos os negros fossem
representados como raa inferior, a
tnica da poltica da diferena ser a de demonstrar/afirmar a
positividade de todos os
negros como um grupo unificado. Piza afirma ainda:
esta excessiva visibilidade grupal do outro e a intensa
individualizao do
branco que podemos chamar de lugar de raa. Um lugar de raa o
espao de visibilidade do outro, enquanto sujeito numa relao, na
qual a raa define os
termos desta relao. Assim, o lugar do negro o seu grupo como um
todo e do
branco o de sua individualidade. Um negro representa todos os
negros. Um
branco uma unidade representativa apenas de si mesmo. No se
trata, portanto,
da invisibilidade da cor, mas da intensa visibilidade da cor e
de outros traos
fenotpicos aliados a esteretipos sociais e morais, para uns, e a
neutralidade
racial, para outros. As consequncias dessa visibilidade para
negros bem
conhecida, mas a da neutralidade do branco dada como natural, j
que ele o modelo paradigmtico de aparncia e de condio humana (Idem,
Ibidem, p. 72).
No basta saber que o racismo existe, preciso saber que existe
como parte e/ou
efeito do racismo, o privilgio da brancura. O que percebemos nos
ltimos anos a
aceitao terica da existncia do racismo (mesmo que ainda na
prtica seja difcil puni-
lo e para alguns, seja impossvel enxerg-lo onde ele ocorre), mas
o que no vemos
discutido ou refletido nos espaos acadmicos o sentido que o
privilgio da brancura
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7-30.
opera entre ns. Isso implicaria discutir e refletir sobre os
privilgios rotineiros que
alguns tm, mesmo sem o querer, somente em funo da cor da pele.
Refletir sobre isso
dar um passo na direo de no permitir que estes privilgios sejam
mantidos. dar um
passo na direo de um reconhecimento efetivo dos sujeitos e da
produo dos sujeitos
negros.
A NEGAO DO RECONHECIMENTO
Axel Honneth, um dos autores que apresentam a questo do
reconhecimento como
central para a compreenso das sociedades contemporneas, associa
a teoria do
reconhecimento a uma luta por meio da qual sejam exigidos cada
vez mais altos padres
de reconhecimento que seriam mediados por lutas intersubjetivas
nas quais os sujeitos
tentariam ganhar aceitao para reivindicaes a respeito de sua
prpria identidade. A
identidade do sujeito deve ser reconhecida para que ele se sinta
em condies de
participar da sociedade como igual. Sua identidade por meio do
respeito a seu corpo e
cultura, sua identidade por meio da no-excluso de seus direitos
e sua identidade como
pessoa portadora e executora de habilidades e talentos que podem
ser estimados
socialmente.
A compreenso da teoria de autores que se dedicaram a pensar
sobre estas
questes tambm uma forma de compreenso de modos por meio dos
quais se pode
utilizar o pensamento da filosofia tradicional para a reflexo e
a formulao de problemas
de interesse na rea dos estudos sobre a questo racial. Por isso,
considero fundamental
apresentar alguns aspectos do pensamento de Axel Honneth.
Para Axel Honneth (2007a) haveria trs etapas de reconhecimento
de modo que a
cada negao de um direito corresponderia uma demanda por
reconhecimento que
resultaria no desenvolvimento de uma fase da conscincia moral de
cada indivduo.
A primeira negao seria sentida por meio das humilhaes fsicas,
como a tortura
ou estupro, que privam o ser humano da autonomia corporal. O
reconhecimento positivo
se daria por meio do desenvolvimento da autoconfiana corporal,
por meio do cuidado
emocional, do amor. Esse reconhecimento se desenvolve no seio
das relaes sociais
primrias: na famlia, entre amigos ou no amor.
A segunda negao seria sentida por meio da negao dos direitos e
por meio da
excluso social que afetam a dignidade daqueles que no podem
atuar como pessoas
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plenas na sociedade. O reconhecimento ocorre quando
reciprocamente todos se
consideram portadores de iguais direitos. No caso do
reconhecimento legal, Honneth
afirma que so dadas consideraes legais s diferenas nas
oportunidades disponveis e
tambm se garante que os grupos excludos tenham os mesmos
direitos que os outros
membros da sociedade. Este o reconhecimento dos sujeitos como
sujeitos de direitos
tanto no plano moral quanto no plano material, de modo a que
sejam dadas garantias para
que o sujeito tenha a sua intersubjetividade respeitada, como
tambm garantias de sua
sobrevivncia material.
Como disse anteriormente, a terceira negao a da depreciao do
valor social
das formas de autorrealizao que no permitem que os sujeitos
obtenham a estima social
a partir da realizao das habilidades adquiridas por eles ao
longo de suas vidas. O
reconhecimento implicaria no sentimento de auto-estima
desenvolvido quando os
indivduos sentem uma aceitao solidria de suas habilidades e de
seu estilo de vida.
Honneth mostra como esses trs padres de reconhecimento (amor,
ordem legal e
solidariedade) garantem a dignidade dos indivduos e sua
auto-realizao. E so
construdos dentro de uma concepo formal de boa vida que assegure
que sempre que
encontrarem em qualquer sociedade esses padres de
reconhecimento, os indivduos
podero se relacionar entre si nas formas positivas da
autoconfiana, do autorrespeito e
da autoestima. Dessa forma, o autor pretende demonstrar como,
por meio desses trs
nveis de reconhecimento, se garantem no s o reconhecimento das
especificidades de
cada povo e cultura como a distribuio igualitria, na medida em
que se associam a
estima social.
A base da anlise de Honneth o sentimento de injustia associado
privao do
amor, de direitos e da autoestima. Por isso, Honneth afirma que
as sociedades seriam
injustas quando seus cidados (todos ou alguns) fossem vtimas de
humilhaes fsicas
torturas, estupros... toda forma de violncia ao corpo que os
impedissem a autonomia
corporal e perdessem a autoconfiana ou o amor prprio; seriam
injustas quando seus
cidados (todos ou alguns) tivessem seus direitos negados ou
fossem impedidos de buscar
novos direitos ou ainda fossem vtimas de excluso social que os
impedissem a
participao por meio do reconhecimento legal padecendo em sua
dignidade por no
terem concedidos os direitos morais e as responsabilidades de
uma pessoal legal plena em
sua prpria comunidade; seriam injustas quando seus cidados
(todos ou alguns) fossem
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vitimas de depreciao do valor social das formas escolhidas por
eles para sua
autorrealizao, no permitindo que os sujeitos se relacionem com
as habilidades
adquiridas por eles ao longo de sua vida e, neste caso,
importante frisar o vnculo entre
injustia e desvalorizao do trabalho como forma de autoconservao
de todos os
cidados.
Seguindo a lgica de Honneth, haveria enorme desrespeito e
injustia ao no
considerarmos com a mesma dignidade as formas escolhidas por
diferentes povos e
culturas no s para sua conservao e autoconservao como tambm para
divulgarem
os seus conhecimentos. Sabemos que, ao longo da histria do
Brasil, o ser negro foi
vinculado a uma srie de fatores negativos: o negro era o
escravo, ou seja, ser desprovido
de humanidade, coisa, instrumento de trabalho, propriedade cujo
corpo poderia ser
violentado de todas as formas. Vemos, ento, como o amor, o
direito (ou ordem legal) e a
solidariedade (ou estima social) eram negados por meios de
violncias fsicas e
simblicas, criando barreiras para o florescimento da
autoconfiana, do autorrespeito, da
autoestima.
Prximo do final da escravatura, conhecida a grande discusso
travada entre
intelectuais e polticos acerca do destino do Brasil em funo da
grande quantidade de
indivduos de cor preta. Discutiam:
Como construir uma nao se no h povo?
Como garantir a presena de europeus por meio da imigrao formando
o
povo ideal para o Brasil?
Como coibir o maior enegrecimento da populao brasileira?
Como criar um cdigo penal prprio para lidar com uma populao
de
mestios, africanos, negros e brancos?
Como identificar os criminosos antes mesmo que realizem qualquer
ao
criminosa, criando a identificao entre criminalidade e populao
negra e
mestia?
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Gislene Aparecida dos Santos v.1, n.2 jul. out. de 2010, p.
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Todas estas teorias foram construdas e discutidas em espao
acadmico por intelectuais
respeitados em suas pocas como Louis Couty, Nina Rodrigues,
Cesare Lombroso, Silvio
Romero entre outros.4
Como agir de outra forma ao discutir direitos quando se percebe
o desrespeito
inerente a nossa prpria ao cotidiana, j que todos os
conhecimentos mencionados
anteriormente (a construo da racionalidade instrumental, as
teorias racialistas e racistas,
a construo das teorias segundo as quais as culturas europias
brancas seriam superiores
s demais resultando em xenofobias) tambm foram produzidos dentro
das academias,
por pensadores respeitados em suas pocas e pautaram polticas e
aes que hoje
questionamos como violaes de direitos? Como no sermos, hoje,
autores e reprodutores
de teorias e conceitos que tambm podem, de algum modo, ratificar
e estimular modos de
pensar que reproduzam violncias simblicas ou no?
A lgica da branquitude perpassa a produo do conhecimento no
somente pela
forma como a racionalidade se define e a desrazo definida, mas
tambm, conforme foi
dito anteriormente, pelo modo como brancos e no brancos so
vistos e tratados dentro do
espao de produo do conhecimento como se a cor da pele, por si s,
definisse a
qualidade do conhecimento a ser produzido e sua aparente
neutralidade e racionalidade.
Os negros, necessariamente, seriam desviados do saber pelo
comprometimento das causas
pelas quais lutam e os brancos, isentos de ideologias, estariam
aptos a produzir o
verdadeiro e desinteressado conhecimento que, de fato, poderia
contribuir para desnudar a
alienao presente na sociedade. E deste lugar tambm racializado,
mas que no se
enxerga ou se afirma como tal que ataques e desqualificaes so
feitas a intelectuais e
acadmicos de grande valor que so negros e por serem negros so
considerados
incompetentes por quem se alega o direito de fala somente por
estar em um lugar
privilegiado, o lugar da brancura, j que no tem nenhuma
qualificao intelectual que
poderia chamar para si. Fala e escreve e ouvido por ser branco e
nada mais do que isso.
E deste lugar da brancura que pretende fazer crer que est isento
de razes, ideologias e
intenes polticas presentes naqueles aos quais ataca,
levianamente.
Quando orientamos e redigimos teses e dissertaes, seguimos estas
orientaes
porque sabemos, so elas que regem a lgica da formao acadmica nas
universidades
4 Para essa discusso, ver Santos (2001).
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26 Gislene Aparecida dos Santos v.1, n.2 jul. out. de 2010, p.
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do mundo. Ento, como podemos falar em diversidade cultural
quando sabemos que ela
solapada pela prpria forma que escolhemos para nos
manifestarmos?
Todas estas questes so bastante inquietantes porque lembram que
o trabalho
acadmico pode ser um modo de repor a lgica da supremacia do
trabalho intelectual,
orientado pela racionalidade instrumental sobre o trabalho
considerado manual e no
intelectual e no racional. E, como disse, isso soa muito mais
grave quando se discute
direitos considerando o direito diversidade das culturas, das
expresses de modos de
pensar, o direito a que o todo no seja reduzido no mesmo e o
diverso no uno. Ainda se
torna mais instigante quando consideramos que as demandas dos
movimentos sociais e da
sociedade chamam nossa ateno para possibilidades diferentes
destas.
CONCLUSO
O que fazer diante desta realidade?
Relembro a fala de um colega africano, angolano, que dizia que
era preciso deixar
as idias cozinhando at chegarem ao ponto certo. Essa metfora me
faz lembrar da
importncia de se aprender a cozinhar e sobre a importncia, alm
da arte de cozer, da
arte e do ato de comer. Ensinamos nossos filhos a apreciar a
diversidade dos alimentos e
consideramos sofisticadas as pessoas que sabem apreciar iguarias
de diferentes culturas,
mas no fazemos o mesmo com diversas formas de pensar. Aquilo que
seria bom para o
nosso corpo (a diversidade) no seria bom para a nossa alma.
Considerar questes epistemolgicas como fazem as autoras do livro
organizado
por Seyla Benhabid e Drucilla Cornell (1987), que se propem a
pensar, para alm das
polticas de gnero, criticando os prprios conceitos com os quais
pensamos como sendo
engendrados por uma lgica masculina e machista por meio da qual
se identificam
racionalidade com masculinidade tambm uma forma de sugesto da
diversidade. Esta
discusso se d no campo da Filosofia e das crticas dos conceitos
e idias criadas por
muitos dos filsofos reconhecidos no Ocidente. As autoras
enfatizam o quanto opressor
o conceito de pblico, privado, impessoal e imparcial gerado pela
filosofia. ris Marion
Young afirma:
Os novos movimentos sociais dos anos 60, 70 e 80 nos Estados
Unidos,
comearam a criar a imagem de um pblico mais diferenciado, que
enfrenta
diretamente o Estado dito imparcial e universalista. Movimentos
de grupos raciais
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oprimidos, inclusive negros, americanos de origem mexicana,
ndios americanos,
tendem a rejeitar o ideal assimilacionista e afirmar o direito
de vida e celebrar em
pblico suas culturas e formas de vida caractersticas, bem como
afirmar
reivindicaes especiais de justia diante da supresso ou
desvalorizao de suas
culturas, ou compensao pela desvantagem em que a sociedade
dominante os
situa. Tambm o Movimento de Mulheres tem reivindicado
desenvolver e
fomentar uma cultura caracterstica das mulheres e que tanto as
necessidades
fsicas especficas das mulheres como sua situao na sociedade
machista exigem
soluo em pblico para as necessidades especiais e contribuies
peculiares das
mulheres (Young, 1987, p. 85).
Eu discuti esta temtica em dois momentos (Santos, 2001 e 2004)
quando
apresentei a forma como se inventou, a partir da conjuno entre
diferentes teorias a idia
do negro e da mulher negra como inferiores. Sueli Carneiro
(2003, 2005, 2005a) e
Anthony Appiah (1994, 2004) tambm o fazem, de diferentes modos.
O segundo, ao
discutir filosofia africana, critica e renega a avaliao de que o
pensamento africano no
seria logicamente organizado e, por isso, no poderia haver
filosofia em suas matrizes a
no ser que fossem associadas ao pensamento rabe ou islmico ou s
influncias
judaico-crists. A primeira, ao denunciar o epistemicdio:
contrato racial, biopoder e epistemicdio, por exemplo, so
conceitos que se
prestam como contribuio ao entendimento da perversidade do
racismo. So
marcos conceituais que balizaram a tese de doutorado que
defendemos junto
USP em agosto passado sob o ttulo A construo do outro como
no-ser como
fundamento do ser. Nela procuramos demonstrar a existncia no
Brasil de um
contrato racial que sela um acordo de excluso e/ou subalternizao
dos negros,
no qual o epistemicdio cumpre funo estratgica em conexo com a
tecnologia
do biopoder. o filsofo afro-americano Charles Mills quem prope
no livro The
Racial Contract que devemos tomar a inquestionvel supremacia
branca ocidental
no mundo como um sistema poltico no nomeado, porque ela
estrutura uma sociedade organizada racialmente, um Estado racial e
um sistema jurdico racial,
onde o status de brancos e no brancos claramente demarcado, quer
pela lei,
quer pelo costume. Um tipo de sociedade em que o carter
estrutural do racismo impede a realizao dos fundamentos da
democracia, quais sejam a liberdade, a
igualdade e a fraternidade, posto que semelhante sociedade
consagra hegemonias
e subalternizaes racialmente recortadas (Carneiro, 2005b).
Todos estes momentos citados nos mostram que fundamental a
transformao do
pensamento por meio da transformao das categorias utilizadas
para pensar. Contudo,
seria ingenuidade acreditar que passaremos a trabalhar
orientados por uma outra lgica
nos rebelando contra os critrios que pairam nas produes
consideradas qualificadas nas
instituies acadmicas. Como professores, pesquisadores acadmicos,
sabemos que ao
fazermos isso estaremos, automaticamente, fechando todas as
possibilidades de dilogo
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por meio das quais tambm podemos questionar o mundo, propor
reflexes, criar e
sugerir novas formas de criao do espao acadmico. Ento, o que
fazer?
Do mesmo modo como tericos da justia propuseram a construo de
uma noo
ampliada de justia que pudesse considerar os aspectos da
diversidade e da diferena de
status sociais para se definir o que seria justo ou injusto como
baliza para a correo das
injrias morais, por que no pensarmos em uma noo de racionalidade
ampliada
segundo a qual nossas experincias vividas e multiplicadas fossem
a base para a
ampliao de nossas categorias de pensamento?
Desta forma, seria necessrio acreditar que no se poder formar
bons pensadores
se no oferecermos a eles a oportunidade do exerccio da
diversidade, transformando o
espao de formao em local no qual se poder encontrar
oportunidades diversas de
dilogo com aquilo que reflete e repercute a diversidade social,
aquilo que nos lembre de
que o mundo maior do que o que est em nosso entorno. Assim,
penso, mesmo nos
empenhando para nos qualificarmos dentro dos padres que vigem
nas universidades e
que so endossados pelas nossas prprias produes, estaramos
fazendo um pouco
daquilo que tanto valorizamos em nossas vidas cotidianas:
trazendo outros sabores e
temperos para nossa reflexo.
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