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INTRODUO
A terceira onda de democratizao tem produzido nos pasesnela
envolvidos diferentes experincias e resultados. Em al-guns, a
redemocratizao implicou a elaborao de Constituiesrefundadoras,
gerando novos pactos e compromissos polticos esociais. Em outros,
ela foi acompanhada da descentralizao polticae financeira para os
governos subnacionais. Em muitos pases fede-rais, a redemocratizao,
a descentralizao e as novas Constituiesmudaram o papel dos entes
federativos. O Brasil um exemplo ondetodos esses fatores ocorreram
simultaneamente.
A Constituio de 1988 desenhou uma ordem institucional e
federati-va distinta da anterior. Voltada para a legitimao da
democracia, osconstituintes de 88 optaram por duas principais
estratgias paraconstru-la: a abertura para a participao popular e
societal e o com-
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*Este artigo uma verso revista e atualizada de dois captulos
anteriormente publica-dos em livro (ver Souza, 1997). Agradeo a
Fernando Abrucio, parecerista deste artigo,pelos inmeros comentrios
e sugestes.
DADOS Revista de Cincias Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 44, n 3,
2001, pp. 513 a 560.
Federalismo e Descentralizao na Constituiode 1988: Processo
Decisrio, Conflitos eAlianas*
Celina Souza
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promisso com a descentralizao tributria para estados e
munic-pios. Da primeira estratgia resultou uma engenharia
constitucionalconsociativa em que prevaleceu a busca de consenso e
a incorporaodas demandas das minorias. A segunda moldou um novo
federalis-mo, tornando-o uma das mais importantes bases da
democracia re-construda em 1988.
Neste artigo, analiso o processo decisrio ocorrido na
AssembliaNacional Constituinte relativo s mudanas na Federao e
decisode descentralizar poder poltico e financeiro para as esferas
subnacio-nais. A (re)construo de um sistema federal voltado para a
divisode poder poltico e tributrio sem promover desequilbrio entre
os en-tes federativos tarefa intrinsecamente contraditria, gerando,
por-tanto, conflitos e tenses1. Baseado em dados empricos, o
trabalhobusca entender: a) por que um pas com uma agenda de
problemasque requer polticas nacionais decide descentralizar poder
poltico efinanceiro; b) os conflitos, alianas e contradies gerados
pelas deci-ses tomadas pelos constituintes, naquele momento
histrico, em re-lao Federao.
Argumento que, embora a deciso de descentralizar poder poltico
efinanceiro, o que gerou um novo federalismo, tenha sido marcada
porconflitos, tenses e contradies, ela favoreceu a consolidao da
de-mocracia, tendo tornado o Brasil um pas mais federal, pela
emer-gncia de novos atores no cenrio poltico e pela existncia de
vrioscentros de poder soberanos que competem entre si.
Inicialmente, apresento um breve relato sobre os principais
fatos queantecederam os trabalhos da Assemblia Nacional
Constituinte ANC. Nas sees seguintes analiso as instncias decisrias
onde o fe-deralismo e a descentralizao foram redesenhados2.
Posteriormen-te, discuto as motivaes das decises tomadas e, por
fim, apresentoalgumas concluses.
A DECISO DE DESCENTRALIZAR
O sculo que findou passou por vrias ondas de elaborao de no-vas
Constituies: ao final das duas Guerras Mundiais; na transiopara a
democracia nos pases do sul da Europa e da Amrica Latina;nas
ex-colnias e na Europa Oriental. Alm desses movimentos, essaonda
tambm atingiu pases que no passaram por mudanas de
Celina Souza
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regime poltico, como a Blgica, Canad, Holanda e Sucia, que,
apartir dos anos 70, refizeram suas Constituies. Elaborar
novasConstituies implica profundas manobras e negociaes polticas e
tambm quando consensos e clivagens se tornam mais visveis.Entender
como os constituintes lidaram com esses conflitos podeaprofundar
nosso conhecimento sobre questes que ganharam sa-lincia no processo
constituinte e tambm nos ajudar a traar as pers-pectivas da nova
ordem a ser inaugurada.
A busca desse entendimento implica tentar responder,
inicialmente,s seguintes questes formuladas por Elster (1993): a)
como foi con-vocada a Constituinte? b) como foram reguladas suas
normas inter-nas? c) qual o papel dos interesses individuais e
coletivos na elabora-o da Constituio? d) qual a importncia de foras
extraconstitucio-nais no desenho do texto constitucional? Essas
questes antecedem,portanto, a anlise da deciso de reformar a
Federao tomada pelosconstituintes de 88.
A Convocao da Constituinte
Das eleies de 1986 saram os constituintes responsveis pela
elabo-rao da nova Constituio brasileira3. Participaram desse pleito
trin-ta partidos, dos quais doze elegeram representantes para a
ANC, sen-do que o PMDB possua a maior bancada. As eleies de 1986
ocorre-ram no auge da euforia com o aparente sucesso do Plano
Cruzado, ge-rando pouco debate em relao Constituinte. O PMDB e o
PFL reu-nidos asseguraram quase 80% dos membros da ANC e os
partidosconsiderados progressistas (PT, PDT, PSB, PCdoB e PCB)
tinham, jun-tos, 9,5%4. A fora do PMDB e do PFL, que foram, tambm,
os princi-pais fiadores da transio, poderia levar a crer que a
elaborao daConstituio seria uma tarefa relativamente fcil. Mas no s
isso noaconteceu, como tambm os partidos tidos como progressistas
conse-guiram aprovar muitas de suas demandas. A Tabela 1 mostra a
com-posio da ANC no momento de sua posse.
A ANC somava 559 membros, dos quais 72 senadores e 487
deputa-dos federais, que receberam a tarefa de elaborar a stima
Constituiobrasileira. Os perfis dos parlamentares da ANC foram
analisados porCoelho e Oliveira (1989), Fleischer (1990), Kinzo
(1990), Mainwaringe Prez-Lin (1998) e Rodrigues (1987), que
apontaram as seguintescaractersticas: a) as anlises desmontam o
mito de que o principal
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partido de oposio ao regime militar, o PMDB, foi o grande
vencedorda ANC, j que a ele se filiaram muitos ex-integrantes do
PDS, parti-do de sustentao do regime anterior, mostrando, portanto,
a presen-a de figuras vinculadas ao antigo regime nos dois partidos
que sus-tentaram a Nova Repblica. Como observou Campello de
Souza(1989), essa continuidade comum nas transies
no-revolucion-rias, mas o grau dessa continuidade na transio
brasileira foi extra-ordinrio; b) a ANC contou com 49% de novos
parlamentares, ndicesemelhante ao de outras legislaturas. Altos
ndices de renovao pas-sam a ser uma importante varivel para se
entender os resultados daANC. No que se refere experincia poltica
anterior, apenas 24,2%dos parlamentares no a possuam. Dos que
tinham, 54% haviam sidovereadores, prefeitos, deputados estaduais e
governadores, mostran-do a presena de um nmero considervel de
polticos com ligaesprximas e recentes tanto com as esferas
subnacionais como com o re-gime anterior6; c) uma das pesquisas
mostrou que os membros daANC eram conservadores em questes de ordem
e valores morais,mas progressistas nos temas socioeconmicos (Veja,
4/2/1987).
O alto grau de heterogeneidade dos constituintes, aliado ao
carterabrangente da transio poltica, sinalizava duas alternativas
no quese refere ao processo decisrio: a) acordos entre grupos com
afinida-des ideolgicas, colocando em confronto conservadores versus
pro-gressistas; b) acordos entre grupos ideologicamente adversrios,
ge-
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Tabela 1
Composio Partidria da ANC em 1986
Partido5 Nmero %
PMDB 302 54,0PFL 133 23,8PDS 38 6,7PDT 26 4,6PTB 19 3,4PT 16
2,9PL 7 1,3PDC 6 1,1PCdoB 6 1,1PCB 3 0,5PSB 2 0,4PMB 1 0,2
Total 559 100,0
Fonte: Clculos baseados em listagens do Superior Tribunal
Eleitoral STE.
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rando consenso em certas questes e deixando para o futuro as
deci-ses em que este no pde ser alcanado. Esta ltima alternativa
pre-valeceu e o papel do presidente da ANC, Ulysses Guimares, foi
cru-cial para administrar esse equilbrio delicado e instvel de
formaode consenso.
Se a transio liderada pelo lder moderado, Tancredo Neves,
tinhapor objetivos amenizar os efeitos da desintegrao das antigas
coali-zes, definir limites para os recm-chegados e evitar
retrocessos, es-tes no foram totalmente alcanados. Isto porque
tanto as antigas coa-lizes como os novos atores assumiram papis de
proeminncia, che-gando ao cenrio poltico-decisrio com fora
extraordinria. Poucosgrupos foram excludos, como as vitrias e as
derrotas de ambos os la-dos na ANC comprovam. Os acontecimentos
polticos no foram ca-pazes de limitar a fora e o nmero de
participantes do novo pacto de-mocrtico. A nfase na estratgia de
construo de consenso aumen-tou o nmero de atores polticos com
acesso ao processo decisrio, aomesmo tempo que intensificou
conflitos e clivagens. nesse cenrioque a descentralizao poltica e
financeira fincou suas bases e o fede-ralismo deslocou-se do
centro, passando a constrang-lo7.
Na fase inicial, vrios foram os fatores de conflito. A convocao
deuma ANC no-exclusiva gerou a primeira ruptura entre
progressistase conservadores. Ao assumir o compromisso de que a ANC
no seriaexclusiva, que foi cumprido por Sarney, Tancredo acalmou os
receiosdos militares e dos lderes do PFL contra um possvel
radicalismo deuma Constituinte exclusiva e soberana. O fato de no
ser exclusivatambm permitiu a participao de 23 senadores binicos,
nome-ados durante o regime militar.
Outra fonte de conflito foi o estabelecimento da Comisso dos
Not-veis, comandada por Afonso Arinos, renomado jurista e
conhecidopor suas idias reformistas. Os constituintes resistiram
Comissopor considerar a iniciativa uma ameaa soberania da ANC. No
en-tanto, essa rejeio foi mais retrica que real, como reconhecido
porvrios entrevistados. A Comisso incorporou inmeras demandasdos
progressistas, vindo a elaborar aquele que seria o primeiro
ensaioda agenda da ANC e incorporando as presses que seriam
exercidaspelos movimentos sociais. Outras instituies tambm se
envolve-ram nos debates constitucionais, tais como universidades,
associa-
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es profissionais, sindicatos e movimentos sociais, que
divulgavamsuas verses sobre como deveria ser a nova Constituio
brasileira.
Em junho de 1985, Jos Sarney enviou ao Congresso mensagem
presi-dencial convocando a ANC, que continha, entre outros pontos,
decla-rao de que a ANC no faria restrio a nenhum tema, inclusive
aoda manuteno da Repblica e do sistema federativo, ambos proibi-dos
na Constituinte de 1946.
Os movimentos sociais foram os que mais fortemente reagiram
aofato de a ANC no ser exclusiva. Os debates foram intensos,
tendosido inclusive apresentada uma proposta de plebiscito.
Milhares decartas chegaram ao Congresso conclamando a exclusividade
daANC. Os debates sobre essa questo comearam no plenrio em outu-bro
e em novembro de 1985 votou-se a Emenda Constitucional n
26aprovando a mensagem de Sarney.
Os trabalhos da ANC tiveram incio em fevereiro de 1986.
UlyssesGuimares foi eleito seu presidente, acumulando os cargos de
presi-dente da Cmara dos Deputados e de presidente nacional do
PMDB.Poltico moderado, Ulysses exercia, com desenvoltura, sua
enorme li-derana, usando-a para arbitrar os inmeros conflitos
surgidos noapenas no interior do seu heterogneo partido, mas tambm
na ANCe na relao entre o Congresso e o Executivo federal. O
resultado finalda Constituio brasileira que no contemplou decises
sobre v-rias questes sensveis deve ser parcialmente creditado
lideranaforte, porm conciliadora, de Ulysses Guimares.
Quando a ANC comeou a funcionar, o governo Sarney j estava noseu
segundo ano. Sarney construiu sua frgil base parlamentar acimados
partidos, tentando sempre minimizar a fora de Ulysses e doPMDB.
Segundo Jarbas Passarinho (entrevista em 21/5/1993), Sar-ney era
prisioneiro de Ulysses, e o PMDB protelou ao mximo a deci-so sobre
a durao do seu mandato como forma de mant-lo sob seucontrole e para
que Ulysses comandasse reas importantes da admi-nistrao pblica, o
que se materializou pela indicao de vrios mi-nistros, inclusive o
da Fazenda.
O mandato de Sarney foi marcado, entre outros fatores, pela
impossi-bilidade de responder s altas expectativas geradas pela
redemocrati-zao. Polticas pblicas errticas e inconstantes,
concesses populis-tas, suspeitas de corrupo, falncia do Plano
Cruzado e, principal-
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mente, paralisia ou lentido no processo decisrio
permaneceramcomo os principais legados do seu mandato. Sua
administrao tam-bm foi marcada por fortes confrontos com o
Congresso. Essa tenso, obviamente, da natureza mesma das
democracias de regime presi-dencialista. No entanto, o regime de 64
manteve o Congresso aberto eeleies regulares para o Legislativo e
para alguns cargos do Executi-vo. Assim, to logo a democracia foi
instaurada, o Congresso estavapronto para reafirmar seu poder,
antes mesmo da promulgao danova Constituio. Uma das derrotas que o
Congresso imps a Sar-ney nesse perodo foi o aumento das receitas
municipais alm do quetinha sido proposto pelo presidente da
Repblica, do que resultou aEmenda Airton Sandoval, sinalizando que
a descentralizao finan-ceira seria um dos resultados previsveis da
nova Constituio.
Regras de Funcionamento
A segunda grande batalha no interior da ANC teve a ver com as
suasregras de funcionamento, principalmente seu papel na reviso da
le-gislao do regime militar, que ficou conhecida como entulho
auto-ritrio. Outros temas conflituosos tambm estavam sendo
discuti-dos antes mesmo da deciso sobre as regras da ANC, tais como
o de-bate presidencialismo versus parlamentarismo, a reforma agrria
e, li-derada por prefeitos e governadores, a reforma tributria.
O senador Fernando Henrique Cardoso foi designado relator do
regi-mento interno. Publicado em maro de 1987, o regimento
determina-va que no haveria apenas uma comisso para escrever a
Consti-tuio, mas sim 24 subcomisses, que mais tarde formariam oito
co-misses, que, posteriormente, constituiriam uma comisso de
siste-matizao. As decises seriam, ento, submetidas ao plenrio,
comduas rodadas de votaes nominais.
Uma das inovaes do regimento foi admitir propostas vindas de
forado Congresso. Entre os habilitados estavam os Legislativos
estadual emunicipal, o Judicirio e os cidados, estes ltimos via
emendas po-pulares, que deveriam ser assinadas por, no mnimo,
30.000 eleitores,sob a responsabilidade de trs entidades da
sociedade civil. Esses me-canismos foram introduzidos no regimento
como parte da negoci-ao entre os diversos grupos da ANC, buscando
aumentar a chama-da participao cidad e evitar o isolamento dos
constituintes. Outromecanismo de participao foi o que permitiu aos
cidados mandar
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sugestes diretamente para os constituintes via a rede dos
correios,gerando uma participao extraordinria, com 72.719
sugestesaportando no Congresso Nacional (Monclaire, 1991).
O incentivo participao popular fez com que 122 movimentos
po-pulares enviassem emendas ANC, assinadas por mais de 12 milhesde
eleitores, e 83 foram defendidas na ANC, ressaltando a
peculiari-dade do processo constituinte brasileiro em face das
demais Consti-tuies elaboradas durante esse perodo8.
O entusiasmo que a ANC desencadeou, em especial a ampla
mobili-zao popular, mostra a enorme confiana nela depositada e,
portan-to, seu alto grau de eficcia poltica9. A presena de todo
tipo de lobby,sindicatos e movimentos sociais, era a rotina da ANC
e durante vintemeses o Congresso e Braslia transformaram-se no
centro da vida dosbrasileiros, um exerccio de democracia e
participao.
O Funcionamento Interno da ANC
Cada uma das 24 subcomisses e das oito comisses contava com
umpresidente, dois vice-presidentes e um relator. As subcomisses
ti-nham cerca de 21 membros e as comisses 63, eleitos de acordo com
arepresentao partidria, o que significa que o PMDB e o PFL
mono-polizaram os principais cargos. Os progressistas, no entanto,
conse-guiram o controle de posies importantes. O principal cargo
era o derelator, encarregado de escrever a verso final do
relatrio.
A ANC foi marcada por confrontos em algumas matrias, coalizesna
maioria dos casos e por adiamentos quando o consenso no podiaser
alcanado. Coalizes eram feitas e refeitas constantemente.
Prati-camente, para cada questo especfica, um bloco extrapartidrio
eraconstitudo, o qual logo se desfazia. O processo do desenho
constitu-cional teve uma lgica prpria, muitas vezes diversa daquela
da pla-taforma dos partidos ou da coerncia ideolgica. No entanto,
ocorreuum alto grau de coalescncia no interior dos grupos ou
subgrupos, oque ser analisado adiante.
A FORMAO DE COALIZES NO INTERIOR DAS SUBCOMISSES
As subcomisses eram o primeiro estgio do processo
constituinte.Nesse nvel, as demandas e os interesses dos relatores
prevaleciamsobre negociaes e acordos, que s eram feitos quando
mudanas
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muito sensveis eram propostas. Quatro subcomisses lidaram
dire-tamente com as questes relativas ao federalismo e
descentraliza-o.
Subcomisso da Unio, Distrito Federal e Territrios
Esta subcomisso foi presidida por Jofran Frejat (PFL-DF) e seu
rela-tor foi Sigmaringa Seixas (PMDB-DF). Sua composio, com trs
dosseus quatro membros diretores eleitos pelo DF, mostra a
prioridadeda subcomisso: conseguir a independncia poltica e a
autonomia fi-nanceira de Braslia, compromissos assumidos pela
Aliana Demo-crtica. Independncia poltica significava que Braslia
teria sua pr-pria representao poltica via a eleio direta de seu
Legislativo eExecutivo. Essa subcomisso, que tambm tinha a
responsabilidadede decidir sobre a jurisdio e os poderes da Unio,
concentrou todosseus esforos na expanso da representao poltica de
Braslia e emassegurar recursos financeiros para a capital
federal.
No seu relatrio, Sigmaringa Seixas afirmava que a maior
contribui-o da subcomisso estava no fortalecimento do federalismo,
recor-rendo a um argumento comum entre os constituintes: no passado
re-cente, a Federao era dominada pela Unio, que centralizava os
re-cursos, impedindo o funcionamento da Federao, o que
estimulava,entre outras distores, as disparidades regionais. No
entanto, se-gundo ele, a longa prtica do federalismo centralizado
no podia sereliminada da noite para o dia, da porque propunha a
expanso dascompetncias concorrentes entre os trs nveis de
governo.
A subcomisso recebeu 289 propostas e realizou cinco audincias
p-blicas, todas marcadas pelos interesses especficos do DF e dos
terri-trios, que pressionavam por sua transformao em estados.
Dentreas suas principais propostas, destacam-se: a) a manuteno do
princ-pio de que o pacto federativo formado pela Unio, DF e
estados, ex-cludos os municpios, que s foram incorporados nos
estgios poste-riores; b) a ampliao das competncias da Unio em face
das Consti-tuies anteriores; c) a expanso das competncias
concorrentes entreos trs nveis de governo; d) o reconhecimento do
direito do munic-pio de promulgar sua prpria lei orgnica; e) a
proibio de que os ve-readores determinassem seu prprio salrio,
competncia atribudaaos estados, o que foi derrubado na Comisso de
Sistematizao10.
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Sigmaringa Seixas afirmou que no sofreu presses, seja de
governa-dores, prefeitos ou de corporaes, declarando que eu achava
queno tinha nenhum prestgio porque ningum me pressionava
(entre-vista em 13/5/1993), creditando a falta de presso ao fato de
essa sub-comisso no lidar com distribuio de recursos
financeiros.
No entanto, a mudana do status poltico do DF exigiu enormes
nego-ciaes e o compromisso do relator com o tema fez com que fosse
asse-gurado ao DF a arrecadao dos impostos estaduais e municipais.
Se-gundo Sigmaringa,
[...] as negociaes foram intensas e muitas vezes eu achava que a
au-tonomia no seria alcanada. A questo crucial era recursos, pois o
DFsempre recebeu transferncias federais e a autonomia poderia
blo-quear a possibilidade de continuar a receber esses recursos. No
entan-to, no posso dizer que houve presses contra a autonomia, mas
simdificuldades em convencer o governo federal a apoiar o grau de
auto-nomia que desejvamos (entrevista em 13/5/1993).
Questes relacionadas ao desenho das relaes
intergovernamentais,aos novos conflitos que decorreriam da
descentralizao, assim comoao novo papel do governo federal em um
sistema poltico e financeirodescentralizado, no entraram na agenda
dessa subcomisso. Apare-cem aqui os primeiros sinais de que a
descentralizao seria adotadasem debate e sem a construo de um
consenso sobre seus objetivos.
Subcomisso dos Municpios e Regies
Seu presidente foi Luiz Rodrigues (PMDB-MG) e o relator
AloysioChaves (PFL-PA) e o Nordeste e o Centro-Oeste compunham
amaioria. A subcomisso teve oito audincias pblicas, com a
partici-pao de prefeitos, vereadores e tcnicos, tendo sido
influenciada pe-los trabalhos do Instituto Brasileiro de
Administrao Municipal IBAM.
Essa subcomisso aprovou as seguintes propostas: a) a incluso
domunicpio como parte integrante da Federao, uma aspirao pol-tica
de todos os brasileiros, segundo o relator; b) uma lista de
quator-ze servios que seriam da competncia do municpio, para que o
ci-dado saiba a quem cobrar a realizao do servio pblico,
mesmocorrendo o risco de ser muito detalhe para uma Constituio ,
oque foi rejeitado por presses da Comisso de Organizao do Esta-
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do, segundo os entrevistados. Assim, a tenso entre facilitar a
cobran-a do servio pblico pelo cidado e a necessidade de deixar
flexvel aalocao de funes entre os nveis de governo em um sistema
federalfoi resolvida a favor da ltima alternativa; c) ampliao dos
recursoslocais, apesar de no ser da sua competncia. Essa tentativa
foi justifi-cada pelo relator por causa do clamor dos prefeitos,
vereadores, tc-nicos, lderes comunitrios e do povo a favor de
aumentar o poder domunicpio. Ainda segundo o relator, ningum
questiona que o mu-nicpio a esfera de governo mais capaz de cumprir
os anseios dopovo.
A descentralizao era consenso dentro da subcomisso, no se
regis-trando grupos contrrios a ela. Segundo Jos Dutra (entrevista
em3/5/1993), do PMDB-AM, vice-presidente da subcomisso, o
maiorgrupo de presso foi liderado por ele prprio, para a defesa da
ZonaFranca de Manaus contra a possibilidade do Presidente da
Repblicae do Ministro da Fazenda de aboli-la por decreto11.
J o lobby a favor dos municpios teve forte presena no
Congresso,antes mesmo da ANC. Em 1979, por exemplo, uma Comisso
Parla-mentar de Inqurito CPI foi convocada contra a vontade dos
mili-tares, sobre as causas do empobrecimento dos estados e
munic-pios. O relatrio dessa CPI acusava o governo federal de
tirania fis-cal e afirmava que estados e municpios estavam falidos,
com sriasconseqncias para a ordem social. O relatrio conclua que a
centra-lizao financeira afetava a autonomia dos estados, e, mais
ainda, dosmunicpios, o que contrariava dados empricos12.
Tambm nessa subcomisso o objetivo de descentralizar no foi
pre-cedido de discusses sobre o tema. O relatrio era pleno de
expres-ses normativas sobre as virtudes da descentralizao. Assim
comona subcomisso analisada anteriormente, o governo federal
esteveausente dos debates e das negociaes.
Subcomisso dos Estados
Esta subcomisso foi presidida por Chagas Rodrigues (PMDB-PI),
eseu relator foi Siqueira Campos (PDC-GO), principal defensor da
cri-ao de novos estados, em especial o de Tocantins, desmembrado
deGois. Acriao do Tocantins tinha sido anteriormente aprovada
peloCongresso e vetada por Sarney com o argumento de que o governo
fe-
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deral no tinha recursos para financiar seu estabelecimento. A
regioNorte estava super-representada, com 22% dos membros da
subco-misso, quando sua representao no Congresso era de 11%.
Estasubcomisso se dedicou a uma nica questo: a instituio de
novosestados.
Os constituintes propuseram a formao de oito novos estados, mas
asubcomisso s acatou trs: Tocantins, Santa Cruz a ser desmembra-do
da Bahia e Tringulo a ser desagregado de Minas Gerais. Tam-bm foi
aprovada a transformao de Roraima e Amap em estados.
No seu relatrio, Siqueira Campos afirma que duas questes
polari-zaram sua ateno: a organizao do estado-membro e a
redivisoterritorial do pas, mas ele pouco se manifesta sobre a
primeira. La-menta no poder propor uma rediviso territorial mais
ampla devido falta de recursos financeiros, existncia de interesses
polticosconflitantes, de preconceitos regionais e da fraqueza das
estruturaslocais. Argumenta, ainda, que os estados a serem criados
pelaConstituio poderiam contar com os recursos federais, o que no
se-ria difcil porque o governo federal estava sendo prdigo no
socorroaos bancos estaduais.
Diferentemente das outras duas subcomisses, fortes clivagens
terri-toriais emergiram na subcomisso dos estados, que ocorreram
princi-palmente nas regies de desenvolvimento mais tardio, como o
Nortee o Centro-Oeste. Velhas disputas em relao s fronteiras dos
estadostambm ressurgiram e sub-regies que se ressentiam da pouca
aten-o do governo estadual clamaram igualmente por
independncia,tais como na Bahia, Minas Gerais e Paran. O Rio de
Janeiro, estadocriado pelos militares, tambm reagiu contra a forma
antidemocrti-ca da deciso. Tenses territoriais dessa ordem
expressavam a insatis-fao das elites regionais, alm de mostrar que
as delimitaes terri-toriais existentes no eram mais capazes de
acomodar interesses pol-ticos divergentes. Disputas territoriais
polarizaram essa subcomis-so tambm como reao aos conflitos em reas
de ocupao antigae/ou recente que no foram contempladas nos
rearranjos territoriaispromovidos durante o regime militar13.
A criao do estado de Tocantins, rejeitada primeiro por Sarney e
de-pois pela Comisso de Organizao do Estado, mas reintroduzida
em
Celina Souza
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etapa posterior do processo constituinte, evidencia tambm a
disputaentre o Congresso e o Executivo federal em algumas poucas
questes.
As duas subcomisses analisadas apresentam as seguintes
caractersti-cas comuns: a) decises foram tomadas baseadas em
argumentos queno se sustentavam em evidncias empricas; b) no se
discutiu as con-seqncias da descentralizao proposta; c) as
subcomisses no sofre-ram presses em assuntos vinculados s relaes
intergovernamentaise seus conflitos, sinalizando que a disputa
intergovernamental se re-duzia rea tributria. Essa falta de presso
mostrou que questescomo a descentralizao de competncias, bem como o
novo papel dogoverno federal em um sistema descentralizado, no
estavam na agen-da dos constituintes. No entanto, cada uma dessas
subcomisses tinhauma prioridade e seus relatores foram escolhidos
por apoiarem essasprioridades; d) a defesa da descentralizao
baseava-se em argumen-tos normativos extrados das teorias de
desenvolvimento, em especiala de que a descentralizao aumenta a
eficincia e promove a democra-cia; e) a opo pelo intenso uso das
competncias concorrentes temsido apontada, at hoje, como um dos
principais problemas enfrenta-dos pelo governo federal. Nas
diversas tentativas de mudar a Consti-tuio, essa falta de clareza
indicada como um dos principais proble-mas a serem resolvidos14; f)
o resultado dos trabalhos dessas subcomis-ses trouxe um paradoxo: a
bandeira anticentralista dos seus membrosno se refletiu nas
competncias e responsabilidades da Unio, que fo-ram ampliadas, em
especial na rea social.
A temtica das relaes intergovernamentais, principal
responsabili-dade das duas subcomisses, no foi considerada, assim
como a defe-sa da descentralizao no foi precedida de debates sobre
seu impac-to na Federao, nas relaes intergovernamentais e nas
polticas p-blicas.
Subcomisso do Sistema Tributrio e da Diviso e Distribuiode
Receitas
A bancada do Nordeste predominou nesta subcomisso. Seu
presi-dente era Benito Gama (PFL-BA) e o relator Fernando
Coelho(PMDB-PE). Participaram tambm vrios lderes partidrios,
bemcomo parlamentares com experincia anterior em matria tributria.A
subcomisso recebeu 818 sugestes de outros membros da ANC equarenta
da sociedade, sendo que cinco provenientes de emendas po-
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pulares, com 114.103 assinaturas, colocando-a em terceiro lugar
nonmero de sugestes recebidas (Michiles et alii, 1989).
As audincias pblicas foram dominadas pela presena de tcnicos
epelos lobbies municipais e estaduais, em contraste com o
compareci-mento do governo federal, que contou apenas com uma
apario dosecretrio da Receita Federal e de um tcnico do Instituto
de PesquisaEconmica Aplicada IPEA.
De acordo com o relator, o principal objetivo da subcomisso era
di-minuir a concentrao dos impostos mais produtivos na esfera
daUnio. Ele responsabilizava essa concentrao pelos problemas
fi-nanceiros dos estados e municpios, e tambm pelo
enfraquecimentodo sistema federativo, por atrasos burocrticos e no
processo decis-rio, pelo aumento da corrupo e desperdcio. Os outros
objetivos dasubcomisso eram: a) fortalecer as finanas subnacionais;
b) descen-tralizar responsabilidades; c) redistribuir recursos,
dando tratamen-to privilegiado s regies menos desenvolvidas; d)
tornar o sistematributrio mais progressivo.
A comparao entre a estrutura tributria proposta pela subcomissoe
a que acabou sendo aprovada mostra as seguintes transformaes:a) as
mudanas na moldura do sistema tributrio ocorridas entre oprimeiro e
o estgio final do processo constituinte foram pequenas noque se
refere aos impostos federais, o que indica um consenso claroem
relao s perdas tributrias do governo federal; b) as disputas en-tre
estados e municpios foram acirradas, o que explica as
inmerasmudanas ao longo do processo; c) a subcomisso props
aumentosde recursos maiores para os estados do que para os
municpios do quefoi afinal aprovado, o que significa que os estados
tiveram mais podernesse estgio e os municpios nos estgios
seguintes.
Duas importantes decises foram tomadas nessa subcomisso. A
pri-meira foi a de aumentar as transferncias federais para as
esferas sub-nacionais, pacificando as disputas entre as regies. No
entanto, o va-lor a ser transferido no estava claro. A segunda
deciso deu-se emtorno do aumento do Imposto sobre Circulao de
Mercadorias ICM, que se transformou em Imposto sobre Circulao de
Mercadori-as e sobre Prestaes de Servios de Transporte
Interestadual e Inter-municipal e de Comunicao ICMS, e do conceito
de autonomiadas esferas subnacionais. O ICMS principal tributo em
termos de
Celina Souza
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valor de arrecadao incorporou seis impostos federais,
privilegi-ando os estados mais desenvolvidos. Apesar de ter havido
um acordopara aumentar a base do ICMS, ocorreram divergncias em
torno docritrio de cobrana do tributo: se no estado produtor ou
consu-midor15. A proposta do IPEA era que o ICMS deveria ser
cobrado nomomento do consumo, o que daria mais liberdade aos
estados paradefinir suas alquotas e determinar sua poltica fiscal.
Segundo seuautor, Fernando Rezende, a proposta no teve nenhuma
repercusso.Do lado dos estados mais desenvolvidos, no havia
interesse porqueeles perderiam recursos; do lado dos menos
desenvolvidos porqueeles preferiam a transferncia de recursos
federais a assumir a res-ponsabilidade pela sua coleta (Rezende,
1990). Outra razo poderiaser o temor dos governos estaduais s
presses de suas elites pela re-duo das alquotas do ICMS, freqente
no passado. Assim, o ICMSmanteve sua caracterstica de ser cobrado
parte na origem, parte nodestino, mas sua base foi substancialmente
aumentada pelos consti-tuintes.
Outra proposta do IPEA no acatada era que as transferncias
consti-tucionais para as esferas subnacionais deveriam incorporar
percen-tuais de todos os impostos federais e no apenas do Imposto
de Ren-da e do Imposto sobre Produtos Industrializados IPI. A
justificati-va era estimular aumentos progressivos na arrecadao e
diminuir osconflitos entre nveis de governo.
Essa subcomisso foi a nica a demonstrar preocupao com os
resul-tados da descentralizao, apresentando a proposta de criao de
umfundo de descentralizao, constitudo de recursos do FINSOCIAL,
quevigoraria por cinco anos, sendo depois extinto. Argumentou-se
quecom esses recursos e com o aumento das receitas municipais e
esta-duais, os governos subnacionais estariam capacitados a
absorvermaiores responsabilidades. Da parte do governo federal, no
haveriagrandes perdas com a extino do FINSOCIAL porque suas
atribuiesnessa rea seriam transferidas. O fundo foi rejeitado em
todos os est-gios da ANC e sempre reintroduzido por seu mentor, Jos
Serra. Nosestgios seguintes da Constituinte, Serra diminuiu seu
empenho naaprovao de sua proposta porque, segundo ele, no decorrer
do pro-cesso constituinte o governo federal foi perdendo recursos a
cadanovo estgio, no podendo arcar tambm com a perda do
FINSOCIAL(entrevista em 2/2/1994).
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Essa subcomisso se caracterizou por intensas clivagens
regionais,por disputas entre estados e entre estes e os municpios.
Apesar de ha-ver um consenso para reduzir os recursos federais, no
estava claro otamanho da perda que o governo federal sofreria e
tambm como osganhos dos governos subnacionais seriam distribudos.
Um aspecto,no entanto, era transparente: o alto grau de negociao
existente todavez que uma regio era penalizada pela aprovao de
alguma propos-ta que beneficiava outra regio, o que gerou um jogo
de soma positivaentre as regies dado o aumento de 0,9% dos recursos
pblicos em to-das elas (Rezende, 1990:163). Esse jogo manteve,
portanto, as mesmasdistores regionais do modelo tributrio anterior,
com o Nordesterecebendo a menor parcela das transferncias per
capita de impostos,seguido do Norte.
Resumindo, essa subcomisso descentralizou recursos pblicos po-rm
com menor impacto sobre as receitas federais do que seria
poste-riormente aprovado. Assim como nas demais comisses, nessa
tam-bm o governo federal foi o grande ausente.
AS COALIZES NO MBITO DAS COMISSES
Teoricamente, uma das principais atribuies de uma ANC dese-nhar
o equilbrio entre o Legislativo e o Executivo (Elster, 1993).
Noentanto, em pases federativos no apenas a tenso entre os
Poderestem que ser enfrentada em uma Constituinte, mas tambm a
relaoentre os nveis de governo. Da que redesenhar um sistema
federalser sempre tarefa intrinsecamente contraditria.
A legitimidade da ANC, o realinhamento dos partidos durante aANC
e a existncia de um presidente com baixa legitimidade, aliadosao
alto grau de clivagem regional, trouxeram para o processo decis-rio
a presena de inmeros veto players. No entanto, como argumenta-do
por Elster (1994), o poder, para ser efetivo, deve ser dividido.
Se,por um lado, a ANC foi bem-sucedida na tarefa de legitimar a
novaordem democrtica, fortalecendo as foras societais e as elites
polti-cas subnacionais, por outro, no momento em que a Constituio
esta-va sendo desenhada, o Brasil se deparava (e ainda se depara)
com in-meras questes no resolvidas que requeriam polticas
nacionais. Porque, ento, os constituintes decidiram descentralizar
poder poltico efinanceiro e impor restries ao governo federal?
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A seo seguinte aborda as fases intermediria e final do
processoconstituinte, quando os conflitos e as alianas se tornaram
mais cla-ros. A deciso de descentralizar foi por muitos
interpretada comouma questo menos controversa do que temas como
reforma agrria,direitos trabalhistas, medidas nacionalistas e a
durao do mandatodo presidente (Sadek, 1991). Pouca polmica no
significa, contudo,ausncia de conflito. Apesar de haver um consenso
em favor da redu-o dos recursos federais, as clivagens entre
municpios e estados, en-tre estados e entre regies foram intensas,
embora desenroladas nosbastidores16.
As caractersticas e as circunstncias do processo constituinte,
que in-centivaram a prevalncia de atores individuais sobre os
coletivos,mostram que anlises que focalizam apenas o desempenho dos
parti-dos polticos no explicam os resultados da Constituio. Por
essa ra-zo, trs dimenses so desenvolvidas nas sees seguintes
visandoiluminar as principais tenses que levaram descentralizao: a)
vi-so dos partidos sobre o papel do governo federal; b) competio
in-ter e intrapartidria; c) clivagens regionais.
Comisso de Organizao do Estado
O presidente foi Thomaz Non (PFL-AL) e o relator Jos
Richa(PMDB-PR). No seu relatrio, Richa argumenta que o principal
obje-tivo da comisso a questo da autonomia e o problema da
descen-tralizao, porque a democracia requer a descentralizao de
poder.A comisso aprovou as propostas relativas autonomia do DF,
masrejeitou todas as de criao de novos estados.
Ao compararmos o que foi aprovado pela comisso e o que
prevale-ceu na Constituio verifica-se que muitas mudanas se deram
du-rante o processo constituinte. Uma delas relaciona-se
operacionali-zao da descentralizao. A Constituio incorporou inmeras
com-petncias concorrentes entre os trs nveis de governo que
haviamsido rejeitadas nessa comisso, mas que reapareceram na
Comissode Sistematizao. (Richa (entrevista em 5/5/1993) afirmou no
selembrar das razes para tal fato.) Outra diferena est na
expansodas competncias do governo federal, em comparao com a
Consti-tuio anterior na comisso essa ampliao foi menor do que o
efe-tivamente aprovado.
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Governadores e prefeitos estiveram ausentes dessa comisso.
Segun-do Richa, os governadores no deram a devida importncia a ela,
en-quanto os prefeitos eram tecnicamente despreparados para
partici-par das discusses. Grupos corporativos tambm estiveram
ausen-tes, da porque Richa argumenta que todas as conquistas
relaciona-das com a descentralizao devem ser creditadas unicamente
ao Con-gresso. Ele todavia admite que ns fizemos a descentralizao
pelametade porque no propusemos a descentralizao
administrativa,apenas a financeira. Isso seria importante para que
a populao pu-desse pressionar pela prestao dos servios (entrevista
em5/5/1993). Richa, ex-governador do Paran e ex-prefeito de
Curitiba,apresenta um forte argumento contra a descentralizao para
os mu-nicpios: os prefeitos tratam a arrecadao de impostos como
umaquesto poltica e no financeira e so mais suscetveis a presses
con-tra a cobrana de impostos do que os governadores.
Essa comisso recebeu 536 sugestes de parlamentares e 109
foramselecionadas para anlise por terem relao direta com o
federalismoe a descentralizao (ver Tabela 2).
Tabela 2
Emendas Propostas pelos Constituintes Comisso de Organizao do
Estado
Tema N de Propostas
Clivagens territoriaisAutonomia local e competncias
municipaisRegies metropolitanas e aglomeraes urbanasBenefcios
fiscais para os municpios, regies e setoresCompetncias e bens do
governo federalQuestes relacionadas com o Distrito
FederalCompetncias concorrentesDvidas e capacidade de endividamento
de estados e municpiosOutros
3015151010922
16
Fonte: Agregao baseada em dados do PRODASEN.
Enormes contradies ocorreram nas propostas. Primeiro,
houvegrande concentrao naquelas relacionadas com clivagens
territo-riais, principalmente criao de novos estados, poucas
focando oprincipal objetivo da comisso: a definio de um novo
formato parao Estado e a forma como os governos subnacionais
deveriam lidarcom a descentralizao. Segundo, as propostas refletiam
uma ques-to que atravessou todo o processo constituinte: a inteno
de mudartudo que tinha sido feito pelos militares ou por eles
bloqueado. Ter-
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ceiro, algumas questes acordadas nas subcomisses foram
descon-sideradas na comisso, o que implicou retomar e ampliar as
negocia-es, tanto nesse estgio como nos seguintes.
A intensidade das disputas regionais pode ser verificada pelo
nme-ro de propostas relacionadas com rearranjos territoriais e
alianas fo-ram construdas superpondo-se aos partidos e s
representaes geo-grficas17.
A competio inter e intrapartidria tambm ilustra a compreensode
alianas e deseres. O PFL apresentou propostas contra a criaode
novos estados, mas vrios dos seus membros pressionaram pelacriao de
cinco novos estados; o PDT batalhou pela recriao do esta-do da
Guanabara, contra o desejo de seu principal lder poca, Leo-nel
Brizola; o PMDB lutou pela criao do estado de Santa Cruz, naBahia,
contra a orientao do ento governador da Bahia e membrodo PMDB,
Waldir Pires.
A viso dos partidos polticos sobre o papel do governo federal
podeser revelado pelo grande nmero de propostas que sugeriam um
pa-pel expandido do governo federal no que se refere s suas
competn-cias. O PMDB apresentou o maior nmero de proposies nesse
senti-do, mas tambm o PDT, PFL, PDS e PT desejavam um governo
federalcom poderes ampliados.
Uma tenso permanente foi identificada entre o que foi aprovado
pe-las subcomisses e pela comisso competente, mostrando a
impor-tncia das fases posteriores da ANC. A presena de Richa, um
polticorespeitado, fez com que fossem bloqueadas as medidas que ele
consi-derava excessos das subcomisses (entrevista em 5/5/1993).
Taisexcessos, todavia, foram reintroduzidos mais tarde, sendo
marcan-tes para o formato do federalismo e para o contedo da
descentraliza-o. Os resultados das discusses relacionadas com a
reestruturaodo Estado mostram que a descentralizao era entendida
apenascomo uma questo de recursos financeiros.
Comisso do Sistema Tributrio, Oramento e Finanas
Alguns dos parlamentares mais proeminentes eram membros
dessacomisso. O presidente foi Francisco Dorneles (PFL-RJ), antigo
mi-nistro da Fazenda, e o relator, Jos Serra (PMDB-SP). O Sudeste
conse-guiu garantir os postos-chave, embora as regies menos
desenvolvi-
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das tenham ficado com 53% dos assentos. A comisso recebeu
1.164sugestes. Em seu relatrio, Serra destaca os principais
problemaspor ele enfrentados: conflitos entre os membros da comisso
devidos suas distintas vises e ao grau diferenciado de conhecimento
sobreo tema; e tendncia a constitucionalizar cada pequeno
detalhe.
Segundo Serra, os principais resultados da comisso foram: a)
au-mento da base do principal imposto estadual, o ICMS, e maior
liber-dade para os estados definirem suas alquotas; b) criao de um
im-posto sobre vendas a varejo para os municpios; c) aumento das
trans-ferncias constitucionais para as esferas subnacionais; d)
proibiode vincular recursos; e) proibio ao governo federal de
concederisenes fiscais de impostos partilhados com as esferas
subnacionais;f) criao de um fundo com recursos do FINSOCIAL, o j
mencionadofundo de descentralizao.
Em seu relatrio Serra no esconde a preocupao com as perdas
im-postas ao governo federal. Como tais perdas pareciam inevitveis,
elepropunha a transferncia de responsabilidades para enfrentar a
ques-to do equilbrio federativo. Sabemos que no passado o governo
fe-deral concentrava excessivamente recursos e impostos,
desequili-brando a Federao. A Constituio ir corrigir esse erro, mas
seriacometer outro erro manter esse desequilbrio com os sinais
trocados.
Duas grandes mudanas foram introduzidas nessa comisso,
contra-riando o que havia sido decidido na subcomisso: 1) o aumento
de20% para 25% da quota do ICMS que os estados deveriam
transferirpara os municpios, aumento que compensaria a perda do
Impostosobre Servios ISS pelos municpios, proposta nessa comisso,
oqual passaria a integrar o ICMS. Surpreendentemente, os
prefeitosdas capitais, onde o ISS em geral o principal tributo, no
ofereceramresistncia mudana porque avaliaram que o aumento na
alquotado ICMS seria mais vantajoso (Serra, entrevista em
2/2/1994). Osparlamentares, no entanto, lutaram contra a extino do
ISS, conse-guindo reintroduzi-lo nas fases posteriores; 2) a
participao dos go-vernos subnacionais no IR e no IPI passou de 18%
para 18,5% para osestados e de 21,5% para 22,5% para os
municpios.
Serra declarou que seu papel na questo tributria foi de
resistnciaporque quase nada poderia ser feito: se eu no tivesse
resistido, asperdas do governo federal teriam sido ainda maiores,
em torno de
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60% a 70% do IR e do IPI (Serra, entrevista em 2/2/1994). Ele
tam-bm declarou no ter sido pressionado por grupos de interesse
por-que todos sabem que eu no me submeto a presses. Essas
afirma-es, no entanto, no subentendem a inexistncia de conflitos.
Sur-preendentemente, as maiores presses no vieram do setor
privadoou do governo federal, principais perdedores com o novo
sistema tri-butrio, mas dos prprios parlamentares18. Nas palavras
de um dosmembros dessa comisso, Osmundo Rebouas,
[...] o ambiente na Comisso era emocional e irracional. Eu
presen-ciei cenas deprimentes. Um dos debates mais acirrados deu-se
em tor-no dos percentuais do FPE [Fundo de Participao dos Estados e
doDistrito Federal] e FPM [Fundo de Participao dos Municpios].
Osconstituintes dos estados menos desenvolvidos lutavam para
queeles fossem os mais altos possveis e os dos mais desenvolvidos
osmais baixos. Para se chegar a um acordo, a cesta de trocas foi
enorme,incluindo o aumento da bancada paulista no Congresso
(Unafisco,1992).
Os entrevistados tenderam a dar respostas evasivas quando as
ques-tes se relacionavam com clivagens regionais. Os lderes Jos
Geno-no (PT-SP), Haroldo Lima (PCdoB-BA) e Jos Maria Eymael
(PDC-SP)argumentaram que essas disputas eram minimizadas pelos
progra-mas partidrios. Apesar disso, o prprio Eymael declarou que
houveum momento em que os representantes das diversas regies nessa
co-misso tiveram que fazer um acordo para tomar decises pensandono
pas e no nas regies (entrevista em 28/4/1993). Dentro doPMDB, a
situao era ainda mais difcil. De acordo com seu lder naANC, Mrio
Covas, seu principal objetivo era manter a coerncia dopartido
(entrevista em 19/5/1993). J o lder do PFL, Jos Loureno(PFL-BA),
afirmou que essas divergncias inexistiam no seu partidoporque havia
um senso de unidade nacional, a imprensa que exa-gerava os
conflitos regionais (entrevista em 10/5/1993). Para o lderdo PTB,
Gastone Righi (PTB-SP), as negociaes foram intensas e lon-gas, o
que foi interpretado pela opinio pblica como negligncia
(en-trevista em 29/4/1993).
A preocupao de Serra com os caminhos que a descentralizao
esta-va tomando fez com que ele escrevesse uma carta pessoal ao
presi-dente Sarney, enviada atravs de Ulysses Guimares. Sarney
respon-deu verbalmente que Serra deveria aprofundar ainda mais a
descen-
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tralizao (Serra, entrevista em 2/2/1994). Serra tornou-se,
assim, afigura mais visvel e isolada na defesa do governo federal.
Em avalia-o posterior, argumenta que as perdas do governo federal
para as es-feras subnacionais no foram assim to importantes quanto
achavanaquele momento, mas outras questes continuavam
preocupantes.A primeira era a expanso das isenes fiscais para a
Zona Franca deManaus, que, segundo ele, reduzem as transferncias
para a grandemaioria dos estados e municpios, colocando sobre o pas
o pesadonus de sustentar algumas poucas indstrias e alguns poucos
empre-gos. A segunda preocupao de Serra que o Congresso no est
tec-nicamente preparado para cumprir o papel outorgado pela
Constitu-io em matria tributria, em especial sobre despesa e
oramento.Ademais, argumenta, o Congresso no tem vontade poltica de
serco-responsvel pelo desempenho do setor pblico, como o
modeloproposto pela Constituio requer. Finalmente, o governo
federaltambm no tem vontade poltica para levar adiante propostas
quepoderiam reduzir seu poder (Serra, 1989).
Serra admite que suas principais derrotas foram a
impossibilidade deoutorgar maior autonomia aos estados para que
definissem sua pr-pria poltica fiscal atravs de maior liberdade
para decidir sobre asalquotas do ICMS e a falta de apoio de seus
pares para aprovar meca-nismos institucionais voltados para
operacionalizar a descentraliza-o dos servios. Segundo ele, as
disparidades entre estados e muni-cpios muito grande e isso requer
planejamento e coordenao dogoverno federal (Serra, entrevista em
2/2/1994).
Ocorreu nessa comisso, contudo, um grande acordo entre as
regiesmais e menos desenvolvidas sobre a diviso dos recursos
tributrios.As primeiras ganharam um ICMS ampliado e as segundas
percen-tuais mais altos nas transferncias de recursos federais, que
consti-tuem os fundos de participao (FPE e o FPM).
Na segunda etapa dessa comisso, 692 sugestes foram recebidas
e275 selecionadas para anlise das variveis relacionadas com os
re-sultados da Constituio sobre o federalismo e a
descentralizao(Tabela 3). O maior nmero de propostas concentrava-se
na conces-so de benefcios fiscais. Nesse estgio, ainda no havia um
acordosobre o volume de recursos que seria transferido para estados
e muni-cpios, com percentuais variando entre 35% e 52% do IPI e do
IR. Oscampees das propostas sobre aumento das transferncias foram
os
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representantes do Nordeste e, por partido, o PMDB, seguido do
PFL.J os representantes do Sul e do Sudeste lideraram as emendas
paraiseno de impostos e concesso de incentivos fiscais19. J que as
re-gies Sul e Sudeste so menos dependentes dos impostos
federais,era racional que seus representantes se empenhassem pela
aprovaode medidas nesse sentido.
Tabela 3
Emendas Propostas pelos Constituintes Comisso do Sistema
Tributrio,
Oramento e Finanas
Tema N depropostas
Benefcios fiscais que reduziam impostos federaisIsenes e
incentivos fiscaisClivagens regionaisAumento do poder do Congresso
sobre matria fiscal e oramentriaAlquotas, procedimentos e
regulamentao de impostosVinculao de recursos para servios pblicos e
atividades privadasRetorno ao governo federal de impostos
transferidos para as esferas
subnacionaisContra o fundo de descentralizaoLimitaes tributao e
despesa pblicaLimites ao Congresso para propor emendas ao
oramento
845643382911
7322
Fonte: Agregao baseada em dados do PRODASEN.
Houve contradies nas propostas contra a deciso do relator
detransferir a competncia sobre o Imposto Territorial Rural ITR
dogoverno federal para os estados. O argumento era o de que, no
passa-do, quando de competncia estadual, o imposto no era
regularmentecoletado. Mais tarde, Serra retirou essa proposta
porque, segundo ele,foi o nico pedido feito comisso pelo ento
ministro da Fazenda,Bresser Pereira (entrevista em 2/2/1994).
A justificao contra o fundo de descentralizao era que os
recursosque comporiam o fundo, vindos do FINSOCIAL, deveriam
continuar fi-nanciando programas sociais. Serra contra-atacou
usando o argu-mento favorito de seus pares, de que os recursos para
programas soci-ais seriam melhor aplicados pelas instncias de
governo mais prxi-mas da comunidade. O fundo foi aprovado na
comisso, mas rejeita-do em todas as fases posteriores da ANC. Essa
rejeio, todavia, no
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surpreende, j que os recursos do FINSOCIAL sempre integraram a
ces-ta de negociao entre parlamentares e o Executivo federal20.
Divergncias entre os estados e os municpios podem ser
constatadasna forma como os lderes partidrios evitaram respostas
diretas ao as-sunto, nas constantes mudanas nos percentuais dos
impostos fede-rais a serem transferidos e no ganho dos municpios,
que aumenta-ram sua participao no ICMS, mantendo todavia o ISS.
Apesar da in-tensidade dessas disputas, individualmente cada estado
e cada mu-nicpio ganhou com o novo sistema, no apenas porque seus
recursosaumentaram, mas tambm por conta das vitrias fora da rea de
com-petncia da comisso, tal como o aumento da bancada paulista, de
60para 70 deputados.
A competio inter e intrapartidria teve o mesmo papel que na
Co-misso de Organizao do Estado. Os delegados dos partidos
com-portaram-se mais de acordo com seus compromissos locais e
regio-nais do que com os programas partidrios, por mais vagos que
fos-sem. Como exemplo, seria racional supor que o PL, poca
identifica-do como o partido que melhor expressava a ideologia
liberal, teriaparticipao ativa nessa comisso, atuando contra o
aumento dos im-postos. No entanto, o PL s apresentou uma proposta.
Contra a emen-da de transferncia do ITR estavam membros do PFL,
PMDB, PCB ePDT. Isso mostra que, assim como na comisso anterior, a
competiointer e intrapartidria ocorreu mais em bases individuais do
que cole-tivas e que acordos e conflitos variaram de acordo com
cada questo.
A viso dos partidos sobre o papel do governo federal foi
marcada,nessa comisso, pelas seguintes caractersticas: por um lado,
para ospartidos progressistas havia, naquele momento, afinidade
ideolgicaentre descentralizao e democracia, mas tambm razes
pragmti-cas para concordar com as medidas descentralizadoras que
estavamsendo aprovadas pelos constituintes, uma vez que desde 1985
os par-tidos progressistas comearam a crescer nas eleies
municipais. Noentanto, esses partidos no tiveram grande participao
nessa comis-so. A descentralizao financeira deve ser creditada,
principalmen-te, ao PMDB e ao PFL. Por outro lado, para os partidos
mais conserva-dores, o aumento dos recursos municipais significava
mais recursospara as lideranas locais, que tm importncia crucial
para a eleiodos quadros legislativos. Naquele momento, a batalha
partidria naesfera local estava polarizada entre o PMDB e o PFL,
assim como nos
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governos estaduais. Dessa forma, mais recursos para os
municpiosera essencial para ambos.
J as clivagens entre as esferas municipal e estadual favoreceram
osmunicpios, pelas seguintes razes: a) como reao ao regime
militar,que sempre acusava os prefeitos de gestores irresponsveis,
mais doque os governadores; b) a luta por mais recursos locais era
mais anti-ga no Congresso, simbolizada pela CPI anteriormente
mencionada; c)os deputados federais exerceram ou gostariam de
exercer cargos ele-tivos no Executivo, o que mais fcil nos
municpios do que nos esta-dos. Portanto, a deciso de descentralizar
foi influenciada por incen-tivos mais favorveis aos municpios do
que aos estados21.
Outras questes tambm so importantes para o melhor entendimen-to
dessa comisso. A adoo de um sistema tributrio baseado maisem
transferncias constitucionais de recursos do que na arrecadaode
receitas prprias implica reconhecer que nas regies menos
desen-volvidas as atividades econmicas so escassas e que sua
sobrevivn-cia depende de transferncias federais. Mostra tambm o
temor dosparlamentares de que governadores e prefeitos no tenham
fora su-ficiente para enfrentar presses contrrias cobrana de
impostos.
A liderana de Jos Serra foi efetiva apenas nessa etapa do
processoconstituinte. Assim como em outras comisses, o que era
decidido aliseria mudado adiante. Constante foi o enfraquecimento
financeiro dogoverno federal, facilitado por um presidente carente
de legitimida-de em oposio alta legitimidade dos governadores22.
Tambm per-maneceu inaltervel o acordo entre as regies mais e menos
desenvol-vidas, com os aumentos do ICMS, por um lado, e do FPE e
FPM, poroutro. Nesse tipo de conjuntura, no havia espao para
tecnicalida-des nem para preocupaes com os resultados da
descentralizao.
Esta seo buscou enfrentar o paradoxo de como entender a
fraquezado Executivo federal durante a ANC no que se refere s
questes queviriam a afetar seu desempenho futuro, ou seja, o
federalismo e a des-centralizao. No entanto, fica ainda sem
resposta o porqu de os le-gisladores, dependentes que so dos
recursos federais para sua so-brevivncia poltica e para acomodar,
via recursos oramentrios, asinmeras clivagens locais e regionais,
enfraquecerem o papel media-dor do governo federal nessas
disputas.
Federalismo e Descentralizao na Constituio de 1988...
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NOVOS CONFLITOS E ALIANAS: A COMISSO DE SISTEMATIZAO CS
Com 93 membros, a CS foi o estgio mais importante do
processoconstituinte. Todos os partidos estavam ali representados,
assegu-rando, inclusive, a representao das minorias, de acordo com
osprincpios pluralistas e consociativos que guiaram a ANC. A
repre-sentao partidria na comisso refletia a composio da ANC, masno
a representao regional, conforme os dados da Tabela 4.
Tabela 4
Composio da CS e da ANC por Regio (%)
Regio CS ANC
NorteNordesteDistrito FederalCentro-OesteSudesteSul
53815
3714
113228
3215
Fonte: Clculos da autora a partir de dados dos arquivos da
ANC.
A primeira grande batalha travada na CS teve a ver com a escolha
dorelator, e acabou se caracterizando como uma disputa de
oratriadentro do PMDB. Pimenta da Veiga era o favorito do lder do
PMDB,Mrio Covas, mas o eleito foi Bernardo Cabral, por seu talento
verbal(Passarinho, entrevista em 21/5/1993). O presidente foi
Afonso Ari-nos (PFL-RJ). Em virtude das presses para a concluso dos
traba-lhos, posteriormente, foram criadas duas vice-presidncias,
entre-gues a Fernando Henrique Cardoso e Jarbas Passarinho.
A CS elaborou vrios projetos entre 1987 e 1988. Realizou 125
audin-cias pblicas e recebeu 35.111 emendas de parlamentares e 122
de gru-pos organizados. Estes nmeros mostram que, assim como nas
fasesanteriores, comeava-se novamente do zero.
No que se refere s duas principais questes aqui analisadas
fede-ralismo e descentralizao , a CS foi marcada mais por
compromis-sos e negociaes na resoluo de conflitos do que por
confrontos. Deuma perspectiva cronolgica, verifica-se o retorno de
presses para afundao de sete novos estados, apesar de ter sido
aprovada, no final,apenas a criao do Tocantins e a elevao de
Roraima e Amap con-dio de estados. No projeto de junho de 1987, os
governos subnacio-nais foram beneficiados com a incluso de um
artigo que os compen-
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sava pela explorao de recursos naturais. No projeto de agosto,
rein-troduziram-se as competncias concorrentes, que permaneceram
naverso final. Na verso de outubro consagra-se a vitria dos que
ad-vogavam a reintroduo do ISS e a criao do Imposto sobre Vendas
aVarejo de Combustveis e Lubrificantes Exceto Diesel IVVC.
Nessaverso, o Centro-Oeste includo, juntamente com o Norte e o
Nor-deste, como beneficirio do Fundo Constitucional de
Desenvolvi-mento. Nas verses de agosto e de outubro, introduziu-se
um artigoautorizando os governos federal e estadual a elaborar
planos para atransferncia de responsabilidades aos municpios em
programas so-ciais, que inclua a transferncia de pessoal, recursos
e patrimnio.Na verso de fevereiro de 1988, esse artigo foi
eliminado, alm de apa-recer o imposto sobre grandes fortunas. Na
verso de julho, uma curio-sa mediao entre centralizao e
descentralizao surgiu: as mudan-as tributrias que reduziam os
recursos federais foram mantidas, masforam introduzidas novas
obrigaes para o governo federal.
Em cada verso, o relator escreveu longos considerandos, e dois
pon-tos merecem destaque: o primeiro ressaltava o que ele chamou
dealto grau de consenso, mostrando que a Constituio estava
cons-truindo um novo e duradouro pacto social. Segundo Bernardo
Ca-bral, o confronto era visto como indesejvel. O segundo era o
fortale-cimento da Federao, embora os exemplos por ele citados se
refe-rissem apenas s esferas subnacionais.
O consenso foi alcanado atravs de um sistema montado por
Covas.Segundo Passarinho (entrevista em 21/5/1993), Covas criou uma
es-pcie de Conselho de Segurana da ONU dentro da ANC, ou seja,dele
participavam todos os lderes partidrios, com direito a
veto.Passarinho argumentou que as origens esquerdistas de Covas,
alia-do aos esforos messinicos da esquerda radical em oposio
negli-gncia da direita, foram responsveis pelas derrotas sofridas
pela di-reita. Ainda segundo ele, a direita podia apenas minimizar
certasmedidas, mas no podia jamais ganhar uma batalha.
Por conta dos caminhos que a ANC estava tomando, em especial
asameaas durao do mandato de Sarney, alm das medidas contr-rias aos
interesses de vrios segmentos empresariais, criou-se, ento,um grupo
extrapartidrio, o Centro, para lutar contra o que muitosrotulavam
de tendncias esquerdistas da ANC. O Centro contoucom 152
parlamentares do PFL, PMDB, PDS, PTB, PDC e PL, sendo
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tambm fruto das derrotas sofridas pelo PFL nesse estgio. Esses
re-veses no eram comuns, j que desde a sua criao o PFL conseguiuter
uma fora extraordinria no Congresso devido s divises inter-nas no
PMDB23. O Centro contou com o apoio irrestrito de Sarney,que passou
a distribuir benefcios polticos aos seus aliados, taiscomo
concesses de TVs e estaes de rdio, obras pblicas e cargosno governo
(Baaklini, 1992; Campello de Souza, 1992). Sarney tam-bm se apoiou
nos militares que eram contra o parlamentarismo e areduo do seu
mandato, usando inclusive o nome deles em ameaasveladas ANC
(Passarinho, entrevista em 21/5/1993). Assim, o pre-sidente
valeu-se dos militares como uma fora extraconstitucionalpara
diminuir o poder dos partidos de esquerda e dos movimentossociais.
Apesar de os compromissos do Centro serem com os empre-srios e com
Sarney, este foi muito mais bem-sucedido do que aquelesem suas
demandas. De acordo com o depoimento do presidente daFederao das
Indstrias do Estado de So Paulo FIESP, em 1988ele viajou 85 vezes
para Braslia para defender os interesses da cate-goria. Das 24
questes pelas quais a FIESP batalhou, seu presidenteafirma que foi
derrotado em 21 delas (Folha de S. Paulo, 3/4/1993).Isso no
significa, todavia, que a comunidade empresarial no tenhapoder, mas
sim que o Congresso, quando confrontado com deman-das do Executivo
e dos empresrios, tendeu a optar pelas primeiras.
Os motivos pelos quais o Centro foi criado no se relacionam
nemcom o federalismo nem com a descentralizao. A organizao doEstado
e o sistema tributrio, principais manifestaes desses
doisinstitutos, j estavam desenhados antes da criao do Centro,
apesarda falta de consenso em torno de alguns detalhes. No entanto,
a cria-o do Centro trouxe conseqncias para o processo
constituintecomo um todo. Isto porque o grupo conseguiu mudar as
regras regi-mentais, aprovando o Regimento Interno n 3, o que
permitiu quequase tudo o que havia sido negociado pudesse ser
revisto. Alm domais, o Centro quebrou a frgil coalizo formada pela
Aliana De-mocrtica, aumentando o nmero de atores no processo
decisrio. Asvitrias do Centro nas demandas de Sarney mostraram que
o Execu-tivo federal no era uma instituio a ser ignorada e que,
apesar deseu descrdito naquele momento, podia exercer seu poder.
Por fim, odespertar tardio dos conservadores na ANC mostra que eles
no esta-vam acostumados a lidar com formas mais consociativas no
processodecisrio. Esses segmentos levaram algum tempo para reagir
aos pro-
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cedimentos pluralistas e consociativos, que estavam sendo a
marcada ANC.
No entanto, a constituio de grupos acima dos partidos no se
deuapenas com o Centro. A existncia de vrios outros mostra que a
en-genharia poltico-partidria estava apenas em construo, o que
tam-bm fica evidente quando se verifica que, durante a ANC, 15%
dosparlamentares mudaram de partido24. A formao desses grupos,
asmudanas de partido e a constituio de novos mostram que a
ten-dncia a subdivises, em lugar de agregaes, como aconteceu
nosanos 90, refletia os rearranjos e as acomodaes
poltico-partidriasna nova ordem. Alm disso, a ausncia de um
segmento ideologica-mente homogneo, capaz de liderar o processo
constituinte, como sedeu em outros pases, s poderia fortalecer a
tendncia a prticas in-dividuais. Se os progressistas foram mais
bem-sucedidos nas subco-misses e comisses temticas, apoiados,
principalmente, pelos mo-vimentos sociais, na Comisso de
Sistematizao eles tiveram que re-troceder e negociar com as foras
conservadoras. Nesse estgio, oconsenso era a forma de lidar com as
diferenas. Esses fatos abrirammais espaos para a formao de acordos,
muitos no diretamente re-lacionados com o federalismo e a
descentralizao, mas negociadosem seu nome.
A VITRIA DO CONSENSO: AS SESSES PLENRIAS E AS VOTAESNOMINAIS
As sesses plenrias se constituram de 1.021 votaes nominais
emdois turnos. Mais de 95% do texto final da Constituio j havia
sidonegociado quando comearam as votaes nominais. Foram
selecio-nadas 115 votaes nominais para anlise sobre o federalismo e
a des-centralizao (Tabela 5).
Tabela 5
Votaes Nominais Selecionadas sobre Organizao
do Estado e Sistema Tributrio
Tema N de propostas
Sistema tributrio e despesa pblicaConflitos inter e
intragovernamentaisClivagens regionaisPapel do Estado
61311310
Fonte: Agregao baseada em dados do PRODASEN.
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A mdia de participao dos constituintes nas votaes nominais
se-lecionadas variou entre 350 e 400, sendo esta a mdia da maioria
dasvotaes25. Das 115 votaes nominais selecionadas, 82 foram
rejeita-das e 33 aprovadas, mostrando que mais de 70% das propostas
foramapresentadas sem negociao prvia; 83% registraram alto grau
deconsenso, seja para sua aprovao seja para sua rejeio. Somenteonze
dessas votaes foram objeto de fortes disputas, das quais setetinham
relao com o sistema tributrio, trs com conflitos inter e
in-tragovernamentais e uma com o papel do Estado26. A grande
maioriavisava mudanas parciais em impostos especficos e somente
umaemenda foi apresentada, pelo PL, para mudar integralmente o
captu-lo sobre o sistema tributrio. Coerente com seu iderio
liberal, a pro-posta do PL tinha por objetivo a reduo de impostos e
uma maiordescentralizao tributria, tendo sido derrotada.
As clivagens entre as regies foram minimizadas nesse estgio dada
aestratgia de busca de consenso. No entanto, alguns conflitos
aindaocorreram, como mostra a Tabela 6.
Tabela 6
Votaes Nominais Selecionadas Relacionadas a Clivagens
Regionais
Regio Votao Nominal
n 811 n 904 n 913 n 708
Sim No Sim No Sim No Sim No
NorteNordesteSudesteCentro-OesteSulDistrito Federal
Total
2549432325
4169
154480
933
5186
306453
336
1187
1155772338
9213
28751526
34
151
106
204
685
113
1460691338
6200
3177642131
3227
Fonte: Agregao baseada em dados do PRODASEN.
Se o Nordeste registrou ganhos nos estgios anteriores do
processoconstituinte, o Sudeste demonstrou seu poder nas sesses
plenrias.As votaes nominais nos 811, 904 e 913 so exemplos de como
o Sudes-te saiu vitorioso nas confrontaes por votar como um bloco
unido, en-quanto o Nordeste foi derrotado em virtude das divises
entre seus re-presentantes. A votao nominal n 708 mostra que quando
os repre-sentantes das regies se dividiam, o Norte, o Nordeste e o
Cen-tro-Oeste conseguiam impor suas demandas. Surpreendentemente,
os
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representantes do Sul, a regio do Brasil menos desigual social e
econo-micamente, tenderam a se dividir nas votaes nominais
selecionadas.
Quatro votaes nominais so representativas do alto grau de
nego-ciao inter-regional (Tabela 7)27 e implicam a defesa de
interesses es-pecficos de uma rea ou regio. Em algumas situaes, um
acordobeneficiando determinada rea podia anular os ganhos de outras
de-cises. Isso aconteceu com a votao nominal n 718, que criou
trsnovos estados, diminuindo, portanto, a vantagem conseguida porSo
Paulo com o aumento do nmero de seus representantes.
Tabela 7
Votaes Nominais Selecionadas Relativas ao Alto Grau de
Negociao
entre as Regies
Regio Votao Nominal
n 453 n 463 n 464 n 718
Sim No Sim No Sim No Sim No
NorteNordesteSudesteCentro-OesteSulDistrito Federal
Total
23219162
62
1287
10724597
296
3291
10332596
323
52010140
40
32
48483
68
341158031583
321
3511111634629
367
1000001
Fonte: Agregao baseada em dados do PRODASEN.
Duas propostas voltadas para operacionalizar a descentralizao
fo-ram reapresentadas: a de n 726, assinada por Jos Serra e
represen-tantes de vrios partidos e regies, com exceo da regio
Norte, pararegular a transferncia de responsabilidades e atribuies
do gover-no federal para os governos subnacionais e dos estados
para os muni-cpios e para definir os procedimentos e os limites da
descentraliza-o. A proposta foi, no entanto, derrotada em todas as
regies. A se-gunda foi a de n 727, que visava aprovao de uma srie
de serviospblicos, em especial sociais, que deveriam ser
transferidos para osmunicpios, e que tambm foi rejeitada por todas
as regies.
O alto consenso obtido pelas questes relativas ao federalismo e
descentralizao foi possvel graas participao dos lderes parti-drios,
conforme pode ser visto na Figura 1.
A figura acima mostra que a forma mais eficiente para aprovar
umaproposta era obter o apoio de mais de quatro partidos, embora,
nesse
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estgio, poucas emendas tenham sido aprovadas no que se refere
aofederalismo e descentralizao. A segunda maneira era conseguir
aaprovao de membros de dois ou trs partidos ou grupos opostos aodo
autor da proposta. A terceira era a apresentada por
parlamentarescom algum tipo de liderana (partidria, relator ou
representante dealgum grupo de interesse). No entanto, a taxa de
sucesso nesse est-gio sempre foi baixa. Lderes do PFL, PDC e PTB
apresentaram pro-postas que foram rejeitadas porque elas reduziam
impostos federais.A forma menos eficiente de conseguir passar uma
emenda era con-centr-la em um nico partido, tendo menos
probabilidade do que aapresentada por parlamentares
individualmente.
Apesar de as propostas relacionadas com o federalismo e a
descentra-lizao terem obtido alto grau de consenso nesse estgio,
grande dis-perso foi registrada no que se refere aos partidos, com
exceo doPCdoB, PT e PSB (ver Figura 2). Em nenhuma das 115 votaes
nomi-nais analisadas houve acordo entre o PMDB e o PFL28.
Todos os partidos obtiveram mais vitrias do que derrotas nas
suasproposies. O PMDB foi o grande vencedor, fazendo do partido
omais importante ator coletivo, seguido do PSDB, que teve
apenasnove derrotas, inclusive a do fundo de descentralizao, e do
PFL,com quatorze. O partido com maior nmero de derrotas foi o PL,
com35, mostrando que a reduo de impostos, principal bandeira do
par-
Celina Souza
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Partidos contrrios
26,6%
Um lder
25,4%
Um indivduo
7,1%
Mesmo partido/grupo
4,7%
Mais de quatro partidos
36,1%
Figura 1
Coalizes nas Votaes Nominais
(% de aprovao de acordo com a forma como a proposta foi
apresentada)
-
tido no que se refere ao federalismo e descentralizao, no teve
res-sonncia na ANC. O que se pode concluir em relao s votaes
no-minais que todos os partidos e agrupamentos foram
responsveispelo formato assumido pelo federalismo e pela
descentralizao.
POR QUE DESCENTRALIZAR?
Por que a deciso de mudar o federalismo pela via da
descentralizaofoi tomada pelos constituintes brasileiros? Trs
grupos de razo, queagregam nove diferentes motivaes, podem ser
listados (Quadro 1).
Quadro 1
Razes da Descentralizao
Grupos de razo Motivao
ExternasExternas + internasInternas
Agenda da transioClivagens entre o Legislativo e o
ExecutivoPeculiaridades da ANC
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0
1219
57 57
73
8792
99 115 115
0
10
2
N
mer
od
asv
ota
es
no
min
ais
com
dis
per
so
0
30
40
50
60
70
80
90
100
PCdoB PT PSB PL PDT PDC PSDB PTB PDS PFL PMDB
Par tido
Figura 2
Disperso nas Votaes Nominais
-
O primeiro grupo constitudo de razes baseadas na agenda da
tran-sio: a) reao contra o regime autoritrio, j que centralizao e
au-toritarismo sempre estiveram associados no Brasil; b) questes
con-trrias descentralizao, tais como equilbrio fiscal e controle do
d-ficit pblico, no constavam da agenda da transio, sendo seu
prin-cipal objetivo legitimar a redemocratizao; c) a ausncia de
consensosobre um novo formato para o Estado e um novo modelo de
desenvol-vimento econmico tornou o processo decisrio fragmentado,
permi-tindo posturas regionalistas, alm de dificultar um acordo
sobre oque deveria ser alcanado pelo novo federalismo e pela
descentrali-zao; d) havia uma enorme euforia no pas quando a
Constituio es-tava sendo escrita, estimulada por fatores econmicos
e polticos, talcomo o sucesso inicial do Plano Cruzado, e poucos
polticos arrisca-vam falar de problemas, como os constrangimentos
fiscais do gover-no federal; e) havia um ambiente favorvel aos
governos subnacio-nais, abrindo caminho para assunes normativas
sobre a descentra-lizao, como por exemplo seu potencial para
promover eficincia,democracia e accountability.
O segundo grupo constitudo de motivaes internas e externas
re-lacionadas s clivagens entre o Executivo e o Legislativo. Depois
deanos de submisso das instituies polticas nacionais e
subnacionaisao Executivo federal, o Congresso estava em luta aberta
contra o Exe-cutivo, e a descentralizao foi uma arma sempre
presente ameaan-do o governo federal. Duas razes podem ser includas
nessa catego-ria: a) ainda prevalecia a viso de que o governo
federal era to-do-poderoso, inclusive financeiramente; b) Sarney
tinha pouca legiti-midade, em contraste com os governadores e
constituintes, cujas ima-gens se associavam tarefa de liderar a
redemocratizao. Ademais,o Congresso tambm estava vendo seu poder
aumentar porque o par-lamentarismo vencia em todas as etapas do
processo constituinte.
O terceiro grupo era composto de razes baseadas nas
peculiaridadesda ANC e do Congresso: a) o parlamentar mdio em geral
desconhecequestes fiscais; b) 54% dos membros da ANC que tinham
experin-cia poltico-partidria anterior tinham sido governadores,
prefeitos,vereadores ou deputados estaduais, alm de serem sempre
poten-ciais candidatos aos Executivos subnacionais.
A Constituio foi desenhada para formar as bases da nova ordem
epara legitimar a redemocratizao. A descentralizao e um federa-
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lismo que constrange o centro, na expresso de Stepan (2000a),
foramvistos como formas de legitimar a redemocratizao e
reestruturar oEstado29. Nesse sentido, a Constituio de 1988 foi um
sucesso. No en-tanto, a determinao de promover a descentralizao e
mudar as fei-es do federalismo foi marcada por conflitos entre
regies e entre es-tados e municpios, acirrados pelas circunstncias
daquele momentohistrico, isto , pelas turbulncias e comoes que
sempre se seguems mudanas de regime poltico, em especial de
autoritrio para de-mocrtico. Ademais, a deciso foi marcada por
premissas normativasem lugar de avaliaes sobre suas conseqncias na
correlao de for-as dentro da Federao. Por outro lado, essa deciso
expressa a con-cepo ideolgica (ou de valor) que tem sustentado o
federalismo noBrasil, ou seja, a necessidade de acomodar demandas
regionais con-flitantes em um pas marcado por alto grau de
desigualdades inter eintra-regionais30.
CONSIDERAES FINAIS
As questes relacionadas com a organizao do Estado e com o
siste-ma tributrio durante o processo constituinte foram menos
voltadaspara formular e implementar polticas pblicas e mais para
atender ademandas locais, regionais e individuais. No entanto,
essas caracte-rsticas no so uma idiossincrasia brasileira. Como
argumentamShugart e Carey (1992), assemblias constituintes so, por
natureza,paroquiais. Na mesma linha, Elster (1994) afirma que os
interessesdos eleitores so sempre e necessariamente os mais
importantes paraos constituintes. Apesar de uma certa desconfiana
ainda existenteem relao aos prefeitos e governadores, os
constituintes assumiramo risco de aumentar o poder de governadores
e prefeitos. Outros fato-res tambm contriburam para o contedo
localista, regionalista e in-dividualizado de alguns aspectos da
ANC: a pouca polarizao ideo-lgica e a opo pelo consenso em lugar do
confronto, implicandofragmentao e adiamentos. Algumas concluses
sobre o processodecisrio relativo ao federalismo e descentralizao
podem ser aquiformuladas.
1) Se os constituintes abraaram um antimodelo para algumas
ques-tes, para outras repetiram muito do que era caro ao regime
militar,como a criao de estados nas regies menos desenvolvidas do
pas31.
Federalismo e Descentralizao na Constituio de 1988...
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2) Em nome da restaurao do federalismo e da defesa da
descentrali-zao, muitas medidas foram negociadas, da porque os
conflitos e astenses decorrentes desses dois institutos
ultrapassaram a questoda transferncia de recursos para as esferas
subnacionais.
3) A opo preferencial pelo consenso teve duas conseqncias
prin-cipais: a) promoveu um jogo de soma positiva para as esferas
subnaci-onais; b) limitou a possibilidade de enfrentar questes
candentes,como a adoo de mecanismos capazes de promover uma
melhorequalizao fiscal entre estados e regies. A opo pelo
consensomostra o carter consociativo do federalismo brasileiro e da
prpriaredemocratizao32. No entanto, isso no significa, obviamente,
a eli-minao dos conflitos, seja naquele momento, seja nos
desdobramen-tos futuros dessa engenharia constitucional.
A engenharia constitucional brasileira foi marcada por esforos
paralegitimar o retorno democracia mediante a promulgao de
umaConstituio aberta participao popular e societal e no por
preo-cupaes com resultados ou em construir um consenso social sobre
oque deveria ser atingido pela descentralizao e pelo novo
federalis-mo. Ademais, os procedimentos adotados incentivaram
mudanasconstantes nas diversas verses da Constituio, induzindo a
negoci-aes e compromissos com inmeros participantes. Por fim, o
proces-so constituinte no se caracterizou pela ruptura com os
partcipes doantigo regime, mas sim pela aceitao de novos e velhos
atores, visan-do legitimao da nova ordem democrtica e assegurar a
continui-dade da mesma. Essas caractersticas ampliaram o nmero de
atoresno processo decisrio, fragmentando o poder, sem desintegrar,
con-tudo, as velhas coalizes polticas.
No que se refere essncia do federalismo e da descentralizao,
cabedestacar alguns pontos. Primeiro, no havia dvida sobre a
decisode restringir o poder do governo federal e do Executivo
federal, o quefoi feito pela via da descentralizao tributria, mas
poucos constitu-intes se debruaram sobre suas conseqncias e
desdobramentos. Se-gundo, o governo federal no reagiu a essas
perdas, nem os constitu-intes avaliaram que reduzir recursos
federais tambm implicava res-tringir sua capacidade de transferir
recursos para suas bases eleitoraispor intermdio do oramento
federal33. Da parte do Executivo fede-ral, distribuir benefcios
financeiros para que os parlamentares osempreguem em suas bases
eleitorais tambm crucial para assegurar
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apoio coalizo governista. Essas tenses continuam na agenda
pol-tica brasileira e reemergem todos os anos nos momentos de
elabora-o e execuo do oramento federal.
O surgimento de novas questes nos anos que se seguiram ao
incioda redemocratizao, aliado ao fato de que a descentralizao no
foiprecedida de um consenso social sobre os seus objetivos,
acabarampor criar uma distncia entre os meios e os fins da
descentralizao34.Ademais, e apesar do carter consociativo do
federalismo e do siste-ma poltico brasileiro formatados em 1988,
existe hoje uma grandetenso entre o que foi desenhado em 1988, dos
pontos de vista consti-tucional e institucional, e o que acontece
na prtica. Exemplos dessatenso podem ser encontrados: a) no uso
excessivo de Medidas Provi-srias pelo Executivo federal; b) na
persistncia das grandes desi-gualdades entre estados, municpios e
regies, aumentando fragili-dades financeiras e administrativas e
fazendo com que a capacidadede as instncias subnacionais tirarem
vantagens da sua posio nosistema federativo e na descentralizao
seja altamente diferenciada(ver Souza, 2001); c) no controle que
muitos governadores ainda exer-cem sobre as instituies polticas e
societais no territrio estadual,tornando o sistema poltico estadual
e a relao entre os estados e osmunicpios pouco abertos contestao
(ver Abrucio, 1998); d) no su-cesso do governo federal em
recentralizar recursos fiscais em nomeda poltica macroeconmica,
como mencionado acima; e) na competi-o entre esferas subnacionais
por investimentos privados, a denomi-nada guerra fiscal, resultado
da poltica de desregulamentao.
Assim, a sada do governo federal de vrias funes, tanto de
regula-mentao como de financiamento, e a impossibilidade de a ANC
criarincentivos para a ao cooperativa entre os entes
governamentais, emque o fundo de descentralizao acima mencionado
seria uma das al-ternativas, tm contribudo para diminuir, mas no
eliminar, o car-ter consociativo do federalismo brasileiro, assim
como para aumen-tar a distncia entre os fins e os meios da
descentralizao.
A engenharia constitucional brasileira gerou um federalismo que
in-corpora mltiplos centros de poder e que pode ser
caracterizadocomo um sistema complexo de dependncia poltica e
financeira en-tre esferas de governo. Desde 1988, vrios centros de
poder, emboradesiguais, passaram a ter acesso ao processo decisrio
e implemen-tao de polticas. Em um sistema democrtico e com marcas
consoci-
Federalismo e Descentralizao na Constituio de 1988...
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ativas, os polticos subnacionais tornaram-se uma fonte de apoio
paraa coalizo nacional de governo, com possibilidades de sustentar
ouvetar polticas pblicas, inclusive nacionais. A fora desses
polticos edessas esferas no significa, todavia, que o Executivo e o
governo fe-deral tornaram-se atores passivos.
Ao desenhar um federalismo que impe restries ao governo
fede-ral, os constituintes aproximaram o Brasil das federaes mais
demo-crticas, j que, como lembra Stepan (2000a), todas as federaes
de-mocrticas so, por natureza, limitadoras do centro.
(Recebido para publicao em maro de 2001)
NOTAS
1. Na cincia poltica, a literatura sobre desenho constitucional
tem sido abundante,mas poucos trabalhos focalizam prioritariamente
as mudanas no sistema federati-vo. Ver, por exemplo, Bogdanor
(1988); Elster e Slagstad (1988); Elster (1993; 1998);Lane (1996);
Melo (1997); North e Weingast (1996); Reis (1986); Riker (1998);
Shu-gart e Carey (1992); Weaver e Rockman (1993). Sobre a
Constituinte brasileira, ver,entre outros, Baaklini (1992); Couto
(1998); Fleischer (1990); Lamounier et alii(1991); Martinez-Lara
(1996). Leme (1992) um dos raros autores que analisou
es-pecificamente a questo federativa na ANC de 1986-88.
2. Os dados foram extrados dos arquivos da ANC e do banco de
dados do PRODASEN.Foram tambm realizadas entrevistas
semi-estruturadas em 1993 e 1994.
3. Nessas eleies o eleitorado brasileiro era de 69.166.963
eleitores.
4. A diviso dos partidos em direita versus esquerda ou
estatizantes versus liberaispouco contribui para o entendimento do
comportamento dos partidos durante aANC. A importncia de se
analisar a ANC para alm dos partidos polticos ressal-tada por
autores como Campello de Souza (1989). Por essa razo, optou-se por
no-mear como conservadores os partidos que, durante a ANC,
resistiram a mudanasno status quo e que tinham em seus quadros
expressiva presena de membros vin-culados ao regime militar, e como
progressistas os que resistiram ao regime autori-trio e mostraram
na ANC um compromisso com a expanso dos direitos polticose sociais.
Como toda classificao de situaes complexas, essa tambm no deixade
ser insatisfatria, inclusive porque no interior de vrios partidos,
em especial noPMDB, havia representantes de ambos os grupos.
5. Durante ou aps a ANC, esses partidos passaram por vrias
mudanas: o PCB setornou PPS; o PDS e o PDC se transformaram, em
1993, no PPR, que, mais tarde, seuniu ao PP, constituindo o
PPB.
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6. Sobre o papel dos parlamentares brasileiros no perodo
1946-99, em especial sobrea importncia de altos ndices de renovao
na produo legal da instituio parla-mentar, ver Santos (2000).
7. Processo semelhante foi tambm identificado na ANC por Couto
(1998) no que serefere s reformas econmicas.
8. Na Espanha, por exemplo, as subcomisses trabalharam a portas
fechadas e aComisso de Sistematizao, que tinha apenas onze membros,
foi marcada poracordos secretos (Bonime-Blanc, 1987).
9. Por eficcia poltica entende-se o grau de confiana dos cidados
na sua capacida-de de participar do processo poltico e de
influenciar as decises sobre polticas queafetam suas vidas.
10. Mesmo os maiores defensores da chamada autonomia municipal
concordaram queessa deciso foi um exagero (entrevista com Diogo
Lordello de Mello, 13/4/1993).
11. A Constituio de 1988 garantiu por 25 anos os benefcios
fiscais da Zona Franca deManaus.
12. Dados levantados por Graham (1987) e Serra e Afonso (1991)
mostram que os re-cursos para os municpios cresceram durante o
regime militar enquanto os recur-sos para os estados foram
reduzidos.
13. Entre 1964 e 1986, os militares criaram quatro estados na
regio Norte, um no Cen-tro-Oeste e fundiram os estados do Rio de
Janeiro e da Guanabara.
14. A Constituio previu sua reviso em 1993, o que no ocorreu.
Curioso notar que oartigo sobre a reviso constitucional foi
aprovado pela maioria dos partidos e portodos os partidos
progressistas, o que mostra que os mesmos estavam confiantes
naampliao das conquistas sociais e democrticas da Constituio de
1988. Somenteo PFL votou contra esse artigo, apesar de ter se
tornado, poster