Obra “Felizmente há luar” de Luís Sttau Monteiro Surgida no mesmo ano em que o Autor publicou o romance Angústia para o Jantar – mais tarde também adaptado ao teatro – esta peça contribuiu para celebrizar Luís de Sttau Monteiro como dramaturgo, tendo sido bem recebida pela crítica do seu tempo. Baseada na tentativa frustrada de revolta liberal em 1817, supostamente encabeçada por Gomes Freire de Andrade, Felizmente Há Luar! recria em dois actos a sequência de acontecimentos históricos que em Outubro desse ano levou à prisão e ao enforcamento de Gomes Freire pelo regime de Beresford, com o apoio da Igreja, sublinhando um apelo épico (e ético) politicamente empenhado e legível à luz do que era Portugal nos anos 60. Chamando a atenção para a injustiça da repressão e das perseguições políticas, a peça – designada por "apoteose trágica" pelo Autor – esteve proibida até 1974 e foi pela primeira vez levada à cena apenas em 1978, no Teatro Nacional, numa encenação do próprio Sttau Monteiro. CLASSIFICAÇÃO Trata-se de um drama narrativo de carácter épico que retrata a trágica apoteose do movimento liberal oitocentista, em Portugal. Apresenta as condições da sociedade portuguesa do séc. XIX e a revolta dos mais esclarecidos, muitas vezes organizados em sociedades secretas. Segue a linha de Brecht e mostra o mundo e o homem em constante transformação; mostra a preocupação com o homem e o seu destino, a luta contra a miséria e a alienação e a denúncia da ausência de moral; alerta para a necessidade de uma sociedade solidária que permita a verdadeira realização do homem. De acordo com Brecht, Sttau Monteiro proporciona uma análise crítica da sociedade, mostrando a realidade, de modo a levar os espectadores a reagir criticamente e a tomar uma posição. CARACTERÍSTICAS DA OBRA - personagens psicologicamente densas e vivas - comentários irónicos e mordazes - denúncia da hipocrisia da sociedade - defesa intransigente da justiça social
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
Obra “Felizmente há luar” de Luís Sttau Monteiro
Surgida no mesmo ano em que o Autor publicou o romance Angústia para o Jantar – mais
tarde também adaptado ao teatro – esta peça contribuiu para celebrizar Luís de Sttau Monteiro
como dramaturgo, tendo sido bem recebida pela crítica do seu tempo.
Baseada na tentativa frustrada de revolta liberal em 1817, supostamente encabeçada por
Gomes Freire de Andrade, Felizmente Há Luar! recria em dois actos a sequência de
acontecimentos históricos que em Outubro desse ano levou à prisão e ao enforcamento de
Gomes Freire pelo regime de Beresford, com o apoio da Igreja, sublinhando um apelo épico (e
ético) politicamente empenhado e legível à luz do que era Portugal nos anos 60.
Chamando a atenção para a injustiça da repressão e das perseguições políticas, a peça –
designada por "apoteose trágica" pelo Autor – esteve proibida até 1974 e foi pela primeira vez
levada à cena apenas em 1978, no Teatro Nacional, numa encenação do próprio Sttau Monteiro.
CLASSIFICAÇÃO
Trata-se de um drama narrativo de carácter épico que retrata a trágica apoteose do
movimento liberal oitocentista, em Portugal. Apresenta as condições da sociedade portuguesa
do séc. XIX e a revolta dos mais esclarecidos, muitas vezes organizados em sociedades secretas.
Segue a linha de Brecht e mostra o mundo e o homem em constante transformação; mostra a
preocupação com o homem e o seu destino, a luta contra a miséria e a alienação e a denúncia da
ausência de moral; alerta para a necessidade de uma sociedade solidária que permita a
verdadeira realização do homem.
De acordo com Brecht, Sttau Monteiro proporciona uma análise crítica da sociedade,
mostrando a realidade, de modo a levar os espectadores a reagir criticamente e a tomar uma
posição.
CARACTERÍSTICAS DA OBRA
- personagens psicologicamente densas e vivas
- comentários irónicos e mordazes
- denúncia da hipocrisia da sociedade
- defesa intransigente da justiça social
I - teatro épico: oferece-nos uma análise crítica da sociedade, procurando mostrar a
realidade em vez de a representar, para levar o espectador a reagir criticamente e a tomar uma
posição
- intemporalidade da peça: remete-nos para a luta do ser humano contra a tirania, a
opressão, a traição, a injustiça e todas as formas de perseguição
- preocupação com o homem e o seu destino
- luta contra a miséria e a alienação
- denúncia a ausência de moral
- alerta para a necessidade de uma superação com o surgimento de uma sociedade
solidária que permitia a verdadeira realização do homem.
As personagens são psicologicamente densas, os comentários irónicos e mordazes e
denuncia-se a hipocrisia da sociedade, a luta contra a miséria e a alienação, a preocupação com o
Homem e o seu destino. Drama narrativo, de carácter social, na linha de Brecht (exprime a
revolta contra o poder, o homem tem o direito e o dever de transformar a sociedade em que
vive, com o objectivo de levar o espectador a reagir criticamente).
BRECHT ("Estudos Sobre o Teatro"): propõe um afastamento entre o actor e a personagem
e entre o espectador e a história narrada, para que se possam fazer juízos de valor.
Em "FELIZMENTE HÁ LUAR!", as personagens, o espaço e o tempo são trabalhados para
que a "distanciação se concretize".
Luta contra a tirania, opressão, traição, injustiça e todas as formas de perseguição.
O dramaturgo através dos gestos, cenários, palavras e didascálias, leva o público a
entender de forma clara a mensagem.
LINGUAGEM: natural, viva e maleável; frases em latim com conotação irónica, frases
incompletas por hesitação ou interrupção, marcas de características do discurso oral e recurso
frequente à ironia e ao sarcasmo.
Como drama narrativo, pressupõe uma acção apresentada ao espectador e com
possibilidade de ser vivida por ele, mas, sobretudo, procura a sua conivência (cumplicidade) ou
participação testemunhal.
O carácter narrativo é sinónimo de épico, ao contar determinados acontecimentos que
devem ser interpretados, reflectidos e julgados pelo espectador, enquanto elemento da
sociedade. Observando Felizmente há Luar, verificamos que são estes os objectivos de Luís de
Sttau Monteiro, que evoca situações e personagens do passado, usando-as como pretexto para
falar do presente.
O teatro moderno, do qual faz parte esta obra, tem como preocupação fundamental levar
os espectadores a pensar, a reflectir sobre acontecimentos passados e a tomar posições na
sociedade em que se inserem, para tal é usada uma técnica realista/influência de Brecht –
DISTANCIAÇÃO HISTÓRICA – isto é:
- o actor deve conseguir "afastar-se"da personagem
- o espectador deve conseguir "afastar-se" da historia narrada
Esta técnica acaba por aproximar o actor e o espectador, de tal modo que ambos se
distanciam da historia narrada, podendo assim como pessoas reais fazerem os respectivos juízos
ou criticas de forma precisa e consciente sobre o que se passa em palco.
Assim, Luís de Sttau Monteiro, através desta técnica, pretende levar o espectador a ter um
olhar crítico para se aperceber e criticar as injustiças e opressões.
TEMPO
a) tempo histórico: século XIX
b) tempo da escrita: 1961, época dos conflitos entre a oposição e o regime salazarista
c) tempo da representação: 1h30m/2h
d) tempo da acção dramática: a acção está concentrada em 2 dias
e) tempo da narração: informações respeitantes a eventos não dramatizados, ocorridos no
passado, mas importantes para o desenrolar da acção
ESPAÇO
Espaço físico: a acção desenrola-se em diversos locais, exteriores e interiores, mas não há
nas indicações cénicas, referência a cenários diferentes
Espaço social: meio social em que estão inseridas as personagens, havendo vários espaços
sociais, distinguindo-se uns dos outros pelo vestuário e pela linguagem das várias personagens
O TÍTULO
O título da peça aparece duas vezes ao longo da peça, ora inserido nas falas de um dos
elementos do poder – D. Miguel – ora inserido na fala final de Matilde. Em primeiro lugar é
curioso e simbólico o facto de o título coincidir com as palavras finais da obra, o que desde logo
lhe confere circularidade.
1) página 131 – D. Miguel: salientando o efeito dissuasor das execuções, querendo que o
castigo de Gomes Freire se torne num exemplo
2) página 140 – Matilde: na altura da execução são proferidas palavras de coragem e
estímulo, para que o povo se revolte contra a tirania
Num primeiro momento, o título representa as trevas e o obscurantismo; num segundo
momento representa a caminhada da sociedade em busca da liberdade.
Como facilmente se constata a mesma frase é proferida por personagens pertencentes a
mundos completamente opostos: D. Miguel, símbolo do poder, e Matilde, símbolo da resistência
e do anti-poder. Porém, o sentido veiculado pelas mesmas palavras altera-se em virtude de uma
afirmação e dá lugar a uma eufórica exclamação. Para D. Miguel, o luar permitiria que as pessoas
vissem mais facilmente o clarão da fogueira, isso faria com que elas ficassem atemorizadas e
percebessem que aquele é o fim último de quem afronta o regime. A fogueira teria um efeito
dissuasor.
Para Matilde, estas palavras são fruto de um sofrimento interiorizado reflectido, são a
esperança e o não conformismo nascidos após a revolta, a luz que vence as trevas, a vida que
triunfa da morte. A luz do luar (liberdade) vencerá a escuridão da noite (opressão) e todos
poderão contemplar, enfim, a injustiça que está a ser praticada e tirar dela ilações. Há que
imperiosamente lutar no presente pelo futuro e dizer não à opressão e falta de liberdade, há que
seguir a luz redentora e trilhar um caminho novo.
CONTEXTO HISTÓRICO:
Revolução Francesa de 1789 e invasões napoleónicas levam Portugal à indecisão entre os
aliados e os franceses. Para evitar a rendição, D. João VI foge para o Brasil. Depois da 1ª invasão,
a corte pede a Inglaterra, um oficial para reorganizar o exército: GENERAL BERESFORD.
Luís de Sttau Monteiro denuncia a opressão vivida na época em que escreve esta obra, isto
é, em 1961, durante a ditadura de Salazar. Assim, o recurso à distanciação histórica e à descrição
das injustiças praticadas no início do século XIX, permitiu-lhe, também, colocar em destaque as
injustiças do seu tempo.
A peça "Felizmente há luar" é uma peça épica, inspirada na teoria marxista, que apela à
reflexão, não só no quadro da representação, como também na sociedade em que se insere. O
teatro de Brecht pretende representar o mundo e o homem em constante evolução de acordo
com as relações sociais. Estas características afastam-se da concepção do teatro aristotélico que
pretendia despertar emoções, levando o espectador a identificar-se com o herói. O teatro
moderno tem como preocupação fundamental levar os espectadores a pensar, a reflectir sobre
os acontecimentos passados e a tomar posição na sociedade em que se insere. Surge assim a
técnica do distanciamento que propõe um afastamento entre o actor e a personagem e entre o
espectador e a história narrada, para que, de uma forma mais real e autêntica possam fazer
juízos de valor sobre o que está a ser representado. Luís Sttau Monteiro pretende, através da
distanciação, envolver o espectador no julgamento da sociedade, tomando contacto com o
sofrimento dos outros. Deste modo o espectador deve possuir um olhar crítico para melhor se
aperceber de todas as formas de injustiça e opressões.
PERSONAGENS:
GOMES FREIRE: protagonista, embora nunca apareça é evocado através da esperança do
povo, das perseguições dos governadores e da revolta da sua mulher e amigos. É acusado de ser
o grão-mestre da maçonaria, estrangeirado, soldado brilhante, idolatrado pelo povo. Acredita na
justiça e luta pela liberdade. É apresentado como o defensor do povo oprimido; o herói (no
entanto, ele acaba como o anti-herói, o herói falhado); símbolo de esperança de liberdade.
D. MIGUEL FORJAZ: primo de Gomes Freire, assustado com as transformações que não
deseja, corrompido pelo poder, vingativo, frio e calculista, prepotente; autoritário; servil (porque
se rebaixa aos outros);
PRINCIPAL SOUSA: defende o obscurantismo, é deformado pelo fanatismo religioso;
desonesto, corrompido pelo poder eclesiástico, odeia os franceses
BERESFORD: cinismo em relação aos portugueses, a Portugal e à sua situação; oportunista;
autoritário; mas é bom militar; preocupa-se somente com a sua carreira e com dinheiro; ainda
consegue ser minimamente franco e honesto, pois tem a coragem de dizer o que realmente
quer, ao contrário dos dois governadores portugueses. É poderoso, interesseiro, calculista,
trocista, sarcástico.
VICENTE: sarcástico, demagogo, falso humanista, movido pelo interesse da recompensa
material, hipócrita, despreza a sua origem e o seu passado; traidor; desleal; acaba por ser um
delator que age dessa maneira porque está revoltado com a sua condição social (só desse modo
pode ascender socialmente).
MANUEL: denuncia a opressão a que o povo está sujeito. É o mais consciente dos
populares; é corajoso.
MATILDE DE MELO: corajosa, exprime romanticamente o seu amor, reage violentamente
perante o ódio e as injustiças, sincera, ora desanima, ora se enfurece, ora se revolta, mas luta
sempre. Representa uma denúncia da hipocrisia do mundo e dos interesses que se instalam em
volta do poder (faceta/discurso social); por outro lado, apresenta-se como mulher dedicada de
Gomes Freire, que, numa situação crítica como esta, tem discursos tanto marcados pelo amor,
como pelo ódio.
SOUSA FALCÃO: inseparável amigo, sofre junto de Matilde, assume as mesmas ideias que
Gomes Freire, mas não teve a coragem do general. Representa a amizade e a fidelidade; é o
único amigo de Gomes Freire de Andrade que aparece na peça; ele representa os poucos amigos
que são capazes de lutar por uma causa e por um amigo nos momentos difíceis.
FREI DIOGO: homem sério; representante do clero; honesto – é o contraposto do Principal
Sousa.
DELATORES: mesquinhos; oportunistas; hipócritas.
MIGUEL FORJAZ, BERESFORD e PRINCIPAL SOUSA perseguem, prendem e mandam
executar o General e restantes conspiradores na fogueira. Para eles, a execução à noite,
constituía uma forma de avisar e dissuadir os outros revoltosos, mas para MATILDE era uma luz a
seguir na luta pela liberdade.
LINGUAGEM E ESTILO
Linguagem:
- natural, viva e maleável, utilizada como marca caracterizadora e individualizadora de
algumas das personagens
- uso de frases em latim com conotação irónica, por aparecerem no momento da
condenação e da execução
- frases incompletas por hesitação ou interrupção
- marcas características do discurso oral
- recurso frequente à ironia e sarcasmo
Recursos estilísticos: enorme variedade (tomar especial atenção à ironia)
Funções da linguagem: apelativa (frase imperativa); informativa (frase declarativa);