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AZEVEDO FERNANDO DE FernandodeAzevedo_NM.pmd 21/10/2010, 08:05 1
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Nov 24, 2015

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  • AZEVEDOFERNANDO DE

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  • Alceu Amoroso Lima | Almeida Jnior | Ansio TeixeiraAparecida Joly Gouveia | Armanda lvaro Alberto | Azeredo Coutinho

    Bertha Lutz | Ceclia Meireles | Celso Suckow da Fonseca | Darcy RibeiroDurmeval Trigueiro Mendes | Fernando de Azevedo | Florestan FernandesFrota Pessoa | Gilberto Freyre | Gustavo Capanema | Heitor Villa-Lobos

    Helena Antipoff | Humberto Mauro | Jos Mrio Pires AzanhaJulio de Mesquita Filho | Loureno Filho | Manoel Bomfim

    Manuel da Nbrega | Nsia Floresta | Paschoal Lemme | Paulo FreireRoquette-Pinto | Rui Barbosa | Sampaio Dria | Valnir Chagas

    Alfred Binet | Andrs BelloAnton Makarenko | Antonio Gramsci

    Bogdan Suchodolski | Carl Rogers | Clestin FreinetDomingo Sarmiento | douard Claparde | mile Durkheim

    Frederic Skinner | Friedrich Frbel | Friedrich HegelGeorg Kerschensteiner | Henri Wallon | Ivan Illich

    Jan Amos Comnio | Jean Piaget | Jean-Jacques RousseauJean-Ovide Decroly | Johann Herbart

    Johann Pestalozzi | John Dewey | Jos Mart | Lev VygotskyMaria Montessori | Ortega y Gasset

    Pedro Varela | Roger Cousinet | Sigmund Freud

    Ministrio da Educao | Fundao Joaquim Nabuco

    Coordenao executivaCarlos Alberto Ribeiro de Xavier e Isabela Cribari

    Comisso tcnicaCarlos Alberto Ribeiro de Xavier (presidente)

    Antonio Carlos Caruso Ronca, Atade Alves, Carmen Lcia Bueno Valle,Clio da Cunha, Jane Cristina da Silva, Jos Carlos Wanderley Dias de Freitas,

    Justina Iva de Arajo Silva, Lcia Lodi, Maria de Lourdes de Albuquerque Fvero

    Reviso de contedoCarlos Alberto Ribeiro de Xavier, Clio da Cunha, Jder de Medeiros Britto,Jos Eustachio Romo, Larissa Vieira dos Santos, Suely Melo e Walter Garcia

    Secretaria executivaAna Elizabete Negreiros Barroso

    Conceio Silva

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  • Maria Luiza Penna

    AZEVEDOFERNANDO DE

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  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Fundao Joaquim Nabuco. Biblioteca)

    Penna, Maria Luiza. Fernando de Azevedo / Maria Luiza Penna. Recife:Fundao Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. 162 p.: il. (Coleo Educadores) Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7019-526-51. Azevedo, Fernando de, 1894-1974. 2. Educao Brasil Histria. I. Ttulo.

    CDU 37(81)

    ISBN 978-85-7019-526-5 2010 Coleo Educadores

    MEC | Fundao Joaquim Nabuco/Editora Massangana

    Esta publicao tem a cooperao da UNESCO no mbitodo Acordo de Cooperao Tcnica MEC/UNESCO, o qual tem o objetivo a

    contribuio para a formulao e implementao de polticas integradas de melhoriada equidade e qualidade da educao em todos os nveis de ensino formal e no

    formal. Os autores so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos contidosneste livro, bem como pelas opinies nele expressas, que no so necessariamente as

    da UNESCO, nem comprometem a Organizao.As indicaes de nomes e a apresentao do material ao longo desta publicao

    no implicam a manifestao de qualquer opinio por parte da UNESCOa respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade, regio

    ou de suas autoridades, tampouco da delimitao de suas fronteiras ou limites.

    A reproduo deste volume, em qualquer meio, sem autorizao prvia,estar sujeita s penalidades da Lei n 9.610 de 19/02/98.

    Editora MassanganaAvenida 17 de Agosto, 2187 | Casa Forte | Recife | PE | CEP 52061-540

    www.fundaj.gov.br

    Coleo EducadoresEdio-geralSidney Rocha

    Coordenao editorialSelma Corra

    Assessoria editorialAntonio Laurentino

    Patrcia LimaReviso

    Sygma ComunicaoIlustraes

    Miguel Falco

    Foi feito depsito legalImpresso no Brasil

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  • SUMRIO

    Apresentao, por Fernando Haddad, 7

    Ensaio, por Maria Luiza Penna, 11Caracterizao de uma conscincia, 19

    Ideal moral e crtica, 19O projeto azevediano de reconstruo, 29

    O inqurito de 1926: um momento decisivo, 36A experincia administrativa no Distrito Federal, 42A concepo azevediana da Escola de Trabalho, 46A escola-comunidade, 52Educao e poltica, 57

    Elites e participao, 66A importncia das elites, 66A tradio das elites, 73Contradies azevedianas, 77

    O humanismo de Fernando de Azevedo, 88O conceito de humanismo, 88Universidade e liberdade, 90Estudos desinteressados, 97

    Educao e transformao, 106Fernando de Azevedo atual, 122

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  • 6Textos selecionados, 127Nota explicativa, 127Plano de livro, 129Manifesto dos intelectuais, 130Fernando de Azevedo: o retratista, o ensasta, 132

    A cultura brasileira. Psicologia do povo brasileiro, 132

    Cronologia, 147

    Bibliografia, 153

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  • 7O propsito de organizar uma coleo de livros sobre educa-dores e pensadores da educao surgiu da necessidade de se colo-car disposio dos professores e dirigentes da educao de todoo pas obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeramalguns dos principais expoentes da histria educacional, nos pla-nos nacional e internacional. A disseminao de conhecimentosnessa rea, seguida de debates pblicos, constitui passo importantepara o amadurecimento de ideias e de alternativas com vistas aoobjetivo republicano de melhorar a qualidade das escolas e daprtica pedaggica em nosso pas.

    Para concretizar esse propsito, o Ministrio da Educao insti-tuiu Comisso Tcnica em 2006, composta por representantes doMEC, de instituies educacionais, de universidades e da Unescoque, aps longas reunies, chegou a uma lista de trinta brasileiros etrinta estrangeiros, cuja escolha teve por critrios o reconhecimentohistrico e o alcance de suas reflexes e contribuies para o avanoda educao. No plano internacional, optou-se por aproveitar a co-leo Penseurs de lducation, organizada pelo International Bureau ofEducation (IBE) da Unesco em Genebra, que rene alguns dos mai-ores pensadores da educao de todos os tempos e culturas.

    Para garantir o xito e a qualidade deste ambicioso projetoeditorial, o MEC recorreu aos pesquisadores do Instituto PauloFreire e de diversas universidades, em condies de cumprir osobjetivos previstos pelo projeto.

    APRESENTAO

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  • 8Ao se iniciar a publicao da Coleo Educadores*, o MEC,em parceria com a Unesco e a Fundao Joaquim Nabuco, favo-rece o aprofundamento das polticas educacionais no Brasil, comotambm contribui para a unio indissocivel entre a teoria e a pr-tica, que o de que mais necessitamos nestes tempos de transiopara cenrios mais promissores.

    importante sublinhar que o lanamento desta Coleo coinci-de com o 80 aniversrio de criao do Ministrio da Educao esugere reflexes oportunas. Ao tempo em que ele foi criado, emnovembro de 1930, a educao brasileira vivia um clima de espe-ranas e expectativas alentadoras em decorrncia das mudanas quese operavam nos campos poltico, econmico e cultural. A divulga-o do Manifesto dos pioneiros em 1932, a fundao, em 1934, da Uni-versidade de So Paulo e da Universidade do Distrito Federal, em1935, so alguns dos exemplos anunciadores de novos tempos tobem sintetizados por Fernando de Azevedo no Manifesto dos pioneiros.

    Todavia, a imposio ao pas da Constituio de 1937 e doEstado Novo, haveria de interromper por vrios anos a luta auspiciosado movimento educacional dos anos 1920 e 1930 do sculo passa-do, que s seria retomada com a redemocratizao do pas, em1945. Os anos que se seguiram, em clima de maior liberdade, possi-bilitaram alguns avanos definitivos como as vrias campanhas edu-cacionais nos anos 1950, a criao da Capes e do CNPq e a aprova-o, aps muitos embates, da primeira Lei de Diretrizes e Bases nocomeo da dcada de 1960. No entanto, as grandes esperanas easpiraes retrabalhadas e reavivadas nessa fase e to bem sintetiza-das pelo Manifesto dos Educadores de 1959, tambm redigido porFernando de Azevedo, haveriam de ser novamente interrompidasem 1964 por uma nova ditadura de quase dois decnios.

    * A relao completa dos educadores que integram a coleo encontra-se no incio deste

    volume.

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  • 9Assim, pode-se dizer que, em certo sentido, o atual estgio daeducao brasileira representa uma retomada dos ideais dos mani-festos de 1932 e de 1959, devidamente contextualizados com otempo presente. Estou certo de que o lanamento, em 2007, doPlano de Desenvolvimento da Educao (PDE), como mecanis-mo de estado para a implementao do Plano Nacional da Edu-cao comeou a resgatar muitos dos objetivos da poltica educa-cional presentes em ambos os manifestos. Acredito que no serdemais afirmar que o grande argumento do Manifesto de 1932, cujareedio consta da presente Coleo, juntamente com o Manifestode 1959, de impressionante atualidade: Na hierarquia dos pro-blemas de uma nao, nenhum sobreleva em importncia, ao daeducao. Esse lema inspira e d foras ao movimento de ideiase de aes a que hoje assistimos em todo o pas para fazer daeducao uma prioridade de estado.

    Fernando HaddadMinistro de Estado da Educao

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    FERNANDO DE AZEVEDO(1894 - 1974)

    Maria Luiza Penna

    Fernando de Azevedo ocupa lugar de destaque na histria daeducao no Brasil. Estudar o pensamento azevediano, em especialsuas reflexes sobre as relaes entre educao e mudana social, o objetivo deste livro. Ao faz-lo, fui, ao poucos, insensivelmente,traando tambm uma biografia intelectual do socilogo educador,de tal maneira a dedicao aos problemas da educao e sua pr-pria vida esto imbricados.

    Objeto de condenao sumria por crticas tanto direita quan-to esquerda, Fernando de Azevedo, por suas ideias e por sua ao,esteve adiante da maioria dos educadores do seu tempo, levantandoas bandeiras histricas da burguesia progressista e liberal. Atualssimasso suas indagaes sobre a natureza e finalidades da educao numBrasil em processo de transformao e insero no modo de pro-duo capitalista como nao perifrica e dependente. Por isso, osocilogo educador teve de enfrentar a oposio daquela parte daintelligentsia que persiste, via de regra, em operar com ideologias in-compatveis com o capital industrial.

    Ao pensar um projeto de reconstruo nacional, viu na demo-cratizao da educao um meio eficaz para alcanar tal fim. Astransformaes, entretanto, seriam de dois nveis. Uma, interna,do prprio sistema educacional, transformao essa que deveriaresultar da ntima ligao da escola com o meio social e no apenasburocrtico-administrativa.

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    Outra, externa, pois Fernando de Azevedo percebe que semuma modificao no sistema econmico, que reside base de todapoltica de planejamento social no qual inclui a educao umaobra educacional no tem possibilidade de ser eficaz. No h, defato, virtude (ou saber) sem um mnimo de condies materiais. Porisso pensa a educao como problema poltico e, em ltima anlise,filosfico e tico. O tema, portanto, leva a vrias interrogaes, comotodos os temas filosficos.

    Parece difcil estudar Fernando de Azevedo sem ser sensvelao fato de que ele abordou de maneira criativa problemas canden-tes da realidade educacional brasileira, exercendo uma lideranarara nesse campo, feita ao mesmo tempo de inteligncia e cora-gem, mantendo, ao longo dos anos, fidelidade a seus ideais e sinstituies. Abridor de caminhos, seu pensamento no apenas ode um homem que se quis filsofo da educao, mas o de umreformador que tentou transformar suas ideias em ao. Caminhooriginal, percorrido provavelmente ao preo de extrema tensointerior, o deste visionrio, cujas ambiguidades so talvez inerentesa uma poca de transio, marcada por contradies.

    Ao refletir sobre a possibilidade da educao atuar como fatorde transformao, suas ideias conduzem a questes como a da edu-cao das massas e formao das elites, seu papel, a questo dosvnculos entre educao e sociedade, a ao recproca de uma sobrea outra, a correlao entre a pedagogia clssica e o velho humanismo,e deste, enfim, com o que qualificou de neo-humanismo.

    Superou, assim, o tabu do humanismo clssico ao reorient-loem direo a um neo-humanismo pedaggico que preparasse asociedade brasileira para a construo do bem comum e ao intro-duzir em sua viso do humano o conceito de progresso. Tem, sobesse ltimo aspecto, a viso otimista do sculo XIX, supondo queo conhecimento cientfico levaria a uma mudana da realidade,para melhor, e a uma modificao adequada das realizaes soci-

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    ais, rumo ao socialismo e aos grandes ideais humanitrios. Nessaperspectiva, confere s universidades uma funo importante decorao cultural do pas, centros irradiadores do verdadeirohumanismo, feito de esprito cientfico, de reflexo, exame e crticaconstantes, na vanguarda do processo social brasileiro.

    Est-se diante de um pensamento extremamente complexo, nos pelo alcance das questes tratadas, mas tambm pelos sucessivoscontextos histricos que servem de pano de fundo a seu pensamento.Por isso suas ideias no so nunca estticas e seu evolver comportavrias revises, realizando-se atravs de processos e caminhos. Nopor acaso diversos livros e artigos seus tm como ttulo principal apalavra caminho. Pens-lo ser, no caso, ver de que se trata naquelemomento, que conceitos foram pensados e revistos, as lacunas, asoposies e interpenetraes possveis entre esses conceitos.

    Intelectual de uma poca de transio, seu pensamento reflete, emmuitos pontos, as dificuldades de nossa realidade em mudana in-dustrializao incipiente, Revoluo de 30, estabelecimento do EstadoNovo, seu trmino em 1945, ao findar a Segunda Guerra Mundial mas tambm as contradies de um mundo em que surgiam regimestotalitrios, em que predominavam a fora e o arbtrio. Nessas condi-es procurou pensar o Brasil com os instrumentos e categorias quelhe pareceram mais adequadas e com os quais realizou uma tomadade conscincia da realidade educacional brasileira, suas especificidades,tendncias, conflitos e necessidades. Mas, Fernando de Azevedo foialm, procurando refletir, ao longo de sua vida, e durante pocasconturbadas, sobre todos os problemas por que o pas passou.

    Sua produo intelectual mais importante situa-se entre 1926 emeados da dcada de sessenta. Por isso a obra de Fernando deAzevedo no apresenta aquela unidade de concepo, prpria dascategorizaes sistemticas, perceptveis facilmente em umasuperfcie lisa e inteira. Espelho que se partiu, mostra, reconstitudonos seus inumerveis pedaos de formas e cores variadas, as ideias,

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    vontades e aspiraes do momento em que viveu seu autor e suatomada de posio.

    A poca tudo admite: so as grandes ideias em educao, aviso megalpica, global, da sociedade brasileira e seus proble-mas, o tempo da ortopedia pedaggica, fsica e espiritual (oculto da energia), os dispositivos mais diversos, a viso em grande,a marcha para o oeste, o avano, o esforo de territorializao, oestrangulamento das diferenas, das vises unilaterais, o estado,grande demiurgo, pater omnipotens, fortalecendo-se em funo dosconceitos de coeso e unidade nacionais.

    Situado entre duas pocas a das velhas tradies, que procu-rou romper, e a que se iniciou com a entrada do Brasil em um novoprocesso de modernizao, aps a Primeira Guerra Mundial e quecoincide com o comeo de sua carreira, na administrao do ensinono Distrito Federal, de 1926 a 1930 , Fernando de Azevedo foi fiel ideia de que uma revoluo de mentalidades o passo mais im-portante para uma mudana de estruturas. Para isso muito contri-buiu sua viso simultaneamente sinttica, megalpica, como dizia,do Brasil, e analtica, na medida em que estava consciente das dife-renas e contradies que o pas apresentava e que se mostravamtambm na educao, processo por excelncia de transmisso ideo-lgica. No lhe escapou que transformaes na rea da educaodificilmente ultrapassam determinado limite porque h formas decontrole ideolgico, sutis ou indiretas, mas no menos eficazes, so-bre a escola. Uma delas a de distanciar a escola dos cenrios sociaisonde se insere. Apesar disso, ou talvez por causa disso, preocupou--se, desde moo, com os problemas sociais, acreditando at o fimde sua vida por necessidade e reflexo que o mundo caminhavapara sua progressiva socializao.

    No considerou impossvel, republicano e liberal, uma conci-liao da justia social com a liberdade, do socialismo com as ideiase instituies democrticas: nessa conciliao devero concentra-se

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    todos os seus esforos. De um racionalismo radical, procurou pensarcada um dos problemas que lhe pareciam essenciais de modo com-pleto, relacionando tudo com tudo, no omitindo quaisquer as-pectos das questes educacionais do seu tempo.

    Tendo recebido uma formao clssica estudou, depois determinar o ginsio jesuta em Friburgo, cinco anos no Seminrioda mesma ordem, em Campanha, Minas Gerais dedicou os pri-meiros anos de sua vida profissional ao ensino da literatura, dolatim e ao jornalismo, com especial nfase nos assuntos literrios.Sendo ligado ao grupo do jornal O Estado de S.Paulo, cujo ncleoera formado por uma elite de intelectuais liberais, foi convidado arealizar um inqurito sobre a educao no Brasil, em 1926. Esseinqurito foi essencial porque lanou Fernando de Azevedo comoo grande perito em educao. Por essa poca, enveredou, comoautodidata, pelos caminhos da sociologia e dos problemas da edu-cao por sentir que eram de maior urgncia para o Brasil. A prin-cpio um intelectual de cultura clssica, aos poucos foi se atualizan-do com o pensamento social de sua poca e com a necessidade deum embasamento cientfico. As afinidades eletivas de Fernandode Azevedo, como tambm as de Julio de Mesquita Filho, seuincentivador poca do Inqurito de 26, e com quem manteveum dilogo ininterrupto, inclinavam-se para o pensamento deDurkheim e a sociologia francesa. No por acaso, um dos seusprimeiros livros, No tempo de Petrnio, j revela talento e sensibili-dade sociolgica para analisar uma poca de decadncia e perdade valores. Como os antigos gregos, Fernando de Azevedo nopensou a educao como arte formal ou teoria abstrata apenas,mas como algo imanente prpria estrutura histrica e objetivada vida espiritual de uma nao, manifestando-se de modo exem-plar na literatura, expresso real de toda a cultura.

    Paradoxalmente, esse crtico literrio de estilo clssico, muitasvezes retrico, retratista exmio, no modernista, ser um opositor

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    feroz da clssica escola burguesa, cujo ensino considerava elitista,fazedora de bacharis e letrados. Seu sonho ser a realizao deuma Grcia clssica nova, la Lunatcharsky, um novo humanismo.Trata -se de um antropocentrismo refletido que, partindo do co-nhecimento do homem, tem por objeto a valorizao do homem:tudo o que desperta o sentimento de solidariedade humana e con-corre para facilitar a circulao do homem no mundo humano. No uma negao dogmtica do passado, mas processo de recupera-o crtica, ligao entre passado e presente, timebinder, mas tambmgerador do futuro em um esforo para o universal e a verdade.

    Assim se delineia a atitude que parece mais caracterstica deFernando de Azevedo. No sem razo a Alegoria da Caverna dePlato , ao mesmo tempo, um discurso sobre a essncia da educa-o (e da deseducao) e da verdade. Educao e verdade cristali-zam-se tambm em Fernando de Azevedo numa identidade essen-cial. Por isso, qualifica-se de crtico idealista. Percorrendo suaextensssima obra, suas tentativas muitas vezes frustradas de implan-tar, na realidade, uma educao nova, dentro de um processo dereconstruo nacional, tem-se a impresso de que suas teorizaes eesforos de pensamento se constituem em uma ao travada.

    Vale dizer que, se com ideias se constri a cincia, se estabele-cem relaes lgicas, se criam modelos ideais, preciso refletir epensar incansavelmente sobre os enigmas que a realidade apresen-ta. Essa exigncia obstinada de racionalidade, entretanto, apenasum momento, necessrio e insubstituvel, do pensamentoazevediano. Grande intelectual, no apenas um terico, criadordos grandes ideais da educao. A volta ao real significa, paraele, constatar a necessidade de uma luta reformista na esfera daeducao, de uma radical mudana de mentalidade, uma nova vi-so de mundo, fundamentada no conhecimento e servindo comoinstrumento eficaz para uma ao consciente.

    Ao travada, tambm, porque nunca conseguiu concretizar defato seus planos para uma revoluo coprnica na esfera da edu-

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    cao. Acreditando numa via democrtica para a socializao da edu-cao, no aceita, entretanto, a possibilidade de uma evoluo natu-ral para que isso se concretize. Estudioso de nossa cultura, percebeque sem uma modificao de mentalidade no haver uma real trans-formao da vida social porque, para ele, a cultura uma forma deser que determina, em aspectos fundamentais, a conscincia. Da suanfase na necessidade da organizao da cultura e a universidadeocupar para Fernando de Azevedo um espao fundamental comvistas interveno no desenvolvimento poltico e econmico. Perce-be-se, entretanto, no decorrer de seu pensamento, uma oscilao entrea afirmao da necessidade de liberdade e um autoritarismo que sepoderia qualificar de progressista. Nisso, ele certamente se enquadrana tradio autoritria brasileira, no tendo sido insensvel pregaode um Estado forte, ou seja, de um Executivo forte, como soluopara os problemas do Brasil, embora aceitando o princpio da auto-nomia para os poderes Judicirio e Legislativo.

    A inquietao permanente diante de problemas e suas solues,entretanto, compensou o autoritarismo imanente sua personali-dade e a seu tempo. Esse tufo lcido buscava a luz permanente-mente. Tateando, tentando ultrapassar o presente, desejando realizar,agora, pela ao, um futuro ideal.

    Duas linhas parecem confluir para a formao de sua perso-nalidade e no pouco contriburam para isso sua experincia pes-soal de vida e obstinada reflexo: a via tica e a via da razo. Ambasno absolutas, situadas na concretude de uma existncia histricacontraditria, ambgua, mas nem por isso formas menos acerta-das de um agir responsvel. No cenrio brasileiro, alis, excluindoevidentemente os meros burocratas, que grande educador no figura controvertida?

    Se Paul Valry acerta, ao dizer que criar sem dificuldades ecriticar sem medida um jogo perigoso, por nos levar inevitavel-mente ao desconhecimento, tentou-se elaborar esta biografia inte-lectual sem cair na armadilha. Tentei compreender um homem,

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    suas ideias, num contexto histrico extremamente complexo e queat hoje surpreende os estudiosos.

    O projeto azevediano de educao constituiu-se no segmentomais extenso, no qual se estuda a necessidade de uma nova menta-lidade, capaz de compreender as funes de uma sociedade mo-derna, refazendo a ordem de prioridades educacionais, de acordocom essas novas funes, as relaes entre educao e poltica, aimportncia do inqurito de 1926, a experincia administrativa noDistrito Federal, a concepo da escola do trabalho, a escola-co-munidade. Lder intelectual nato, foi escolhido para redigir o Mani-festo dos Pioneiros da Escola Nova, em 1932, movimento cuja impor-tncia at hoje inspirao e bssola para se estudar os princpiosde uma educao democrtica e que retira suas razes da experinciaazevediana no Distrito Federal.

    Em seguida, se examina a viso do socilogo-educador em re-lao questo das elites e participao. Unindo-se a Jlio de Mes-quita, Fernando de Azevedo foi um dos principais fundadores daUniversidade de So Paulo (USP) e redator de seus estatutos. Ali,exerceu o magistrio por mais de quarenta anos, ocupando a Ca-deira de Sociologia. Ao criar uma verdadeira escola no campo dasCincias Sociais, formou um grupo de discpulos que se destacamentre os mais notveis em suas especialidades. A existncia dessacontinuidade, alis, d a moldura essencial a qualquer instituio quequeira contribuir para a criao de uma tradio de produtividade eeficcia em qualquer campo da cincia e do pensamento humano.Foi, por isso, nas palavras do professor Antonio Cndido de Melloe Souza, a viga mestra da Universidade de So Paulo.

    O texto trata ainda do neo-humanismo de Fernando de Azeve-do, no qual se fundamenta uma nova concepo de vida, a novamentalidade, essenciais para seu projeto de Reconstruo; procuraanalisar as condies de possibilidade de a educao atuar comoagente de mudana social e, por fim, h uma tentativa de concluso.

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    Na medida em que grandes excertos de seus livros so analisa-dos detalhadamente no decorrer do meu trabalho, optei por in-cluir outros documentos importantes de sua trajetria intelectual,como, por exemplo, o projeto de um livro que tencionava escre-ver: Misria da Escola e Escola da Misria. Na cronologia de sua longavida, destaquei os pontos essenciais de trajetria originalssima, ricade iniciativas. Fernando de Azevedo viveu, porm, sob muitos as-pectos, uma existncia pessoal trgica, tomado frequentemente porprofunda depresso e sofrendo o infortnio de perder dois filhosem plena juventude e um genro, Comandante Murilo Ribeiro Marx,por quem curtia sincera afeio, casado com Lollia, filha querida.

    Como base de pesquisa utilizaram-se os textos de suas obraspublicadas e o riqussimo acervo fornecido por sua correspondncia,seus discursos, manifestos. Inestimveis foram tambm as entrevistascom assistentes, amigos e outras pessoas que de uma forma ou deoutra cruzaram seu caminho ou se interessaram por sua atuao.

    O mtodo empregado derivou exclusivamente dos problemasque o pensamento de Fernando de Azevedo parece levantar. Porisso, optou-se pela reflexo e crtica, instrumentalizando--se as cita-es e pontuando-as com algumas observaes e indagaes. Co-mentar criticamente, entretanto, no significa apenas apontar falhas,julgar. Significa debater, questionar, mantendo o respeito pelo objetoda crtica, no por subservincia, mas porque h sempre uma par-cela de verdade no objeto criticado. A atitude filosfica adequada,nesse caso, seria, parafraseando Wittgenstein, a de elaborar e pensaros problemas como problemas e no como doenas.

    Caracterizao de uma conscincia

    Ideal moral e crtica

    As ideias educacionais de Fernando de Azevedo esto profun-damente ligadas s preocupaes de ordem tica e poltica que des-de cedo nortearam seu pensamento. Nessas ideias est includo o

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    pressuposto de que uma reforma na educao brasileira teria influ-ncias modificadoras na prpria sociedade, podendo, portanto, es-tabelecer-se uma relao entre educao e transformao social. Sebem que modulasse de modo crtico, ao longo de sua vida, essasconexes, permanecem em seu pensamento a necessidade de refor-ma moral e de mudana de mentalidade. Da sua concepo daeducao como agenciadora de uma conscincia moral, encami-nhando o indivduo ao desenvolvimento de suas potencialidades esua imerso no mundo social. Assim, a s educao do cidado condio para a sade do Estado. A moral passa, desse modo, a seruma moral social e a educao uma verdadeira pedagogia social.No mbito de um pensamento sobre educao na linha de Plato eKant, qualificando suas ideias de idealismo crtico, Fernando deAzevedo, no incio de sua vida como professor, procura refutaraqueles que, a exemplo de Paul Duproix, considerariam Kant indivi-dualista. No considera evidente que Kant tenha sido um homem[...] que se encerrou obstinadamente na conscincia pessoal, que seisolou em face do dever e que, se ensinou alguma coisa ao homem,o ensinou a viver exclusivamente da vida interior1.

    Fernando de Azevedo procura equacionar a oposio indiv-duo e sociedade na formao da personalidade humana. Kantseria o criador de uma conscincia coletiva, em que sobressai oprincpio de justia como princpio fundamental, expresso no se-gundo imperativo categrico kantiano, assim interpretado:

    ver no homem a pessoa moral, trat-lo sempre como um fim em simesmo, nunca como um simples meio, to longe est de habitu-loa tomar-se a si mesmo por um fim nico, que, ao contrrio, tantomais sentir ele seus laos com os outros homens e o que lhes deve,quanto mais se fizer um homem2.

    1 AZEVEDO, Fernando. O segredo da renascena e outras conferncias. So Paulo:Empresa Editora Nova Era, 1925. p. 40, citando o livro Kant et Fichte et le problme delEducation, de Paul Dproix.2 Idem, p. 41.

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    Aqui transparece o racionalismo do educador, inspirado em Kant.Nos seres racionais, a mera apreenso de um bem moral leva a umagir adequado, a uma ao boa. O que bom (e justo) deve serdesejado por si s, por ser bom em si mesmo, parte de suasrelaes com outras coisas. A justia em si mesma a razo de aesjustas. O fato moral essencial deve apresentar a caracterstica de uni-versalidade reconhecida pela razo humana. Kant encontra no pri-meiro imperativo categrico essa universalidade: No agir senode acordo com uma mxima que possa tornar-se lei universal.

    Kant indaga, prosseguindo em seu argumento: h de fato seresque valem por si ss e no podem ser meio para mais nada? Emoutras palavras: haver seres que so fim em si prprios? Supondo,entretanto, que haja algo cuja existncia tenha em si valor absoluto,algo que, sendo um fim em si prprio, possa ser uma fonte de leisdefinidas, ento nisso e nisso apenas, deveria permanecer a fonte deum possvel imperativo categrico, isto , uma lei prtica.3

    A resposta kantiana : O homem e qualquer ser racionalexiste como um fim em si mesmo.4 Somente como ser racionalo homem fim em si mesmo. Mas, como saber se os seres hu-manos so fim em si mesmos e no simplesmente meios paraqualquer outra coisa?

    O homem necessariamente concebe sua prpria existncia como tal.Temos ento um princpio subjetivo das aes humanas. Mas todosos seres humanos percebem sua existncia de modo similar, baseadosno mesmo princpio que serve para mim: deste modo , ao mesmotempo, um princpio objetivo5.

    Se, ento, fato de ser um ser racional que torna cada homemum fim em si prprio, segue-se que o mesmo raciocnio deve seraplicado a todos os seres racionais. Nossa razo reconhece todos

    3 FIELD, G.C. Moral Theory: an introduction to ethics. London: University Paperbacks Methuen, 1966 (1st edition, 1911), p. 30.4 Idem, ibidem.5 Idem, p. 31.

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    os seres racionais como fins em si mesmos e obriga-nos a trat-losassim, mesmo que nossas inclinaes nos levem a considerar-noscomo fim e todos os outros seres como meios. Isso, claro, seriacontraditrio e a razo o probe. Surge ento a segunda lei. Funda-mentando-se nela, Fernando de Azevedo elabora as relaes entremoral individual e social: Aja de modo a tratar a humanidade,quer na sua prpria pessoa ou qualquer outra, em todos os casos,como um fim em si mesmo, nunca como um meio apenas.6

    O homem, como ser racional, consciente e sujeito lei moral, bom em si mesmo. No pode ser usado como meio para seatingir outro fim. Graas ao reconhecimento irrecusvel da razohumana, o domnio prtico da moral assume um sentido prenhede significados. Como a ordem psicolgica depende da razo,assim tambm a ordem social estaria condicionada ao exercciodessa faculdade. Mas esse objetivo, para Fernando de Azevedo, alcanado, pelo menos em grande parte, mediante a educao, quedeve realizar uma sntese racional da oposio entre indivduo esociedade. No livro Novos caminhos e novos fins, resultado de sua pr-tica poltica e pedaggica, como Diretor de Instruo Pblica noDistrito Federal (1926-1930), desenvolve o tema:

    Eu tenho da vida, e, portanto, da educao, uma concepo integralque no me permite considerar o homem apenas como instrumentode trabalho; que me criou a conscincia da necessidade de aproveitar, naeducao, todas as foras ideais, isto , tudo aquilo que d sentido evalor vida humana, e, que, portanto, me obriga a reivindicar para oindivduo os seus direitos em face da sociedade, qual, alis, ele tantomais se adaptar e servir como unidade eficiente, quanto mais desen-volver e aperfeioar sua personalidade, em todos os sentidos. Se osproblemas da educao se devem resolver em funo da sociedade e sea educao deve servir para edificar a sociedade nova, no menos certo

    6 Idem, ibidem. Uma anlise penetrante desse imperativo tambm feita por LucienGoldmann, para quem Kant conseguiu concentrar ali a condenao mais radical da

    sociedade burguesa e formular o fundamento de todo o humanismo. GOLDMANN, Lucien.

    Introduction la Philosophie de Kant. Editora Gallimard, 1967, pp. 235-236.

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    que s redundar em proveito da sociedade o indivduo, cuja persona-lidade atingir o mximo de desenvolvimento e, portanto, de eficin-cia dentro de suas aptides naturais. No vejo onde colidem e seopem os interesses do indivduo e da sociedade, na escola socializa-da, que tem por base psicolgica o respeito personalidade da criana.A educao nova , de fato, e deve ser uma iniciao na vida econmicae social, e, pelo trabalho educativo, uma iniciao no trabalho profissi-onal e nas atividades produtoras; ela tem, e deve despertar e desenvol-ver o sentido da vida econmica, o culto do trabalho, da mquina, e dacincia; mas a economia, a cincia e a mquina s adquirem sentidohumano porque nos proporcionam os meios indispensveis criaoe ao gozo de ideais e de valores da cultura7.

    A ideia de uma finalidade moral para a educao persistir natrajetria de seu pensamento, ainda que acrescida, atravs de proces-so de conciliao e superao, das finalidades sociais de educao;no existe oposio irredutvel entre os deveres do indivduo e osinteresses da comunidade, sendo impossvel ignorar a repercussoprofunda do trabalho de cooperao e do esprito de solidariedadesocial sobre a conscincia humana. Formao da personalidade morale do sentido social seriam, portanto, as duas finalidades essenciais doprocesso pedaggico.

    Numa sociedade em processo incipiente de modernizao (in-dustrializao, aumento da fora de trabalho etc.), Fernando deAzevedo, influenciado por Durkheim, Kerchesteiner, Dewey e Lu-natscharsky, pensa a questo social e educacional, vinculando-as,desde 1923, com a tica poltica. Para ele, nessa poca, a chave doproblema social estaria em uma reforma moral e religiosa, endos-sando a encclica De Rerum Novarum, de Leo XIII, profunda-mente humana porque reduz, em ltima anlise, a questo social auma questo tica8.

    7 AZEVEDO, Fernando. Novos caminhos e novos fins: a nova poltica da educao noBrasil. 3 ed. So Paulo: Edies Melhoramentos, 1958. pp.19-20.8 FERNANDO DE AZEVEDO, No Tempo de Petrnio. Ensaios sobre a Antiguidade Latina,3 ed., revista e ampliada, So Paulo, Edies Melhoramentos, 1962, pp. 57 e 58.

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    Se a tica exigncia que se impe ao homem pela razo, oexerccio da criticidade comea a ser visto por Fernando de Aze-vedo como condio indispensvel para uma ao racional na rea-lidade. Criticidade no seria, entretanto, apenas clarificar o uso dosconceitos, remover obscuridades, contradies. Seria tambm exa-minar, julgar, dar valor e escolher o que deve ser criticado. Sassim atingir-se-ia a sabedoria que , ao mesmo tempo, cincia evirtude, dois produtos da razo humana. Homem culto aqueleque exerce a capacidade crtica, diferencia, raciocina incansavel-mente sobre a realidade que o cerca. Por isso, preciso meditar nafuno do educador: O mestre no deve ensinar pensamentos,mas ensinar a pensar (Kant). Pensar bem penetrar uma ques-to, esquadrinh-la em todos os recantos e encar-la por todas asfaces que apresenta (Fernando de Azevedo)9.

    Delineia-se a necessidade de identificar a metodologia a serempregada.

    Como enfim seno pelo hbito de observao e reflexo, poderemospensar fortemente, remontar atrs na srie das causas e impelir-nospara adiante na srie das consequncias, aprofundar a psicologia dascoisas, estudar o homem e os fatos, nas suas relaes ntimas com astradies, a raa e o meio?10

    Mas a vida, sempre a grande predicadora, ensina que precisoviver a vida atravs da vida, conduzindo o predicado moral auma referncia prtica, pelo contato imediato com as realidadesde vida e no esse otimismo americano, produto de um idealismoexcessivo, das obras pregoadas por estimulantes, de Ellick-Morn ede tais quejandos alqumistas, eternamente absorvidos na tentativailusria de procurar a pedra, que transforme em felicidade inopi-nada tudo o que existe no reino da dor e do trabalho11.

    9 Idem, pp. 19 e 20.10 Idem, p. 23.11 Idem, pp. 31-32.

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    Em meio a esse idealismo crtico vai buscar em antigo estudosobre Descartes os fundamentos tericos de uma preocupao pe-los problemas da finalidade das cincias e da importncia da experi-ncia e da observao: O imaginrio, fosse o racional, no o quenos importa; preciso tomar p no real e evitar sempre a precipi-tao e o preconceito. Podemos pressenti-lo; mas no adivinh-lo; autilidade a nossa ambio e nosso fim; a cincia feita para o homeme no o homem para a cincia12.

    Este p no real certamente foi colocado por Fernando deAzevedo ao fazer o Inqurito sobre a Educao, em 1926, para oEstado de So Paulo, por sua experincia com a reforma da Instru-o do Distrito Federal, em 1928, e pelo exerccio de sua vida comosocilogo e educador. J no apenas o professor de literatura, oespecialista em educao fsica (o seu primeiro livro, publicado em1920, sobre ginstica!) que fala. Seu pensamento ganha conciso,procura ir direto coisa:

    Na base da civilizao atual, esto a mquina, que produto e obra dacincia e as ideias igualitrias, cujo desenvolvimento se deve, em grandeparte, s prprias descobertas e conquistas cientficas. A cincia. [...]contribuiu para o nivelamento das classes e para a solidariedade socialpela interpenetrao cada vez mais rpida e profunda dos grupos hu-manos. No se pode, pois, separar democracia da cincia, num sistemade educao popular13.

    Havia, no Brasil, o choque entre duas mentalidades. A diferenaera a maneira de encarar as transformaes polticas e sociais queuns viam como fatos e problemas e outros como espectros e fan-tasmas. A atitude azevediana de desassossego intelectual, o esp-rito de pesquisa, exame e reviso, constantes.

    12 BERTRAND, Alexis. Descartes et 1'ducation, Revue pedagogique, set. out. 1897,in O Segredo da Renascena e outras conferncias. So Paulo: Empresa Editora NovaEra, 1925, p. 24. Grifos meus.13 AZEVEDO, Fernando. Novos caminhos e novos fins: a nova poltica da educao noBrasil. 3 ed. So Paulo: Edies Melhoramentos, 1958, p. 19.

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    Ns que vivemos em estado inquietao, nos empenhamos na revisoconstante de nossas doutrinas, duvidando de ns mesmos, semdescrermos da eficcia de nossos esforos, e trocando a f baseadasobre o hbito e sobre a autoridade tradicional pela f que repousa sobre aexperincia, as necessidades e os fatos14.

    A racionalidade azevediana, entretanto, no pode ser equacionadadiretamente com o esprit de gomtrie cartesiano. Em carta a AlziraVargas explica como, para ele, a inteligncia humana multifacetada,envolvendo vrias dimenses.

    Fui sempre, tambm eu, um inquieto em torno desse terrvel pro-blema de educao moral, mas toda a minha preocupao a de notrair pelos meios as finalidades que preciso atingir. O fim profundoda educao , certamente, o aperfeioamento moral do indivduo.Nada, porm, (e este um conceito socrtico) nos levar a maiorapuro moral do que o cultivo da inteligncia nas suas formas essen-ciais de penetrao compreensiva, de alcance imaginativo e de infor-mao esclarecida. [...] A inteligncia , de fato, qualquer coisa demuito mais amplo, muito menos geomtrico, muito mais real doque a razo do mundo cartesiano15.

    Fernando de Azevedo acentuou, ao longo de sua vida, emseus trabalhos e depoimentos, a necessidade do esprito cientfico,da objetividade. Perguntado16, pouco antes de morrer, pela carac-terstica essencial da cincia, respondeu: a objetividade. E ele a de-finiu, ento, como sujeio ao objeto, aliada a um esforo de an-lise e reflexo. Percebeu, porm, que nem a realidade, nem o sujei-to, que tenta compreend-la, so transparentes. H no socilogoeducador, mesclada ao seu indefectvel racionalismo durkheimiano,

    14 AZEVEDO, Fernando. A educao e seus problemas. 4 ed., tomo I, revista e ampliada.So Paulo: Edies Melhoramentos, 1958, p. 17. Grifos meus.15 AZEVEDO, Fernando. Carta a Alzira Vargas do Amaral Peixoto em 3 de setembro de

    1938. Arquivo Fernando de Azevedo. Instituto de Estudos Brasileiros. Universidade de

    So Paulo, pasta 48.16 Depoimento prestado em 30 de novembro de 1973. A partir da definio do conceito de

    homem, Fernando de Azevedo abriu um debate com estudantes e professores. Arquivos

    fonogrficos da IEB, USP.

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    uma nostalgia do no previsvel, do incontrolvel, que a intuio ea imaginao oferecem.

    Penetrando todos os domnios do ensino, da geografia como da hist-ria, das lnguas e das literaturas, esse movimento de conquista doesprito cientfico no s contribuir, aqui como em outros pases, paraa renovao dos mtodos nos mais diversos setores de estudos, comotambm lhes alargar cada vez mais as perspectivas. Certamente per-manecero sempre irredutveis a toda disciplina cientfica a sensibili-dade, o gosto e a fantasia livre que imperam, soberanas, no reino dasartes e constituem o segredo da seduo incomparvel de suas criaesimortais. Mas no somente no domnio literrio ou artstico que seexpandem, em toda a sua fora, as intuies luminosas e o poder daimaginao, e satisfaz o esprito humano s suas exigncias de beleza ede harmonia como ao desejo sempre renovado do desconhecido e domistrio. A harmonia de construo das teorias matemticas, querprovenientes das sugestes e das inspiraes da intuio, quer originadasda potncia criadora do engenho humano, ou das teorias cientficas,experimentalmente comprovadas, apresenta-se a qualquer esprito queseja capaz de penetr-las e ame por instinto todas as formas que poderevestir a beleza, como uma fonte maravilhosa de prazer esttico, se-melhante ao que proporciona aos homens literariamente cultos a be-leza de um poema em que a observao, a arte e a fantasia solicitam erepousam a imaginao17.

    Se a cincia procura desfazer mistrios, clarear zonas obscurasda realidade, a arte, ao contrrio, avanaria no terreno do obscuro edo mistrio. Mas tambm nas regies do desconhecido que a cin-cia, como toda criao, desenvolve seu trabalho criador, diante dainesgotabilidade dos problemas colocados pela vida. Os homens dacincia so, eles tambm, poetas, porque no cientista, tanto quantono poeta, existiria essa busca do desconhecido, a necessidade defugir do dj vu, das realidades aparentes, da doxa. Partindo do obs-curo, do aparente, do velado, deseja chegar s ideias claras, reali-

    17 AZEVEDO, Fernando. A educao e seus problemas. 4 ed., tomo II, revista e ampliada.So Paulo: Edies Melhoramentos, 1958, pp. 79-80.

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    dade, verdade. atrado pelo caos perturbador, mas tentatransform-lo num cosmos racional e compreensvel, extraindo dosfenmenos, leis, e do desconhecido, o conhecido. Apesar disso, suasensibilidade esttica o impele para o lado incompreensvel da vida,para aquilo que Fernando de Azevedo qualifica de iluso.

    A iluso acaba sempre por tirar a sua desforra sobre a verdade. Pormais que se desenvolva (e nunca ser demais favorec-lo) o culto dacincia pura ou aplicada e de seus mritos rigorosos, h de se encontrar,pois, no fundo das almas, a persistncia dessas longnquas tendnciashereditrias que as fazem rondar s portas do mistrio e do desconhe-cido, da arte, da beleza e da religio18.

    No sem uma profunda razo, entretanto, amou Fernando deAzevedo o Satiricon, de Petrnio. que ali a fico retrato, estetica-mente perfeito, trespassado pela lucidez sociolgica de Petrnio, deuma realidade insustentvel. Caracteristicamente, Fernando de Aze-vedo procura uma conciliao, uma coincidncia de vises de mun-do aparentemente opostas. A arte a iluminao da realidade e acincia, viso e descrio:

    Enquanto tivermos sensibilidade e gosto, capacidade de sonho e deimaginao, os cidos da lucidez no podero atacar o sentimentoesttico seno para fazer nele efervescncia e desenvolver, com o esp-rito crtico, o entusiasmo pelas coisas belas, sejam construes tericasdo saber humano, sejam as criaes do gnio artstico e literrio. So oshomens de cincia que, nos seus laboratrios, nos desvendam osmistrios que se ocultam na natureza ou mais propriadamente namatria, mas so os sbios, pensadores e artistas, que nos descobrematravs do que passa, o que fica, ou nos recolhem e lhes do forma,para transmitir-nos as impresses de que cada dia a vida nos perturbae nos enriquece; e nesse prisma mudvel, em que as coisas se ilumi-nam ou se transfiguram, que nos comprazemos em seguir a refraoda vida e do universo. A arte nos d, portanto, a viso, doce ou vio-lenta, a iluminao de uma realidade, com mais ou menos parcialida-de, enquanto a cincia nos d a viso da realidade com o maximum de

    18 Idem, p. 81.

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    objetividade e de exatido. Procuramos, enfim, marchar dentro daclaridade; e, a zona de claridade se vai fazendo e ampliando volta dens, por toda parte em que os homens se sacrificam na procura daverdade, pelo exame dos fatos19.

    A educao, portanto, contem em si mltiplas possibilidades. Umadelas a de conduzir o indivduo, atravs do exerccio da razo, pelocaminho de uma tica ao mesmo tempo individual e comunitria. Oesprito de solidariedade seu resultado. A outra seria a de considerarque o esprito crtico, usado por Fernando de Azevedo no sentido deapreciao rigorosa de cada problema, a via real da razo que busca,em processo de aproximaes sucessivas, solues para as questesque o mundo apresenta. A razo azevediana, entretanto, contm di-menses mais amplas que a razo em seu sentido restrito, cartesiano.Na verdade admite que a inteligncia humana no s lgica, mastambm imaginao e capacidade criadora.

    Fernando de Azevedo em 1926, poca em que publicou o Inqu-rito sobre a Educao, pesquisa encomendada por Julio de MesquitaFilho, diretor de O Estado de S.Paulo.

    O projeto azevediano de reconstruo

    O que faz de nossos estudantes mestres to idiotas quetudo quanto veem ou ouvem nas escolas no lhes oferece

    nenhuma imagem da sociedade.Petrnio, Satiricon.

    A nova mentalidade dos fins sociais da educao

    O surgimento de uma conscincia educacional emergiu de umagerao vtima, ela prpria, das falhas do meio social e do sistema deeducao em que se formou20. Por isso, tentar inscrever no seu progra-

    20 AZEVEDO, Fernando. A educao entre dois mundos: problemas, perspectivas e orienta-es. So Paulo: Edies Melhoramentos, 1958. Introduo ao Manifesto de 1932, p. 47.19 Idem, ibidem.

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    ma de ao reformas econmicas, sociais e pedaggicas. Essa consci-ncia no eclodiu de repente, aps a Revoluo de 30, mas j estavaem desenvolvimento desde os anos 20, quando se processaram refor-mas escolanovistas em diversos estados21. Com a dupla presso deuma crise universal Guerra de 1914 e Revoluo Russa e, maistarde, com a crise por que passou a Repblica com a Revoluo de1930 um grupo de educadores tenta refletir e submeter as institui-es, os homens e os fatos a um processo de reviso e crtica. Idea-listas prticos, realistas a servio do esprito, assim os classifica Fernandode Azevedo. Acredita-se que a educao possa ser fator importante,se bem que no o nico, de transformao social, na medida em quequalquer projeto de reconstruo nacional necessita de uma fora detrabalho suficiente, tcnicos e universidades onde se desenvolvam, nocampo das diversas cincias, pesquisas tericas e prticas. Est-se, noBrasil, quase na estaca zero. Educao elitista, percentual imenso deanalfabetos. preciso, antes de mais nada, que se estabelea o novosistema de fins sobreposto ao sistema de meios, apropriado aosnovos fins necessrios para realiz-los22.

    Duas ideias-vetores parecem constituir o cerne no s da Re-forma Educacional, realizada por Fernando de Azevedo, em 1928no ento Distrito Federal quando exerceu o cargo de Diretor deInstruo Pblica como tambm do Manifesto dos Pioneiros daEscola Nova, redigido por ele.

    1) A necessidade de uma mudana de mentalidades, condioessencial para que se possa resolver problemas urgentes darealidade educacional brasileira.2) A constatao de que o problema da educao comportauma discusso de suas finalidades, sendo, portanto, um pro-blema de ordem filosfica e poltica.

    21 NAGLE, Jorge. Educao e sociedade na Primeira Repblica. E.P.U./ MEC, 1976.(Reimpresso).

    22 AZEVEDO, Fernando. A educao entre dois mundos: problemas, perspectivas eorientaes. So Paulo: Edies Melhoramentos, 1958, p. 49.

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    Uma transformao de mentalidades estaria vinculada ao idealde um novo humanismo e possibilidade de se fazer da escola umelemento ativo e dinmico na sociedade, contribuindo eficazmentepara uma verdadeira mudana social e cultural, ao introduzir novosfins ao processo e prtica educativos. Esses fins, por sua vez, depen-deriam de ideais filosficos e polticos que deveriam ser analisados.

    Em 1925, Fernando de Azevedo pergunta: Que a escola,no conceito moderno, seno a preparao para a vida? Trata-se,antes de mais nada, de abandonar uma concepo social venci-da, escola da erudio sem sentido, produtora e reprodutora deintelectuais agentes da perpetuao do status quo, por uma outraconcepo de vida, eminentemente social, em uma poca que acor-dava para a questo social e a da unidade nacional.

    Pelo que se pode depreender de seus textos, essa concepo ino-vadora da escola daria nfase no apenas preparao para o traba-lho, um mnimo de conhecimentos necessrios prtica racional deum trabalho, mas tambm conscincia dos deveres e ao exercciodos direitos do cidado. A reforma de 1928 extraiu sua fora deexpanso, assim ele pensa, de uma ideologia clara, firme e franca-mente renovadora, dominada por uma nova concepo de vida23.

    Essa nova concepo de vida comporta uma crtica s ideolo-gias que teriam at ento dominado a mentalidade educacional. ParaFernando de Azevedo, seria necessrio perceber o trabalho de for-ma diversa, como a maneira de o homem influir ativamente na vidanatural, modificando-a, transformando-a, socializando-a. A educaoseria nica, isto , igual para todos no nvel primrio e para que issofosse possvel seria necessrio o auxlio da Unio. S assim, teorica-mente pelo menos, haveria difuso universal do ensino, sem prejuzoda qualidade e sem discriminaes classistas.

    23 AZEVEDO, Fernando. Novos caminhos e novos fins: a nova poltica da educao noBrasil. 3 ed. So Paulo: Edies Melhoramentos, 1958, p.16.

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    Curiosa a identidade de opinio do socilogo-educadorFernando de Azevedo e do poltico Antnio Gramsci24, com res-peito escola tradicional. Em ambos se delineia uma forte crtica escola tradicional, instalada para uma concepo burguesa que man-tm o indivduo na sua autonomia isolada e estril, resultante dadoutrina do individualismo libertrio25. [...] e uma apologia da es-cola socialista reconstituda sobre a base da atividade e da pro-duo, em que se considera o trabalho como a melhor maneira dese estudar a realidade em geral (aquisio ativa da cultura) e a melhormaneira de se estudar o trabalho em si mesmo, como fundamentoda sociedade humana...26

    Azevedo, como Gramsci, critica acerbamente toda cultura ver-bal, demais afastada do concreto, cheia demais de retrica e poesia,demais desdenhosa das realidades humanas, sem contrapeso cient-fico. Se Gramsci vincula a herana retrica influncia da culturaclssica ensinada nas escolas italianas, Fernando de Azevedo atribuiessa cultura arcaica ao fato de nossa colonizao ter sido feita porum Portugal transmissor de cultura escolstica, tributria de umareligio mais transmissora de rituais que propriamente criadora,eminentemente literria, e nas condies sociais e econmicas que,na maior parte dos pases ibricos, marcam a transio de uma civi-lizao patriarcal para a civilizao tcnica industrial.

    A pregao azevediana, portanto, d nfase necessidade deuma mudana de mentalidades. Se a escola no deve ser apenas oreflexo do meio, mas elemento dinmico, capaz de contribuir parauma obra de transformao social, faz-se necessria uma outra

    24 Interessante tambm o acordo de ambos, em poca anterior, quanto aos motivos

    para defesa do ensino do latim: disciplina mental, formao civil, sabedoria histrica etc.

    Fernando de Azevedo, entretanto, modificou suas ideias a respeito, diferentemente de

    Gramsci, que fez at o fim da vida a apologia do latim, inseparvel da cultura italiana.

    Veja-se, a esse respeito, o livro Gramsci e la cultura contemporanea, Editori Riuniti,Instituto Gramsci, 1975 (vrios autores).

    25 AZEVEDO, Fernando. A educao entre dois mundos: problemas, perspectivas eorientaes. So Paulo: Edies Melhoramentos, 1958, p. 64. Manifesto da Escola Nova.26 Idem, ibidem.

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    maneira de encarar o Brasil, a questo social, as finalidades da edu-cao. Se bem que atribua aos fatores econmicos, s condiesmateriais da existncia, grande importncia e da a necessidadede, conjuntamente com as reformas educacionais, serem introdu-zidas reformas econmicas , confere aos fatores ideolgicos eculturais um lugar privilegiado. Fazer educao , preliminarmen-te, tomar o sentido da vida e nas altas regies do pensamentoque se esclarecem e definem a concepo e o sentido da vida, e,portanto, os ideais, as diretrizes e os princpios da educao.

    O confronto do sistema escolar com o conjunto do sistema social,levando-nos a rejeitar o ideal concebido como absoluto nos deu osentimento do relativo, no s quanto ao papel da escola na sociedade,como no ideal que a deve corrigir. A nossa concepo de ideal estreitamenteordenada nossa representao da realidade. Ora, se o jogo das causas econ-micas e o progresso das mquinas desenvolveram, na sociedade atual,o predomnio da indstria que criou uma civilizao em mudana, oalargamento quantitativo das sociedades, com a multiplicao dos cr-culos e dos contatos sociais, trouxe em consequncia o desenvolvi-mento das ideias igualitrias, que presidem a nossa evoluo social. Aeducao nova, nas suas bases, na sua finalidade e nos seus mtodos, no podia,pois, fugir, de um lado, s ideias de igualdade, de solidariedade social e de coope-rao que constituem os fundamentos do regime democrtico, e por outro lado sideias de pesquisa racional, trabalho criador e progresso cientfico, que guiam asociedade cada vez mais libertada da tirania das castas e da servido dos preconcei-tos. Se a educao a socializao do indivduo, se ela tem por objetivosobrepor uma natureza social s naturezas individuais, no estudo ecomparao das utilidades sociais, nas reflexes que resultam dessasrealidades, que se tem de buscar os ideais e lanar os fundamentos desuas reformas27.

    O que almeja nada menos que uma revoluo na educao,transformao coprnica28 com a participao do povo, at en-to, em sua maioria, alijado do processo educativo. So as ideias que

    27 AZEVEDO, Fernando. Novos caminhos e novos fins: a nova poltica da educao noBrasil. 3 ed. So Paulo: Edies Melhoramentos, 1958, p.17. Grifos meus.

    28 AZEVEDO, Fernando. No tempo de petrnio: ensaios sobre a antiguidade latina. 3 ed.,revista e ampliada. So Paulo: Edies Melhoramentos, 1962, p. 59.

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    se refletiro no manifesto da Escola Nova, com nfase na escolanica (para todos), universal e gratuita, na escola do trabalho e naescola-comunidade. A escola-comunidade, sob o regime deautogoverno e de corresponsabilidade de mestres e alunos, permi-tiria a interveno dos alunos na prpria administrao, habituando--os ao governo, isto , a pensar e agir em funo do bem coletivo, criando aconscincia da funo social da riqueza29.

    Em Novos Caminhos e Novos Fins, Fernando de Azevedo expede maneira clara os ideais da Escola Nova:

    A reforma da educao com que se institui a escola para todos (escolanica), organizada maneira de uma comunidade e baseada no exerccionormal do trabalho em cooperao, implantou no Brasil escolas novaspara uma nova civilizao. Pondo na base as ideias igualitrias de umasociedade de forma industrial, em marcha para a democracia e na cspideda pirmide revolucionria da reforma, os ideais de pesquisa, de experi-ncia e de ao, quis o estado preparar as geraes no para a vida, segun-do uma representao abstrata, mas para a vida social do seu tempo, sobum regime igualitrio e democrtico em evoluo, transmudando a es-cola popular no apenas em instrumento de adaptao (socializao)mas num aparelho dinmico de transformao social. Para este fim, areforma articulou a escola com o meio social, modificou a sua estruturaremodelando-a num regime de trabalho e de vida comum, sob a feiode uma comunidade em miniatura, em que seriam utilizadas as diversasformas de atividade social, que desenvolvem o sentimento de responsa-bilidade, de sociabilidade e de cooperao30.

    Para ele, os maiores obstculos concretizao de seus ideaiseducacionais no projeto de reconstruo nacional leia-se demo-cratizao em um sistema capitalista so de ordem cultural e ideo-lgica. Dificilmente se levaria a bom termo, uma modificao nosistema educacional, num projeto educacional contextualmente toavanado quanto o dele, sem uma nova concepo de vida. Cote-jando a reforma de 1928, no Distrito Federal, com o texto do Ma-

    29 AZEVEDO, Fernando. Novos caminhos e novos fins: a nova poltica da educao noBrasil. 3 ed. So Paulo: Edies Melhoramentos, 1958, pp. 85 et passim. Grifos meus.30 Idem, p. 17.

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    nifesto dos pioneiros da Escola Nova ver-se-, porm, que as ideias prin-cipais do ltimo esto contidas na primeira, excetuando-se, claro, aseo referente criao de universidades e a nfase na laicidade. Enem poderia ser de outra forma, j que a reforma foi realizada e omanifesto redigido por Fernando de Azevedo...31 As circunstncias, claro, seriam diferentes. A reforma efetivou-se no governo doPresidente Washington Lus, tendo sido Fernando de Azevedo tra-zido ao Rio pelo prefeito Prado Jnior e por Alarico da Silveira,secretrio do presidente. O manifesto surgiu da necessidade de sedelinear algum projeto educacional mais amplo depois da Revo-luo de 30, que no trouxe consigo um iderio educacional preciso.

    Essa nova tbua de valores, entretanto, se no se constitui nalinguagem corrente das classes dominantes, polticas ou burocr-ticas, Fernando de Azevedo a apresenta como a mais racional den-tro de um alargamento da prpria mentalidade burguesa. Os fra-cassos e vicissitudes do processo de democratizao do ensino seri-am devidos ao extremo obscurantismo que caracteriza a burguesianacional (e no apenas as classes dominantes), incapaz sequer de vi-ver seu papel histrico. A raiz disso tudo, Fernando de Azevedo adesenterra na complexidade de nossa cultura, autoritria e conserva-dora, sofrendo daquela doena que mais tarde qualificar desinistrismo. A revoluo educacional, por conseguinte, deveria pas-sar-se dentro dos limites do prprio sistema burgus. No se trataapenas de uma modificao reformista, no sentido de ser imposta massa pelos intelectuais-educadores. No. A noo de escola-comu-nidade, como veremos adiante, a possibilidade da entrada de umaoutra cultura, do ingresso no sistema educacional de modos de vere sentir diferentes. A abertura para o desconhecido, de repercussesimprevisveis, e na qual se pode perceber a influncia europeia dasSchulgemeinde [comunidade escolar] de Paulsen, seria talvez a ideiamais fecunda de Fernando de Azevedo.

    31 A esse respeito, h duas cartas de Fernando Azevedo para Frota Pessoa.

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    No , todavia, radical, se radical for apenas o pensamentoque recusa reformas em nome de uma hipottica revoluo futu-ra. Duas solues diferentes, que Fernando de Azevedo procurousuperar, atravs de sua ao como educador, pela construo deum sistema educacional mobilizador e capaz de ativar pela forade sua prpria organizao as potencialidades educacionais do pasintervindo no desenvolvimento econmico, poltico e cultural. Suanfase na necessidade de uma mudana de mentalidades radica nasua convico de que no adianta mudar o sistema educacionalapenas na exterioridade de suas regras manifestas. Seria precisoque se modificasse at mesmo aquela concepo de vida, aquelaideologia, enfim, que no mera excrescncia ou reflexo defor-mante, mas uma dimenso essencial das condies da existncia,na medida em que determina a significao das prprias condutassociais. O que importaria, para ele, a modificao no tanto doscontedos j codificados por nossa cultura, mas o prprio sistemade codificao da realidade: uma nova mentalidade. Conceito im-portante para Fernando de Azevedo, mentalidade parece signi-ficar um conjunto de disposies, de hbitos de pensar e crenasfundamentais. Comporta, por conseguinte, no apenas tendnciasintelectuais, como tambm afetivas e volitivas. A expresso mu-dana de mentalidade refere-se, em ltima anlise, necessidadede uma atitude diferente, um alargamento do horizonte mentaldaqueles que se ocupavam (e preocupavam) com os problemasda educao no Brasil.

    O inqurito de 1926: um momento decisivo

    Cinquenta anos aps o inqurito sobre educao realizado porFernando de Azevedo para o jornal O Estado de S.Paulo, o quechama ateno a permanncia dos mesmos problemas, j agoraaumentados exponencialmente por fatores de ordem demogrfica,social e poltica.

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    O clebre inqurito, publicado mais tarde sob o ttulo de Edu-cao na encruzilhada32 , na verdade, documento histrico de umapoca de transio que nela se reflete com suas contradies inter-nas, seu apego ao passado e suas novas tendncias educacionais. ao mesmo tempo uma obra atual, pelos problemas que discute eque ainda no saram da tela de debates. No prefcio 2 edio(1960), Fernando de Azevedo constata:

    Pois nessa encruzilhada que ainda hoje a educao se encontra, igual-mente perplexa hesitante em escolher, entre as perspectivas e orienta-es que se lhe oferecem, a direo mais consentnea com as novascondies da civilizao [...] Entre os que foram ouvidos todos,autoridades na matria, encontram-se, porm, representantes de di-versas correntes de pensamento pedaggico, conservadoras e radicalis-tas, que era do maior interesse fixar em um inqurito destinado areproduzir fielmente a realidade social e cultural e as tendncias ideol-gicas daquele tempo. Pois o perodo que se seguiu Primeira GuerraMundial (1914-18), foi para ns uma fase de transio, certamentelenta, mas bem definida, como dizia a princpio, entre a educao tradi-cionalista e as novas ideias de educao. O inqurito ou o livro em quese publicou, e que antes de tudo o levantamento de uma situao,tem ainda esse valor documentrio, de ser um testemunho sobre aevoluo dos espritos e das ideias nessa poca. O que ele apanhou aovivo, a mudana de atmosfera cultural, resultante das transforma-es que se operavam na estrutura econmica de So Paulo, mas sema intensidade necessria para influrem de modo decisivo na mentali-dade do professorado e no aparelhamento institucional da educao.O sistema educacional, herdado da tradio, conservava ainda, porvolta de 1926, uma continuidade sem ruptura, mas no sem desvios eacidentes. A perda da crena em certos valores antigos, a inquietao e odesejo de uma tomada de conscincia da realidade e de planos dereconstruo j se acusam, no entanto, fortemente, na quase totalidadedos depoimentos tanto mais expressivos quanto mais se considerar adiversidade de posies ideolgicas de seus autores33.

    32 AZEVEDO, Fernando. A educao na encruzilhada: inqurito para o Jornal O Estado deS.Paulo (1926), 2 ed. Edies Melhoramentos, 1960.33 Idem, pp. 17-19.

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    As reformas administrativas e educacionais levam invariavel-mente discusso da dicotomia entre uma educao, mola pro-pulsora e transformadora da realidade, e educao como instru-mento de conservao apenas e, portanto, inoperante em umasociedade em transformao. Se naquele inqurito j se delineouuma conscincia educacional, para um grupo (restrito) de educa-dores, que queria substituir uma democracia de nome por umademocracia de fato, no menor foi a resistncia passiva deindivduos instalados na rotina, reao obstinada de interessadosem manter o status quo. Participaram do inqurito: ManuelBergstrm Loureno Filho, A.F. de Almeida Jnior, educadores;Teodoro Ramos, engenheiro e matemtico; Artur Neiva, cientista;Navarro de Andrade, especialista em agricultura; Reinaldo Porchat,jurista e professor; Ovidio Pires de Campos, professor de clnicamdica; Roberto Mange, engenheiro; Amadeu Amaral, poeta,escritor e jornalista.

    Fernando de Azevedo chama a ateno para o fato de que aeducao, sufocada pela burocracia asfixiante e rgida, se divorciavacada vez mais do meio em que se inseria, falhando em suas finali-dades sociais e democrticas, montada para uma concepo vencida,havendo uma inadequao entre a real realidade e o sistema edu-cacional. Por que a persistncia dos erros e, portanto, das crticas?Caracteristicamente, d prioridade aos fatores culturais:

    que os elementos adquiridos da tradio nacional se encontramainda, como revelavam naquela poca, bastante vivos para oporemtenaz resistncia s inovaes, e o terreno em que comeava a erguer--se a reconstruo escolar continuava minado pelo formigueiro dasintervenes polticas e das administraes desastradas, provenien-tes, umas e outras, da absoluta falta de conscincia, por parte daselites governantes, da importncia, gravidade e complexidade dosproblemas da educao34.

    34 Idem, p. 23.

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    Loureno Filho, respondendo ao inqurito, percebe que aescola tradicional no serve o povo, e no o serve, porque estmontada para uma concepo social j vencida, e seno morta detoda, por toda parte estrebuchante burguesismo35.

    Com o inqurito de 1926 que, por incrvel ironia, Fernando deAzevedo hesitou em realizar36, iniciam-se seus esforos para com-preender os problemas da educao no Brasil.

    Partindo do princpio de que o conhecimento da realidadeeducacional fundamental, ele faz um primeiro diagnstico econstata que esta realidade desoladora, havendo doloroso con-traste entre a relevncia dos problemas educacionais e a mesqui-nhez do tratamento dado a essas questes. Realiza um levanta-mento, objetivo e arrasador, das caractersticas do Sistema Edu-cacional Brasileiro:

    1) empirismo anrquico;2) interveno desabusada das polticas partidrias, sempre alertase mobilizadas para explorar, nas reformas escolares, o vastocampo que oferecem, com a criao de cargos, para satisfaode interesses subalternos37.3) Uma escola tradicional, rgida e sedentria, cujo smbolo maisrepresentativo o banco escolar, quase convertido em instru-mento mecnico de preciso ortopdica.4) Averso educao tcnica considerada uma agresso aotradicional currculo da escola secundria, organizada especial-mente em vista das exigncias das escolas superiores, e, por-tanto, das profisses liberais.

    35 Idem, p. 102.36 Mas o que ilustra de modo significativo a pobreza do meio de ento em matria cultural o fato de que tivemos as maiores dificuldades para encontrar os elementos necessriosa levar a cabo aquele trabalho jornalstico, pois o prprio Fernando de Azevedo, a quemcometemos a delicada misso de realizar as consultas, no se considerava em condiesde desempenhar-se dela e, por isso, pelo fato de, at aquela data, se ter dedicado a outrosestudos. Foi no decorrer do inqurito que, deixando-se empolgar pelo problema, resolveudedicar-se inteiramente ao assunto em que mais tarde se revelaria um mestre. Julio deMesquita Filho, Poltica e cultura, Livraria Martins Editora, 1969, (pp. 186-189).37 A esse respeito, h carta escrita por Fernando de Azevedo a Francisco Venancio Filho.

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    5) uma idiossincrasia burguesa pelos ofcios manuais e mec-nicos, nutrida e cultivada por uma mentalidade de bacharis edoutores.6) a inexistncia de universidade.J ento percebe (1926) a necessidade de participao dos di-

    versos grupos sociais nas polticas de educao e cultura.Onde quer que se tome a srio esse problema capital (da educao)em que entram em jogo os mais altos interesses da coletividade, opronunciamento dos tcnicos e o debate franco na imprensa e nasassembleias legislativas constituem elementos imprescindveis aoesclarecimento dessas questes ventiladas sempre em todos os seuspormenores e estudadas a todas as luzes38.

    Quanto questo do segredo, vcio inaltervel de nossas polticasde educao e cultura, Fernando de Azevedo assim o denuncia:

    Entre ns, porm as leis de organizao e de reforma de aparelhospedaggicos pecam, na sua quase totalidade, por dois vcios de origemque bastariam para despertar as mais justificveis dvidas sobre a suasolidez e elevao. De iniciativa do Poder Executivo, as reformas,esboadas quase sempre debaixo de um sigilo impenetrvel, sobemcomo questes fechadas, aprovao do Congresso, justamente reco-nhecida por mera formalidade, para transformao de qualquer pro-jeto governamental, em lei. Apressadas na sua elaborao, geralmenteclandestina, de autoria de funcionrios cujos nomes se mantm emreserva sem consulta preliminar s congregaes, sem solicitao p-blica de sugestes e sem debate provocado na imprensa, essas refor-mas ainda encontram, para passagem vitoriosa de todos os erros deque sejam portadoras, as facilidades abertas pela complacncia ilimi-tada das duas Cmaras39.

    Se bem que as finalidades da educao popular tenham sidodefinidas posteriormente, de modo mais claro, por Fernando deAzevedo na Reforma de 1928 e no Manifesto da Escola Nova, deque foi redator, j as enfatiza nesse primeiro inqurito:

    38 AZEVEDO, Fernando. A educao na encruzilhada: problemas e discusses. Inqurito paraO Estado de S.Paulo, em 1926, 2 ed. So Paulo: Edies Melhoramentos, 1960, p. 31.39 Idem, ibidem.

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    Nestas condies s por milagre se poderia ter (em So Paulo) umaparelho de ensino harmnico e integral, posto pela legislao a ser-vio de claros intuitos sociais e educativos e com bastante plasticidadede adaptao s correntes renovadoras do pensamento moderno.Mas, se de um lado, como se v, tem faltado a conscincia da gravida-de e complexidade do problema, abordado quase sempre deafogadilho, em tropelias burocrticas, sem colaborao de tcnicos deresponsabilidades definidas e sem debate pblico, por outro lado,ainda no se fez sentir entre ns, da parte dos dirigentes, aquilo quese pode chamar uma poltica de educao norteada no por ho-mens mas por princpios. Nada que denuncie um grande idealorientador formado no sentido profundo das realidades e necessi-dades nacionais e vivificado ao sopro das ideias cientficas de educa-o. Por isso, com sucederem no poder, homens do mesmo partido,no se criou sequer o esprito de continuidade bastante temperadona forja de ideais comuns, para desenvolver, com esforo pertinaz eininterrupto, e no mesmo sentido, uma poltica de cultura, de basesslidas, de esprito marcadamente nacional e de objetivos precisos40.

    Embora o inqurito se tenha restringido a problemas do Es-tado de So Paulo e tenha sido respondido por educadores da-quele estado, inegvel que ultrapassa as fronteiras paulistas. Osproblemas educacionais do Brasil, em suas linhas gerais, excetuan-do-se, claro, diferenas especficas das diversas regies, apresen-tam semelhanas. Pode-se concluir, por isso, que o inqurito foi atomada de conscincia da questo da educao por Fernando deAzevedo, importando descobrir, j ali, os germes de inabalvelconvico azevediana. Os problemas educacionais so, claro, deordem tcnica. Fazem-se necessrios novos mtodos, uma admi-nistrao eficiente, um professorado capaz e preparado. Mas osproblemas educacionais so, sobretudo, problemas de ordempoltica. Profundamente ligados democratizao e discussodo que fosse um plano de Educao ou de Cultura. Ideias aindaalgo soltas, mas que em sua prtica pedaggica, como reformadore professor, s contribuir para confirmar.

    40 Idem, p. 32.

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    A experincia administrativa no Distrito Federal

    Se a ideia do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova se ori-gina da IV Conferncia Nacional de Educao realizada em Niteri(dezembro de 1931, Rio de Janeiro) e se aquele foi consideradopor Fernando de Azevedo conter o essencial de seu pensamentoem matria educacional, importa chamar a ateno para o fato deque desde a dcada de 20, alguns educadores brasileiros viam anecessidade de uma renovao educacional. O movimento, inicia-do com as Conferncias de Educao (1922), tomou vulto coma fundao da Associao Brasileira de Educao, em 1924, queteve como presidente e incentivador Heitor Lira da Silva (1879-1926). Adquirindo foros de campanha, o movimento irradiou-sepelos estados. As primeiras reformas foram as do Cear (Louren-o Filho, 1923), Rio de Janeiro (Carneiro Leo, 1926), Paran(Lismaco da Costa, 1927), Minas Gerais (Francisco Campos eMrio Casassanta, 1927-1928), Bahia (Ansio Teixeira, 1928),Pernambuco (Carneiro Leo, 1928).

    Mas a reforma empreendida por Fernando de Azevedo, em1928, no Distrito Federal, suscitou polmicas apaixonadas, porqueproduziu uma ruptura no pensamento pedaggico dominantedesde o Imprio, repercutindo sobre diversos estados da Unio.Houve mais que mera reao aos novos mtodos propugnados;as divergncias eram ideolgicas, oriundas de um contraste de vi-ses de mundo diferentes.

    Na tempestade de protestos e aplausos, na corrente de entusiasmoou na avalancha de crticas que levantou por toda parte, no se podedeixar de reconhecer antes o choque de conflitos ideolgicos do queuma simples reao diante de uma reforma com que o Brasil seintegrava no movimento de renovao escolar que se vinha desen-volvendo em alguns pases europeus e americanos41.

    41 AZEVEDO, Fernando. A cultura basileira: introduo ao estudo da cultura no Brasil. Riode Janeiro, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), Comisso Censitria

    Nacional, 1943, p. 657.

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    Sobre o ambiente da poca, assim se expressa o educador:Em 1918 rompia a Inglaterra esse movimento de reformas com oEducation Act de Lord Fisher; em 1919-1920 iniciava-se por uma srie demedidas convergentes, a execuo progressiva da grande obra planejadapor Otto Gloeckel, em Vienna; logo a seguir a Prssia e os estadosAlemes empreendiam, de 1922 a 1925, a reorganizao de seus siste-mas escolares, desenvolvendo-se sob a constituio liberal de Weimar,uma atividade extraordinria de estudos, pesquisas e experincias peda-ggicas; Lon Brard levava a debate, em 1923, na Cmara dos Deputa-dos, uma nova reforma de ensino, na Frana, e nesse mesmo ano, Gentiletraava o plano de reconstruo educacional da Itlia fascista eLunatscharsky, auxiliado por Kroupskaia, atacava igual problema naRssia comunista pela mais audaciosa e radical de todas as reformas queento se realizaram e suscitam por toda parte iniciativas semelhantes dereorganizao do ensino em todos os seus graus, de acordo com asnovas correntes de ideias e os novos regimes polticos. Mas, ao mesmotempo que as questes sociais, polticas e pedaggicas, rompendo oscrculos restritos em que se debatiam, de filsofos, homens de cincia,reformadores e polticos, passavam a interessar a opinio pblica domundo inteiro e envolviam o Brasil na rbita de suas influncias, entra-va o nosso pas numa poca de transformaes econmicas, devidasno s aos extraordinrios progressos da explorao agrcola e grandealta dos preos do caf, como ao maior surto industrial que se verificou,na evoluo econmica da Nao. [...] o impulso tomado pela indstrianacional, depois do conflito europeu, criavam o ambiente favorvel fermentao de ideias novas que irradiavam dos principais centros decultura tanto da Europa como dos Estados Unidos42.

    Sem dvida, a experincia azevediana como diretor de InstruoPblica no Distrito Federal, de 1926 a 1930, ensejando-lhe um con-tato direto com nossa misria educacional (o problema fundamen-tal...) e poltica, f-lo tambm pensar de maneira original esses pro-blemas e suas solues. Ao apresentar ao prefeito Antnio PradoJnior seu projeto radical de reestruturao da educao no DistritoFederal, no poderia supor, entretanto, o tipo de recepo negativa

    42 Idem, pp. 643-644.

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    que a princpio teria de enfrentar. Recepo negativa seria talvez amaneira corts de se qualificar o verdadeiro faroeste que se travouna assembleia dos edis tentando bloquear de todos os modos oprojeto pioneiro de Fernando de Azevedo. Ele o defendeu peranteo Conselho Municipal (hoje Cmara dos Vereadores, tido e havidoento como a cloaca mxima do Distrito Federal), suas Comis-ses, e o publico em geral. Fernando de Azevedo manteve-se cal-mo, sereno, durante a longa exposio de motivos. Mas, encenandoo que infelizmente se tornou um acontecimento usual em nossascmaras supostamente representativas, sua explanao do projetoeducacional que idealizara terminou em tumulto, tiros e ordem de seevacuarem as galerias. No meio da confuso, um representante dopovo o apoiou: Orestes Barbosa. Sem conhec-lo pessoalmente, ocriador da cano Cho de estrelas, uma das mais belas da lngua por-tuguesa, saltou em defesa do Diretor de Instruo Pblica.

    Foi atacado por todos, oposio e situao. Houve manobrasde ambos os lados para coopt-lo. Cada lado o procurou, depois,para oferecer apoio com a condio de que tivessem direito a50% das nomeaes. Fernando de Azevedo no aceita tais condi-es, mas consegue manter o projeto na ntegra apoiado pelo pre-feito que obtm tambm a aquiescncia do Presidente WashingtonLus. Surpreendentemente, Maurcio de Lacerda, que a princpio oatacara violentamente, reconhece o alcance do projeto e lhe d seuvoto de confiana.

    Em seu livro Educao e Sociedade na Primeira Repblica, JorgeNagle43, aps definir o movimento da Escola Nova, aponta nocaso da remodelao de instruo pblica no Distrito Federal, umesquema escolanovista diferente, tanto nos pressupostos quantonas consequncias. A obra de Fernando de Azevedo teve uma fi-nalidade eminentemente social, fugindo da distoro tcnica e vendoa educao como problema poltico.

    43 NAGLE, Jorge. Educao e sociedade na Primeira Repblica. E.P.V./MEC, 1976(reimpresso), pp. 255-256.

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    A nova reforma de ensino inspirou-se como se conclui de todas as suasdisposies fundamentais, no propsito de dar escola uma conscinciaprofunda de sua tarefa social e nacional e de se aparelhar dos meiosnecessrios realizao dessa tarefa poderosamente educadora, tantopela intensidade, como pela extenso de sua influncia. Mas essa obra deeducao cvica e social no depende apenas da renovao interior daescola, na sua organizao e nos seus mtodos, com o objetivo deconformar o ensino com a criana e s leis de seu desenvolvimento44.

    Em outras palavras:A reforma no apenas uma reforma de mtodos pedaggicos. areorganizao radical de todo o aparelho escolar em vista de uma novafinalidade pedaggica e social. (...) A educao deve ser uma para todos(nica), obrigatria e gratuita (...) um ponto de partida comum paratodos os alunos dos meios diversos, a poderosa instituio deaprendizagem da vida coletiva, de realizao da unidade nacional.(...) A escola do trabalho a escola em que a atividade aproveitadacomo um instrumento ou meio de educao. Nada se aprende, senofazendo: trabalhando (...). Assim, a tarefa da escola, alm de criar edesenvolver o sentimento democrtico (escola nica), poder trans-formar-se num instrumento de reorganizao econmica pela escolade trabalho. A reforma baseou toda a educao na atividade criadora epesquisadora do aluno, estimulada pelo interesse, que, permitindodesenvolver-se o trabalho com prazer, lhe d o carter educativo de quedeve revestir-se na escola primria. (...) A escola nova se prope, poruma forma de vida e de trabalho em comum, a ensinar a viver emsociedade e a trabalhar em cooperao. O aluno no deve exercer a suaatividade isoladamente, mas quanto possvel, em grupos, em que arealizao e a responsabilidade de um trabalho sejam atribudas avrios indivduos para se habituarem a agir em cooperao, afirmandoa sua personalidade, com esprito de disciplina coordenador de esfor-os individuais (...) A classe dever organizar-se como uma pequenaoficina, de vida e trabalho em comum, onde cada aluno deve tarefacoletiva a sua contribuio pessoal, trabalhando todos no j para omestre, mas antes para a pequena sociedade de que fazem parte45.

    44 AZEVEDO, Fernando. Novos caminhos e novos fins: a nova poltica da educao noBrasil. 3 ed. So Paulo: Edies Melhoramentos, 1958, p.69.45 Idem, pp. 72-74.

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    Apenas secundariamente, portanto, se pode ver na Reforma de28 um interesse nos aspectos de estrutura tcnico-pedaggica daescola, tais como os relacionados com o currculo, o trabalho do-cente e a medida de rendimento. No se trata, portanto, de substituirum modelo poltico por um modelo tcnico. Para Jorge Nagle,estes so aspectos derivados de uma outra natureza mais ampla eprofunda o aspecto social e, por isso, s devem ser considera-dos enquanto instrumentos ou meios para se alcanarem os no-vos fins. , portanto, a estrutura geral de reorganizao ou o sis-tema escolar montado sobre as novas bases que constitui o pontode partida para o julgamento das realizaes do novo modelo em-pregado na reorganizao da instruo pblica do Distrito Federal.Para aquele autor, a remodelao afasta-se, nos seus fundamentos,da que se executou em Minas, bem como representa a integrao, em outronvel, dos ideais poltico-sociais em desenvolvimento desde o incio do sculo com osideais do escolanovismo que apareceram na dcada dos vinte46.

    A concepo azevediana da Escola de Trabalho

    A leitura dos textos azevedianos que se referem escola de tra-balho e suas entrevistas a respeito levam a diversas indagaes. Cer-tamente o objetivo parece ter sido o de possibilitar, atravs de umaescola igualitria e nica, baseada no trabalho em comum, a entradade contingentes de operrios e tcnicos, dotados de preparao pro-fissional sria, no universo industrial brasileiro. O impacto do cres-cente processo de industrializao no mundo, em pases capitalistasou socialistas, e dentro do Brasil, embora ainda em sua fase inicialfoi considervel e influenciou de modo evidente seu pensamentocom relao especificamente ao processo educacional.

    46 NAGLE, Jorge. Educao e sociedade na Primeira Repblica. E.P.V./MEC, 1976(reimpresso), pp. 256-257. Grifos meus. Para o referido autor na reorganizao mineira

    coexistiu a proclamao dos novos ideais com uma estrutura tcnico-pedaggica essen-

    cialmente tradicional. Notam-se, por exemplo, nos artigos 323 e 439, do Regulamento do

    Ensino Primrio, regulamentaes no ativistas, falta de autonomia para o professor etc.

    (pp. 254-255, op. cit.).

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    A educao, no , na concepo azevediana, apenas fornece-dora de conhecimentos. Sua finalidade eminentemente social nosentido de preparar para a vida, na qual o trabalho tem lugar im-portante, mas tambm porque concorre para a formao do sen-tido social do trabalho: a conscientizao de sua importncia. Se verdade que a criana pobre aprender a trabalhar, a criana rica,trabalhando igualmente, aprender a respeitar o trabalho alheio47.At aqui no parece haver incoerncia nem com a nova concepode vida que Fernando de Azevedo propaga nem com as finalidadessociais da educao por ele propostas.

    Trata-se de adaptar o sistema escolar nova concepo socialbaseada no desenvolvimento crescente das cincias, das indstrias e naexpanso correlata das classes operrias. Ora, essa concepo de es-cola de trabalho conflita com um dos pontos mais estabelecidos damentalidade brasileira: o desprezo pelo trabalho manual. H, de fato,uma idiossincrasia da burguesia no Brasil pelos ofcios manuais e me-cnicos, nutrida e cultivada por uma mentalidade de bacharis e dou-tores. Por isso, polticos e educadores, no alto de sua transcendncia,viam na educao tcnica uma agresso ao tradicional currculo daescola secundria, organizado especialmente em vista das exignciasdas escolas superiores, e, portanto, das profisses liberais48.

    Na educao profissional pode-se perceber pelo menos doisaspectos: deve, por um lado, dotar os alunos de slida base profis-sional, de maneira a elevar-lhes o nvel de capacidade tcnica e p-los altura das circunstncias, mediante a prtica racional de umofcio, e, por outro, dot-los de um mnimo de conhecimentos ne-cessrios ao cumprimento dos deveres e ao exerccio dos direitosde cidado. educao tcnica caber:

    47 AZEVEDO, Fernando. Entrevista ao jornal A Noite. Rio de Janeiro, 24 de maio de 1927.48 AZEVEDO, Fernando. Novos caminhos e novos fins: a nova poltica da educao noBrasil. 3 ed. So Paulo: Edies Melhoramentos, 1958, p. 157. Notvel tambm a

    abordagem que o educador fez desse problema em seu livro A Cultura Brasileira, emespecial o captulo II da Parte Segunda dessa obra.

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    elevar o nvel moral e intelectual do operrio; despertar-lhe ou desenvol-ver-lhe a conscincia de suas responsabilidades, como a conscincia dasbases cientficas e a significao social de sua arte; alargar-lhe a visotcnica e artstica; aperfeioar-lhe a tcnica, no sentido do maior senti-mento do trabalho, e transform-lo, por esta maneira, em elemento deprogresso tcnico nas oficinas e nas indstrias nacionais49.

    A revoluo industrial deveria provocar uma revoluo tam-bm na educao, a fim de que esta fosse capaz de responder sconstantes modificaes de um saber cada vez mais complexo. Parase atingir esses objetivos naquela fase industrial (dcadas de 20 e 30)como ainda, e com mais razo, em nossa atual era eletrnica, eranecessria e mais do que isso urgente, a preparao de tcnicosde todos os tipos e nveis, desde os operrios qualificados at ostcnicos dos mais altos escales na hierarquia dos seus quadros. Dis-so tudo decorre a necessidade de uma mudana radical de mentali-dade ou, por outras palavras, de criao e difuso de novos estilosde vida, de pensamento e ao. E o primeiro passo seria uma escolabsica igualitria. Interessante o texto sobre a escola profissional,como tambm o comentrio de Fernando de Azevedo, em entre-vista a jornal, sobre o assunto. Ambiguidades e contradies apa-recem sobretudo no que se refere ao conceito de escola igualitria.

    Assim:Foi o que, antes de tudo, pretendeu a reforma de 1927, transforman-do a escola primria de letras em escola do trabalho (Art. 82 Reg.),reorganizando nas bases de um regime de vida e trabalho em co-mum; dirigindo-lhe os ltimos anos do curso no sentido vocacional(curso pr-vocacional) e articulando as escolas primrias e profis-sionais (Art. 274), por meio dos cursos complementares de feiomarcadamente vocacional, anexos a essas escolas e sob a direo deprofessores primrios. A reorganizao radical da escola primria,baseada sobre o exerccio normal do trabalho em cooperao; o pre-domnio do desenho e dos trabalhos manuais que constituem aatividade fundamental de numerosos ofcios e as largas perspectivas

    49 Idem, p. 160.

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    que abre a reforma a todas as formas de atividade da vida social(cooperativas, caixas econmicas etc.) e s atividades prticas nas ofi-cinas de pequenas indstrias: sobre contriburem para desenvolver ogosto e o hbito das atividades profissionais de base manual oumecnica, concorrem para despertar a vocao, chegar a uma pr-orientao do aluno e levar a uma contribuio notvel obra daorientao profissional das novas geraes. A introduo, com carterobrigatrio, da ficha escolar, com anotaes sistemticas sobre o desen-volvimento, o carter e as aptides do aluno; o exame e o conserto demedidas tendentes a desenvolver, na escola primria, o interesse pelaeducao profissional (Art. 274): a reunio de pais e professores, como fim de orientao profissional e as visitas frequentes dos alunosdas escolas primrias no s s oficinas das escolas tcnicas, como sfbricas e s empresas comerciais e de trfico, mostram evidncia opapel importantssimo da escola primria na obra de orientao pro-fi