U U N N I I V V E E R R S S I I D D A A D D E E E E S S T T A A D D U U A A L L D D O O O O E E S S T T E E D D O O P P A A R R A A N N Á Á C C A A M M P P U U S S D D E E T T O O L L E E D D O O FÁBIA ALINE SCARAVONATTO TRABALHO INFANTIL: SEU SIGNIFICADO PARA A EQUIPE TÉCNICA E ADOLESCENTES BENEFICIÁRIAS DO PETI VINCULADAS À ENTIDADE DORCAS DO MUNICÍPIO DE TOLEDO/PR TOLEDO 2011
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ANEXO A – Parecer 313/2011 – CEP: Avaliação de Proposta de Projeto de TCC – Aprovado75
11
INTRODUÇÃO
O presente estudo é o resultado do processo de aprendizado, pesquisa e investigação
realizado durante a graduação do curso de Serviço Social, da Universidade Estadual do Oeste
do Paraná, ou seja, é uma resposta ao processo de formação profissional e de todo
conhecimento adquirido durante esta etapa. Para que este estudo se materializasse, foi
extremamente necessário experimentar a intervenção profissional, ou seja, o Serviço Social no
seu exercício profissional cotidiano, e isso só foi possível a partir da inserção no campo de
estágio.
O Estágio Supervisionado I e II é um espaço muito importante para a formação
profissional e proporciona aprendizado e imprescindível aproximação com a realidade e de
acordo com o Projeto Político Pedagógico do curso de Serviço Social: “O Estágio
Supervisionado é uma atividade curricular obrigatória que se configura a partir da inserção do
aluno no espaço sócio-institucional durante o processo de formação profissional,
concomitantemente do ano letivo, a partir da terceira série do curso.” (PPP- Projeto Político
Pedagógico, 2004, p.32). Foi justamente a partir da realização do Estágio Supervisionado,
realizado nos anos de 2010 e 2011 na Secretaria Municipal de Assistência Social de
Toledo/PR, especificamente na Gestão do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
(PETI), que surge a escolha pela temática apresentada neste Trabalho de Conclusão de Curso
(TCC).
No decorrer do processo do estágio foram surgindo inquietações acerca do debate
central que norteia o PETI: o trabalho infantil, se as atividades realizadas nas entidades que
desenvolvem o PETI proporcionavam a saída de crianças e adolescentes do mundo do
trabalho? O que é o trabalho infantil? Entre outras questões. Dessa maneira, estas indagações
proporcionaram uma maior aproximação com o tema e com a área da criança e do
adolescente.
A entrada compulsória da criança e do adolescente no mercado de trabalho é
conseqüência da pobreza familiar que é, por sua vez, conseqüência de um sistema
social excludente, antidemocrático, privatista que valoriza privilégios pessoais ou de
restritos grupos, em detrimento de interesses humano-genéricos. As crianças das
famílias pobres têm poucas chances de escapar do círculo da pobreza. Elas
abandonam precocemente a escola para ingressar precocemente no mercado de
trabalho, o que leva a reproduzir o padrão de miséria de suas famílias. (BATTINI,
1997, p .5).
12
“É proibido qualquer forma de trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na
condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos.” (Nova redação, conforme Emenda
Constitucional nº 20, de 16/12/1998).
Embora as legislações proíbam a situação de trabalho infantil, esta ainda se manifesta
nas mais variadas formas, trazendo consigo diversas conseqüências para as crianças e
adolescentes que adentram no mundo do trabalho precocemente.
O trabalho infantil começa a se manifestar na medida em que as cidades começam a
crescer e a desenvolver suas indústrias e em Toledo esta situação não foi muito diferente.
No município de Toledo/PR o trabalho infantil começou a se manifestar publicamente e
de forma mais marcante no ano de 2000, onde se identificou 110 crianças e adolescentes que
trabalhavam na coleta de lixo reciclável. Em dezembro do mesmo ano 582 crianças e
adolescentes estavam sendo atendidas pelo PETI, pois trabalhavam com lixo reciclável,
comércio informal e trabalho de bóia fria.
Diante dessa expressão da questão social que estava posta, em meados do ano de 2000,
foi iniciado no município as atividades do PETI que tem como objetivo principal retirar
crianças e adolescentes do trabalho considerado perigoso, penoso, insalubre e degradante, ou
seja, daquele trabalho que coloca em risco a saúde, a segurança e o desenvolvimento desses
sujeitos. Em Toledo, as atividades do PETI são realizadas através de 8 entidades sociais
vinculadas à operacionalização das políticas sociais da gestão municipal.
A partir de toda a experiência vivenciada no campo de estágio, conhecendo melhor o
objetivo do PETI e para responder todas as inquietações foi estabelecido como objetivo geral
da pesquisa: “Compreender o significado de trabalho infantil a partir da equipe técnica e dos
adolescentes inseridos no PETI vinculadas a entidade Dorcas.”
Com base no objetivo geral foram definidos os objetivos específicos que são: a)
Conceituar o trabalho infantil na sociedade capitalista; b) Situar o trabalho infantil, expressão
da questão social no âmbito da Política de Atendimento à criança e ao adolescente, ou seja, o
PETI no município de Toledo; c) Identificar o atendimento junto às entidades e famílias
beneficiárias do PETI em Toledo e d) Verificar junto à Entidade Dorcas as famílias
beneficiárias do PETI.
Para alcançar o objetivo da pesquisa foi realizada uma reflexão teórica sobre o assunto
tratado, bem como uma investigação com abordagem quantitativo-qualitativa que não se
preocupa apenas com dados, números, mas também com a realidade na qual vivem os sujeitos
da pesquisa, proporcionando dessa maneira uma melhor reflexão acerca do tema e seu
significado. E para que isso se tornasse possível utilizou-se da pesquisa documental e da
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entrevista semi-estruturada como instrumental que proporcionou a obtenção das informações
que foram registradas em formulário.
Este TCC está estruturado em três capítulos. No primeiro capítulo é abordada a
temática do trabalho infantil e seus desdobramentos na sociedade capitalista. No resgate
histórico é realizada uma abordagem acerca do trabalho infantil da escravidão até os dias
atuais, suas causas e conseqüências e o trabalho infantil no município de Toledo/PR.
No segundo capítulo é realizada uma contextualização histórica e a evolução das leis
de proteção a criança e ao adolescente e em específico a legislação brasileira criada para o
enfrentamento ao trabalho infantil, abordando de maneira mais específica a Constituição
Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ainda neste capítulo é
tratado sobre a criação do PETI, focando-se no município de Toledo.
O terceiro e último capítulo apresenta os procedimentos metodológicos utilizados para
a realização da pesquisa, bem como os resultados da pesquisa e a análise das informações
obtidas.
Para a coleta das informações utilizou-se a técnica da entrevista por meio do
instrumental – formulário, que foram aplicadas junto aos sujeitos, no espaço da entidade em
dias e horários previamente agendados.
Em seguida após a tabulação das informações, estabeleceu-se didaticamente 5 eixos de
análise que tratam das respostas do formulário: Caracterização Social das Adolescentes e
Equipe Técnica, Trabalho Infantil.
Posteriormente são apresentadas as considerações finais.
Ressalva-se que todo processo foi operacionalizado conforme recomendado pela ética
na pesquisa com seres humanos, através da aprovação do Projeto de Pesquisa pelo Comitê de
Ética em pesquisa envolvendo Seres Humanos (CEP), conforme anexo A.
Dessa forma espera-se que esse trabalho possa contribuir para o aprimoramento
intelectual de quem tiver acesso à pesquisa, uma maior visibilidade do tema ao Serviço
Social, já que se trata de uma das expressões da questão social onde o assistente social tem
que intervir, bem como para outros profissionais que trabalham na busca e garantia de direitos
da criança e do adolescente, e acima de tudo que possa alertar a sociedade em geral em
relação ao trabalho infantil, desmistificando a cultura de que o trabalho infantil é formador de
caráter e que a criança e o adolescente têm que trabalhar, e para que juntamente com o Poder
Público possam criar Políticas Públicas que vão de encontro às necessidades da criança e do
adolescente.
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1 O TRABALHO NA SOCIEDADE CAPITALISTA
Para discutir o trabalho infantil é necessário analisar e refletir sobre alguns conceitos
como o trabalho e o trabalho na sociedade capitalista, diante disso também é necessário
analisar de uma forma crítica a sociedade em que estamos inseridos, seu processo histórico e
como o trabalho infantil entra nesse processo, bem como, suas causas e conseqüências.
O trabalho faz parte de nossas vidas, pois é ele a primeira forma da existência humana, é
através dele que criamos e reproduzimos valores para satisfazer as necessidades primárias e as
novas necessidades que criamos no decorrer do tempo.
O trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o
homem, por sua ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza [...]
o processo de trabalho [...] é a atividade orientada a um fim para produzir valores de
uso, apropriação do natural para satisfazer as necessidades humanas, condição
universal do metabolismo entre o homem e a natureza, condição natural eterna da
vida humana [...] (MARX apud NETTO; BRAZ, 2007, p. 31-32).
Portanto, é através do processo de trabalho que nos diferenciamos dos animais e nos
socializamos com outras pessoas. O trabalho nada mais é que uma atividade que transforma a
natureza e também todos os seres que se envolvem nesse processo, assim sendo, o trabalho é
uma etapa muito importante na história que significou a constituição da humanidade tal como
ela é, e transformou o ser humano em ser social1.
Segundo Netto e Braz (2007, p. 41) “somente o ser social é capaz de agir
teleologicamente2, só ele propõe finalidades e antecipa metas e só ele dispõe da capacidade de
projetar.” E isso somente é possível a partir do trabalho.
É a partir do trabalho que também são constituídas as formas de sociedade, aqui será
destacada a sociedade capitalista e de que maneira é desenvolvido o trabalho nessa ordem
social.
As condições de trabalho e a própria definição de trabalho varia conforme a
conjuntura histórica vigente. Percebe-se, portanto, que o entendimento do que é trabalho e
como este se processa é diferente em cada sociedade e época específica.
Na sociedade capitalista o trabalho é caracterizado como trabalho assalariado onde
as pessoas começam a vender sua força de trabalho para sobreviver. Em troca de sua
1 “Entende-se que o ser social surge da natureza e que suas capacidades essenciais são construídas por ele em seu
processo de humanização: ele é autor e produto de si mesmo, o que indica a historicidade de sua existência.”
(BARROCO, 2009, p. 20) 2 “Por teleologia entende-se a projeção ideal de finalidades e dos meios para a sua efetivação, um determinado
grau de cooperação de certas formas de comunicação, tal como a linguagem articulada com o conhecimento e o
domínio sobre a natureza.” (BARROCO, 2009, p. 24).
15
mercadoria, o trabalhador recebe a titulo de salário uma parte do produto em que se
traduz parcela de seu trabalho: o trabalho necessário para a sua conservação e
reprodução. O salário, embora à primeira vista apareça como o preço do trabalho, é
o preço da força de trabalho. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2008, p. 48).
A expansão do modo de produção capitalista e a revolução industrial no final do
século XVIII trouxeram grandes transformações econômicas, políticas e sociais. Nesse
contexto, a sociedade se estruturou em duas classes: a classe burguesa – que são os
proprietários dos meios de produção e a classe trabalhadora – que possuem apenas a força de
trabalho.
Nesse processo da revolução industrial e do novo modelo de produção capitalista que
estava surgindo, houve também a introdução de máquinas e a divisão nos processos de
trabalho dentro das fábricas, onde foi introduzido o modelo de produção fordista/taylorista
que vigorou na sociedade capitalista durante o século XX. Este processo segundo Antunes se
caracteriza da seguinte forma:
Esse padrão produtivo estruturou-se com base parcelar e fragmentada, na
decomposição de tarefas, que reduzia a ação operária a um conjunto repetitivo de
atividades [...] Esse processo produtivo caracterizou-se, portanto, pela mescla da
produção em série fordista com o cronômetro taylorista, além da vigência de uma
separação nítida entre elaboração e execução. Para o capital tratava-se de apropriar-
se do trabalho, suprimindo a dimensão intelectual do trabalho operário, que era
transferida para as esferas da gerência científica. A atividade do trabalho reduzia-se
a uma ação mecânica e repetitiva. (ANTUNES, 2002, p. 37).
Porém este padrão produtivo também entrou em crise a partir da década de 1970,
trazendo transformações para o processo de trabalho e também outras transformações, e as
respostas para essa crise foi:
Um processo de reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de
dominação, cujos contornos foram o advento do neoliberalismo, com a privatização
do Estado, a desregulamentação dos direitos trabalhistas e a desmontagem do setor
produtivo estatal [...] seguiu também um intenso processo de reestruturação da
produção do trabalho com vistas a dotar o capital do instrumental necessário para
tentar repor os patamares de expansão anteriores. (ANTUNES, 2002, p. 31).
Portanto, esse processo denominado de reestruturação produtiva envolve uma série de
inovações tecnológicas, assim como o aperfeiçoamento da maquinaria e da organização dos
elementos constitutivos do trabalho.
Entendendo essas mudanças para além do universo do trabalho, tendo, contudo,
implicações sob diferentes aspectos no âmbito social, político, econômico e cultural. Assim,
16
essas alterações possibilitaram maior concentração e acumulação do capital, permitindo, dessa
maneira, mudanças na divisão social do trabalho, que segundo Netto (1996, p. 92) “esse
processo reestrutura radicalmente o mercado de trabalho, seja alterando a relação entre
excluídos/incluídos, seja introduzindo novas modalidades de contratação [...]”. (grifo do
autor).
No que se refere a estas novas modalidades de contratação, pose-se destacar “o
emprego precário, trabalho autônomo via terceirização a microempresas ou via serviços pagos
por tarefa”. (NETTO, 1996, p. 92/94).
A partir desse processo se deflagra as condições precárias em que os sujeitos que
vivem desse mundo do trabalho são submetidos. Diante desse contexto é que se evidencia a
situação de trabalho infantil, sendo que a família, inserida nesse processo de exploração do
trabalho, não consegue manter o sustento da casa e dos filhos, “obrigando-os” assim, a
colocar seus filhos no mercado de trabalho para ajudar a complementar a renda da família.
O trabalho infantil se evidencia a partir desse contexto, porém, é anterior a essa
conjuntura sócio-histórica.
1.1 O TRABALHO INFANTIL: DA ESCRAVIDÃO À SOCIEDADE CAPITALISTA,
CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS
Com as mudanças que ocorreram no mundo do trabalho, principalmente a introdução
da tecnologia, o mercado procura trabalhadores mais especializados/qualificados, e com os
trabalhos terceirizados os trabalhadores passam a receber menos, sendo “obrigados” então a
colocar toda sua família no mercado de trabalho inclusive as mulheres e seus filhos. Foi nesse
contexto de transformações no mundo do trabalho e da sociedade que o trabalho infantil
passou a ser visto como uma expressão emergida das classes mais pobres da sociedade.
Porém, não foi somente a partir da introdução do modo de produção capitalista que esta
situação gerou o trabalho de crianças e adolescentes, o que demonstra que é anterior à
sociedade capitalista.
No Brasil, durante a colonização e o período da escravidão já era possível verificar
que o trabalho infantil estava fortemente presente onde crianças negras, filhas dos escravos,
eram inseridas no trabalho precoce e ainda eram castigadas. Nessa época, o trabalho era visto
como formador de caráter e estava relacionado com a pobreza, portanto, as crianças pobres
tinham que trabalhar.
17
A vida de trabalho das crianças escravas começava precocemente, aos 5 e 6 anos de
idade e além do trabalho, essas crianças eram submetidas a maus tratos, eram separadas de
suas famílias e levavam consigo muitas marcas físicas dos castigos e excesso de trabalho. As
principais atividades desenvolvidas por estas crianças, conforme Silva (2006, p. 18) era:
“apanhar frutos, semear, cuidar de animais, passar, engomar, remendar roupas, lavar os pés
dos do senhor e dos visitantes da casa, servir a mesa, engraxar [...]”, entre outras atividades.
Esta situação de exploração da força de trabalho infantil de crianças escravas foi
amenizada, mas não extinta, pois, existe até os dias de hoje, foi somente a partir da criação da
Lei Áurea em 13 de maio de 1988, que declarava a extinção da escravidão no Brasil,
momento em que segundo Silva (2006, p.19) “a população jovem escrava se tornava livre.”
A extinção da escravatura foi um divisor de águas no que diz respeito ao debate
sobre o trabalho infantil, multiplicaram-se, a partir de então iniciativas públicas e
privadas, dirigidas ao preparo da criança e do adolescente para o trabalho, na
indústria e na agricultura. O debate sobre a teoria de que o trabalho seria a solução
para o “problema do menor abandonado/delinqüente” começava, na mesma época, a
ganhar visibilidade. A experiência da escravidão havia demonstrado que a criança e
o jovem trabalhador constituíam-se em mão-de-obra mais dócil, mais barata e com
mais facilidade de adaptar-se ao trabalho. (RIZZINI, 2004, p. 376).
Neste contexto, crianças e adolescentes passaram a ser requisitados para o trabalho em
todas as épocas e em todas as formas de trabalho. É através de cada momento histórico que
surgem as mais variadas formas de exploração da força de trabalho infantil.
O Brasil tem uma longa história de exploração da mão-de-obra infantil. As crianças
pobres sempre trabalharam [...] para seus donos, no caso das crianças escravas da
Colônia e do Império; para os “capitalistas” do inicio da industrialização, como
ocorreu com as crianças órfãs, abandonadas ou desvalidas a partir do final do século
XIX; para os grandes proprietários de terras como bóias-frias; nas unidades
domésticas de produção artesanal ou agrícola; nas casas de família; e finalmente nas
ruas, para manterem a si e suas famílias. (RIZZINI, 2004, p. 376).
É possível perceber que o trabalho de crianças e adolescentes não é recente, mas ele
tem uma visibilidade maior dentro das fábricas, um ambiente onde crianças e adolescentes
apesar de sua fragilidade, eram vistas e cobradas como adultos, um lugar impróprio para essas
pessoas e que segundo Moura, (2004, p. 264) “trazia em sua esteira a indiferença às
particularidades e às necessidades da infância e da adolescência.”
18
Além de estar evidente a não preocupação com as necessidades das crianças dentro
das fábricas, também era possível visualizar os acidentes de trabalho e a violência contra as
crianças que ocorriam neste ambiente de trabalho como destaca Moura:
Os acidentes do trabalho não esgotam, no entanto, as situações nas quais as crianças e
adolescentes defrontaram-se com a violência no mundo do trabalho. Merece destaque,
também, os ferimentos resultantes dos maus-tratos que patrões e representantes dos
cargos de chefia – como mestres e contramestres – infligiam aos pequenos operários e
operárias, no afã de mantê-los “na linha”, em situação igualmente reveladora de
extrema violência que permeava o cotidiano do trabalho. (MOURA, 2004, p. 266).
O trabalho infantil nessa época era visto como uma maneira de tirar a criança e o
adolescente da criminalidade e da vagabundagem, do ambiente da rua. Nesse sentido, o
trabalho era visto como formador de caráter, de responsabilidade e de algo útil na vida desses
então trabalhadores.
Mas o trabalho infantil no decorrer da história foi ganhando maior visibilidade e
atenção e pode ser entendido segundo Oliveira (2002, p. 193) “como aquele trabalho que se
realiza abaixo da idade mínima básica, que passou a ser 16 anos pela emenda 20 da
Constituição Federal de 1988.”
Segundo Batinni (1997)3, “o trabalho infantil é conseqüência da pobreza familiar, que
é por sua vez, conseqüência de um sistema social excludente, antidemocrático, privatista que
valoriza privilégios pessoais [...]”
O trabalho infantil também pode ser caracterizado e dividido mundialmente em sete
grandes grupos, como aponta o UNICEF4 (apud Carneiro, 2002, p. 26-27):
1. “Serviços Domésticos: realizados em casa de estranhos, que são as mais
difíceis de localizar e que são responsáveis por um número imenso de crianças,
principalmente meninas fora da escola, sem contar a exposição destas a um
trabalho quase escravo e que lhes deixa muito perto da exploração sexual;
2. Trabalho escravo e trabalho forçado: bastante comum em alguns países
onde a prática da venda de crianças para pagamento de dívida é comum, e que
não prevê qualquer tipo de remuneração;
3 Esta citação foi retirada de uma Palestra proferida por Dra. Odária Battini, no Curso de Qualificação de
Conselheiros Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente e de Conselheiros Tutelares da região de
Cascavel, promovido pela PROCURSO, em dezembro de 1997. 4 O UNICEF e seu processo histórico serão abordados com mais ênfase no capítulo dois deste trabalho.
19
3. Exploração sexual comercial: uma das mais degradantes atividades
desenvolvidas por crianças. Além da degradação moral, as expõe à violência, à
contaminação pela AIDS, à drogadição e à gravidez indesejada;
4. Trabalho em indústrias e plantações: expõe as crianças à contaminações, uso
excessivo da força física, locais insalubres e perigosos e jornadas muito além
do que se regulamenta até para trabalhadores adultos;
5. Trabalho na rua: uma das atividades que congrega o maior número das
crianças que trabalham, seja em lixões, vendendo pequenas mercadorias ou
esmolando, colocando as crianças em contato direto com a violência e a falta
de proteção, uma vez que sempre realizam estas atividades longe de seus pais;
6. Trabalho para a família: pode ser considerado exploração na medida em que
afasta a criança da escola e lhe exige mais do que ela pode dar devido a seu
tamanho;
7. Trabalho das meninas: é realizado em casa, geralmente na manutenção desta
e no cuidado com os irmãos para que os pais possam trabalhar. Compromete a
escolarização e a infância, além de sobrecarregar de responsabilidade a criança
que não tem desenvolvimento cognitivo para este tipo de tarefa.”
Dentro das várias formas de trabalho existem algumas que são expressamente
proibidas às crianças e adolescentes, por serem consideradas como trabalho: perigoso e
penoso.
O adjetivo “perigoso” é sinônimo de inseguro, não se limitando, portanto o trabalho
efetuado em contato com inflamáveis e explosivos ou no setor de energia elétrica. É
tido como perigoso todo trabalho que, de fato, ponha em risco a integridade física do
adolescente, por exemplo, trabalho com serras elétricas desguarnecidas, com facões
nas condições, em geral, oferecidas pela construção civil. (OLIVEIRA, 2002, p. 194).
Há também o trabalho considerado insalubre que também é proibido à criança e ao
adolescente, indivíduos que se encontram em situação peculiar de desenvolvimento5, esta
forma de trabalho é caracterizada da seguinte forma:
Trabalho insalubre é aquele prestado em condições que expõe o trabalhador a
agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixada em razão da natureza
e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos. (BRASIL,
Cartilha PETI, 2004, p. 25).
5 Expressão utilizada e reconhecida no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8069/90 que será abordada
de forma mais especifica no capitulo 2 deste trabalho.
20
É possível entender o trabalho infantil no âmbito das desigualdades sociais na
sociedade capitalista, é nesta ordem social que o trabalho de crianças e adolescentes se
configura como uma das expressões da questão social6 materializada na contradição entre
capital e trabalho.
O trabalho infantil se configura como um grave problema na vida de crianças e
adolescentes, esses problemas se apresentam em vários âmbitos, tanto no ingresso ao trabalho
precoce quanto na vida após a inserção neste tipo de trabalho.
Entre as causas do ingresso no trabalho precoce estão: a pobreza, onde a renda da
criança é indispensável para o sustento da família. Outro fator é a precarização da
educação, onde a ineficiência do sistema de ensino não contempla as necessidades
da população. E na condição de pobreza vivenciada, a criança deixa de estudar para
trabalhar, garantindo a perpetuação da falta de qualificação profissional, jornadas
cansativas e longas, baixos salários e a conseqüentemente a reprodução da miséria
já vivenciada pelos pais. Ainda um fator apontado são os valores e tradições
presentes na sociedade atual e capitalista, onde o trabalho é visto como a “única
forma de ser digno”. Assim, a sociedade passa a ser conivente com essa forma de
exploração já que compartilha da idéia de que a educação se dá através do
trabalho. (CIPOLA, 2001, p. 23, grifo nosso)
É muito comum ainda nos dias de hoje achar que a educação e a formação de caráter
de crianças e adolescentes se dão através da inserção dos mesmos no trabalho o que não se vê,
são as conseqüências que o trabalho na fase da infância e adolescência pode trazer para a vida
desses sujeitos.
O trabalho da criança e do adolescente das classes populares é visto em nossa
sociedade como um mecanismo disciplinador, capaz de afastá-los das companhias
maléficas e dos perigos da rua. A “escola do trabalho” é percebida como a
verdadeira “escola da vida” – a criança é socializada desde cedo para ocupar o seu
lugar em uma sociedade extremamente estratificada, onde lhe são reservadas as
funções mais subalternas. (RIZZINI, 2004, p. 389).
Dentre as conseqüências do trabalho infantil têm-se as físicas, onde como seres em
formação estão mais suscetíveis aos elementos agressivos como lesões, doenças,
deformidades físicas e outras situações.
Outra forma é em relação aos efeitos psicossociais, que se dá por sua situação peculiar
de desenvolvimento, construção da identidade e da autoconfiança, ao assumir
responsabilidades que não são próprias da idade, frustra-se por não responder à altura ao que
6Por questão social entende-se o conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos que o surgimento da
classe operária impôs no curso da constituição da sociedade capitalista. “É a manifestação, no cotidiano da vida
social da contradição entre proletariado e a burguesia a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além
da caridade e repressão”. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2008, p. 77).
21
lhe é imposto, podendo tornar-se um adulto inseguro, cabisbaixo, frustrado, depressivo, com
inclinações para suicídio e com comportamentos agressivos.
Entre essas conseqüências sociais indesejáveis do trabalho infantil a mais grave é: “o
prejuízo que o trabalho causa à educação escolar das crianças, dado que as inovações
tecnológicas têm requerido um novo tipo de trabalhador”. (BRASIL, Cartilha PETI, 2004, p.
12).
Dessa maneira, pode-se ressaltar que o mercado de trabalho exige um profissional
cada vez mais qualificado e desenvolvido, porém, se a criança e o adolescente estão
trabalhando ao invés de estarem estudando, não responderão quando adultos às exigências
estabelecidas pelo mercado. Assim pode-se afirmar que a educação tem um papel muito mais
importante na vida de crianças e adolescentes a fim de prepará-los para uma vida capaz de
qualificá-lo como cidadão trabalhador, do que sua inserção precoce no mercado de trabalho.
22
2 RESPOSTAS DA SOCIEDADE E DO ESTADO AO TRABALHO INFANTIL
ANTES DA DÉCADA DE 1980: UM BREVE RESGATE HISTÓRICO
Para dar resposta à situação de trabalho infantil que estava posta e que ainda se
encontra em evidência no país foi preciso que o Estado juntamente com a sociedade, ou por
pressão da mesma formulasse leis de proteção à infância e adolescência, bem como políticas
públicas que atenda as necessidades desses sujeitos. Neste capítulo, será abordado um breve
histórico acerca da evolução dos direitos e a proteção da criança e do adolescente e o
reconhecimento destes como sujeitos em situação de desenvolvimento.
No âmbito de legislações de proteção à criança e ao adolescente no Brasil, as que têm
maior destaque são as normas que se encontram na Constituição Federal de 1988 e no
Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 (ECA). Porém, antes destas legislações, havia
outras que regulamentavam sobre o trabalho de menores7 no país.
O decreto federal 1.313 de 17 de janeiro de 1891 é a primeira normativa que segundo
Neto (2003, p. 78) “garantia que a criança não trabalharia antes dos doze anos de idade,
admitindo, porém, o trabalho do menor a partir dos oito anos, na função de aprendiz, nas
fábricas de tecidos.”
No ano de 1919 surge a Organização Internacional do Trabalho (OIT) como parte do
Tratado de Versalhes, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial. Fundou-se sobre a convicção
primordial de que a paz universal e permanente somente pode estar baseada na justiça social e
tem como principal objetivo a formulação e aplicação das normas internacionais do trabalho
(convenções e recomendações). As convenções, uma vez ratificadas por decisão soberana de
um país, passam a fazer parte de seu ordenamento jurídico. As principais convenções da OIT
que tratam do trabalho infantil são:
[...] a Convenção 5 [...], definia a idade mínima de 14 anos para o trabalho na
indústria [...], a Convenção 138 propõe em seu primeiro artigo a abolição do
trabalho infantil e define que a idade mínima para o trabalho infantil não será
inferior à idade compulsória ou, em qualquer hipótese, não inferior a 15 anos.
(UNICEF, 1998).
7 A expressão menor “[...] já vinha desde a virada do século sendo utilizada num sentido jurídico, para se referir
à menoridade etária, entra para o vocabulário corrente e se torna categoria classificatória da infância pobre,
marcando-a e diferenciando-a da infância dos segmentos sociais.” (SANTOS 1993 apud ZIGLIOLI, 1995, p.
13). Esta expressão menor não é mais utilizada, pois a legislação atual considera discriminatória por se referir
apenas a um grupo de crianças e adolescentes, porém será utilizada neste trabalho por estar se referindo a
determinados momentos históricos de nossa sociedade.
23
A criação da OIT é um marco histórico internacional no que se refere aos direitos
humanos e principalmente de crianças e adolescentes e foi fundamental para a construção de
legislações brasileiras que estivessem interessadas e comprometidas com os direitos desses
sujeitos e num primeiro momento pode ser caracterizada da seguinte maneira:
A idéia de uma legislação trabalhista internacional surgiu como resultado das
reflexões éticas e econômicas sobre o custo humano da Revolução Industrial
ocorrida ainda no século XIX. A legislação visava à melhoria das relações de
trabalho em todo o mundo, principalmente no período pós-guerra que demandaria
todo um esforço de reconstrução dos países envolvidos. (BIDARRA; OLIVEIRA,
2007, p. 167).
A OIT através de suas Convenções tinha como principal objetivo proporcionar a vida
em segurança para a infância, esse foi o primeiro instrumento normativo/legislativo com
caráter protetivo para a infância.
O UNICEF8 rege-se pela Convenção dos Direitos da Criança e trabalha para que esses
direitos se convertam em princípios éticos permanentes e em códigos de conduta
internacionais para as crianças. Tem como objetivo promover a defesa dos direitos das
crianças ajudar a dar respostas às suas necessidades básicas e contribuir para seu pleno
desenvolvimento. Foi fundada em 11 de dezembro de 1946 num primeiro momento foi criada
para ajudar as crianças que viviam na Europa e que sofreram com a 2ª Guerra Mundial. Em
1953 tornou-se uma instituição permanente de ajuda e proteção a crianças de todo mundo. É a
única organização que se dedica especificamente às crianças. Trabalha no Brasil desde 1950,
atuando na articulação, no monitoramento, avaliação e promoção de políticas públicas para a
área da infância e adolescência.
A Convenção Internacional dos Direitos da Criança adotada pela Resolução nº 44/25
da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 20 de novembro de 1989
e ratificada pelo Brasil em 20 de setembro de 1990 estabelece um novo marco em prol da
infância mundial e declara que o bem estar e as condições de vida da criança e do adolescente
não são uma questão de filantropia, mas um direito que a sociedade, o Estado e a família
precisam garantir, a respeito do trabalho infantil em seu artigo 32 dispõe o seguinte:
1. Os Estados-partes reconhecem o direito da criança de estar protegida
contra a exploração econômica e contra o desempenho de qualquer
trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação, ou seja,
8 O histórico do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) foi retirado da internet o site está
referenciado no final deste trabalho.
24
nocivo para saúde ou para seu desenvolvimento físico, mental, espiritual,
moral ou social. 2. [...] adotarão medidas legislativas, administrativas,
sociais e educacionais com vistas a assegurar a aplicação do presente
artigo [...] deverão em particular: a) estabelecer uma idade ou idades
mínimas para admissão em empregos; b) estabelecer regulamentação
apropriada relativa a horários e condições de emprego; c) estabelecer
penalidades ou outras sanções apropriadas a fim de assegurar o
cumprimento efetivo do presente artigo. ( BRASIL, 1959).
No Brasil os Códigos que tratam da questão da infância e adolescência, naquele
momento entendidos como menor, conforme Neto (2003, p. 77) “sempre se voltaram mais
para o controle social do que para a garantia dos direitos da criança e do adolescente [...]
caminharam na linha do confinamento, da privação dos direitos e não da proteção.” Vale
ressaltar também que os Códigos não eram direcionados para todas as crianças e adolescentes
da época, eles se voltaram para os menores e jovens que se encontravam em situação de
incômodo e perigo para a sociedade.
Em 1927, entra em vigor o Código de Menores9 Decreto nº 7.493-A de 12 de outubro,
este código consolidou as leis de assistência e proteção aos menores. Segundo Rosa (2001, p.
190), “assim o Brasil começa a implantar um sistema público de atenção às crianças e aos
jovens, sob a égide de proteção e tutela do Estado.” No que se refere ao trabalho infantil, este
era proibido para menores de12 anos e para os menores de 14 anos que não tivessem
concluído o ensino primário, esta legislação também determinou a proibição do trabalho
noturno para menores de 14 anos em todas as atividades, porém, abria exceções para os
menores que comprovassem que o trabalho era indispensável para a sua subsistência e de sua
família.
Nesse contexto as crianças e adolescentes acima de 12 anos eram contratadas pelas
indústrias sendo submetidos a longas jornadas de trabalho e recebendo por seu trabalho
salários inferiores ao dos adultos. Percebe-se, portanto que o Código de Menores de 1927 se
constituiu em um pacto social entre o Estado e os empresários da época, onde o trabalho
infantil era permitido e explorado, embora tenha se manifestado dessa maneira, esse Código
de Menores, foi à primeira legislação que se voltava à questão do menor no Brasil.
Em 1943 ocorre a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que determina a
proibição do trabalho para menores de 12 anos e condiciona o trabalho dos 12 aos14 anos à
9 Este Código também ficou conhecido como Código Melo Mattos, pelo fato de ter tido como base projetos do
então professor e deputado Mello Matos, que foi o primeiro juiz de menores do Brasil, no Rio de Janeiro, capital
federal, tendo se empenhado ao longo de sua vida, em aprimorar e fazer cumprir essa legislação.” (FAVERO,
1990, apud CASTRO, 2000, p. 7)
25
garantia de freqüência na escola, o trabalho realizado por crianças e adolescentes deveria ser
de natureza leve.
O Código de Menores de 1979 promulgado pela Lei Federal 6.697 de 10 de outubro é
a continuação do Código de 1927, pois valorizava a manutenção da ordem pela via da
autoridade jurídica, atuando por meio da repressão, do controle, internamento e ainda atribuía
à criança, ao adolescente e sua família a responsabilidade sobre os problemas sociais que
vivenciavam, ou seja, considerava esses sujeitos como: “menor em situação irregular” a partir
dessa visão o Código de Menores de 1979 define em seu artigo 2º quem eram esses sujeitos:
[...] aqueles privados de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução
obrigatória; vítimas de maus-tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou
responsáveis; em perigo moral, pois se encontravam de modo habitual, em
ambiente contrário aos bons costumes ou por sofrer exploração em atividade
contrária aos bons costumes; privados de representação ou assistência legal, pela
falta eventual dos pais ou dos responsáveis; com desvios de conduta, em virtude de
inadaptação familiar ou comunitária; ou autores de infração penal. (BRASIL. Lei nº
6.697, 1979).
Nota-se através das primeiras legislações que estas não estavam voltadas e
comprometidas com todas as crianças e adolescentes, mas apenas com aquelas que eram
consideradas perigosas e que atrapalhavam e comprometiam o sossego da sociedade. Ainda
que todas as Legislações brasileiras, antes da década de 80, referentes à criança e ao
adolescente, não os reconheciam como pessoas em desenvolvimento, os concebiam iguais aos
adultos em responsabilidades, deveres e cobranças.
Foi somente com a Constituição Federal de 1988 (CF/88), construída e embasada na
democracia, que às crianças e os adolescentes passaram a ser reconhecidos e protegidos,
diante disso A CF88 expressa em seu Artigo 227:
É dever da família, da sociedade e do estado assegurar à criança e ao adolescente,
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL,
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1998, p. 131).
É a Constituição Federal de 1988 que prevê a doutrina da Proteção Integral, onde a
criança e o adolescente passam a ser vistos como sujeitos de direitos. Esta prevê o trabalho de
adolescentes a partir dos 14 anos na condição de aprendiz, somente a partir dos 16 anos, para
26
trabalho executado fora do processo de aprendizagem, e somente a partir dos 18 anos, para
trabalho noturno.
2.1 O ECA E O RECONHECIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E SEUS
DIREITOS: UM GRANDE PASSO NA HISTÓRIA BRASILEIRA
Depois de muita luta e mobilizações a sociedade interessada nas questões voltadas à
infância e adolescência conseguiram através do Poder Público, a promulgação da Lei nº 8.069
de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e
regulamenta o estabelecido na CF/88 que tem como principal objetivo a proteção integral à
criança e ao adolescente.
O ECA nasce com a perspectiva de mudança e a principal característica do estatuto em
relação a isto se trata da mudança de doutrina, que trazia em seu entendimento que esta lei
deveria ser para todas as crianças e adolescentes, ou seja, é uma lei universal e para além
disso reconhece a criança e o adolescente como pessoa de direito, que necessita de proteção
integral e é prioridade absoluta.
Em relação ao trabalho infantil o ECA possui um capítulo10
inteiro que trata sobre o
direito à profissionalização e à proteção no trabalho, ou seja, nesta legislação o trabalho é
visto como um direito e não mais como um dever, respeitando a idade para a entrada no
mercado de trabalho, bem como a situação de desenvolvimento da criança e do adolescente.
Em seu Artigo 60 o ECA traz a proibição de qualquer trabalho para menores de 14
anos, salvo na condição de aprendiz. (Nova redação, conforme Emenda Constitucional nº20,
de 16/12/1998). Como trabalho em condição de aprendizagem entende-se que:
[...] o adolescente, a partir dos 14 nos, só pode executar trabalho dentro de um
programa de profissionalização porque a aprendizagem é uma das primeiras etapas
da formação técnico-profissional. Vulgarmente, às vezes por conveniência,
qualifica-se como aprendiz o adolescente que executa tarefas, tais como estafeta,
Office-boy, ensacador de compras, vigilância de carros na rua, cuja execução não
comporta passagem prévia por um processo de aprendizagem. Se não tomar a
expressão “na condição de aprendiz” no sentido estrito ou técnico, a Constituição
estaria fixando aos 16 anos a idade mínima para o trabalho fora de um processo de
profissionalização e, ao mesmo tempo, anulando seu próprio enunciado,
rebaixando-a para quatorze anos. (OLIVEIRA, 2002, p. 194, grifo do autor).
10
O capítulo do ECA que trata sobre a questão do direito a profissionalização e à proteção no trabalho é o
capítulo V do título II e é composto pelos artigos: 60; 61; 62; 63; 64; 65; 66; 67; 68 e 69.
27
O ECA ainda dispõe sobre a profissionalização e proteção no trabalho. Traz a
perspectiva de proteção e não de obrigação e exploração do trabalho. Nesse sentido, dispõe
em seu artigo 67 sobre as formas de trabalho proibidas às crianças e adolescentes.
ao adolescente empregado, aprendiz, em regime familiar de trabalho, aluno de
escola técnica, assistido em entidade governamental ou não-governamental, é
vedado trabalho: I-noturno, realizado entre as vinte e duas horas de um dia e as
cinco horas do dia seguinte; II- perigoso, insalubre ou penoso; III- realizado em
locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral
e social.; IV- realizado em horários e locais que não permitam a freqüência à
escola. (BRASIL, ECA, 1990, ARTIGO 67).
Portanto foi somente a partir da CF/88 e do ECA que a criança e o adolescente
passaram a ser vistos como sujeitos de direitos, em condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento. A evolução dos direitos em relação à criança e ao adolescente está
totalmente visível no quadro abaixo que traz algumas comparações entre o Código de
Menores de 1927, o Código de Menores de 1979 e o ECA de 1990.
QUADRO 1: Comparativo entre os Códigos de Menores de 1927 e 1979 e o ECA
Aspecto Considerado Código de menores
(Decreto nº 17943, de
12/10/27)
Código de menores
(Lei nº 6697/79)
Estatuto da Criança e
do Adolescente (Lei nº
8069/90)
Concepção política
social implícita
Instrumento de proteção
e vigilância da infância
e adolescência, vítima
da omissão e
transgressão da família,
em seus direitos
básicos.
Instrumento de controle
social da infância e da
adolescência vítima da
omissão e transgressão
da família, da sociedade
e do Estado em seus
direitos básicos.
Instrumento de
desenvolvimento social,
voltado para o conjunto
da população infanto-
juvenil do país,
garantindo proteção
especial àquele
segmento considerado
de risco social e
pessoal.
Visão da criança e do
adolescente
Menor abandonado ou
delinqüente, objeto de
vigilância da autoridade
pública (juiz).
Menor em situação
irregular, objeto de
medidas judiciais.
Sujeito de direitos e
pessoa em condição
peculiar de
desenvolvimento.
28
Mecanismos de
Participação
Institui o Conselho de
Assistência e Proteção
aos Menores, como
associação de utilidade
pública, com
personalidade jurídica.
As funções dos
Conselheiros,
nomeados pelo
Governo, eram auxiliar
o Juízo de Menores,
sendo os Conselheiros
denominados
“Delegados da
Assistência e Proteção
aos Menores”. Era de
competência do juiz,
auxiliado pelo Conselho
de Assistência e
Proteção aos Menores
Não abria espaço à
participação de outros
atores, limitando os
poderes da autoridade
policial judiciária e
administrativa.
Institui instâncias
colegiadas de
participação (Conselhos
de Direitos, paritários,
Estado e Sociedade
Civil), nas três
instâncias da
administração, e cria no
nível municipal os
Conselhos Tutelares,
formado por membros
escolhidos pela
sociedade local e
encarregados de zelar
pelos direitos de
crianças e adolescentes.
Fiscalização do
cumprimento da lei
Era de competência
exclusiva do Juiz e de
seu corpo de auxiliares.
Cria instâncias de
fiscalização na
comunidade, podendo
estas utilizar os
mecanismos de defesa e
proteção dos interesses
difusos e coletivos para
casos de omissão e
transgressões por parte
das autoridades
públicas.
FONTE: PEREIRA, Rosemary Ferreira de Souza. Tese de Mestrado em Serviço Social, PUC/SP, 1998.
A perspectiva de profissionalização e proteção no trabalho inscrito no ECA, ante à
realidade explicita da existência do trabalho infantil como expressão da questão social, é
respondida a partir do Estado com a criação de programas, no âmbito da política social de
proteção integral à criança e ao adolescente, o que será tratado no item seguinte.
2.2 O PETI E A PERSPECTIVA DE ERRADICAR O TRABALHO INFANTIL
Conforme a CF/88 e o ECA, o Estado passa a assumir a função de proteção e a
constituir políticas públicas11
para o atendimento integral à criança e ao adolescente, para dar
11
“Toda política pública é uma forma de intervenção na realidade social, envolvendo diferentes sujeitos,
portanto, condicionada por interesses e expectativas em torno de recursos. Pode também ser concebidas como
um conjunto de ações ou omissões do Estado decorrente de decisões e não decisões, tendo como limites e
condicionamentos os processos econômicos, políticos e sociais. Seu desenvolvimento se expressa por momentos
articulados e, muitas vezes, concomitantes e interdependentes, que comportam seqüências de ações em forma de
respostas, mais ou menos institucionalizadas, a situações consideradas problemáticas, materializadas mediante
29
resposta a isso o ECA traz em seu artigo 86 a importância das políticas de atendimento às
crianças e adolescentes, dispondo o seguinte:
A política de atendimento aos direitos da criança e do adolescente far-se-á através
de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (BRASIL, ECA, 1990,
ARTIGO 86).
E ainda, define as linhas de ação da política de atendimento: “I – políticas sociais
básicas; II – políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo para aqueles que
deles necessitem [...]” (BRASIL, ECA, 1990, ARTIGO 87).
A partir da CF/88, a assistência social passa a ser definida, como um direito do
cidadão e dever do Estado, devendo ser prestada a quem dela necessitar. Passando a ser
subsidiada nos artigos constitucionais 203 e 204 que trazem:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I- a proteção social à família, à
maternidade, à infância, à adolescência e a velhice; II – o amparo a crianças e
adolescentes carentes; III – a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV –
a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de
sua integração à vida comunitária; V – a garantia de um salário mínimo de beneficio
mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme
dispuser a lei. Art 204. As ações governamentais na área da assistência social serão
realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previsto no art. 195,
além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: I –
descentralização político- administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais
à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas
estadual e municipal, bem como entidades beneficentes e de assistência social; II –
participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação
das políticas e no controle das ações em todos os níveis. (BRASIL,
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988).
Foi nesse contexto que o Estado junto com a sociedade e por pressão desta, passa a
responder as demandas relacionadas à criança e ao adolescente que estavam postas, uma das
respostas foi à criação de políticas públicas voltadas às necessidades
desses sujeitos. Uma destas políticas diz respeito ao Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil (PETI)12
.
programas, projetos e serviços. Vista como mecanismo que contém contradições, contrapõe-se, aqui, a percepção
da política pública como mero recurso de legitimação política ou como intervenção estatal subordinada tão
somente à lógica da acumulação capitalista.” (SILVA, 1998, p. 67) 12
O histórico do PETI foi retirado do Relatório Anual do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil do ano
de 2009, documento elaborado na Secretaria Municipal de Assistência Social de Toledo/PR.
30
O PETI surge, em 1996, com o objetivo de “retirar crianças e adolescentes do
trabalho considerado perigoso, penoso, insalubre ou degradante, ou seja, daquele trabalho que
coloca em risco sua saúde e sua segurança.” (BRASIL, Manual Operacional do PETI, 2002).
O programa foi pensado sob três eixos de atuação: a concessão da Bolsa Criança Cidadã,
execução da Jornada Ampliada e o Trabalho com as famílias (socioeducativo e de geração de
trabalho e renda).
1- Bolsa Criança Cidadã: o PETI prevê o repasse de uma bolsa auxílio para as
famílias que tem filhos no PETI. O valor do recurso é de R$40,00 para moradores da zona
urbana e R$25,00 para moradores da zona rural. O pagamento da bolsa é realizado através do
cartão cidadão e/ou do cartão bolsa família.
2- Jornada Ampliada: as crianças e os adolescentes inseridos no PETI participam da
jornada ampliada. Esta se constitui enquanto atividades de contra turno escolar, sendo
oferecidas atividades lúdicas, esportivas, de saúde, convivência comunitária, entre outras. O
contra turno escolar visa uma complementação na formação escolar para crianças e
adolescentes, para tanto são realizadas diversas atividades que auxiliam tanto na formação
escolar como na formação da vida social desses sujeitos.
3- Trabalho com as famílias: como um dos eixos de atuação do PETI está o
trabalho que deve ser desenvolvido com as famílias que tem filhos no programa. Para estas
deve ser oferecidas formas de geração de emprego e renda, visando à superação da condição
de vulnerabilidade.
O PETI ainda prevê a criação das Comissões de Erradicação do Trabalho Infantil
que, junto com os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, Conselhos de
Assistência Social e Conselhos Tutelares devem realizar o controle social. O Programa é
destinado prioritariamente às famílias com renda per capita13
de até meio salário mínimo com
crianças e adolescentes em idade inferior a dezesseis anos, atendendo as diversas situações de
trabalho. (texto alterado pela Portaria nº 285, de 26 de julho de 2006). Deve ser executadas
em parceria com as três esferas de governo. Em 3 de dezembro de 2008 foi lançada a Portaria
nº 431 a qual modificou a forma de co-financiamento entre as esferas de governo. Assim os
atendimentos do PETI são realizados em forma de coletivos14
. O financiamento para a
13
A situação da renda familiar é verificada através do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). Este
foi criado pelo Decreto nº 6.135, de 26 de junho de 2007, onde consta no Art. 2º que o CadÚnico é instrumento
de identificação e caracterização socioeconômica das famílias brasileiras de baixa renda, a ser obrigatoriamente
utilizado para seleção de beneficiários e integração de programas sociais do Governo Federal voltados ao
atendimento desse público. (BRASIL, Ministério de Previdência e Assistência Social, 2002). 14
O número de coletivos é obtido através da divisão do número total de crianças/adolescentes identificados no
campo 270 do Cadastro Único por vinte. O monitoramento da quantidade de crianças/adolescentes com
31
realização das ações é feito mediante co-financiamento com o governo federal, o qual repassa
R$ 500,00 mensais por grupo socioeducativo de vinte crianças e adolescentes participantes do
PETI e contrapartida do município o qual repassa 20%. O repasse federal é realizado fundo a
fundo todo mês através do Piso Variável de Média Complexidade (PVMC). Por fim esse
recurso é repassado às entidades que desenvolvem o PETI, podendo ser utilizado na compra
do material de consumo necessário à realização das atividades15
da Jornada Ampliada. Por
parte das famílias atendidas no programa também há contrapartida. Estas devem retirar todos
os filhos menores de 16 anos de todas as formas de trabalho, manter as crianças/adolescentes
na escola com freqüência mensal de pelo menos 85% na Jornada Ampliada.
Em 12 de setembro de 2000 é publicada a Portaria nº 2.917, depois revogada pela
Portaria nº 458, de 4 de outubro de 2001, a qual Estabelece as Diretrizes e Normas do PETI.
Entre outras ações, esta destaca a centralidade da família no desenvolvimento das ações e a
necessidade de realização de um Plano de Ações Integradas articulado entre as entidades
participantes do PETI. A Portaria ainda define as responsabilidades de cada ente federado na
execução das atividades do PETI, destacando que cabe à Secretaria Municipal de Assistência
Social a coordenação e execução do Programa no âmbito municipal e o desenvolvimento de
ações socioeducativas junto às famílias, garantindo-lhes o acesso prioritário a programas e
projetos de qualificação profissional e de geração de trabalho e renda; acompanhar e avaliar a
participação das famílias no programa.
2.2.1 O TRABALHO INFANTIL E O PETI NO MUNICÍPIO DE TOLEDO 16
O município de Toledo está situado no extremo Oeste do Paraná. Tornou-se município
em 1951 através da Lei nº 790 quando foi desmembrado de Foz do Iguaçu, sancionada pelo
Governador Bento Munhoz da Rocha Neto. Com população estimada em 119.353 hab.
segundo dados do IBGE/2010. Situado a 540 Km da capital, o município tem o índice de
desenvolvimento humano (IDH) 0,827, tendo o 9° melhor IDH do Estado. (PNUD/2000).
marcação no campo 270 é realizado pelo Ministério de Desenvolvimento Social (MDS) a cada seis meses.
(BRASIL, Ministério de Previdência e Assistência Social, 2002). 15
As atividades desenvolvidas na Jornada Ampliada variam em cada entidade. Contudo são estabelecidos alguns
parâmetros gerais para o desenvolvimento das ações. Dentre as atividades desenvolvidas cita-se reforço escolar,