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V Encontro Internacional de Economia Solidria
O Discurso e a Prtica da Economia Solidria
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EXTRATIVISMO, ECONOMIA SOLIDRIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL NA
REGIO DOS LENIS MARANHENSES
rea Temtica: 4 - Tecnologia e Sustentabilidade
Nicholas Allain Saraiva- ONG Pivot MA e Universidade de
Braslia/UnB [email protected] rika Fernandes-Pinto- IBAMA
[email protected]
Resumo
Paulino Neves situa-se na regio dos Lenis Maranhenses, numa zona
de transio entre os biomas Amaznico, Caatinga e Cerrado. A populao,
essencialmente rural, conjuga atividades de lavoura de subsistncia,
criao de pequenos animais, pesca artesanal e extrativismo de
produtos vegetais principalmente da fibra do buriti para o
artesanato. A situao de pobreza da populao local, a baixa
perspectiva de mudana frente ao atual paradigma mercadolgico e os
impactos ambientais que assolam os buritizais, exigem uma ao
imediata. A Economia Solidaria surge neste contexto como uma
importante alternativa para aliar o desenvolvimento com valorizao
dos aspectos socioculturais e ambientais. Economia Solidria e
extrativismo so dois conceitos complexos e com alto potencial de
sustentabilidade na regio, que associados ao artesanato do buriti
trazem a perspectiva de um novo modelo de desenvolvimento para as
populaes rurais dos Lenis Maranhenses, proposta que a ONG Pivot vem
desenvolvendo atravs do projeto Olho Vivo. Palavras-chave: Buriti;
Extrativismo; Conservao Ambiental; Artesanato; Economia
Solidria
1. Introduo
O Municpio de Paulino Neves situa-se na regio dos Lenis
Maranhenses, na parte oriental do Estado do Maranho a cerca de 310
km da capital, So Luis. O acesso ao municpio se d atravs da MA-405
que vai at Barreirinhas e a partir da so cerca de 40 km de trilhas
na areia, onde s trafegam veculos com trao.
O clima da regio classificado como sub-mido seco e apresenta
mdias de temperatura anuais de 26C e pluviosidade de 1.750 mm com
duas estaes bem definidas, uma chuvosa (de janeiro a julho) e uma
seca (de agosto a dezembro). A sazonalidade das chuvas, aliado ao
solo extremamente arenoso, salino e frivel faz com que a regio seja
considerada rea sujeita desertificao (ASD) (MMA, 2004) e estar
inserida dentro da regio de ao da ASA (Articulao para o
Semi-rido).
O municpio possui uma rea de 979 Km2 e encontra-se inserido
parcialmente em trs reas de Proteo Ambiental (duas APAs Estaduais e
na APA Federal do Delta do Parnaba) e em parte do territrio est
proposta a criao de uma Reserva Extrativista.
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A regio insere-se numa zona de transio entre diferentes os
biomas Amaznico, Caatinga e Cerrado, incluindo um mosaico de
ecossistemas como praias, restingas, campos de inundao, campos de
dunas livres e fixas, manguezais, veredas e extensas reas de
cerrado.
A fragilidade dos ecossistemas, aliada ausncia de informaes
tcnicas e cientficas sobre a scio-biodiversidade local, fizeram com
que a regio fosse considerada de extrema importncia e prioridade
para a conservao do cerrado, no mapeamento de reas prioritrias para
conservao e uso sustentvel da biodiversidade brasileira, onde a ao
prioritria sugerida foi a criao de Unidades de Conservao de Uso
Sustentvel (MMA, 2007).
Permeando este rico mosaico de ecossistemas est distribuda uma
populao predominantemente rural de cerca de oito mil moradores,
espalhada em todo o territrio em 132 localidades. A infra-estrutura
bsica na maioria destas localidades precria. Menos de 6% delas tem
acesso servio de energia eltrica, nenhuma assistida por rede de
abastecimento ou tratamento de gua, saneamento ou coleta de resduos
slidos. O acesso s localidades difcil, atravs de trilhas nas areias
que permeiam a vegetao e que podem ficar intrafegveis em parte do
ano (SARAIVA et al., 2006).
A populao nestes povoados conjuga atividades de lavoura de
subsistncia, criao de animais, pesca artesanal, extrativismo de
produtos vegetais e artesanato. Na atividade agrcola, destacam-se
as roas de mandioca para produo de farinha, principal base da
economia local. Na atividade artesanal destacam-se os produtos
confeccionados a partir da fibra da palmeira buriti (Mauritia
flexuosa - famlia Arecaceae). Estas duas atividades so praticadas
em todos os povoados do municpio de Paulino Neves e em quase todos
da regio. Enquanto a roa de mandioca uma atividade que ocupa
considervel tempo de toda a famlia, inclusive dos jovens, crianas e
mulheres, o artesanato do linho do buriti praticado quase que
exclusivamente pelas mulheres (SARAIVA et al., 2006).
O municpio apresenta uma populao rural historicamente
relacionada com sua rea, caracterizada por manter uma grande
integrao com os ecossistemas naturais circundantes e uma forte
interao com a fauna e flora nativa (FERNANDES-PINTO & SARAIVA,
2006a, 2006b; SARAIVA & FERNANDES-PINTO, 2006).
A renda familiar mdia na zona rural no atinge meio salrio mnimo
e a aposentadoria dos idosos uma das principais fontes de renda
monetria para muitas famlias. Os empregos formais so raros e na sua
grande maioria esto vinculados ao poder pblico local. A base da
alimentao a farinha de mandioca, complementada por feijo, peixe ou
carne e o consumo de verduras baixssimo (SARAIVA et al., 2006).
Paulino Neves figura entre os municpios mais pobres do Brasil, o
que pode ser comprovado pelo baixo ndice de desenvolvimento humano
IDH = 0,58, que est entre os dez mais baixos do pas - e de
desenvolvimento infantil IDI = 0,42 (MARANHO, 2003). A regio do
Semi-rido, onde se localiza este municpio, apresenta tambm os
piores ndices nacionais de pobreza e concentrao de renda1. Estes
aspectos, associados excluso social e falta de investimentos em
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polticas pblicas sociais e ambientais, refletem diretamente na
violao de direitos bsicos, como o acesso sade e educao de
qualidade. (SARAIVA et al., 2006).
A baixa renda familiar e a falta de acesso a servios e
assistncias sociais bsicas, aliados a fatores como baixa
auto-estima e expectativa de futuro e desinformao da populao geral
contribuem para os altos ndices de desnutrio infantil, de doenas de
terceiro mundo - como verminoses e diarrias - e de evaso escolar
(SARAIVA et al., 2006).
Considerada uma das palmeiras mais abundantes do pas, o buriti
ocorre em toda a Amaznia, Brasil Central, Bahia, Cear, Maranho,
Minas Gerais, Piau e So Paulo nas reas baixas de florestas abertas
e fechadas, sobre solos mal drenados, brejosos ou inundados
(LORENZI et al., 2004).
Nos Lenis Maranhenses o buriti pode ser considerado a
espcie-smbolo de toda a regio. Presente abundantemente em todas
reas de solo hidromrfico e margens de rios, brejos, vargens ou
veredas, os buritizais so reconhecidos pela populao local por sua
importncia como fonte de alimento, abrigo e renda e pelo uso
mltiplo de praticamente todas as suas partes2. Destacam-se
principalmente o uso das folhas secas (palha) para cobertura de
casas e outras construes; dos frutos para doces e sucos e dos
brotos das folhas jovens para extrao das fibras usadas no
artesanato (SARAIVA et al., 2006).
Os buritizais tm tambm um papel fundamental no equilbrio dos
ecossistemas locais, por possurem caractersticas singulares de
manter a umidade do solo e auxiliar na manuteno dos corpos hdricos,
principalmente nas pocas secas. Desta forma, tambm evitam o
assoreamento dos rios e servem como local de habitat, abrigo e
fonte de alimento para uma ampla diversidade de fauna associada
(FERNANDES-PINTO & SARAIVA, 2006c). Os buritizais so ainda
essenciais para suprir a maior necessidade social existente em
qualquer povoao humana - a gua. No saber local, onde h buritis, h
gua. Utilizando-se deste mesmo princpio, onde se extinguem os
buritizeiros h visvel diminuio na oferta hdrica.
Nos ltimos anos uma srie de transformaes na realidade regional
tm levado a uma sobre-explorao dos buritizais, que sofrem muitas
presses e impactos negativos, gerando a necessidade de uma adequao
das prticas de manejo e de controle da atividade.
2. Objetivos e Metodologia
Diante deste contexto, o presente trabalho objetiva analisar a
realidade local quanto a aspectos da cadeia produtiva do
extrativismo e artesanato da fibra do buriti e o estado de
conservao dos buritizais na regio, avaliando como os preceitos da
economia solidria poderiam estar promovendo uma mudana do quadro da
realidade scio-ambiental regional.
Para tanto foram realizadas pesquisas em fontes secundrias,
entrevistas e reunies em comunidades, com artess e coletores de
buriti, lideranas comunitrias e poder pblico local, alm de excurses
na zona rural do municpio e nas reas de ocorrncia de
buritizais.
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O trabalho de campo permitiu que se identificassem, alm das
potencialidades, os entraves, as necessidades e desafios existentes
no sistema atual. Com a pesquisa terica, foi possvel estabelecer
alguns dos referenciais para a busca de melhoria do quadro geral e
de um desenvolvimento regional compatvel com a realidade.
3. Anlise dos Resultados
O contexto atual da atividade artesanal a partir da fibra do
buriti
O diagnstico realizado pela PIVOT em junho de 2006, identificou
que o artesanato de buriti praticado em 100% dos povoados do
municpio de Paulino Neves, constituindo-se na terceira maior fonte
de renda da populao local - atrs apenas da produo da farinha de
mandioca e auxlios governamentais como aposentadoria, bolsa famlia,
bolsa escola (SARAIVA et al., 2006).
O artesanato do linho do buriti, da maneira como praticado na
regio gera um produto extremamente fino e delicado, de traos
marcantes e identificadores da cultura que se desenvolveu em torno
desta palmeira nos Lenis Maranhenses, sendo nico no Brasil.
A fibra do buriti chamada de linho na regio dos Lenis
Maranhenses e para sua obteno so coletados os brotos das folhas
jovens - chamados de olho. A coleta dos olhos pode ser realizada
por membros de toda a famlia. Mulheres e crianas geralmente coletam
das palmeiras jovens, enquanto a coleta nas palmeiras altas feita
exclusivamente por homens.
A coleta de olhos, se mal manejada, pode exercer uma grande
presso sobre os recursos e levar as palmeiras morte.
FERNANDES-PINTO (2006) identificou na regio de Barreirinhas cidade
vizinha a Paulino Neves - uma situao crtica de sobre-explorao dos
buritizais e quinze atividades que geravam impactos negativos
diretos nestas reas.
A partir da coleta do olho, a atividade envolve uma srie de
etapas, que so realizadas quase exclusivamente pelas mulheres. Para
a maior parte das mulheres do municpio, o artesanato do linho do
buriti representa uma das nicas fontes de renda.
Apesar da imensa gama de produtos que podem ser feitos e
confeccionados a partir do linho do buriti (bolsa, sacola,
carteira, rede, jogo americano, etc.), nos povoados do Municpio de
Paulino Neves a produo limita-se aos chamados tapetes e mamucabos.
Os tapetes consistem de esteiras de linho de mais de dois metros
quadrados que so a base para a produo das peas finais como bolsas,
sacolas, carteiras e outros produtos que possuem valor agregado
muito mais elevado. O mamucabo uma fita fina e comprida feita de
linho tranado tambm chamado de cintos usado no acabamento dos
produtos finais.
A comercializao da produo se d principalmente atravs de
intermedirios ou atravessadores que buscam a produo diretamente nos
povoados ou nos pequenos comrcios das sedes municipais de
Barreirinhas e Paulino Neves. De acordo com o diagnstico realizado
pela PIVOT em 2006, um tapete de 2,4m2 era comprado das artess por
R$3,50 e o mamucabo, a R$0,80 o
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metro. Por outro lado, alguns produtos finais como bolsas e
sacolas chegam a valer mais de R$50,00 nos mercados externos
(SARAIVA et al., 2006).
Nos povoados so poucas as mulheres que detm a habilidade de
trabalhar a matria-prima at o seu produto final e, quando o sabem,
no tm como praticar e difundir as tcnicas por falta de equipamentos
bsicos - como mquinas de costura e tesouras - ou por falta de
tempo, j que precisam cuidar dos filhos e de todos os servios
domsticos, alm de tambm ajudarem os maridos na lavoura. Tambm no h
nenhum tipo de organizao formal da produo artesanal.
Em grande parte das localidades esta atividade ainda vista
socialmente como uma espcie de passatempo das mulheres, praticado
no tempo livre entre os inmeros afazeres domsticos cotidianos, e no
como uma possibilidade real de gerao de renda.
Percebe-se que apesar dos fortes laos culturais e comunitrios
que identificam as comunidades da regio, a organizao social ainda
incipiente, fragmentada e restrita a pequenos ncleos um pouco mais
politizados. Esta caracterstica se intensifica ainda mais quando
trata-se da organizao social entorno do extrativismo do buriti, o
que dificulta a formao de representatividades, repercute
negativamente no poder de negociao coletivo e refora a dependncia
aos atravessadores e auxlios de governo.
Alm deste, inmeros outros fatores, como baixa auto-estima, pouca
profissionalizao na atividade, deficincias na qualidade do produto
e dificuldades de escoamento da produo reforam os ciclos de
dependncia, contribuindo para que o artesanato seja extremamente
desvalorizado dentro das comunidades e pelas prprias artess.
Nos anos de 2005 e 2006 a partir de iniciativas do Servio
Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE),
Secretaria do Estado de Turismo e da Prefeitura Municipal de
Paulino Neves, as artess da sede do municpio receberam treinamento
de aperfeioamento do artesanato e de associativismo, o que culminou
na criao de uma cooperativa de artess. Esta cooperativa formada
exclusivamente por mulheres moradoras da sede do municpio, que
trabalham principalmente com a produo final, como bolsas, sacolas,
entre outros. A articulao destas com as artess do interior
praticamente inexistente e no h iniciativas concretas de aumentar o
dilogo, a cooperao e mudar as relaes presentes entre estas duas
instncias produtivas. Da mesma maneira no h nenhuma preocupao em
buscar adquirir matrias-primas de origem scio-ambientalmente
sustentveis.
A demanda por produtos artesanais na regio dos Lenis Maranhenses
tm aumentado significativamente, estando relacionada principalmente
com dois aspectos: o aumento da demanda por artesanato na regio
pelos turistas que a visitam e o aumento do interesse por este tipo
de produto nos grandes centros urbanos do pas.
A atividade turstica concentra-se principalmente no Parque
Nacional dos Lenis Maranhenses e o seu entorno (no municpio vizinho
de Barreirinhas) e, em menor escala, no municpio de Paulino Neves -
cuja regio conhecida como Pequenos Lenis, onde a visitao
concentra-se na sede municipal.
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Estes novos e emergentes mercados trazem como efeito o aumento
da demanda pelos produtos artesanais e conseqentemente, maior
presso sobre os recursos naturais que so fonte de matria-prima. Os
impactos disso j podem ser percebidos em inmeros locais de visvel
depauperao na qualidade dos buritizais, na diminuio da capacidade
reprodutiva e na morte de muitas palmeiras.
A sobre-explorao dos buritizais causada tambm pela venda de
olhos de buriti in natura e de linho no beneficiado para outros
municpios da regio, para So Lus e at mesmo para outros estados,
sendo esta uma alternativa imediatista da populao local que
demonstra a baixa valorizao da atividade na regio3.
Os efeitos da degradao dos buritizais foram amplamente
verificado nos estudos prvios realizados pela ONG PIVOT, onde se
identificou em todo o municpio inmeros leitos de riachos secos e em
que corre gua apenas durante o auge da estao chuvosa. Segundo o
relato dos moradores mais antigos isto no acontecia at poucos anos
atrs, quando a quantidade e a qualidade dos buritizeiros nas matas
ciliares eram maiores (SARAIVA et al, 2006; FERNANDES-PINTO &
SARAIVA, 2006d e 2006e).
Economia Solidria uma alternativa para o desenvolvimento
local?
As origens do que se chama de economia solidria reportam ao
sculo XIX. De acordo com SINGER (2000) este movimento foi
idealizado por tericos considerados socialistas utpicos - como
Robert Owen e Charles Fourier - que conceberam modelos de
comunidades cooperativas denominadas de Falanstrios. Ainda no sculo
XIX a situao do mundo do trabalho provocou o surgimento de um
movimento operrio associativo e das primeiras cooperativas
autogestionrias de produo (FILHO, 2002; GAIGER, 2003; MATOS, 2006;
SINGER, 2004).
Desde ento as iniciativas de economia social sempre estiveram
presentes. Durante as dcadas de 1980 e 1990, aparecem vrias
denominaes e diferentes abordagens como Economia Solidria, Economia
Popular Solidria, Socioeconomia Solidria, Economia da
Solidariedade, Economia Social, Economia da Proximidade, Economia
de Comunho, Humanoeconomia, Colaborao Solidria, entre outros
termos. Apesar da diversidade de termos, tem-se em comum a introduo
de valores ticos e solidrios em torno do termo Economia (FREITAS,
2004 e FILHO, 2002).
Alguns autores consideram que o ressurgimento desta temtica nos
mais diversos pases se deu sob impulso da crise do capitalismo e do
trabalho, a partir da dcada de 1970, que contribuiu para a busca de
alternativas econmicas no mercado de trabalho informal de forma
coletiva (FILHO, 2002 e SINGER, 2000). A sua existncia explicada
principalmente pelos fracassos do mercado quanto a reduo das
assimetrias informacionais, como tambm pela falncia do Estado na
sua capacidade de satisfazer as demandas das classes mais
desfavorecidas (LAVILLE, 2000 apud FILHO, 2002)
A crise do capitalismo entra no seu perodo de pice em meados da
dcada de 1970, com a decadncia do Estado de Bem-Estar Social4 e
surgimento do modelo neoliberal (SINGER, 1998; PEREIRA, 2006). Os
resultados sociais esperados com o neoliberalismo so perversos e
deliberadamente aceitos pelos seus defensores com os argumentos
(econmicos) que os gastos governamentais com polticas sociais so
nefastos para a economia; que a regulao do mercado
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negativa, pois cerceia o direito da livre concorrncia; e que a
proteo social pblica perniciosa para o desenvolvimento econmico.
Desta maneira, a criao de sociedades marcadamente desiguais e duais
so vistas por seus defensores como um fator positivo, pois
propiciam a emancipao do cidado da tutela estatal e incentivam a
participao popular social e poltica (PEREIRA, 2006).
No capitalismo moderno, as polticas de desenvolvimento so
fundamentadas no crescimento da economia atravs da superproduo e
pouco se leva em conta aspectos sociais e ambientais. As bases
morais e ticas do consumo so esquecidas e somos (sociedade)
direcionados por foras externas que ns no controlamos, apenas
conformamos (NEF, 1989).
As doutrinas capitalista e tecnicista fundamentam nos seus
prprios paradigmas, a soluo para os problemas por elas criados e
recriados. A alta produtividade, o desenvolvimento tecnolgico
acelerado e o consumo exacerbado so reconhecidamente insustentveis
para o meio ambiente e tambm desencadeadores de uma srie de
problemas socioambientais. A excluso social, o desemprego, o
esgotamento dos recursos naturais, a extino de espcies e de
culturas humanas e a deteriorao da qualidade de vida so conseqncias
deste modelo hegemnico. Apesar de gritante paradoxo, estes so os
pilares de sustentao da maioria das sociedades modernas e que
identificam a si mesmos como os guias que levaro a humanidade ao
desenvolvimento.
A economia capitalista fundamentada no individualismo
metodolgico nega a solidariedade coletiva como base das relaes
sociais (MATOS, 2006). Segundo CAPRA (2002), este mesmo capitalismo
tambm coloca em risco e destri inmeras comunidades locais pelo
mundo, violando o carter sagrado da vida, transformando diversidade
em monocultura, ecologia em engenharia e a prpria vida em
mercadoria.
A Economia Solidria emerge neste contexto como a anttese da
economia capitalista, propondo um outro modo de organizao e produo
que tem como cerne a humanizao dos processos produtivos, o resgate
dos valores solidrios, a cooperao, a reciprocidade e a partilha, a
democracia, o respeito, a transparncia e a auto-gesto, na busca da
construo de uma nova realidade (FILHO, 2002; SINGER, 2000 e 2004;
GAIGER, 2003)
Dentre as estratgias desenvolvidas segundo os preceitos da
Economia Solidria surgem as empresas autogestionrias (empresas que
estavam em processo de falncia e passam a ser geridas pelos prprios
trabalhadores), as cooperativas de trabalho, os clubes de troca, os
bancos do povo, as redes de cooperao, as associaes e outros grupos
produtivos.
A construo conjunta da oferta e da demanda, vinculadas s
necessidades reais vividas pelas populaes locais so elementos
intrnsecos da ideologia da Economia Solidria. O aspecto mercantil
no descartado, e sim hibridizado com outras formas da economia,
valorizando as interaes no-mercantis e no-monetrias, onde os
benefcios sociais fruto do seu desenvolvimento so tambm computados
como ativos desta economia (FILHO, 2002).
A auto-gesto ou gesto descentralizada so tambm aspectos do
carter redistributivista da Economia Solidria, criando tambm um
cenrio onde as
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hierarquias tendem a desaparecer e os aspectos democrticos, a
prosperarem, gerando internamente um sentimento de dependncia mtua
(MATOS, 2006)
Os retornos da auto-gesto e descentralizao no so apenas
econmicos, mas tambm ecolgicos, sociais, polticos e territoriais.
Segundo GODOY (2006) diversos autores apresentam estudos em que as
comunidades souberam administrar seus bens comuns de maneira
durvel, compartilhando a gesto com grupos de atores locais e
Organizaes No-Governamentais.
Alm disso, a descentralizao da gesto traz um aspecto positivo
que a diviso mais eqitativa e freqentemente mais sustentvel do uso
dos recursos naturais, onde decises so tomadas localmente por
aqueles que faro o uso dos mesmos, contribuindo para monitorar,
fiscalizar e implementar polticas pblicas conservacionistas (GODOY,
2006).
A busca simultnea pela sustentabilidade social, cultural,
ecolgica, territorial e econmica presente nos conceitos da Economia
Solidria so, desta maneira, inteiramente sinrgicas com os cinco
pilares do desenvolvimento sustentvel propostos por Ignacy Sachs a
sociedade, o meio ambiente, o territrio, a economia e a poltica
(SACHS, 2004) e com os princpios da Declarao do Rio de Janeiro
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco 92) e da Declarao de
Joanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentvel, compactuada pelos
governos mundiais em 2002 na frica do Sul (MMA, 2007).
Entretanto, apesar de todos os benefcios que a Economia Solidria
e outras alternativas ao atual regime econmico podem trazer para a
sociedade em geral, aparentemente a sua capacidade de insurgncia
limitada e subordinada. Muitas das concepes dominantes
historicamente tm atrelado a noo de Economia Solidria a uma
economia dos pobres, de carter subordinado e destituda de poder
transformador (FILHO, 2002).
Um dos grandes pensadores da Economia Solidria no Brasil - Paul
Singer - afirma que, qualquer regime alternativo ao neoliberalismo
s ter xito quando for assumido pelo governo federal, atravs de um
regime poltico, fiscal e monetrio com o Estado como coordenador e
rbitro do processo de democratizao (SINGER, 2000). Outros autores
reforam que, alm de aes do poder pblico, so necessrias intervenes
por meio de cooperaes internacionais e da sociedade civil, em prol
da sua viabilidade econmica deste modelo (CARVALHO, 2007 e TAUILE,
2007).
Apesar das crticas e do baixo incentivo que a Economia Solidria
recebe no Brasil, possvel encontrar bons exemplos de iniciativas
desta natureza, a maioria delas muito recentes e com pouco apoio
efetivo dos governos5 (SINGER, 2000). As cooperativas - que so uma
forma comum de organizao presente nas redes de comrcio solidrio -
so responsveis no Brasil por 6% do produto interno bruto e pelo
emprego de 1,5 milho de pessoas, superando 17 bilhes de reais em
salrios (MATOS, 2006). A Economia Solidria na organizao do trabalho
, portanto, o reconhecimento da possibilidade de que h outros meios
de sustentao das sociedades, no centradas no Estado e nem no
mercado (FILHO, 2002).
Economia Solidria, Extrativismo e Conservao Socioambiental um
caminho possvel
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O Brasil considerado um pas megadiverso pela sua importncia no
cenrio mundial quanto diversidade biolgica. Mas, alm disso, tambm
um dos pases que apresentam a maior diversidade cultural ou
sociodiversidade. Alm das populaes indgenas - que constituem mais
de 200 etnias (FUNAI, 2007), pesquisas recentes j identificaram 30
povos ou comunidades tradicionais no-indgenas, num contingente de
mais de 5 milhes de pessoas (ALMEIDA, 2004). Esta pluralidade
cultural representa tambm uma grande diversidade de formas de
interao com os ambientes naturais, refletida em diferentes formas
de usos dos recursos naturais, de manejo e de ocupao territorial,
alm de um amplo e aprofundado conhecimento tradicional (DIEGUES
& ARRUDA, 2001).
A conciliao entre o desenvolvimento econmico e a conservao dos
recursos naturais uma preocupao crescente em todo o mundo. J se
reconhece nos dias atuais a possibilidade e as vantagens de se
aliar conservao ambiental e o uso sustentvel da biodiversidade e a
importncia dos povos e comunidades tradicionais neste sentido,
particularmente das que tem o extrativismo como base de sua
subsistncia e reproduo scio-cultural. (podemos deixar como frase
nossa ou colocar vrias citaes).
Entretanto, destacada a necessidade de insero dos produtos da
resultantes em mercados locais e globais promovendo benefcios reais
para as comunidades que conhecem, guardam e manejam esta
biodiversidade (MEDAETS et al., 2007)
crescente, na economia brasileira, a diversidade e importncia de
arranjos scio-produtivos que esto se desenvolvendo a partir de
produtos da agrobiodiversidade nativa. Apesar da carncia de
estatsticas oficiais, dados do IBGE sobre produtos de extrao
vegetal e silvicultura apontam um aumento da produo e diversificao
das espcies utilizadas (IBGE, 2005). Segundo MEDAETS et al. (2007),
constata-se no Brasil nos ltimos 10 anos uma introduo massiva de
novos produtos da agrobiodiversidade nativa nos sistemas
agroflorestais, nas indstrias da sade e de cosmticos e no
artesanato.
Ocorre em nvel mundial uma combinao de elementos como a busca
por conhecer novos alimentos; a tendncia diversificao alimentar; a
procura por produtos e alimentos naturais e culturais e a
sensibilizao de diferentes segmentos da sociedade civil que
resultam na elevao do valor de troca atribudo aos produtos da
agrobiodiversidade, em um mercado crescente e que abre espao para
produtos diferenciados (MEDAETS et al., 2007).
As desigualdades do mercado, entretanto, geram necessidade de
intervenes e polticas pblicas adequadas que favoream estes
processos. Grande parte destes produtos tem seu processo produtivo
inicial baseado no extrativismo ou no agroextrativismo, onde a
produo quase integralmente familiar e desorganizada do ponto de
vista da economia de escala. Mas, ao se atingir um determinado nvel
de demanda, os produtos tornam-se atraentes para empreendedores
externos unidade de produo familiar e pode desencadear-se a
estruturao de um conjunto de arranjos diferenciados. Muitas vezes
estes elementos externos que passam a coordenar os custos das
transaes e os canais de distribuio e a competir entre si no
mercado, alm de investir nas etapas finais de transformao dos
produtos primrios em derivados, apropriando-se dos
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valores agregados mais expressivos. Este modelo de presso
econmica muitas vezes pode levar a um desequilbrio causado pela
explorao acima da capacidade suporte das espcies e dos ecossistemas
e tende tambm a afetar os vnculos e a estrutura organizacional das
comunidades locais de onde se originam os produtos (MEDAETS et al.,
2007).
Sendo a Economia Solidria uma proposta de mudana no conjunto de
valores que regem os mercados convencionais e podendo a mesma ser
adaptada a variadas situaes, tanto no meio urbano quanto rural,
considera-se que este sistema pode potencialmente promover uma
melhora significativa na qualidade de vida de populaes rurais, em
especial de comunidades extrativistas.
Entretanto, fazer com que populaes acostumadas com prticas
assistencialistas e paliativas sejam protagonistas de um processo
de desenvolvimento local numa perspectiva transformadora um dos
grandes desafios a serem enfrentados por inmeros empreendimentos de
Economia Solidria.
necessrio propiciar uma ampla e profunda re-significao das
relaes sociais e na educao, com a construo e implementao de novas
ferramentas de interveno e gesto de carter participativo, com ao
ativa dos sujeitos envolvidos, no apenas nas fases de diagnstico,
mas em todas as etapas de planejamento, execuo e repartio dos
benefcios gerados.
JESUS (2005) ressalta que o diferencial do planejamento
participativo no est nas tcnicas empregadas, mas na efetiva
participao popular e que se pode trabalhar com uma infinidade de
tcnicas que sero todas em vo se no alcanarem o objetivo de fazer
aflorar o sujeito.
A complexidade da organizao da atividade extrativista, tambm
aumenta a necessidade da organizao social e da participao poltica
das comunidades para a sustentabilidade econmica e socioambiental
da atividade extrativista e a necessidade de aprofundamento nas aes
relativas ao manejo de ecossistemas (CARVALHO, 2007).
MATOS (2006) coloca que as dificuldades associativistas na
sociedade brasileira - e em especial dos segmentos sociais mais
excludos do atual modelo econmico tambm representam uma fragilidade
que precisa ser superada para viabilizar projetos de Economia
Solidria. Este autor alerta ainda para o perigo de colocar o foco
das motivaes associativas numa lgica utilitarista dos recursos
naturais, o que levaria a um paradoxo que compromete a prpria ao
coletiva.
No Brasil existem alguns bons exemplos de situaes em que se
busca conciliar uma integrao entre Economia Solidria, extrativismo,
conservao ambiental e sociodiversidade; onde o extrativismo de
produtos da natureza promovem meios de vida sustentvel para
populaes locais, com gerao de renda e qualidade de vida em
consonncia com a conservao dos recursos naturais.
So projetos que valorizam a diversidade de espcies alimentcias
nativas - como a fbrica de polpa de frutas Frutas no cerrado do
Maranho e Tocantins (que estabelece uma cooperao entre indgenas
Timbira e pequenos agricultores locais e cujos lucros se destinam a
dar suporte a aes e objetivos sociais das comunidades), a
Cooperativa Grande Serto (CGS), no norte de Minas Gerais (que
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V Encontro Internacional de Economia Solidria
O Discurso e a Prtica da Economia Solidria
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envolve 1556 famlias de 148 comunidades pertencentes a 21
municpios na compra, beneficiamento e comercializao de espcies de
frutos do Cerrado) e a atividade artesanal do capim-dourado na
regio do Jalapo, estado do Tocantins.
Segundo CARVALHO (2007), uma vez que o extrativismo passa a ser
fonte de um valor financeiro, a populao local passa a valorizar
mais estas espcies e a atuar como guardies das suas reas de coleta.
Neste sentido, diversos autores reforam a necessidade de projetos
de extrativismo desenvolverem aes relativas ao manejo e/ou
recuperao de ecossistemas, desenvolvidos com ampla participao
comunitria e com base nos conhecimentos locais para prevenir
conflitos sociais e potencializar a adeso dos comunitrios (BENNETT,
2002; FERNANDES-PINTO & SARAIVA, 2006; CARVALHO, 2007; GUILLN,
2002).
A questo de crdito tambm ressaltada como essencial para o
sucesso dos empreendimentos. TAUILE (2002) afirma que a questo do
crdito para os empreendimentos de Economia Solidria mais ampla do
que parece a primeira vista. O autor coloca como um fator decisivo
para o sucesso das iniciativas de auto-gesto a criao de mecanismos
alternativos, que saiam da lgica fria do mercado financeiro.
Neste sentido, CARVALHO & SILVEIRA-JNIOR (2005) ao
analisarem o empreendimento solidrio FRUTAS destacam que
financiamentos a fundo perdido so necessrios, especialmente nos
momentos iniciais de projetos que gerem benefcios socioambientais e
que esta necessidade pode ser diminuda a um nvel baixo medida que o
empreendimento atinja seu ponto de equilbrio, mas dificilmente
podero ser completamente extintos. Estes autores defendem, ainda,
que a lucratividade esperada dos empreendimentos regidos pela lgica
da Economia Solidria no deve ser a mesma de um empreendimento
privado, pois devem-se levar em conta os benefcios sociais,
culturais e ambientais que constituem os principais retornos dos
investimentos.
Analisando-se alguns empreendimentos de Economia Solidria
baseados em produtos extrativistas nativos (GUILLN, 2002; CARVALHO,
2007; CARVALHO & SILVEIRA-JNIOR, 2005; MEDAETS et al., 2007;
SCHMIDT, 2007), avalia-se que muitos deles trazem caractersticas
intrnsecas que se tornam entraves para sua viabilidade, seja
econmica, social, territorial ou ambiental.
Os empreendimentos analisados, especialmente aqueles que
trabalham com processamento de alimentos, em geral necessitam de
infra-estrutura bsica local adequada (como servio de energia
eltrica, abastecimento de gua e rede de transporte), investimentos
iniciais relativamente altos (para capacitaes tcnicas especficas,
construo de galpes, aquisio de equipamentos para processamento,
cmaras frias, entre outros). Nestes empreendimentos os custos
operacionais tendem a ser elevados (havendo gastos com energia,
transporte especializado e outros) e o valor agregado final dos
produtos, baixo. Em alguns casos, tambm exigncias fito-sanitrias
como as dos servios de inspeo federal e estaduais - SIF ou SIE,
podem ser fatores complicadores ou impeditivos para este tipo de
empreendimento.
Alm disto, empreendimentos extrativistas que trabalham com
coleta de frutos nativos geralmente esto altamente sujeitos
sazonalidade da safra e,
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V Encontro Internacional de Economia Solidria
O Discurso e a Prtica da Economia Solidria
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conseqentemente, da prpria produo. No obstante, comum
comunidades extrativistas estarem situadas em reas de conflitos por
uso e posse de terras, o que freqentemente impede ou dificulta
estas comunidades de acessarem os recursos extrativistas (MAY,
1990; GUILLN, 2002; SCHMIDT, 2007).
O artesanato do linho do buriti produzido na regio dos Lenis
Maranhenses e mais especificamente no Municpio de Paulino Neves
analisado luz de outros empreendimentos de Economia Solidria
baseados em produtos extrativistas apresenta uma srie de
diferenciais, no enfrentando diversos dos principais entraves
destacados nos empreendimentos dos estudos de caso.
Dentre os principais diferenciais, podemos destacar que a
confeco do artesanato local no depende de infra-estrutura bsica e
no necessita obrigatoriamente de uma unidade centralizadora, uma
vez que todas as etapas so manuais e podem ser feitas nas prprias
residncias. Os investimentos iniciais so baixos, restritos apenas a
equipamentos construdos a partir de matrias-primas naturais
encontradas na regio, aquisio de maquinas de costura e outros
pequenos insumos de baixo custo, alm do aprendizado pessoal, que
repassado pela comunidade. Os custos operacionais tambm so mnimos.
Mesmo considerando-se a expanso da cooperativa e a manuteno da
mesma, os investimentos iniciais so baixos e os subsdios necessrios
neste caso so poucos.
O artesanato do linho do buriti um produto de valor agregado
potencialmente bastante alto, que no necessita de cuidados
especiais para armazenamento e transporte, alm de ser muito leve.
Sendo um produto de origem vegetal no-alimentcio e no-perecvel est
tambm isento de regulao pelos selos e barreiras fito-sanitrias.
Tambm no necessita de autorizao para transporte de produtos
florestais.
Finalmente, a produo de olhos de buriti constante todo o ano e
no depende de safras, eliminando o problema da sazonalidade to
presente em outras produes extrativistas.
Em Paulino Neves existem relativamente poucos conflitos
fundirios, uma vez que todas as terras do municpio so demarcadas e
registradas, em sua grande maioria pertencentes s associaes de
comunidades ou de pequenos produtores rurais. As situaes fundirias
regularizadas, aliadas baixa densidade demografica, ao isolamento
geogrfico e aridez do solo, tm garantido a conservao das reas
naturais e evitado a introduo de monoculturas que avanam de modo
desenfreado em outras regies do estado do Maranho, contribuindo
assim para a garantia da oferta de disponibilidade de matria-prima
e segurana no empreendimento. A Reserva Extrativista federal que se
encontra em processo de criao na regio tem tambm como um de seus
objetivos principais a preservao dos buritizais e do modo de vida
tradicional que se criou em funo deste recurso.
O extrativismo do olho da palmeira buriti, se manejado
adequadamente, no compromete o recrutamento da espcie, uma vez que
a produo dos frutos no afetada pela atividade. Entretanto, cabe
destacar que o incremento da atividade artesanal deve
necessariamente vir atrelado ao desenvolvimento de mecanismos de
controle e regulao da atividade extrativista, com a implantao de
medidas para garantir a formao de novas folhas, impedindo a
sobre-explorao dos buritizais. O
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V Encontro Internacional de Economia Solidria
O Discurso e a Prtica da Economia Solidria
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aspecto do manejo associado insero de valores ambientais na rede
do artesanato local e a promoo da organizao social comunitria podem
ser considerados os principais desafios para implementao de um
projeto de Economia Solidria em Paulino Neves e em toda regio dos
Lenis Maranhenses.
O artesanato do linho do buriti j conhecido e comercializado em
diversas regies do Brasil, havendo um mercado em expanso e ainda
bastante vido pelos produtos regionais. O mercado exterior,
principalmente o Europeu, tambm uma possibilidade bastante
promissora e plausvel. Atualmente os Correios oferecem condies para
empresas e pessoas fsicas (artesos, agricultores, etc.) exportarem
seus produtos com facilidade e poucas burocracias. Entretanto,
identificar e estabelecer parcerias com mercados diferenciados e
inseridos em redes de comercializao solidria, alm de conseguir
oferecer qualidade, segurana e estabilidade na produo so tambm
alguns dos grandes desafios do artesanato dos Lenis
Maranhenses.
4. Concluses
Considera-se que h uma enorme contradio na situao atual do
Municpio de Paulino Neves e na regio dos Lenis Maranhenses como um
todo - uma regio formada por riquezas e potenciais naturais
extraordinrios, com uma populao culturalmente rica, diversificada e
com acesso terra, porm detentora dos piores resultados nos ndices
sociais e de desenvolvimento humano do pas.
O artesanato da fibra do buriti uma atividade singular e com
alto potencial para contribuir com o bom desenvolvimento regional,
por conjugar aspectos sociais, econmicos, culturais, ambientais,
polticos, de relaes de gnero, entre outros. Entretanto, o quadro
atual revela uma situao de desvalorizao da atividade e de explorao
das artess por um comrcio injusto e marcado por desigualdades, alm
de estar gerando impactos e ameaas ambientais em inmeros
locais.
Para reverter o quadro atualmente vigente nos povoados de
Paulino Neves necessrio empreender uma srie de aes sociais e
ambientais articuladas conjuntamente, que visem melhorar as condies
de vida da populao atravs de mecanismos de incentivo ao
desenvolvimento do potencial local, com base em critrios
socialmente justos e ambientalmente sustentveis. Neste sentido o
municpio apresenta elementos humanos, ecolgicos, culturais,
institucionais e polticos com alto potencial para implementao de
propostas alternativas de desenvolvimento e gerao de renda baseados
nos princpios da Economia Solidria. O artesanato do extrativismo da
fibra do buriti emerge a atividade que apresenta maior potencial
neste sentido, uma vez que conjuga o conjunto de elementos
necessrios j destacados.
Neste sentido, desde 2006 a ONG Pivot tem trabalhado em duas
comunidades rurais do municpio, na construo e implementao
participativa do Projeto Olho Vivo, promovendo aes para estimular a
organizao do grupo de artess locais e a qualificao da produo
artesanal, alm de construir uma proposta de manejo sustentvel dos
buritizais. Percebe-se no momento atual do projeto que necessrio
aumentar a articulao entre todas as artess do municpio - da sede e
do interior - promovendo espaos de dilogos e fortalecendo os laos
que j existem naturalmente, mas que no so aproveitados neste
sentido.
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V Encontro Internacional de Economia Solidria
O Discurso e a Prtica da Economia Solidria
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No contexto local a mobilizao e organizao social mostram-se como
peas-chave a serem estimuladas para promover o desenvolvimento
local. Estes dois elementos devem se complementar para a abertura
de canais de dilogo estabelecidos de forma horizontal, com
comprometimento e respeito mtuo entre as artess do interior - que
so as reais detentoras dos recursos naturais, das fontes de matrias
primas e dos produtos-base (tapetes e mamucabos) - e as artess da
sede - que detm o conhecimento tcnico da manufatura dos produtos
finais, maior domnio das fases finais da produo e que tm maior
facilidade de acessar o mercado consumidor.
Aplicando-se os preceitos da Economia Solidria e do
Desenvolvimento Sustentvel dentro desta proposta, percebe-se que
fundamental que se mantenha a separao entre estes dois elos da
rede, mantendo-se espao para o respeito e a valorizao da
diversidade cultural.
Na busca por melhores condies de mercado, no se pode esperar,
por exemplo, que as artess do interior saiam do seu meio para
comercializar e negociar produtos, se distanciando assim de suas
razes e cultura. A caracterstica descentralizada da produo proposta
oferece condies para a permanncia das artess em suas casas - seja
na sede ou interior - permitindo que elas continuem a desempenhar
seus afazeres dirios e contribuindo para a manuteno dos laos
familiares, cotidianos e comunitrios.
Um pequeno aumento monetrio na renda destas famlias pode
representar percentualmente uma mudana significativa no oramento
domstico, uma vez que a mdia da regio de menos de um salrio mnimo
por ms. Alm disso o fato desta renda se concentrar especificamente
nas mos das mulheres pode aumentar a possibilidade de que ela seja
bem aproveitada e investida na qualidade de vida da famlia.
Um dos grandes desafios do projeto est em estabelecer critrios
para que a diviso dos lucros e da contagem dos dividendos seja
feita de modo justo e solidrio. O entendimento do que so critrios
justos e solidrios perpassam por todos os aspectos discutidos neste
texto, abordando os campos simblicos da valorizao dos bens
no-mercantis e no-monetrios, especialmente os valores culturais e
dos recursos naturais, que devem necessariamente ser computados
como ativos desta rede de Economia Solidria e que podem se tornar o
grande diferencial deste empreendimento.
Emergem ainda como aes prioritrias desta proposta a execuo de
estudos que, promovendo um dilogo entre os saberes
tradicionais/locais e os cientficos, estabeleam os limites do
potencial e da sustentabilidade do extrativismo do buriti.
Articular tambm uma maior interveno do poder pblico local, no
sentido de reconhecimento deste segmento social de grande
importncia regional e no estabelecimento de marcos legais que
protejam e preservem a cultura do artesanato e os buritizais no
municpio, principalmente evitando a evaso de olhos in-natura.
Como os demais municpios que compem o territrio dos Lenis
Maranhenses apresentam condies similares a Paulino Neves em relao
situao ecolgica, econmica e scio-cultural existe uma importante
oportunidade
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V Encontro Internacional de Economia Solidria
O Discurso e a Prtica da Economia Solidria
15
para que os resultados deste trabalho ampliem-se para o
desenvolvimento de toda a regio, cujo potencial encontra-se ainda
latente.
A revalorizao do Municpio de Paulino Neves e da regio dos Lenis
Maranhenses, de suas riquezas naturais, histricas e culturais,
associadas ao fortalecimento das comunidades rurais representa uma
oportunidade mpar para se inovar e consolidar uma contra-corrente
dentro das tendncias dominantes do mercado massificado e das
sociedades urbano-industriais. H no Brasil experincias bem
sucedidas de Economia Solidria que permitem crer na real
possibilidade de uma mudana e uma nova economia baseada no
interesse, no respeito e no estmulo diversidade social e
ambiental.
A complexidade de se aliar os preceitos da Economia Solidria com
as particularidades e a no-linearidade da produo agroextrativista
dos Lenis Maranhenses pode levar estruturao de redes sociais que
agreguem valores das dimenses culturais, sociais, ambientais e
histricas, dando margem a uma reflexo e resignificao da prpria
epistemologia do Desenvolvimento Sustentvel na regio.
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1 De acordo com informaes do Selo Unicef (2004), as condies de
vida no semi-rido brasileiro configuram um cenrio em que em 95% dos
municpios a taxa de mortalidade infantil superior mdia nacional;
cerca de 75% das crianas e dos adolescentes vivem em famlias com
renda menor que meio salrio mnimo; uma em cada seis crianas
trabalha e mais de 390 mil adolescentes so analfabetos. 2
FERNANDES-PINTO (2006) levantou 16 categorias de uso da palmeira
buriti no municpio de Barreirinhas, vizinho Paulino Neves. 3 Nesta
situao, um olho de buriti que geraria matria-prima suficiente para
a produo de vrios produtos - vendido por cerca de R$ 0,50. 4 Estado
de Bem-estar Social ou Welfare Sate um tipo de organizao poltica e
econmica que coloca o Estado (pas) como agente da promoo (protetor
e defensor) social e organizador da economia. Nesta orientao, o
Estado o agente regulamentador de toda vida e sade social, poltica
e econmica do pas em parceria com sindicatos e empresas privadas,
em nveis diferentes, de acordo com a nao em questo. Cabe ao Estado
do bem-estar social garantir servios pblicos e proteo populao. Os
defensores do neoliberalismo so grandes crticos desta forma de
poltica de Estado e alegam que o protecionismo estatal foi o grande
responsvel pela crise econmica iniciada nos fins dos anos 70 e
pregam valores semelhantes ao antigo liberalismo burgus do sculo
XIX, de desregulamentao e liberdade. 5 Em 2004 foi criado a
Secretaria Nacional de Economia Solidria vinculada ao Ministrio do
Trabalho e Emprego e trata-se de uma iniciativa governamental para
tentar reverter este quadro.