UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO RONNIE CLÍSTENES FRANCISCO DA SILVA OS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS BRASILEIROS E O ANALFABETISMO: MUDANÇAS, PERMANÊNCIA E RETROCESSOS NA BUSCA DE UM SISTEMA ÚNICO DE ENSINO EDUCACIONAL NATAL / RN 2015
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Federal University of Rio Grande do Norte - UNIVERSIDADE … · 2019-01-31 · Num pais de 30.401.000 analfabetos, afrontosos 25% da população, cabe advertir: a cidadania começa
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE EDUCAÇÃO
RONNIE CLÍSTENES FRANCISCO DA SILVA
OS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS BRASILEIROS E O
ANALFABETISMO: MUDANÇAS, PERMANÊNCIA E RETROCESSOS
NA BUSCA DE UM SISTEMA ÚNICO DE ENSINO EDUCACIONAL
NATAL / RN
2015
RONNIE CLÍSTENES FRANCISCO DA SILVA
OS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS BRASILEIROS E O
ANALFABETISMO: MUDANÇAS, PERMANÊNCIA E RETROCESSOS
NA BUSCA DE UM SISTEMA ÚNICO DE ENSINO EDUCACIONAL
Monografia apresentada ao Curso de
Pedagogia do Centro de Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
como requisito parcial para a obtenção do grau
de licenciado em Pedagogia.
Orientação: Profª. Drª. Kilza Fernanda Moreira
de Viveiros
NATAL / RN
2015
RONNIE CLÍSTENES FRNACISCO DA SILVA
Os preceitos constitucionais brasileiros e o analfabetismo: mudanças, permanência e
retrocessos na busca de um sistema único de ensino educacional
Não é objetivo deste levantamento bibliográfico discutir as constituições ulteriores
ao ano de 1940. Contudo, para dá uma dimensão mais atualizada ao termo analfabetismo,
julgo ser importante acrescentar às nossas discussões um pequeno excerto do discurso
proferido pelo então Presidente da Assembleia Nacional Constituinte Ulysses Guimarães,
quando da promulgação da sétima Constituição brasileira em 5 de outubro de 1988. O
constituinte proferiu, logo no início do discurso, as seguintes palavras:
A Constituição mudou na sua elaboração, mudou na definição dos poderes,
mudou restaurando a Federação, mudou quando quer mudar o homem em
cidadão, e só é cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve,
mora, tem hospital e remédio, lazer quando descansa.
Num pais de 30.401.000 analfabetos, afrontosos 25% da população, cabe
advertir: a cidadania começa com o alfabeto (grifo nosso).
Ulysses Guimarães encerra esse mesmo discurso dizendo: “Termino com as
palavras que comecei esta fala: A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai
mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à
mudança” (grifo nosso).
No discurso de promulgação da Constituição de 1988, o constituinte Ulysses
Guimarães aspirou que as relações políticas e sociais se desenvolvessem amparadas nas
normas e nos valores constitucionais que passavam a vigorar. Ulysses Guimarães devia ter o
conhecimento de que “durante a maior parte da nossa história, via-se a Constituição muito
mais como proclamação retórica, que, no máximo, poderia inspirar a atuação dos poderes
políticos, e não como autêntica norma” (SOUZA NETO; SARMENTO; MENDONÇA,
2014).
As constituições expressam desejos de reforma da sociedade, apontando
possibilidades sem assegurar garantias. Ao mesmo tempo, reforçam privilégios de grupos
que fazem valer seus interesses junto o Legislativo (VIEIRA, 2007). Essa percepção
demonstra a importância de se procurar situar os estudos dentro do contexto em que as
Constituições brasileiras foram forjadas, quando se objetiva traçar a trajetória dos preceitos
educativos presentes nas quatro primeiras constituições brasileiras e a questão da amplitude
do analfabetismo ente a população brasileira.
A Educação sempre foi uma agenda de todas as Constituições brasileiras. A
Educação constituiu-se, ao longo do Período Imperial até a Segunda República, em uma
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matéria importante tanto em nosso Ordenamento Jurídico quanto em todos os momentos de
nossa sociedade. Contudo, ter a permanência de um conjunto de compromissos descritos em
quatro Cartas Magnas não evitou que a questão do analfabetismo se firmasse como um
problema nacional, perpassando todo o período supracitado chegando, inclusive, até os dias
atuais.
A questão do analfabetismo no Brasil emergiu como um problema nacional,
inicialmente na esfera política vinculada questão eleitoral, com a criação da Lei Saraiva em
1881, que estabeleceu a proibição do voto para o analfabeto, vindo a ser suplantada, também
na esfera eleitoral, pela Constituição de 1988, que torna facultativo o voto para os analfabetos.
No entanto, a questão tornou-se, ao longo da história, uma temática relevante tanto da
discussão econômica relacionada à produção quanto da pedagógica.
Desde a outorgação da sua primeira Constituição de 1824, que tratava de princípios
gerais sobre a instrução primária gratuita a todos os cidadãos, passando pela promulgação da
sua segunda Constituição de 1891, que se calou para a educação obrigatória e gratuita e
estabeleceu a proibição do voto para o analfabeto, até a, outorgação da sua quarta
Constituição em 1937, que assegurou a gratuidade parcial do ensino e manteve a proibição do
voto para o analfabeto, que a questão da “amplitude do analfabetismo entre a população
brasileira constitui um item importante da pauta de discursões educacionais” (PAIVA, 1990).
Em termos absolutos, o Brasil apresentou um aumento quantitativo do número de analfabetos
entre as pessoas de 5 anos ou mais1.
Em diferentes momentos históricos, as constituições brasileiras manifestam os
anseios da sociedade, sinalizando mudanças ou permanências, conforme percebemos no
excerto retirado do discurso proferido por Ulysses Guimarães. Nessa perspectiva, os preceitos
educativos presentes nas quatro primeiras constituições brasileiras expressam as
circunstâncias em que o sistema educacional foi sendo forjado.
Diante dessa constatação, este trabalho tem como objetivo geral traçar a trajetória da
relação entre os preceitos educativos presentes nas quatro primeiras constituições brasileiras e
a questão da institucionalização do analfabetismo entre a população brasileira, procurando
situar os estudos dentro do contexto em que essas constituições foram publicadas. Para tanto,
tendo como referencia o contexto em que as quatro primeiras constituições foram publicadas,
os objetivos específicos deste levantamento são: identificar e descrever os preceitos
1 Nos censos mais antigos (1872 e 1890) só é possível obter estatísticas sobre o analfabetismo para pessoas de 5
anos ou mais (FERRARI, 1985 apud FERRARO, 2009), por isso, só é possível comparar todos os censos entre
si, se considerarmos toda a população de 5 anos ou mais.
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educativos presentes nas constituições brasileiras; identificar e descrever as principais
reformas educacionais; identificar e descrever, a partir do contexto civil, os principais
movimentos de luta para o desenvolvimento de um sistema único de ensino; e pontuar,
quantitativamente, o número absoluto de analfabeto.
Optou-se por uma pesquisa qualitativa, na busca de descrever os diferentes enfoques
dos textos constitucionais brasileiros que tradam dos preceitos educativos no contexto em que
foram publicados. Acredita-se que o desenvolvimento de um levantamento bibliográfico
fornecerá uma fundamentação teórica que proporcionará uma contextualização e
familiaridade que estimulará a explicitação e compreensão da trajetória da relação entre os
preceitos educativos presentes nas quatro primeiras constituições brasileiras e a questão da
amplitude do analfabetismo entre a população brasileira.
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CAPÍTULO I – AS INICIATIVAS DAS AÇÕES NO CAMPO DA EDUCAÇÃO NO
BRASIL ANTERIORES AOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS
BRASILEIROS (1549-1824)
1.1 O protagonismo dos Jesuítas
A história das constituições brasileiras relativo à Educação nasce no ano de 1824,
com a outorgação da primeira Constituição do Brasil como Estado-nação, pelo então
Imperador ‘Dom Pedro I’. Contudo, os registros das iniciativas das ações no campo da
Educação no Brasil datam do ano de 1549. Esses registros foram protagonizados pelos
jesuítas, padres membros da Companhia de Jesus, que eram financiados pelo Estado
português.
Portugal, no final do segundo quartel do século XVI, era uma nação sem tradição
educativa que estava apenas iniciando o seu processo de transição do feudalismo para o
capitalismo, processo esse que foi impulsionado pela cultura do Renascimento2 que veio a
significar uma ruptura com as estruturas medievais. Nesse período, Portugal começava, de
modo vago, a delinear o seu sistema escolar e segundo Mattos (1958, p. 37-38),
O analfabetismo dominava não somente as massas populares e a pequena
burguesia, mas se estendia até a alta nobreza e família real. Saber ler e
escrever era privilégio de poucos, na maioria confinados à classe sacerdotal e
à alta administração pública. É bem verdade que os mosteiros e as catedrais
eram quase que os únicos asilos das letras, tanto sagradas como profanas; mas
sua atuação era modesta e restrita à satisfação de suas necessidades internas;
não tinham a consciência de estar cumprindo uma missão social.
Foi nesse contexto, que também era vivenciado por boa parte da Europa, que no ano
de 1549, os padres da Companhia de Jesus, liderados pelo padre Manuel da Nobrega,
desembarcaram na Bahia, junto com o primeiro governador geral do Brasil Thomé de Sousa,
com a missão de cuidar da catequese dos indígenas e manter viva a fé católica entre os
colonos portugueses. Thomé de Sousa trouxe consigo o Regimento de Dom João III3, Rei de
2 Período marcado por transformações em muitas áreas da vida humana, caracterizando a transição
do feudalismo para o capitalismo. 3 Alguns autores consideram que o Regimento de Dom João III entregue a Thomé de Sousa foi a primeira
constituição brasileira.
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Portugal, que dava instruções para o primeiro governador do Brasil. Nesse Regimento, o
regente D. João III (1502-1557) fixou, dentre outras instruções, o seguinte:
Porque a principal coisa que me moveu a mandar povoar as ditas terras
do Brazil foi para que a gente dela se convertesse à nossa Santa Fé
Católica vos encomendo muito que pratiqueis com os ditos capitães e
oficiais a melhor maneira que para isso se pode ter e de minha parte lhes
direis que lhes agradecerei muito terem especial cuidado de os provocar a
serem cristãos e para eles mais folgarem de o ser tratem bem todos os que
forem de paz e os favoreçam sempre e não consintam que lhes seja feito
opressão nem agravo algum e fazendo-se-lhe lho faça corrigir e emendar de
maneira que fiquem satisfeitos e as pessoas que lhos fizerem sejam
castigadas como for justiça. (Regimento do Governador e Capitão General
Tomé de Sousa, 17 de dezembro de 1548, nº 24). (grifo nosso)
Essas instruções fizeram com que as primeiras ações no campo da Educação no
Brasil, protagonizadas pelos jesuítas, fossem centradas na catequese. No mesmo ano em que
chegaram ao Brasil, os jesuítas fundaram a primeira “escola de ler e escrever” brasileira.
O padre Manuel da Nobrega organizou um plano de ensino que
Inicia-se com o aprendizado do português (para os indígenas); prosseguia
coma doutrina cristã, a escola de lê e escrever e, opcionalmente, canto
orfeônico e musica instrumental; e culminava, de um lado com o
aprendizado agrícola e, de outro lado, com a gramática latina para aqueles
que se destinavam à realização de estudos superiores na Europa
(Universidade de Coimbra). (SAVIANI, 2008, p. 43).
Inicialmente, os subsídios dados pelo Governo português aos jesuítas eram diminutos
e direcionados apenas para a manutenção dos próprios jesuítas, como vestimentas,
alimentação etc., bem como não havia a disponibilização de recursos para a construção de
escola. Contudo, em 1564, após mobilização feita pelos próprios jesuítas, a Coroa portuguesa
aprovou o Plano da redizima. Com esse plano, dez por cento de todos os impostos
arrecadados da colônia brasileira passaram a ser destinados à manutenção dos colégios
jesuítas. Nessa condição, a educação caracterizou-se como um ensino privado financiado pelo
Estado.
No ano de 1599, o plano de Manuel da Nóbrega foi suplantado. A Companhia de
Jesus organizou um plano geral de estudo fundamentado pelo Ratio Studiorum4 que consistia,
dentre outras normas, em prescrições que regulamentavam o ensino nos colégios jesuítas a
4 O código representado pelo Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Jesu contém 467 regras. (SAVIANI,
2008, p. 53).
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partir, inicialmente, do curso de humanidade considerado estudos inferiores, seguidos dos
cursos de filosofia e teologia considerados estudos superiores. Para Saviani (2008, p. 56),
O plano contido do Ratio era de caráter universalista e elitista, Universalista
porque se tratava de um plano adotado instintivamente por todos os jesuítas,
qualquer que fosse o lugar onde estivessem. Elitista porque acabou
destinando-se aos filhos dos colonos e excluindo os indígenas, com que os
colégios jesuítas se converteram no instrumento de formação da elite
colonial. Por isso, os estágios iniciais previstos no plano de Nóbrega
(aprendizado de português e escola de ler e escrever) foram suprimidos.
O caráter universalista do Ratio, o tornou mais político do que educacional por não
considerar a diferença de realidade e de diversidade cultural vivida por outros jesuítas em
outras colônias de Portugal (PIRES, 2008). Os jesuítas passaram a se dedicar principalmente à
educação das elites dirigentes. Em decorrência disso, no ano de 17595, a soma dos alunos de
todas as instituições jesuíticas não atingia 0,1% da população brasileira, mostrando ser não
apenas um ensino elitista mais também excludente, pois excluía as mulheres, os escravos, os
negros livres, os pardos, os filhos ilegítimos e as crianças abandonadas (MARCÍLIO, 2005, p.
3). Portanto, apenas uma diminuta parte da população, considerada elite, tinha acesso à
instrução que era monopolizada pelos jesuítas.
Tendo por premissa a valorização da instrução primária a partir da ideia de uma
educação fortemente influenciada pela fé católica, os jesuítas cumpriram a determinação de
povoar o Brasil com a catequese. O protagonismo dos jesuítas na condução da educação no
Brasil durou 210 anos. Esse protagonismo teve um papel fundamental na medida em que
contribuiu, como aspirava “D. João III”, para que o Estado português atingisse seus objetivos
no processo de colonização e povoamento da colônia brasileira e constituiu-se na base da
estrutura educacional da Colônia brasileira (SHIGUNOV; MACIEL, 2008, p. 173).
1.2 As Reformas Pombalinas: o fim da instrução primária
No século XVIII, a França foi o centro de um movimento intelectual que tomou
corpo no final do século XVII, e atingiu a Europa, o Iluminismo6. Esse movimento pregava
5 Ano em que os jesuítas foram expulsos do Brasil.
6 Movimento intelectual do século XVIII, caracterizado pela centralidade da ciência e da racionalidade crítica no
questionamento filosófico, o que implica recusa a todas as formas de dogmatismo, especificamente o das
doutrinas políticas e religiosas tradicionais.
16
maior liberdade econômica e política promovendo mudanças políticas, econômicas e sociais,
baseadas nos ideais de liberdade, igualdade, e fraternidade. As ideias liberais do Iluminismo
se disseminaram por boa parte da Europa. Em Portugal, o maior representante do ideário
Iluminista, considerado um representante do despotismo esclarecido7, foi o Marquês de
Pombal8.
Nesse período, a organização social da Colônia brasileira se estruturava a partir de
uma relação que tinha por base a submissão. “Submissão externa em relação à Metrópole,
submissão interna da maioria negra ou mestiça (escrava ou semi-escrava) pela minoria
“branca” (colonizadores)” (RIBEIRO, 1986, p. 41). E, Portugal ainda não tinha conseguido
consolidar o capitalismo; era uma nação economicamente decadente e politicamente
enfraquecida tanto no campo interno quanto externo. O Governo português estava preso a um
processo industrial que era sufocado pelo Tratado de Mathuen9, tratado esse que acabou
colocando Portugal na dependência inglesa.
Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, enquanto ministro,
orienta-se no sentido de recuperar a economia através de uma concentração do poder real e de
modernizar a cultura portuguesa (RIBEIRO, 1986, p. 34). O então Ministro levou a feito uma
série de reformas que visavam adaptar tanto Portugal quanto suas colônias às transformações
econômicas, políticas e culturais que ocorriam na Europa (GHIRALDELLI Jr, 2009, p. 34).
As Reformas Pombalinas, que foram fortemente influenciadas pelo ideário iluminista,
estavam associadas, dentre outras concepções, a um otimismo quanto ao progresso dos seres
humanos por meio da educação, com o objetivo de transformar Portugal em uma metrópole
capitalista e também, o de provocar algumas mudanças no Brasil, com vista a adaptá-lo,
enquanto colônia, à nova ordem pretendida por Portugal (RIBEIRO, 1986, p. 38).
Um novo projeto educacional foi instituído, fazendo surgir um ensino público
financiado pelo Estado e para o Estado, preeminentemente, com uma educação voltada para
atender aos interesses do Estado português. O marco inicial deste novo projeto educacional
corresponde ao Alvará Régio de 28 de junho de 1759, que fechou os colégios jesuítas
introduzindo-se as aulas régias10
a serem mantidas pela Coroa e também, representou a
7 Forma de governo adotada pelos Reis, no século XVIII, como uma alternativa para a Monarquia Absolutista
que estava em crise, devido às ideias Iluministas. 8 Ministro plenipotenciário do ilustrado Rei Dom José I.
9 Tratado firmado entre ingleses e lusitanos estabelecia a compra dos tecidos ingleses por parte de Portugal,
enquanto a Inglaterra se comprometia a adquirir a produção vinícola dos lusitanos. 10
Aulas avulsas (autônomas e isoladas) de Latim, Greco, Filosofia e Retórica, fiscalizadas por um “Diretor Geral de Estudos”. Estas aulas avulsas não tinham uma articulação em si.
17
primeira etapa das reformas pombalinas que abarcaram os âmbitos econômicos,
administrativos e educacionais.
A Lei de 03 de setembro de 1759, decretada pelo Rei Dom José I, ordenou que os
membros da Companhia de Jesus fossem exterminados do território português e de todas as
terras de além-mar. Seguiram-se a esta Lei, outras medidas que significaram uma redução
progressiva tanto do poder político quanto econômico jesuítico em Portugal e na Colônia
brasileira. Uma destas medidas foi o confisco dos bens materiais e financeiros da Companhia
de Jesus incorporando-os aos bens da Coroa (ALVARÁ, de 25 de fevereiro de 1761).
O novo projeto educacional ganhou corpo com as “Reformas pombalinas de
instrução pública” que objetivava concentrar na mão do Estado, destacadamente, o campo
educativo. A expulsão dos jesuítas representou uma ruptura de praticamente toda a
organização de ensino instalada no Brasil colonial (VIEIRA; FARIAS, 2011, p. 47),
Do ponto de vista educacional, a orientação adotada foi a de formar o
perfeito nobre, agora negociante; simplificar e abreviar os estudos fazendo
com que um maior número de se interessasse pelos cursos superiores;
propiciar o aprimoramento da língua portuguesa; diversificar o conteúdo,
incluindo o de natureza científica; torna-los os mais práticos possíveis.
(RIBEIRO, 1986, p. 37)
Na prática, para a Colônia brasileira esta ruptura representou um retrocesso, pois
significou o fim das instruções primárias. As aulas régias, por seu caráter autônomo e isolado,
ministradas por professores leigos e poucos preparados, tornou o ensino na Colônia disperso e
fragmentado. Essencialmente, as escolas funcionavam nas casas dos professores. A
quantidade de professores régios para trabalharem na Colônia era ínfima. Muitas cidades
reclamavam da total falta de mestres, desde que os jesuítas foram expulsos. Além disso, a
Coroa portuguesa deixou que se passassem vários anos, antes de tomar providências que
efetivamente criasse uma alternativa à educação jesuítica. Por isso, “constata-se que embora a
reforma pombalina tenha pretendido instituir um sistema de instrução pública, isto, de fato
não ocorreu” (VIEIRA; FARIAS, 2011, p. 51). Esta situação se manteve inalterada, até que os
interesses da Coroa portuguesa em relação à Colônia brasileira se modificassem com a vinda
da família Real para o Brasil.
1.3 A vinda da família real para o Brasil: a valorização do ensino técnico e superior em
detrimento da instrução primária
No ano de 1807, as tropas francesas lideradas por Napoleão Bonaparte invadem
Portugal. No ano seguinte, em 1808, a família real e a corte portuguesa fogem para o Brasil.
18
A transferência da família real portuguesa representou de imediato, o fim do
monopólio do comercio externo e a abertura dos portos brasileiros. O príncipe regente, D.
João, decretou em uma Carta Régia, quatro dias após ter chegado a cidade de Salvador, a
abertura dos portos brasileiros. Nesse mesmo ano, no dia primeiro de abril, D. João, já
estabelecido no Rio de Janeiro, promulgou um Alvará que revogou outro Alvará de 2 de
março de 1785 decretado no governo da rainha D. Maria I, que proibia a instalação de
fábricas e manufaturas na Colônia Brasileira. A abertura dos portos foi uma exigência dos
ingleses por terem escoltado a família real até o Brasil. A promulgação do Alvará de 1 de
abril de 1808 se deu por necessidade e conveniência, já que a sobrevivência da família real
passou a depender da comercialização direta das riquezas extraídas e produzidas na Colônia
brasileira.
Do mesmo modo que o campo econômico, o campo educacional da Colônia
brasileira também foi estimulado a partir dos interesses imediatos tanto da família real quanto
da corte portuguesa, considerando que o campo educacional estava estagnado desde a
expulsão dos jesuítas. “Se até então a colônia se resumia a um vasto e lucrativo objeto de
disputa com outras nações, a partir daí passa a se constituir como prioridade na agenda
cultural portuguesa” (VIEIRA; FARIAS, 2011, p. 53).
O ensino foi estruturado em três níveis: primário secundário e superior. Contudo, a
impulsão que o campo educacional recebeu se deu em nível técnico e superior, visando
apenas suprir as necessidades preeminentes da elite, dos nobres e dos intelectuais que
acompanharam a família real. A educação superior teve um significativo avanço, com a
fundação de instituições de nível superior e científico. No entanto, as instruções primárias e
secundárias praticamente não sofreram nenhuma mudança, mantendo sua condição de
estagnação. No entendimento de Vieira e Farias (2011, p. 54), corroborando com o
pensamento de Ribeiro (1986), “as iniciativas de escolarização parecem quedar-se no
esquecimento”, uma vez que a vinda da família real não representou uma ruptura total com o
sistema de ensino imposto pelas Reformas pombalinas, “à medida que não houve
reformulações nos níveis escolares anteriores” (RIBEIRO, 1986, p. 45), como é citado a
seguir:
Quanto ao primário continua sendo um nível de instrumentalização técnica
(escola de ler e escrever) pois apenas tem-se notícia da ciração de “mais de
60 cadeiras de primeiras letras”. [...] Quanto ao ensino secundário
permanece a organização de aulas régias, tendo sido criadas “pelo menos
umas 20 cadeiras de gramática latina”. Essas cadeiras, [...], integram-se a um
conteúdo de ensino em vigor desde a época jesuítica. (RIBEIRO, 1986, p.
45-46)
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O ensino foi estruturado em três níveis: primário, secundário e superior. O primário
era a escola de ler e escrever. O secundário se manteve dentro do esquema das aulas régias
(GHIRALDELLI Jr, 2009, p. 28).
No campo político, no ano de 1815, a Colônia brasileira foi elevada à condição de
Reino Unido a Portugal e Algavares e o Príncipe-Regente D. João tornou-se o Príncipe-
Regente de Portugal, Brasil e Algavares. Como consequência, o Rio de Janeiro, capital do
Brasil, e Lisboa, capital de Portugal, tornaram-se os centros políticos do novo reino,
ocupando, ambas as capitais, o mesmo status político.
A Corte portuguesa permaneceu no Brasil até o ano de 1821, quando o então rei D.
João VI volta para Portugal para defender o seu trono que estava sendo ameaçado pela
Revolta Liberal do Porto que eclodira no ano de 1820. Este movimento libertário queria o
liberalismo em Portugal e o retorno do Brasil à condição de colônia. No Brasil, D. João VI
deixa o seu filho D. Pedro, na condição de Príncipe-Regente.
Os registros das iniciativas das ações no campo da Educação no Brasil foram
regulados pelo Regimento de Dom João III de 17 de dezembro de 1548 e pelas Reformas
Pombalinas de Instrução Públicas11
. O Regimento de Dom João III caracterizou-se por uma
educação financiada pelo Estado, mas que era, efetivamente, executada pelos jesuítas
membros da Companhia de Jesus. As Reformas Pombalinas de Instrução Públicas, por sua
vez, caracterizaram-se por uma educação do Estado e para o Estado, executada por
professores régios em aulas avulsas ministradas em suas próprias casas. A vinda da Corte
portuguesa para a Colônia brasileira ratificou a tendência de uma educação elitista e
excludente usada como instrumento de formação de uma elite, pois impulsionou a instrução
de nível técnico e superior, mas não mudou significativamente os níveis de instruções
anteriores da Colônia, uma vez que manteve as aulas avulsas com os professores régios.
A expulsão dos jesuítas do território brasileiro e a consequente implantação das
reformas pombalinas significou o início de duas práticas, adotadas pelos governantes, que
atravessará a educação brasileira ao longo dos anos. A primeira é a ‘prática da
descontinuidade’ que destrói e substitui um sistema de ensino por outro novo. A segunda é a
‘prática de não cumprir o estabelecido’ postergando o que está constituído sem nunca realiza-
lo.
11
Alvará Régio de 28 de junho de 1759.
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CAPÍTULO II - OS PRECEITOS EDUCATIVOS PRESENTES NAS
CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS (1824 A 1937)
2.1 A constituição de 1824: o período Imperial
A Independência do Brasil foi proclamada, pelo então Príncipe-regente D. Pedro, em
7 de setembro de 1822. Em 12 de outubro de 1822, D. Pedro I é aclamado Imperador no Rio
de Janeiro. Portugal reconheceu a independência do Brasil no ano de 1825, após o Brasil
assumir uma dívida de dois milhões de libras esterlinas que Portugal tinha com a Inglaterra.
Após a proclamação da independência, se fazia necessário a elaboração e promulgação de
uma Constituição para dotar a Nação recém-independente de um novo ordenamento jurídico.
A Assembleia Nacional Constituinte e Legislativa foi convocada por D. Pedro, em 03 de
junho de 1822, antes da Proclamação da Independência do Brasil, com a tarefa de elaborar
uma Constituição para o Reino do Brasil. Quando a Assembleia Nacional Constituinte e
Legislativa foi inaugurada, em 3 de maio de 1823, o Brasil já era uma Nação independente.
“No discurso de inauguração e instalação dos trabalhos da Assembleia Constituinte, o
Imperador destacou a necessidade de uma legislação especial sobre instrução pública”
(SAVIANI, 2008, p. 119). Temendo a perca de poder, o Imperador dissolveu a Assembleia
em 12 de novembro de 1823, seis meses depois de sua instalação. Um Conselho de Estado,
nomeado pelo próprio Imperador, redigiu o texto constitucional da primeira Constituição do
Brasil que foi outorgada por D. Pedro I, em 25 de março de 1824.
A Assembleia Constituinte, antes de sua dissolução, apresentou um sistematizado
programa de instrução que dava unicidade à instrução pública. Todavia, a ideia de um
‘sistema nacional de educação’ é abandonada, conforme se verificará nos incisos XXXII e
XXXIII do artigo 179 do texto constitucional outorgado.
A primeira Constituição do Brasil foi outorgada por D. Pedro I no ano de 1824, no
limiar do período Imperial. Os preceitos constitucionais brasileiros, que se referem à educação
na Constituição de 1824, estão previstos nos incisos XXXII e XXXIII do artigo 179 do Título
8º que dispões sobre as Disposições Gerais, e Garantias dos Direitos Civis, e políticos dos
Cidadãos Brasileiros,
Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos
Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a
21
propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira
seguinte.
XXXII. A Instrução primaria, e gratuita a todos os Cidadãos.
XXXIII. Colégios, e Universidades, aonde serão ensinados os elementos das
Ciências, Belas Letras, e Artes. (texto adaptado)
Saviani (2007, p. 123) chama atenção para o fato de que a primeira Constituição do
Império do Brasil se limitou a afirmar, no inciso XXXII do último artigo 179 do último título
8º, que “a instrução primária é gratuita a todos os cidadãos”. Essas escassas referências são
um indicador da pequena preocupação suscitada pela matéria educativa naquele momento
político e evidenciam que a presença da educação nas constituições brasileiras relaciona-se
com o seu grau de importância ao longo da história (VIEIRA, 2007, p. 291 e 294). O
Imperador D. Pedro I, demonstrou ter um discurso diferente da prática. Além disso, Ele
reproduziu a ‘prática de não cumprir o estabelecido’, uma vez que a gratuidade da educação
para todos os cidadãos não foi efetivada na pratica. A presença da Educação se reduziu,
constitucionalmente, a enunciações normativas de valor genérico para a elaboração de novas
normas.
A questão da instrução pública em âmbito nacional foi retomada em 1826, quando o
Parlamento foi reaberto. A reabertura significou o início das medidas de política educacional
e, consequentemente, da implementação de uma instrução pública por parte do Poder Público
recém-constituído como Estado-Nação. Estas ações vão marcar a Educação do Império como
um período de “Leis e Reformas em profusão”, protagonizado por intenso debate sobre
educação (VIEIRA; FARIAS, 2011, p. 57 e 65). Como veremos a seguir.
Após a reabertura do Parlamento, o Deputado Januário da Cunha Barbosa encabeçou
um projeto que delineava a educação como dever do Estado. Esse projeto pretendia regular
todo o arcabouço do ensino distribuído em quatro graus: 1º grau: pedagogias; 2º grau: liceus;
3º grau: ginásios; 4º grau: academias. (SAVIANO, 2008, p. 124). Esse projeto não chegou a
ser discutido no parlamento.
A contrapartida para o projeto do Deputado Januário da Cunha Barbosa foi a
aprovação, pela Câmara dos Deputados, da Lei das Escolas de Primeiras Letras, em 15 de
outubro de 1827. Essa Lei mandou criar escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas
e lugares mais populosos do Império, adotou o ensino mútuo12
, que assim estipulava o
conteúdo que os professores deveriam ensinar ministrar em suas aulas:
12
Tinha como objetivo ensinar um maior número de alunos, usando pouco recurso, em pouco tempo e com
qualidade. Também conhecido como método lancasteriano.
22
Art 1º Em todas as cidades, villas e logares mais populosos, haverão as
escolas de primeiras letras que forem necessarias.
Art 4º As escolas serão de ensino mutuo nas capitaes das provincias; e o
serão tambem nas cidades, villas e logares populosos dellas, em que fór
possivel estabelecerem-se.
Art 6º Os Professores ensinarão a ler, escrever as quatro operações de
arithmetica, pratica de quebrados, decimaes e proporções, as nações mais
geraes de geometria pratica, a grammatica da lingua nacional, e os principios
de moral chritã e da doutrina da religião catholica e apostolica romana,
proporcionandos á comprehensão dos meninos; preferindo para as leituras a
Cosntituição do Imperio e a Historia do Brazil. (Lei das Escolas de Primeiras
Letras, 1827)
A Lei das Escolas de Primeiras Letras foi a primeira Lei de educação do Brasil e
consagrou-se como a “única lei geral relativa ao ensino elementar até 1946” (RIBEIRO, 1986,
p. 46). Entretanto, mostrando uma discrepância em relação ao texto da Constituição de 1824,
a Lei das Escolas de Primeiras Letras omitiu-se quanto à ideia de gratuidade da instrução
primária para todos (VIEIRA, 2007, p. 294). Para Ribeiro (1986, p. 48), um exame minucioso
da Lei de 15 de outubro de 1827, confirma os limites com que a organização educacional era
encarada. A condição econômica enfrentada pelo país - desequilíbrio da balança comercial e
fim do bloqueio comercial - tornou a aplicação da Lei impraticável, por não haver prioridade
na disponibilização dos recursos exigidos, em função, principalmente, da insuficiência de
recursos. O reflexo direto do desprestígio dedicado à educação se dava por um ineficiente
atendimento de ensino rastejante que tinha como arcabouço instalações escolares precárias
que tentavam funcionar, sem fiscalização governamental, com um número irrisório de
professores pouco qualificados, mal remunerados e com pouca dedicação.
Em 1831, D. Pedro I abdica do trono e retorna a Portugal, dando início a um período
de acirramento tanto da crise econômica quanto da instabilidade política. O poder passa a ser
exercido por governos representantes do príncipe herdeiro. Em 12 de outubro de 1834, a Lei
nº 16, conhecida como Ato Adicional nº 16, decretou mudanças e alterações à Constituição de
1824. Esta lei, em seu artigo 10, dava competência para as Assembleias Legislativas
provinciais legislar, conforme o parágrafo 2º,
Sobre instrução pública e estabelecimentos próprios a promovê-la, não
compreendendo as faculdades de medicina, os cursos jurídicos, academias
atualmente existentes e outros quaisquer estabelecimentos de instrução que,
para o futuro, forem criados por lei geral, (Ato Adicional nº 16, § 2º, Art. 10)
O ato Adicional nº 16 de 1834, descentralizou o ensino, transferindo para as
províncias o dever de se responsabilizarem pelos ensinos primários e secundários. A
23
descentralização aniquilou a ideia nascente de um sistema nacional de educação, polarizando-
o em sistema federal e sistemas províncias (AZEVEDO, 1976, p. 73-74).
Esses sistemas eram independentes entre si. O governo não provia as províncias com
recursos matérias e financeiros. As províncias tinham dificuldades em manter funcionando as
escolas de ensino elementar e secundário. Tal situação agravou a deficiência quantitativa e
qualitativa da instrução pública elementar.
Em 1840, Assembleia Geral Legislativa do Brasil declara a maioridade do príncipe
herdeiro D. Pedro II, tornando-o Imperador do Brasil. A ascensão de D. Pedro II revitalizou a
monarquia e estabilizou o cenário político brasileiro. Esse período caracterizou-se pela
consolidação do Brasil como Estado-Nação. No entanto, a falta de apreço pela educação
popular continuou. A profusão das Reformas no âmbito educacional, contudo, se intensificou.
A regência de D. Pedro II (1840-1889) foi marcada pelo estabelecimento de várias
proposta de reformas educacionais: Reforma Couto Ferraz (1854); Reforma Luiz Pedreira
(1854); Reforma Leôncio de Carvalho (1878 e 1879).
A Reforma Couto Ferraz estabelecida pelo decreto nº 1.331ª, de 17 de fevereiro
de 1854, a prova o Regulamento para a Reforma do Ensino Primário e Secundário do
Município da Corte. Destaca-se no Regulamento o art. 73 do Capítulo III, sobre as escolas
públicas, suas condições e regime, o enunciado de que “o método do ensino nas escolas será
em geral o simultâneo13
”. Assim, o ensino oficial da Corte contrapõe-se ao ensino do método
lancasteriano estabelecido pela Lei das Escolas de Primeiras Letras, desde 1827. “Embora o
regulamento esteja dirigido ao município da Corte, [...] ele contém normas alusivas, também à
jurisdição das províncias” (SAVIANI, 2008, p. 131).
A Reforma Luiz Pedreira compreende o estabelecimento de dois Decretos. O
Decreto nº 1.386, de 28 de abril de 1854, define novo estatuto para os Cursos Jurídicos. E o
Decreto nº 1.387, de 28 de abril de 1854, define novo estatuto para as Escolas de Medicinas.
A Reforma Leôncio de Carvalho compreende, também, o estabelecimento de dois
Decretos. O Decreto nº 7.031ª, de 6 de setembro de 1878, prevê a criação de cursos noturnos
para adultos analfabetos nas escolas públicas de instrução primária no Município da Corte. O
Decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879, estabelece a reforma do ensino primário e
secundário no Município da Corte e do Superior em todo o Império. Destaca-se, deste decreto,
a liberdade de ensino estabelecida no Art. 1º: “É completamente livre o ensino primário e
secundário no município da Corte e o superior em todo o Império”. Na prática, esse
13
Visa atender um grande número de alunos separados em subgrupos conforme o grau de desenvolvimento.
24
enunciado, significou “dizer que todos os que se achassem, por julgamento próprio,
capacitados a ensinar, poderiam expor suas ideias e adotar os métodos que conviessem”
(GHIRALDELLI Jr, 2009, p. 30). Esse Art. 1º segue a direção do movimento do ensino livre
– a desoficialização do ensino influenciada pelo ideário Positivista14
- que ganhou corpo no
período Imperial. Este movimento vai influenciar a Constituição de 1891. Também, “a
‘Reforma Leôncio de Carvalho’ sinalizou na direção do método do ensino intuitivo15
”
(SAVIANI, 2008, p. 131), opondo-se, por conseguinte, ao método de ensino simultâneo
estabelecido na Reforma Couto Ferraz.
Para Vieira e Farias (2011, p.76 e 77), estas propostas de reformas educacionais não
lograram êxito em estabelecer uma política nacional de educação, mas por certo reforçaram o
caráter propedêutico e seletivo do ensino então oferecido; por isso, as propostas do período da
regência de D. Pedro II configuram-se como reformas que não mudam.
Em 1872, antes da Reforma Leôncio de Carvalho (1878 e 1879), foi realizado o
primeiro censo brasileiro. Segundo Ferraro (2009, p. 49),
O primeiro censo brasileiro acusou, para o conjunto do país, uma taxa
elevadíssima de analfabetismo: nada menos do que 82,3%16
para toda a
população de 5 anos ou mais (livre + escrava), podendo-se estimar em
aproximadamente 78% a taxa de analfabetismo para as pessoas de 10 anos
ou mais, sem distinção de sexo.
Estes índices provam que apesar de ter sido um período fecundo no estabelecimento
de propostas de reformas no âmbito educacional, o Império manteve a estrutura educacional
herdada do período colonial, poucas mudanças se efetivaram. Ferraro (2009, p. 46 e 47)
explica o porquê desta permanência:
Uma sociedade de economia ‘agrícola-exportadora-dependente’, patriarcal
de base escravocrata, polarizada (senhor x escravo), agrária, latifundiária,
que excluía da escola o negro, o índio e quase a totalidade das mulheres,
gerando, inexoravelmente, um grande contingente de analfabetos, teria
cavado a própria sepultura se houvesse favorecido o alargamento da
escolarização e alfabetização do povo. Bastava a educação superior da elite
para garantir “as relações sociais de produção. A educação primária não se
fazia necessária, daí o descaso por ela.
14
Movimento que defendia a liberdade das profissões, sendo contrário à oficialização do ensino. 15
Concebido com o intuito de resolver o problema da ineficiência do ensino, diante da inadequação às
exigências sociais decorrentes revolução industrial que se processava entre o final do século XVIII e meados do
século XIX. (SAVIANI, 2008, p. 138) 16
Esta taxa corresponde ao número de 8.854.774 (oito milhões oitocentos e cinquenta e quatro mil e setecentos e
setenta e quatro) de pessoas (FERRARO, 2009, p. 87).
25
A instrução continuou sendo um privilégio das camadas mais abastadas da
sociedade.
Para a elite da sociedade imperial, não constituía problema o fato de a imensa
maioria da população não saber ler e escrever (FERRARO, 2009, p. 48). Contudo, a
aprovação do Decreto nº 3.029, de 9 de janeiro de 188117
que reformava a legislação eleitoral
e enunciava em seu inciso II do Art. 8º, “De serem incluídos no dito alistamento os cidadãos
que requererem e provarem ter adquirido as qualidades de eleitor de conformidade com esta
lei, e souberem ler e escrever”. Este enunciado excluiu os analfabetos do direito de participar
da vida política no país, constituindo o analfabetismo como um problema. A consequência
direta dessa exclusão foi a redução do número de leitores para 1,5% da população total.
Sendo vanguardista, no que tange à instrução púbica e gratuita para todos os
cidadãos, o texto constitucional de 1824 destacava o respeito à educação popular. No entanto,
o que houve foi o abandono por parte do poder público. A gratuidade da educação a todos os
cidadãos não se efetivou na prática. A realidade da educação, de certo modo, permaneceu
inalterada, considerando que a concepção de uma ideia de um “sistema nacional de educação”
esbarrou no fato de que a educação não se constituiu, efetivamente, como uma prioridade
política e técnica desse momento histórico de independência (VIEIRA; FARIAS, 2011, p.
58).
O descaso do governo imperial com a educação popular permaneceu até o ano de
1889, quando foi proclamada a república.
2.2 A Constituição de 1891: a primeira constituição do período republicano
No final da década de 80 do século XIX, o regime imperial não atendia mais às
aspirações de boa parte da sociedade brasileira, como a classe média, os militares, os
trabalhadores e a elite dirigente. Com o apoio dos militares é proclamada a República em 15
de novembro de 1889. No mesmo dia, por meio do Decreto nº 1, o Marechal Manuel Deodoro
da Fonseca assume, como Chefe do Governo Provisório, o governo da Nação Brasileira que
tem como forma de governo a República Federativa. O monarca deposto, D. Pedro II, sem
reagir ao golpe de Estado, exilou-se na Europa, ficando lá até o seu falecimento em 1891.
17
Lei Saraiva.
26
A mudança de regime impunha uma nova constituição. O Decreto nº 29, de 3 de
dezembro de 1889 nomeou uma comissão para elaborar um projeto de Constituição dos
Estados Unidos do Brasil, afim de ser entregue à Assembleia Constituinte. O Decreto nº 78-B
de 21 de dezembro de 1889 designou para 15 de setembro de 1890 o dia da eleição geral da
Assembleia Constituinte. Também estipulou para 15 de novembro de 1890 a data de início
das atividades da Assembleia Constituinte. A Constituinte iniciou seus trabalhos com maioria
republicana. Em 22 de novembro de 1890, o projeto de Constituição elaborado pelo governo
provisório foi entregue ao Congresso Nacional Constituinte. Após ser firmado um acordo
geral entre os Constituintes, o projeto do Governo Provisório foi a provado sem mudanças
significativas. No dia 24 de fevereiro de 1891, foi promulgada pelos constituintes a nova
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Os constituintes elegeram como
primeiro presidente da República o Marechal Manuel Deodoro da Fonseca.
O início da República foi muito fecundo nas propostas de reorganização da instrução
pública. “A educação foi objeto de debates em várias ocasiões de modo direto e indireto”
(TEIXEIRA, 2008, p. 152). As primeiras iniciativas de reforma empreendida pelo governo
republicano foram fortemente influenciadas pelas ideias positivistas de defesa dos princípios
de liberdade e laicidade do ensino, além da gratuidade da escola primária (VIEIRA; FARIAS
, 2011, p. 91). Destaca-se, nesse período, a Reforma Benjamim Constant (1890-1891).
A Reforma Benjamim Constant foi proposta antes da promulgação da Constituição
de 1891, quando Marechal Manuel Deodoro da Fonseca era Chefe do Governo provisório.
Destaca-se desta reforma uma sequencia de Regulamentos: o Decreto nº 981, de 8 de
novembro de 1890, aprova o Regulamento da Instrução Primária e Secundária do Distrito
Federal, estabelecendo em seu Art. 1º, que “é completamente livre aos particulares, do
Distrito Federal, o ensino primário e secundário, sob as condições de moralidade, higiene e
estatística definidas em lei”; o Decreto nº 982 de 8 de novembro de 1890, altera o
regulamento da Escola Normal da Capital Federal, estabelecendo em seus primeiros artigos 1º
e 2º, que a Escola Normal é um estabelecimento de ensino profissional e com ensino gratuito,
integral e destinado a ambos os sexos; o Decreto nº 1.075, de 22 de novembro de 1890,
aprova o Regulamento para o Ginásio Nacional; e o Decreto nº 1.232-G, de 2 de janeiro de
1891, aprova o Regulamento do Conselho de Instrução Superior. Segundo Freire (1989, p.
178), apesar do empenho de Benjamim Constant de descentralização educacional e de esforço
para a alfabetização, houve um fracasso na implantação de suas reformas.
Ainda, antes da promulgação da Constituição de 1891, o Governo Provisório
sancionou: o Decreto nº 6, de 19 de novembro de 1889, declarando que se consideram
27
eleitores para as câmaras gerais, provinciais e municipais todos os cidadãos brasileiros, no
gozo dos seus direitos civis e políticos, que souberem ler e escrever; e o Decreto nº 7, de 20
de novembro de 1889, que através do seu Art. 2º, dava competência aos governadores dos
estados para dispor sobre a instrução pública e estabelecimentos próprios em todos os graus.
Contudo, estas propostas vão ter um arrefecimento do final do século XIX com a
política dos governadores que vai consolidar o domínio das oligarquias18
na Primeira
República19
.
A Constituição de 1891 avança em relação à Constituição de 1824, ampliando o
número de prescrições sobre a matéria Educação, estabelecendo:
Art. 34. Compete privativamente ao Congresso Nacional:
30. Legislar sobre a organização municipal do Distrito Federal, bem como
sobre a policia, o ensino superior e os demais serviços que na Capital forem
reservados para o governo da União;
Art. 35. Incumbe, outrossim, ao Congresso, mas não privativamente:
3º Criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados;
4º Prover á instrução secundaria no Distrito Federal.
Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no
país a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança
individual e á propriedade nos termos seguintes.
§6º Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.
(CONSTITUIÇÃO DE 1891)
A proibição do voto para os analfabetos e sua consequente inelegibilidade foi
institucionalizada pela Constituição de 1891, que consignou no inciso 2º do §1º do art. 70, que
os analfabetos não podem alistar-se eleitores para as eleições federais ou para as dos estados.
Para Vieira e Farias (2011, p. 81) a educação para o povo não era uma preocupação
do poder Público. Elas citam uma observação que sintetiza o ambiente educativo do alvorecer
da República no Brasil,
Liquidado o Império, a educação, como um todo, permanecia mais a nível de
discurso do que sua efetivação e sistematização (...) Estava estabelecida a
res-pública, mas o povo, a grande população brasileira, continuava fora das
decisões políticas e do acesso aos bens culturais (VIEIRA; FARIAS. 2011,
p. 82, apud FREIRE, 1993, p. 173)
Ressalta-se que em 1890, no início da República, foi realizado o segundo censo
brasileiro. A taxa de analfabetismo para o conjunto do país foi de 82,6%, correspondendo ao
18
Na estrutura oligárquica, as necessidades de instrução não eram sentidas nem pela população nem pelos
poderes constituídos. 19
Período da história do Brasil compreendido entre a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889,
até a Revolução de 1930. Também chamado de República Velha.