Cultura & Traduo. Joo Pessoa, v.1, n.1, 2011 1 FAUSTA E O
CANTO DA SEREIA: mitologia e violncia simblica em La teta asustada
SILVA, Edvnea Maria da PPGL-UFPB AZERDO, Genilda (orientadora)
nenhum sistema semitico dado ao pesquisador mas, sim, construdo.
(ZALIZNIK, IVNOV, TOPROV, apud MACHADO, 2003, p. 50)
RESUMO:NossoobjetivofazerumareflexosobreacanoSirena,deMagaly
Solier1,cujanarrativaespelhaaaodapersonagemFaustanofilmeperuanoLateta
asustada(2009),deClaudiaLlosa.Afimdesituaroleitor,inicialmente,faremosum
brevecomentriosobreoenredodofilme;emseguida,buscaremosmostrarcomoa
cano reflete a ao da personagem e de que modo as imagens (signos)
desse texto so
traduzidasparaalinguagemdocinema,observandocomosedaproduode
significao e de sentido. Para tanto, os estudos acerca da Semitica
da Cultura de Irene
MachadoeLciaSantaella,bemcomoasconsideraesdeYuriLotman,emseu
Esttica e semitica do cinema, sero fundamentais para construo de
nossa reflexo. Palavras-chave: cano, adaptao, signo, significao,
violncia simblica.
O poema-cano Dicen en mi pueblo que los msicos hacen un contrato
con una sirena si quieren saber cunto tiempo durar durar el
contrato con esa sirena De un campo oscuro tienen que coger un
puado de quinua para la sirena y as la sirena se quede contando
dice la sirena que cada grano significa un ao. Cuando la sirena
termine de contar se lo lleva al hombre y le suelta al mar. Pero mi
madre dice, dice, dice que la quinua difcil de contar es y la
sirena se cansa de contar y as el hombre para siempre ya se queda
con el don Em Para que poesia? (1964, p. 32), Mrio Faustino ou
seria melhor dizer um dos poetas desse dilogo socrtico? afirma que
o bom poema ajuda a lngua a manter-se num alto nvel de
expressividade ou, sealnguaaindanoseencontranessenvel,d-lheopoema 1
atriz, cantora e compositora Cultura & Traduo. Joo Pessoa, v.1,
n.1, 2011 2 umempurro,umimpulsoparacimaeparadiante,nadireo daquele
alto e avanado nvel de expressividade. O poema-cano que inicia esse
artigo corresponde, a nosso ver, assertiva de Faustino; diramos
mais: ele/ela avana no nvel de expressividade, ao ser inserido na
narrativaflmicaLatetaasustada(2009),deClaudiaLlosa.H,nessanarrativa,um
espelhamentodaaodapersonagemqueproblematizaoatodecantar(ocanto),que
estdiretamenteligadoaoselementos/signosadaptadosdalinguagemverbal(musical)
para a linguagem cinematogrfica e que so responsveis pela produo de
sentido mais amplo do filme. Em "Conhecimento lingustico como ato
semitico" (2008, p. 51), Irene
Machadoobservaqueseomecanismofundamentaldalinguagemaproduode
sentido,aaodossignosrealiza-separaestefim.Observemquefalamosem
produo de sentido. Assim, ao semiotizar o texto de Magaly Solier,
Claudia Llosa no
re-produzumobjetoartstico,antes,re-criaumnovoobjeto,tornando-oportadorde
significao (LOTMAN, 1978, p.
31).Emumatraduolivredasduasprimeirasestrofes,podemosdizerqueos
msicos da vila em que o eu lrico habita fazem um contrato com a
sereia para que suas msicas sejam ouvidas para sempre, e esse
sempre corresponder ao total de quinua2
dadasereiaquedevercont-laatacabar.Masaltimaestroferevela-nosqueessa
nosertarefafcil,poisosgrosdequinuasodifceisdecontar.Cansadadetal
tarefa,asereianocumpreapromessa,eomsicocomodomparasempreficar.A
interpretao da cano se adensa se levarmos em considerao a escolha
dos signos (e sua significao) sereia e quinua, bem como os seus
respectivos substitutos no texto flmico, a saber, a personagem
Fausta e as prolas.
Afimdediscutirmosmelhoressaquesto,sugerimoscomearporanalisaras
imagens flmicas abaixo. No primeiro plano da figura 1, vemos Fausta
tentando entoar a
msicadelasirenaapedidodapianista(suapatroa);maselalhedizquenosabe.A
figura 2 corresponde aomomento em que Fausta ajuda a pianista a
recolher as prolas que haviam cado de seu colar. Esta, vendo que as
prolas atraam Fausta, lhe diz: Si t me cantas, yo te regalo una
perlita. Si completas el collar, te lo regalo.3 Figura 1 Fausta
tenta cantar a cano4 Figura 2 A pianista e Fausta recolhem as
prolas do colar O contrato a ser selado entre Fausta e a musicista
remete-nos, grosso modo, ao mito de Fausto e, se em Goethe o mdico
faz um pacto com o demnio, a personagem
2Disponvelemhttp://www.mundoverde.com.br/BibliotecaArtigoDetalhe.asp?Id_Artigo=1634.Acesso
em 29 jun. 2011. 3 Se tu cantas para mim, eu te dou uma prola. Se
completas o colar, eu te dou de presente. (traduo nossa) 4 Todas as
imagens foram retiradas do filme La teta asustada, de Claudia Llosa
Cultura & Traduo. Joo Pessoa, v.1, n.1, 2011 3 de Magaly
Solier, constrangida, vende as suas razes, de alguma forma, para a
indstria
cultural,eporela[acaba]sendoexploradaeusada,afirmaPauloRicardoKralik
Angelini5, em Fausta e o Diabo. Em As trs etapas do mito de Fausto,
Brunel (2005, p. 340) observa que, ao fazer o pacto, ele (o mdico)
renega sua fidelidade a Deus para
jurarfidelidadeaseuadversrioeaofazeristo,alienasualiberdade(grifonosso),
julgando
afirm-la.medidaqueformosanalisandoassequnciasflmicasabaixo,poderemos
constatar que, de fato, Fausta vende suas razes e aliena sua
liberdade. Como na cano, a musicista prope um contrato a Fausta,
cujo pagamento (grifo nosso) seria uma prola
pelotrabalhoprestadoporlasirena.Aindaacercadaquestomtica,asereiavista
comopertencenteaomesmotempoaomundosubterrneodosInfernos,aomundo
celeste da msica e ao universo marinho dos navegadores (BRUNEL,
2005, p.
829).Nasnossasreflexes,interessa-nostambmoseucanto,eaesserespeito
convm ouvir o que tem a nos dizer Jean-Michel Vivs em seu O silncio
das sereias de Kafka: uma aproximao literria da voz como objeto
pulsional6: Qualentoacaractersticadocantodassereias?
Contrariamenteaoquesepodeouvir,elenoagradvel.H
umadimensodetensoelogodegozoimportante,que
podemoscompreendersenosreportarmosorigemdacriao
dasSereias.[...]Onascimentodassereiasseoriginaentode uma perda que
causar um apelo. (p.3) Nesse sentido, como se origina a sereia
Fausta? Segundo Vivs, o nascimento das
sereiasteminciocomaperda.OqueFaustaperdeu?Qualarazodeseuapeloe,
consequentemente,porqueFaustavendeoseucanto,asuamsica?Comecemospor
entender a narrativa flmica de Claudia Llosa, uma recriao do
testemunho de Salom
Balden-moradoradoDistritodeAccomarca(Peru)eumadasmuitasvtimasde
violnciasexual-,cujanarrativaestpresenteemLosmalesdelcampo:
epistemologascorporales(2004),daamericanaKimberlyTheidon.Deacordocoma
pesquisadora (p.77),Hay una teoraelaborada respecto de la
transmisin al beb del
sufrimientoydelsustodelamadre,seaestatransmisinenel
teroopormediodelasangreylaleche.Sedicequelateta
asustadapuededaaralbeb,dejandoalniooniams propensos a la epilepsia.
[] Actualmente hay siete jvenes que
nacieronporesasfechas,ytodostienenproblemasfsicosy/o
mentales.Sufrendecegueraosordera,osonsordomudos;dos tienen
epilepsia.
Problemasfsicosoumentais,cegueiraousurdez,mudezouepilepsia,Fausta
no apresenta nenhum desses males, entretanto, ela tambm foi daada,
pois o medo
deserviolentadafezcomqueapersonagemintroduzisseumabatataemsuavagina7,
5OartigoFaustaeoDiaboestdisponvelemhttp://www.argumento.net/cena-critica/cinema/latino/fausta-e-o-diabo/
Acesso em 07 jul. 2011. 6 Disponvel em
http://www.omarrare.uerj.br/numero11/pdfs/robson.pdf
7Conformejindicamosnottuloeresumodesseartigo,nodiscutiremosacercadasimbologiada
batata.Essaquesto,assimcomooutrasquesurgiroaolongodenossapesquisa,pretendemosabordar
emDELAVIOLENCIA,SOLEDADYAMOR:Literaturaflordatelanocinemahispano-americanodeJuanJosCampanella,ClaudiaLlosa,JuanPabloRebellaePabloStoll,nossatesede
doutoramento. Cultura & Traduo. Joo Pessoa, v.1, n.1, 2011 4
acreditando que esse tubrculo/vegetal impediria a aproximao do
inimigo, apesar de
Faustavivernacapitalperuanaecercadeduasdcadassepararem-nadoepisdiode
que sua me foi
vtima.Importa-nosdizerqueLatetaasustada,ofilme,ahistriadeumajovemque
sofredeumadoenaconhecidacomoatetaassustada,quetransmitidapeloleite
materno das mulheres que foram violadas ou maltratadas durante os
atos de terrorismo
noPeru;asbitamortedePerptua(cujasimbologiasugestivamenteconotaaquela
que no morre), sua me, obriga Fausta a enfrentar o mundo exterior,
procurar emprego
econseguirdinheiroparaenterr-la.Essebreveresumo,acreditamos,respondes
perguntas que outrora fizemos: O que [a sereia] Fausta perdeu? e
Qual a razo de seu
apelo?AfaltadecondiesparadarumfuneralasuameobrigaFaustaaaceitara
proposta da pianista, e o seu canto explode como um apelo que antes
parecia estar preso na garganta. Anteriormente, dissemos que a
nossa sereia afirmou que no sabia o seu canto; na verdade, ela
parece no conseguir articular o som: a boca se abre, ela (Fausta)
se esfora, a pianista espera ansiosa, mas o som no sai (cf. figura
1, p. 3). Para que se
entendaaexplosodequefalamoshpouco,propomo-nosdescrevertodaa
sequncia.Asequnciaemquestodizrespeitoaumacenarecorrentenanarrativa:
Faustasentadaemsuacamanoquartodacasadapianista(atitudefrequenteenquanto
aguardava o chamado da senhora). noite. O narrador cinemtico
mostra-nos Fausta de costas, sentada beira da cama, de costas para
o espectador. De repente, percebemos um leve gesto em seu corpo,
seguidodeumsom:avozdanossasereia.Acenaseguintejnosentremostraa
personagemdep(apenasmetadedeseurostoaparece,oquesugeretimidez,medo,
terror,insegurana),indoemdireosala(cf.figura3),queaospoucosvaise
revelando, mas a voz ainda off. Figura 3 Fausta sai do seu quarto
Figura 4 Ela segue em direo sala
medidaquevamosouvindooseucanto,vemosumaFaustaquevaise
revelandoaindamaissofrida,maselaseguepassandoporcmodoscommveis
coloniais,quenosremetemclassesocialdacasadapatroa,eporumcorredor,at
chegarsalaprincipal.snessemomentoquepodemosveraexploso:Peromi madre
dice, dice, dice, e sabemos que dela que brota a cano.Cultura &
Traduo. Joo Pessoa, v.1, n.1, 2011 5 Figura 5 Fausta canta o canto
da sereia A quarta (e ltima) estrofe fala de como difcil contar a
quinua, e que a sereia se cansa de cont-la...
Figura 6 Ela conta as prolas Figura 7 - Fausta recomea que j
conseguiu a contagem das prolas
...edequeohomemficaparasemprecomodom.interessanteobservarqueneste
momentoacmerafocalizaapianista-aquelaqueficarcomseu(assimmesmo,
ambguo) dom - com uma partitura. Figura 8 - A pianista gira a cabea
para olhar Fausta
Aprximaimagemmostra-nosque,finalmente,ocontratofoiselado,ela sirena
Fausta poder comear a juntar o seu punhado de quinua, quer dizer,
prolas. Cultura & Traduo. Joo Pessoa, v.1, n.1, 2011 6 Figura 9
A pianista faz o primeiro pagamento
Sobreofatodeamusicistaficarcomodomdelasirena,falaremosmais
adiante;antes,urgediscutiracercadasubstituiodosignoquinuapelosigno
prola,noprocessodeadaptao,eoqueestesignorepresenta.Deacordocom
Santaella (1983, p. 13), o signo uma coisa que representa uma outra
coisa: seu objeto. Ele s pode funcionar como signo se carregar esse
poder de representar, substituir uma outra coisa diferente
dele.Ora, inegvel o significado valioso desse alimento para o povo
andino, pois o signo quinua8 representa uma outra coisa diferente
dele para usarmos a expresso de
Santaella-,asaber,"GranoMadre"ou"medossereshumanos,ouaindadeGrano
de oro, cujo valor nutritivo s comparado ao leite
materno9.AautoradeOquesemitica?argumentaqueApartirdarelaode
representaoqueosignomantmcomseuobjeto,produz-senamenteinterpretadora
um outro signo que traduz o significado do primeiro ( o
interpretante do primeiro). E
conclui:Portanto,osignificadodeumsignooutrosignosejaesteumaimagem
mentaloupalpvel,umaaooumerareaogestual,umapalavraouummero
sentimentodealegria,raiva...umaidia,ousejaloquefor[...](SANTAELLA,p.
59) NoprocessoderecriaodeLatetaasustada,observamosqueosigno
escolhidoparasubstituiraquinuaacendenanossamenteinterpretadoraas
possibilidadessemnticasdessesigno,masacendeapenasaquelasquesemovemno
encalodaquestocrucial:oqueotextoquerdizer?(BOSI,2003,p.462).Para
responder a essa questo, preciso, antes, ver que significado(s) o
signo prola carrega
e,paratanto,necessriocompreenderovalorqueessematerialorgnico,duroe
esfrico tem na simbologia e na nossa
cultura.EmImagensesmbolos(1979,p.123),MirceaEliadeobservaqueaprola,
ontememblemadaforageradoraousmbolodeumarealidadetranscendental,
conservou apenas, no Ocidente, o valor de pedra preciosa (grifo do
autor); interessa-nos, nesse artigo, discutir acerca da prola como
fora geradora, representao do grano madre, gro que gera vida,
smbolo da
fecundidade.Discutindoasimbologiadaprolanaculturachinesa,Eliadeafirmaquea
semelhana entre a prola que se desenvolveu na ostra e o feto alis
posta em relevo
pelosautoreschinesese,citandoKarlgren(p.36),completa:EmPeiya(sculoXI)
diz-se, da ostra pang que, grvida da prola, ela como (a mulher)
transportando o feto (grifo nosso) no seu ventre, eis porque pang
se chama o ventre da prola (grifos do
8palavradeorigemQuchua,refere-seaumaplantaoriundadaCordilheiradosAndes.Disponvelem
http://www.mundoverde.com.br/BibliotecaArtigoDetalhe.asp?Id_Artigo=1634.
Acesso em 29 jun. 2011. 9 Disponvel em
http://yogajournal.terra.com.br/show_yoga.php?id=321. Acesso em 29
jun. 2011. Cultura & Traduo. Joo Pessoa, v.1, n.1, 2011 7
autor).AindadeacordocomEliade,soasostraseasprolasquefavorecema
fecundao e o parto, tm tambm uma feliz influncia nas colheitas (p.
129-130). EmLatetaasustada,aostraFausta,poiselaquefecundaumabatata
trata-se do segredo de que falamos inicialmente -- que esconde em
seu ventre a fim de
evitarservtima,comosuame,daviolnciasexual.Asprolasrepresentama
colheita/opagamentopelocantodasereia.Convmouvir,maisumavez,asegunda
estrofe de seu canto: De un campo oscuro tienen que coger un puado
de quinua para la sirena y as la sirena se quede contando dice la
sirena que cada grano significa un ao.
Senacanocadagrocorrespondeaumano,naadaptaoflmicacada
prolacorrespondesempreaummesmocanto.Explicamos:Faustaseguecantandoe
recebeumaprolapeloseutrabalho,masaotentarentoarumnovocanto,
interrompida pela pianista que diz: Esa no, canta la de la sirena.
Figura 10 Fausta canta uma nova cano La sirena atende ao pedido da
senhora da Casade Arriba10, que aos poucos vai se apropriando do
seu canto. Nossa assertiva apia-se numa das (muitas) cenas mais
significativasdofilme:trata-sedomomentoemqueFaustaacompanhaamusicistaa
umconcertoe,docamarim,ouve-atocaraopianoocantodelasirena.Acena
assemelha-se quela do quarto; entretanto, nessa, h um espelho que
reflete as costas de
Fausta.Vemo-nasegurarumarranjodefloresque,certamente,deverserentregue
artista.Nestemomento,Faustalevanta-secomoqueatradaporalgoepercorreum
corredoremdireocoxiadoteatro.Ev,portrsdascortinas,amusicistaser
aclamada por tocar o, agora, seu (da pianista) canto de la
sirena.
10EspciedeCasaGrandeda
pianista(manso)equecontrastacomasimplicidadedobairroperifrico onde
Fausta reside. Cultura & Traduo. Joo Pessoa, v.1, n.1, 2011
8
Figura 11 Fausta segura um Figura 12 Fausta v a arranjo de
flores pianista recebendo os aplausos Toda essa sequncia aponta
paraa questo da violncia simblica, pois,ao se apropriar do canto de
lasirena, a rica musicista rouba/retira deFausta--representante
dacomunidadeindgenaperuana,emoutraspalavras,daclassemenosfavorecida--o
direito voz, ao reconhecimento de sua cultura; no toa que Fausta
assiste escondida
aosaplausos.Faustacontinua,assim,margem,enquantoamusicistapareceter
deixadoparatrssuafasepouco(ounada)inspirada,representadanafriadopiano
lanado pela vidraa da casa, conforme figura abaixo. Figura 13
Fausta olha para o local de onde o piano caiu
EmEstado,ViolnciaSimblica,MetaforizaodaCidadania,Mendona
(1996,p.26)discute,luzdeBourdieu,aviolnciasimblicadequesovtimasos
trabalhadores rurais. Vejamos: Porm, violncia ainda maior reside no
fato de que o moderno
agricultorconstrudopelosagrnomosretiradostrabalhadores rurais em
seu conjunto o direito fala, resultando, tanto em sua
desqualificaocomosujeitoshistricos,quantonasua
reafirmaoenquantoobjetodafalaedasaesalheias, sobretudo as estatais.
Dessa feita, o moderno agricultor usurpa e desloca o lugar prprio
da cidadania, alm de regul-la apenas
paraaquelesnelajincludos,osproprietriosemgeral-no
casodosagentespaulistas,ouosmdiosepequenos,nocaso dos tcnicos
ministeriais. Faustatambmtemsuafala(voz,canto,cultura)usurpada,eo
reconhecimentodoseucantodeslocadoparaaquelaquejeraumacidad.Nesse
Cultura & Traduo. Joo Pessoa, v.1, n.1, 2011 9
sentido,aprotagonistadeLatetaasustadasofreviolnciasimblica.H,ainda,outro
signo--dequenofalamos,masqueaparecenasimagensacimacujosignificado
remete ao smbolo da justia. A ideia de justia se faz presente a
partir dos dois pratos
dabalanaque,quandoharmnicos,retratamoequilbrio,aigualdade.Nocasoda
figura9,observamosqueopratoesquerdadoleitor,oquecontm(quase)todasas
prolas est mais pesado que o prato da direita, que recebe a sua
primeira prola, aquela
quecorrespondeaoprimeiropagamentodequefalamos,logonoinciodenossa
reflexo.Nasfiguras6e7,vemosopratodireitarepletodasprolas,quelasirena
Faustanosecansadecontar,enquantoquenopratoesquerda,restaumaltima
prola.Aoobservarmosospratosdabalana,constatamosqueelesparecemem
equilbrio;acreditamosqueissosedevaaofatodeamusicistaficarcomodomdela
sirena, enquanto esta se cansa de contar. No isso que diz a cano?
Resta ainda uma ltima prola, um ltimo canto, que s ouviremos,
juntamente com Fausta, no concerto da pianista.O pacto entre Fausta
e a pianista (o demnio?) revela o quo caro o preo da venda de suas
razes. Fausta explorada, usada e jogada fora trata-se da cena
dentro
deumcarroquemostraapianista(eoseumarido),bemcomoFausta,voltandopara
casadepoisdoconcertoquandonomaistil,melhor:porqueoseucomentrio
(Lesgustmucho,no?),sobreapositivarecepodaplateiatenhaincomodadoa
pianista, revelando-lhe a violncia explcita. Figura 14 A pianista
olha para Fausta
Areaodapianista,portersidodesafiadagostaramosdepensarque Fausta foi
irnica -- no se limita mudana do semblante. Ela pede a seu marido
para parar o carro, pois Fausta ficar numa esquina. Indiferente ao
pavor de Fausta, a pianista
segueparece-nosqueolhandoparatrs,poisvemos(eouvimos)oqueelav.Esta
cena no s releva a angstia de Fausta, que ter de caminhar sozinha,
noite logo ela que vai ao trabalho (e dele volta) s se for na
companhia de algum confivel: Que voy
ahacerac?;,mas,principalmente,acusa-adenocumprircomoprometido:Mis
perlas, mi perlas (sic)!/ Tenamos un trato!/ Pare, Seora Ada!
Cultura & Traduo. Joo Pessoa, v.1, n.1, 2011 10 Figura 15
Fausta corre atrs do carro de Ada
Ada--sagoraconhecemososeunome(!)--aonorealizaropagamento
devidoaFausta,parecequererreforaraideiadequeaquinua/proladifcilde
contar/ganhar.Inconformada--lembremo-nosoquelevoulasirenaafazero
contrato/pacto com a pianista , Fausta volta Casa de Arriba e pega,
apenas, o que lhe de direito, conforme figura abaixo. Figura 16
Fausta recolhe as prolas sobre o cho
comofrutodoseutrabalhoqueFaustaconseguecumprir,finalmente,sua
misso: dar um funeral sua me. O canto de la sirena, conforme
pudemos observar, se
adensacomatransposioparaalinguagemflmicagraasescolhadossignos
responsveis pela produo de sentido e que corroboram a ideia da
violncia simblica. H muito, ainda, a ser analisado em La teta
asustada e, como diz Machado (2003, p. 24)
Ondequerquehaja,linguagem,comunicao,haversignosreivindicando
entendimento.Issoquerdizerquehaverproblemassemiticosesperadeanlise.
Mas essa uma outra construo. REFERNCIAS
BOSI,Alfredo.Ainterpretaodaobraliterria.In:______.Cu,inferno:ensaiosde
crtica literria e ideolgica. So Paulo: Duas Cidades; Ed. 34,
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Coleo Artes e Letras. Lisboa: Editora Arcdia, 1952. 1 edio em
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Roteiro: Claudia Llosa. Produo: Vela Producciones, Wanda Visin
S.A., Obern Cinematogrfica S.A. 2009/ Espanha-Peru, stereo/
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