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EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARTIDO POPULAR SOCIALISTA – PPS (NACIONAL), com registro definitivo no Tribunal Superior Eleitoral (Doc. nº 02) e representação parlamentar no Congresso Nacional (Doc. nº 03), com sede na SCS Quadra 7, Bloco A, Ed. Executive Tower, Salas 826/828 – Pátio Brasil Shopping, Asa Sul, Brasília/DF, CEP nº 70.307-901, inscrito no CNPJ sob o nº 29.417.359/0001-40, representado por seu presidente nacional, Deputado Federal Roberto João Pereira Freire (PPS/SP), vem, por meio de seus advogados (procuração anexa — Doc. nº 01), com fundamento no artigo 102, I, “a” e “p”, 103, VIII, da Constituição da República e artigo 2º, VIII, da Lei nº 9.868, de 10.11.1999, ajuizar a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (com pedido de medida cautelar) em face de dispositivos da Lei nº 13.254, de 13.01.2016, que dispõe sobre o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) de recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados incorretamente, remetidos, mantidos no exterior ou repatriados por residentes ou domiciliados no País.
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE …...II. DO OBJETO DA ADI — A LEI Nº 13.254, DE 13.01.2016 06. O objeto desta ação direta é a Lei nº 13.254, de 13.01.2016 (Doc.

Aug 05, 2020

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Page 1: EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE …...II. DO OBJETO DA ADI — A LEI Nº 13.254, DE 13.01.2016 06. O objeto desta ação direta é a Lei nº 13.254, de 13.01.2016 (Doc.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE

DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

PARTIDO POPULAR SOCIALISTA – PPS (NACIONAL), com registro definitivo no Tribunal Superior

Eleitoral (Doc. nº 02) e representação parlamentar no Congresso Nacional (Doc. nº 03), com sede na

SCS Quadra 7, Bloco A, Ed. Executive Tower, Salas 826/828 – Pátio Brasil Shopping, Asa Sul,

Brasília/DF, CEP nº 70.307-901, inscrito no CNPJ sob o nº 29.417.359/0001-40, representado por seu

presidente nacional, Deputado Federal Roberto João Pereira Freire (PPS/SP), vem, por meio de seus

advogados (procuração anexa — Doc. nº 01), com fundamento no artigo 102, I, “a” e “p”, 103, VIII, da

Constituição da República e artigo 2º, VIII, da Lei nº 9.868, de 10.11.1999, ajuizar a presente

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

(com pedido de medida cautelar)

em face de dispositivos da Lei nº 13.254, de 13.01.2016, que dispõe sobre o Regime Especial de

Regularização Cambial e Tributária (RERCT) de recursos, bens ou direitos de origem lícita, não

declarados ou declarados incorretamente, remetidos, mantidos no exterior ou repatriados por

residentes ou domiciliados no País.

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I. DA LEGITIMIDADE ATIVA

01. Antes de adentrar ao mérito dos dispositivos impugnados, é preciso deixar clara a

legitimidade ativa do Partido Popular Socialista (PPS) para ajuizar a presente ação.

02. O artigo 103, XIII, da Constituição, determina que os partidos políticos com representação no

Congresso Nacional são legítimos para propor ação direita de inconstitucionalidade perante este

Supremo Tribunal Federal (STF).

03. De acordo com a jurisprudência do Tribunal, foi conferido aos diretórios nacionais dos

partidos aquilo que se chamou de legitimidade universal para ações de controle abstrato. Em outras

palavras, os partidos políticos não precisam demonstrar pertinência temática em relação ao objeto

da ação e a missão do partido.

04. Essa regra funda-se no pressuposto de que os partidos políticos são corpos intermediários

entre a população e a sociedade política, sendo indispensáveis ao processo político brasileiro1. Disso

decorre com naturalidade que todos os partidos são legítimos para contestar atos que atentam

contra a Constituição, pois ela própria consagra os partidos como atores essenciais à Democracia

brasileira. Este STF tem entendimento sólido sobre o tema2:

“O fato é que qualquer partido político tendo representação parlamentar, não importa o número, está legalmente qualificado para ajuizar a ação direta. Trata-se de uma inovação interessante e importante, porque dá ao partido político um papel da mais alta relevância, colocando-o lado a lado do Procurador-Geral ou da Mesa da Câmara, da Mesa da Assembléia, do Presidente da República. O partido político, ou pode questionar sobre toda e qualquer matéria ou ficaria adistrito a um capítulo muito reduzido de assuntos que poderia equacionar em uma ação direta.”

05. Destarte, tendo em vista o registro do partido no TSE (Doc. nº 02) e a representação no

Congresso Nacional (Doc. nº 03), inquestionável a legitimidade ativa do PPS para propor a presente

ação direta.

1 ADI nº 1.407-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 24.11.2000.

2 Trecho do voto do Min. Paulo Brossard na ADI nº 138, Rel. Min. Sydney Sanchez, DJ de 14.02.1990.

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II. DO OBJETO DA ADI — A LEI Nº 13.254, DE 13.01.2016

06. O objeto desta ação direta é a Lei nº 13.254, de 13.01.2016 (Doc. nº 04), conhecida como a

Lei da Repatriação de Recursos, que institui o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária

(RERCT). A referida Lei apresenta as seguintes inconstitucionalidades:

07. O artigo 4º, §12, I da Lei3 não permite que as informações da declaração do contribuinte

sejam utilizadas para investigar a lavagem de dinheiro relativa a outros crimes antecedentes que

não os de sonegação anistiados pela própria Lei e, assim, impedem que a Polícia Federal, o

Ministério Público e o Poder Judiciário exerçam a defesa dos bens jurídicos constitucionais — o que

viola os artigos 37, caput; 127; 129, inciso I; e 144 da Constituição.

08. O artigo 6º da Lei4 desrespeita os princípios da capacidade contributiva e da isonomia

tributária, pois ignora qualquer aferição de capacidade econômica por parte dos contribuintes,

definindo uma alíquota para todos os valores e para todas as pessoas — o que viola os artigos 145,

§1º; e 150, inciso II da Constituição.

09. O artigo 1º, §1º e o artigo 2º, inciso I da Lei5 definem a tributação de valores alcançados pela

decadência, ou, na melhor das hipóteses, redefine o marco inicial da decadência em claro

desrespeito à reserva de lei complementar — o que, respectivamente, violam os artigos 5º, inciso

XXXVI; e 146, inciso III, alínea ‘b’ da Constituição.

3 Art. 4º (...). § 12. A declaração de regularização de que trata o caput não poderá ser, por qualquer modo, utilizada:

I - como único indício ou elemento para efeitos de expediente investigatório ou procedimento criminal;

4 Art. 6º Para fins do disposto nesta Lei, o montante dos ativos objeto de regularização será considerado acréscimo

patrimonial adquirido em 31 de dezembro de 2014, ainda que nessa data não exista saldo ou título de propriedade, na forma do inciso II do caput e do § 1º do art. 43 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), sujeitando-se a pessoa, física ou jurídica, ao pagamento do imposto de renda sobre ele, a título de ganho de capital, à alíquota de 15% (quinze por cento), vigente em 31 de dezembro de 2014.

5 Art. 1º (...). § 1

o O RERCT aplica-se aos residentes ou domiciliados no País em 31 de dezembro de 2014 que tenham

sido ou ainda sejam proprietários ou titulares de ativos, bens ou direitos em períodos anteriores a 31 de dezembro de 2014, ainda que, nessa data, não possuam saldo de recursos ou título de propriedade de bens e direitos. (...).

Art. 2º Consideram-se, para os fins desta Lei: I - recursos ou patrimônio não declarados ou declarados com omissão ou incorreção em relação a dados essenciais: os

valores, os bens materiais ou imateriais, os capitais e os direitos, independentemente da natureza, origem ou moeda que sejam ou tenham sido, anteriormente a 31 de dezembro de 2014, de propriedade de pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no País;

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III. DAS INCONSTITUCIONALIDADES DA LEI Nº 13.254, DE 13.01.2016

10. Em síntese, o RERCT criado pela Lei é composto por regras aplicadas a recursos, bens ou

direitos de origem lícita, não declarados ou declarados incorretamente, remetidos, mantidos no

exterior ou repatriados por residentes ou domiciliados no País sobre os quais se deseja regularizar a

situação cambial e tributária.

11. Para incentivar o contribuinte a aderir ao RERCT oferece uma série de benefícios como a

extinção da punibilidade de crimes, remissão de créditos tributários, redução de multa e exclusão de

penalidades administrativas.

12. Em contrapartida, o montante dos ativos a ser regularização será considerado acréscimo

patrimonial adquirido em 31.12.2014, sujeitando-se o contribuinte ao pagamento do imposto de

renda sobre ele à alíquota de 15% (quinze por cento), além de multa no valor de 100% (cem por

cento) sobre o valor do imposto apurado.

13. Para aderir ao Regime, o contribuinte deverá apresentar à Secretaria da Receita Federal do

Brasil declaração de regularização específica contendo a descrição pormenorizada dos recursos, bens

e direitos de qualquer natureza de que seja titular em 31.12.2014 a serem regularizados.

14. A adesão ao RERCT poderá ser feita no prazo de 210 (duzentos e dez) dias, contado a partir da

data de entrada em vigor da Regulamentação expedida pela Receita (14.03.20166), por meio de

declaração e o consequente pagamento do tributo e da multa.

15. Nada obstante o propósito da Lei de arrecadar tributos que deixaram de ser recolhidos por

contribuintes que remeteram ou mantiveram ativos no exteriores, é inegável que a legislação tem

dispositivos incompatíveis com a Constituição.

16. A seguir, serão expostos os pontos em que a Lei nº 13.254, de 13.01.2016, violou o texto

constitucional brasileiro:

6 Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1.627, de 11.03.2016 (Doc. nº 05).

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III.I. DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 4º, §12, I DA LEI — VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 37,

CAPUT; 127; 129, INCISO I; E 144 DA CONSTITUIÇÃO — INCOMPATIBILIDADE COM O COMBATE À

LAVAGEM DE DINHEIRO

17. Depreende-se do texto legal que, para aderir ao RERCT o contribuinte deverá apresentar

declaração contendo a descrição dos recursos a serem regularizados, bem como a descrição das

condutas que se enquadrem nos crimes em relação aos quais a extinção da punibilidade se efetuará.

É o que dispõe o caput do artigo 4º da Lei:

“Art. 4º Para adesão ao RERCT, a pessoa física ou jurídica deverá apresentar à Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) e, em cópia para fins de registro, ao Banco Central do Brasil declaração única de regularização específica contendo a descrição pormenorizada dos recursos, bens e direitos de qualquer natureza de que seja titular em 31 de dezembro de 2014 a serem regularizados, com o respectivo valor em real, ou, no caso de inexistência de saldo ou título de propriedade em 31 de dezembro de 2014, a descrição das condutas praticadas pelo declarante que se enquadrem nos crimes previstos no § 1º do art. 5º desta Lei e dos respectivos bens e recursos que possuiu.”

18. Por sua vez, o §12 do mesmo artigo garante que a declaração não poderá ser utilizada como

único indício ou elemento para efeitos de investigação criminal em relação aos fatos narrados:

“Art.4º (...). § 12. A declaração de regularização de que trata o caput não poderá ser, por qualquer modo, utilizada: I - como único indício ou elemento para efeitos de expediente investigatório ou procedimento criminal;”

19. Isto é, a Lei impede os órgãos competentes de iniciarem investigações sobre crimes com base

no oferecimento da declaração de regularização. Um dos efeitos principais da adesão ao RERCT é a

extinção da punibilidade em relação aos crimes relacionados no §1º do artigo 5º da Lei:

“Art. 5º (...). § 1º O cumprimento das condições previstas no caput antes de decisão criminal, em relação aos bens a serem regularizados, extinguirá a punibilidade dos crimes previstos: I - no art. 1º e nos incisos I, II e V do art. 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990; II - na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965; III - no art. 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); IV - nos seguintes arts. do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), quando exaurida sua potencialidade lesiva com a prática dos crimes previstos nos incisos I a III: a) 297;

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b) 298; c) 299; d) 304; V - (VETADO); VI - no caput e no parágrafo único do art. 22 da Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986; VII - no art. 1º da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, quando o objeto do crime for bem, direito ou valor proveniente, direta ou indiretamente, dos crimes previstos nos incisos I a VI; VIII - (VETADO).”

20. Disso decorre que um dos crimes que podem ter a punibilidade extinta é o de "lavagem" ou

ocultação de bens, direitos e valores previsto na Lei nº 9.613, de 03.03.1998. Todavia, a Lei nº

13.254, de 13.01.2016, restringe a extinção de punibilidade à lavagem de dinheiro referente a valores

oriundos da prática de um dos tipos penais que o próprio RERCT anistia, que são: crimes contra a

ordem tributária; sonegação fiscal; sonegação de contribuição previdenciária; falsificação de

documento público e particular; falsidade ideológica; uso de documento falso; e evasão de divisas.

21. Dito de outro modo, não é prevista a extinção de punibilidade em relação à lavagem de

dinheiro quando o crime antecedente fugir ao rol estabelecido na própria Lei.

22. Ocorre que o §12 do artigo 4º supracitado não faz essa ressalva. As informações decorrentes

das declarações de informações não podem dar início a uma investigação mais apurada da lavagem

de dinheiro, ainda que se trate de lavagem de dinheiro oriundo de outros crimes antecedentes.

23. Uma pessoa pode, então, prestar informações da lavagem de capital referente a crime de

sonegação por meio de uma “operação X”. Outros agentes, no entanto, podem utilizar a mesma

“operação X” para lavagem de dinheiro de outros crimes antecedentes, por exemplo, corrupção,

tráfico de pessoas ou tráfico de drogas. Ora, isso pode representar um grave problema para as

autoridades incumbidas de investigar. Como se sabe, as grandes operações de lavagem de dinheiro

consistem em esquemas complexos envolvendo inclusive atores internacionais. Toda ajuda é bem-

vinda para apurar esses casos.

24. A utilização do conteúdo da declaração nos autos de investigação ou de procedimento de

natureza criminal pode ser a única forma de apurar indícios capazes de apontar tanto a autoria

quanto a materialidade de eventual branqueamento de capitais oriundos de crimes antecedentes

extremamente graves, tais como o tráfico de drogas, a corrupção, e o terrorismo.

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25. Insista-se. Não se pode olvidar o fato de que a lavagem de ativos financeiros é pratica

criminosa sempre cometida por meio de requintados ardis, com vistas a ocultar prática criminosa

antecedente, maquiando-se a origem e o “caminho” dos recursos, razão pela qual impedir que as

autoridades competentes promovam a investigação dos crimes que se pretende ocultar, subtraindo

aquele que pode ser o único indício do cometimento de crimes antecedentes graves, é incompatível

com os valores consagrados na Constituição.

26. Há, portanto, violação aos artigos 127 e 129, I, ambos da Constituição, pois a Lei cria óbice

para que o Ministério Público exerça sua missão institucional. A defesa da ordem jurídica, do

regime democrático e dos interesses sociais, e, consequentemente a promoção da ação penal pelo

órgão do Ministério Público ficam prejudicadas por limitações na investigação trazida pela legislação

ora questionada.

27. Na mesma linha, a Lei viola dispositivos do artigo 144 da Constituição, pois também esvazia

o dever do Estado de garantir a segurança pública (caput), ao mesmo tempo em que fere as

atribuições eminentemente constitucionais da Polícia Federal de apurar infrações penais contra a

ordem política e social (§1º, I) e de prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas

afins (§1º, II).

28. Impedir que as autoridades competentes promovam a investigação de crimes graves é

incompatível com os valores consagrados na Constituição.

29. Ademais, o Brasil se comprometeu internacionalmente a combater o crime de lavagem de

dinheiro. Entretanto, em total dissonância com tratados firmados, a Lei presta um desserviço a esse

compromisso ao garantir que em alguns casos a lavagem fique impune.

30. O Brasil é signatário da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Mérida, 2003), da

Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Palermo, 2000), da

Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas

(Viena, 1988), da Convenção Interamericana contra o Terrorismo (Barbados, 2002) e da Convenção

da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico sobre Corrupção de Funcionários

Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais (Paris, 1997).

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31. Em todos esses diplomas internacionais o Brasil se compromete a criminalizar e combater

efetivamente a lavagem de dinheiro7. Isso significa que o tratamento em relação a este crime no

âmbito interno deve ser diferenciado para prevenir, detectar e reprimir este mecanismo criminoso.

32. No exterior, as organizações internacionais têm uma preocupação constante com a lavagem

de capitais. Especificamente sobre a relação entre a repatriação de recursos e a lavagem de dinheiro,

a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) publicou o Guia “Update on

Voluntary Disclosure Programmes: A pathway to tax compliance”8 — que trata sobre os programas

de repatriação de recursos no mundo.

33. Este Guia consagra a diretriz segundo a qual “os programas de repatriação de recursos

oferecem a oportunidade de maximizar os benefícios de melhorar a transparência e troca de

informações relacionadas a tributos para aumentar as receitas tributárias a curto prazo e incentivar

uma cooperação tributária a longo prazo. Para serem bem sucedidos, os programas devem caminhar

sobre uma linha tênue entre encorajar contribuintes não cooperadores a melhorar permanentemente

seus níveis de cooperação e ainda manter o apoio e a cooperação da maioria dos contribuintes que já

são cooperadores. Os programas também precisam ser consistentes e ter regras relevantes em

áreas não tributárias tal qual o combate à lavagem de dinheiro”9.

34. É interessante notar que diversos países adotam essa diretriz e a própria regulação da

repatriação de recursos excepciona a investigação de crimes de lavagem de dinheiro.

7 Artigo 23 da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção; artigo 6º da Convenção das Nações Unidas contra o

Crime Organizado Transnacional; artigo 3º, parágrafo 1º, letra b, 'i' e 'ii', da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas; artigo 6º da Convenção Interamericana contra o Terrorismo; e artigo 7º da Convenção da OCDE sobre Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais.

8 Disponível em: <www.oecd.org/ctp/exchange-of-tax-information/Voluntary-Disclosure-Programmes-2015.pdf>.

9 Tradução livre de: “Offshore voluntary compliance programmes or initiatives offer the opportunity to maximize the

benefits of improvements in transparency and exchange of information for tax purposes, to increase short-term tax revenues and improve longer-term tax compliance. To succeed, they need to tread a fine line between encouraging noncompliant taxpayers to permanently improve their compliance and retaining the support and compliance of the vast majority of taxpayers who are already compliant. They also need to be consistent with relevant rules in the non-tax area such as anti-money laundering rules”.

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35. No Chile, a Reforma Tributária (Ley nº 20.780, de 29.09.2014)10 que alterou o Código

Tributário chileno assegurou que os contribuintes daquele país que optarem por regularizar sua

situação estariam isentos de futuras penalidades administrativas civis ou criminais referentes aos

tributos não declarados anteriormente. No entanto, o artigo 24.17 das normas transitórias da

referida reforma determina que é possível a persecução criminal em face de lavagem de dinheiro,

pois a aplicação da lei “em nenhum caso eximirá o cumprimento das obrigações impostas pela Lei nº

19.913 e demais normas editadas em matéria de prevenção de lavagem de dinheiro”11.

36. Nos Países Baixos, a lei tributária prevê a repatriação de recursos e também a anistia de

crimes tributários, porém se a renda declarada tiver origem em crime de lavagem de dinheiro, será

possível investigar o contribuinte em relação ao crime, mas não administrativamente.

37. Do mesmo modo ocorre na Espanha. Por meio do Real Decreto-ley nº 12, de 30.03.201212,

foram instituídas medidas para a diminuição do déficit nas contas públicas, incluindo-se a repatriação

de recursos. Em relação aos fatos que geraram a sonegação dos tributos, o diploma legal extingue a

punibilidade dos crimes tributários, contudo, as informações poderiam, ainda assim, ser utilizadas em

casos de lavagem de dinheiro.

38. A Lei brasileira, entretanto, se preocupa tão somente em coletar uma pequena parcela dos

tributos devidos, promovendo, em última medida, a impunidade de crimes graves.

39. A garantia da não investigação promovida pelo artigo 4º, §12, I, da Lei nº 13.254, de

13.01.2016 não passa por qualquer teste de proporcionalidade constitucional.

40. Os direitos fundamentais protegidos pela Constituição geram para o Estado dois deveres. O

primeiro, o dever de abstenção ou a proibição da intervenção desarrazoada. O segundo, o dever de

proteção.

10

Disponível em: <www.leychile.cl/Navegar?idNorma=1067194>.

11 Tradução livre de: “en ningún caso eximirá del cumplimiento de las obligaciones impuestas por la ley N° 19.913 y

demás normas dictadas en materia de prevención de lavado de activos”.

12 Disponível em: <www.boe.es/boe/dias/2012/03/31/pdfs/BOE-A-2012-4441.pdf>.

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41. É sob essa segunda ótica que se justifica todo ordenamento jurídico penal que nada mais é do

que a seleção de bens fundamentais tutelados pela Constituição que justificam a restrição da

liberdade dos agentes em caso de violação.

42. A Constituição pode demonstrar quais bens são dignos de proteção mais efetiva de modo

direito (mandados de criminalização) ou de modo indireto, quando ela própria estabelece

tratamento diferenciado a bens jurídicos específicos.

43. Um desses bens fundamentais é a moralidade pública: a Constituição garante a proteção à

moralidade por meio de ação popular (art. 5º, LXXIII) e ação de improbidade administrativa (art. 37,

§4º); a moralidade é um dos princípios que regem a Administração Pública (art. 37, caput); a

proteção à moralidade é um dos fundamentos aptos a justificar a inelegibilidade de um candidato a

cargo público (art. 14, §9º).

44. Isso significa que a moralidade pública é um valor que permeia todo o ordenamento jurídico.

45. Em regra, o Poder Legislativo segue esse princípio. São exemplos de leis que se fundamentam

na moralidade: a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135, de 04.06.2010); a Lei Anticorrupção

(Lei nº 12.846, de 01.08.2013); a existência do crime de corrupção e dos demais crimes contra a

administração pública previstos no Código Penal; a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429,

de 02.06.1992); e a própria Lei de Combate à Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613, de 03.03.1998) com

suas alterações posteriores; dentre outras.

46. Também o Poder Judiciário não deixa de reconhecer a importância da moralidade sob o ponto

de vista constitucional. Foi com base nesse princípio que este Supremo Tribunal Federal reconheceu

a vedação ao nepotismo (Enunciado nº 13 da Súmula Vinculante). Em outras oportunidades, o

Tribunal já afirmou o caráter autoaplicável da moralidade, seja para desconstituir atos (MS nº

30.014-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, de 18.02.2014), seja para fins de controle de constitucionalidade

(ADI nº 3.853, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ de 26.10.2007).

47. Como bem dito pelo e. Ministro Celso de Mello, toda a atividade estatal — incluindo-se,

portanto, a atividade legislativa — deve se pautar pela moralidade pública:

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"O princípio da moralidade administrativa – enquanto valor constitucional revestido de caráter ético-jurídico – condiciona a legitimidade e a validade dos atos estatais. A atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa. Esse postulado fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado."13

48. Assim, tendo em vista a gravidade do crime de lavagem de dinheiro que — tal qual afirmou o

Ministro Luiz Fux14 — “é o grande pulmão das mais variadas mazelas sociais, desde o tráfico de

drogas, passando pelo terrorismo, até a corrupção que desfalca o Erário e deixa órfãos um sem-

número de cidadãos que necessitam dos serviços públicos”, este Supremo Tribunal Federal deve, à luz

da Constituição da República, repelir qualquer legislação que diminua a efetividade do combate a

essa conduta.

49. A Lei ora questionada coloca o Brasil em situação constrangedora perante a comunidade

internacional, dado que há o compromisso de se combater a lavagem de dinheiro, porém, passa-se a

relativizar a persecução penal em troca de recuperar uma pequena parte de valores que o Estado

não teve eficiência para arrecadar.

50. Internamente, a Lei nº 13.254, de 13.01.2016, frustra os esforços das instituições brasileiras

no sentido de realizar plenamente a moralidade pública. A impossibilidade de investigação do crime

de lavagem de dinheiro — que historicamente se relaciona ao crime de tráfico de drogas e hoje

evoluiu para salvaguardar graves crimes contra administração pública — representa um atraso nos

avanços conquistados pela Polícia Federal, pelo Ministério Público, pelo Poder Judiciário e pelo

próprio Poder Legislativo.

51. É preciso que este Supremo Tribunal Federal reconheça a gravidade da situação e impeça a

aplicação do §12 do artigo 4º da Lei nº 13.254, de 13.01.2016, no sentido de evitar a utilização das

informações para investigar a lavagem de dinheiro relativa a outros crimes antecedentes que não os

de sonegação anistiados pela própria Lei.

13

ADI nº 2.661-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 23.08.2002.

14 Trecho do voto de Sua Excelência na AP nº 470, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 22.04.2013.

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52. Assim, espera-se que este STF declare a inconstitucionalidade do artigo 4º, §12 da Lei nº

13.254, de 13.01.2016, por violação aos artigos 37, caput; 127; 129, inciso I; e 144 da Constituição.

53. Subsidiariamente, propõe-se que o Tribunal dê interpretação conforme a Constituição ao

artigo 4º, §12 da Lei nº 13.254, de 13.01.2016, para fixar o entendimento que: as informações

constantes na declaração não poderão ser utilizadas como único indício ou elemento para efeitos

de investigação criminal, excetuados os casos de crime de lavagem de dinheiro e seu respectivo

crime antecedente quando o capital não tiver origem nos crimes previstos no artigo 5º, §1º, incisos

I a VI da Lei.

III.II DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 6º DA LEI — VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 145, §1º; E

150, II, DA CONSTITUIÇÃO — DESCONSIDERAÇÃO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E DA ISONOMIA

TRIBUTÁRIA

54. O principal dispositivo da Lei para fins tributários é o artigo 6º:

“Art. 6º Para fins do disposto nesta Lei, o montante dos ativos objeto de regularização será considerado acréscimo patrimonial adquirido em 31 de dezembro de 2014, ainda que nessa data não exista saldo ou título de propriedade, na forma do inciso II do caput e do § 1º do art. 43 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), sujeitando-se a pessoa, física ou jurídica, ao pagamento do imposto de renda sobre ele, a título de ganho de capital, à alíquota de 15% (quinze por cento), vigente em 31 de dezembro de 2014.”

55. Por esse artigo, a Lei cria uma ficção jurídica, qual seja, os ativos declarados pelo contribuinte

passam a ser considerados acréscimo patrimonial adquirido em 31.12.2014.

56. Na prática, isso significa que os recursos deveriam ser objeto de declaração de imposto de

renda em 2015 e, sobre eles, o contribuinte deveria pagar a alíquota de 15% vigente em 31.12.2014,

independentemente de qualquer fator.

57. Neste ponto, a Lei não é compatível com o § 1º do artigo 145 da Constituição, pois

impossibilita totalmente que a administração tributária identifique o patrimônio, os rendimentos e as

atividades econômicas do contribuinte que pretende se beneficiar do RERCT:

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“Art. 145. (...). § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”

58. Ao tributar todos os recursos declarados à alíquota de 15%, sem considerar qualquer outro

fator, a legislação fere aquilo que se chamou de capacidade contributiva.

59. Como se sabe, para auferir tributos faz-se necessário avaliar a capacidade econômica de cada

contribuinte. Por isso é que se instituíram as regras de progressividade e regressividade,

especialmente em se tratando de tributos em que se é possível revelar a situação financeira do

contribuinte — categoria em que o imposto de renda é o exemplo mais claro.

60. A doutrina considera que a capacidade contributiva é um princípio que deve orientar todo o

ordenamento tributário:

“A capacidade contributiva não constitui, apenas, um critério de justiça fiscal capaz de fundamentar tratamento tributário diferenciado de modo que seja considerado como promotor e não como violador da isonomia. Configura verdadeiro princípio a orientar toda a tributação, inspirado o legislador e orientando os aplicadores das normas tributárias.”15

61. Do mesmo modo, este Supremo Tribunal Federal já afirmou a sujeição dos impostos ao

principio da capacidade contributiva.

“(...) todos os impostos podem e devem guardar relação com a capacidade contributiva do sujeito passivo e não ser impossível aferir-se a capacidade contributiva do sujeito passivo do ITCD. Ao contrário, tratando-se de imposto direto, a sua incidência poderá expressar, em diversas circunstâncias, progressividade ou regressividade direta. Todos os impostos, repito, estão sujeitos ao princípio da capacidade contributiva, especialmente os diretos, independentemente de sua classificação como de caráter real ou pessoal; isso é completamente irrelevante. Daí por que dou provimento ao recurso, para declarar constitucional o disposto no art. 18 da Lei 8.821/1989 do Estado do Rio Grande do Sul.”16

15

PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário completo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 64.

16 Trecho do voto do min. Eros Grau no RE nº 562.045, Rel. p/ o acórdão Min. Cármen Lúcia, DJe de 27.11.2013.

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62. Com base na capacidade contributiva, o STF também declarou a constitucionalidade da

correção da tabela progressiva do imposto de renda17.

63. Nesse sentido, leciona Hugo de Brito Machado::

“Tal como acontece com a inobservância de qualquer outro princípio constitucional, também a inobservância, pelo legislador, do princípio da capacidade contributiva pode ser objeto de controle tanto por ação direta, promovida perante o STF, por uma das pessoas indicadas no art. 103 da vigente CF, como em qualquer das ações nas quais ordinariamente são apreciadas as questões tributárias.”18

64. Necessário, portanto, o controle por este STF para dar efetivo ao comando constitucional.

65. Ademais, o desrespeito à capacidade contributiva também pode ser verificado sob o aspecto

da violação à isonomia tributária. A legislação ora questionada trata contribuintes em situação

semelhante de modo diferente. Pior. Privilegia o contribuinte que sonegou impostos e levou seu

dinheiro para o exterior, em detrimento do contribuinte que também não pagou imposto, mas que

aqui permaneceu investindo os seus ativos no País19.

66. Ora, o contribuinte que não pagou os impostos e manteve seus recursos no Brasil praticou em

relação à administração tributária a mesma conduta de quem levou para o exterior.

67. Contudo, este pagará 15% (quinze por cento) de imposto de renda mais 15% (quinze por

cento) de multa, enquanto aquele será tributado a 27,5% ou a 34% (a depender se é pessoa física ou

jurídica) mais multa de 75% ou 150% com acusação de crime de sonegação.

68. Essa discrepância, além de desrespeitar a isonomia, pode ser considerada como prática

isentiva que promove a remissão de valores para esses contribuintes que mantiveram recursos de

modo irregular no exterior.

17

RE nº 388.312, Rel. p/ o acórdão Min. Cármen Lúcia, DJe de 11.10.2011.

18 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 40.

19 QUEIROZ, Mary Elbe. Repatriação de capitais inconstitucional? Disponível em <http://alfonsin.com.br/repatriao-de-

capitais-inconstitucional/>.

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69. Novamente, a capacidade contributiva apresenta óbice à Lei, pois a remissão aqui seria

vedada já que incompatível com o princípio citado.

70. Como se sabe, em regra, uma política isentiva ou remissiva sobre o imposto de renda não é

válida “a não ser que se trate de situações em que a isenção realiza o princípio da capacidade

contributiva, como acontece com a concedida às microempresas, ou aquela que em geral são

pertinentes ao considerado mínimo vital”20.

71. Um tratamento desigual dessa magnitude poderia ser justificado — ad argumentandum

tantum — caso o objetivo da Lei fosse, de fato, repatriar recurso. Entretanto, a Lei não deseja trazer

os recursos para o País, mas apenas coletar parte dos impostos sonegados. Isso fica claro pela leitura

do §4º do artigo 4º que consagra “a opção de repatriação pelo declarante”:

“Art. 4º (...). § 4º Após a adesão ao RERCT e consequente regularização nos termos do caput, a opção de repatriação pelo declarante de ativos financeiros no exterior deverá ocorrer por intermédio de instituição financeira autorizada a funcionar no País e a operar no mercado de câmbio, mediante apresentação do protocolo de entrega da declaração de que trata o caput deste artigo.”

72. Há, então, violação ao artigo 150, II, da Constituição, que proíbe o tratamento desigual entre

contribuintes que se encontrem em situação equivalente, além da evidente violação ao artigo 145,

§1º por desrespeito ao principio da capacidade contributiva.

73. Espera-se, portanto, que este STF declare a inconstitucionalidade do artigo 6º da Lei nº

13.254, de 13.01.2016, por violação aos artigos 145, §1º; e 150, inciso II da Constituição.

74. Ou, subsidiariamente, sugere-se que esta Suprema Corte confira interpretação conforme a

Constituição ao artigo 6º da Lei nº 13.254, de 13.01.2016, para fixar o entendimento que: o

montante dos ativos declarador pelo contribuinte que aderir ao RERCT estará sujeito ao

pagamento de imposto de renda à alíquota padrão, vigente em 31.12.2014, respeitada a

progressividade regularmente definida.

20 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 41.

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III.III DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1º, §1º E DO ARTIGO 2º, I, DA LEI — VIOLAÇÃO

AOS ARTIGOS 5º, XXXVI; E 146, III, ‘B’ DA CONSTITUIÇÃO — VALORES ALCANÇADOS PELA

DECADÊNCIA — INSEGURANÇA JURÍDICA

75. Como dito, o artigo 6º da Lei define que os recursos declarados pelo contribuinte passam a

ser considerados ganho de capital adquirido em 31.12.2014. Isso significa que esses ganhos deveriam

ser objeto de declaração de imposto de renda em 2015. Então, de acordo com o artigo 173, I, do

Código Tributário Nacional21, o prazo decadencial para a administração tributária constituir o crédito

se iniciaria, então, em 01.01.2016.

76. Por sua vez, o artigo 1º, §1º e o artigo 2º, inciso I da Lei estabelecem que os recursos objeto

do RERCT devem ter sido adquiridos até 31.12.2014, porém, não delimitam um marco inicial para a

aquisição dos recursos.

77. Nesse ponto, a Lei ou (a) viola a decadência por cobrar tributos já extintos, ou (b) relativiza a

decadência, definindo novo termo para seu início, ou, ainda, (c) pode representar uma mera abolitio

criminis, explica-se:

78. De acordo com o artigo 1º, §1º e o artigo 2º, inciso I da Lei, os recursos objeto da

“repatriação” devem ter sido adquiridos até 31.12.2014. Isso engloba, portanto, recursos adquiridos

em 2014, mas também engloba os adquiridos em 2013, em 2010, em 2000, etc. Não há delimitação

“para trás”, basta que sejam anteriores a 31.12.2014.

79. É preciso questionar se a Administração poderá cobrar imposto de renda sobre ativos em

relação aos quais a decadência já se operou.

80. Por exemplo, o imposto de renda devido em relação a um recurso adquirido no exterior em

2005, que não foi objeto de declaração em 2006, teve seu prazo decadencial iniciado em 01.01.2007

e encerrado em 02.01.2012.

21

Lei nº 5.172, de 25.10.1966 (Código Tributário Nacional — CTN): “Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado; (...)”

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81. Isto é, o crédito tributário foi extinto em 2012. Nesse caso, se o contribuinte deseja trazer os

valores pelo novo Regime, poderá ser cobrado os 15% (quinze por cento) de imposto de renda?

82. Em caso positivo, só há dois caminhos a seguir: (a) a lei realmente autoriza a cobrança de

valores em relação aos quais a decadência se concretizou; ou (b) a lei cria novo marco para o início

do prazo decadencial. Em caso negativo, (c) não haveria tributo a pagar.

83. A hipótese (a) é manifestamente inconstitucional, pois fere de morte qualquer aspecto de

segurança jurídica. A extinção do crédito tributário pela decadência é ato jurídico perfeito protegido

pelo artigo 5º, XXXVI da Constituição.

84. A hipótese (b), por sua vez, não respeita o artigo 146, III, ‘b’, da Constituição, que exige lei

complementar para definição dos marcos de decadência. Por essa interpretação, então, a lei seria

formalmente inconstitucional.

85. A hipótese (c), finalmente, não faz sentindo algum, pois conferiria um benefício raro como a

anistia criminal sem exigir qualquer contrapartida da pessoa. A lei seria apenas uma anistia criminal?

O contribuinte poderia se beneficiar do Regime sem pagar imposto algum em contrapartida?

86. Identifica-se como problema central a ausência de uma delimitação temporal completa. Na

realidade, a Lei deveria ter estabelecido que o RERCT somente pudesse ser utilizado para recursos

adquiridos entre 2010 e 2014, para garantir que não alcançasse valores atingidos pela decadência.

87. A experiência estrangeira na repatriação de recursos poderia ter ajudado: na Alemanha, a Lei

de Promoção da Honestidade Fiscal, de 25.12.2003 tratava de recursos percebidos entre 1993 e

2002; na Itália, a Lei nº 185, de 2015, limitou a repatriação a valores não declarados entre os anos de

2009 e 2013; na Bélgica, a política de repatriação se deu em referência ao ano-calendário de 2004

(Ato de Anistia Fiscal de 31.12.2003); no Estados Unidos, o “American Jobs Creation Act”, de

22.10.2004 foi utilizado para o ano fiscal de 2004 ou de 2005; na Austrália, o Projeto “Do it” tratava

da renda estrangeira não declarada e ativos anteriores de 19.12.2014 limitado a 4 (quatro) anos

anteriores; na Argentina, a Lei nº 26.476/2008 referiu-se expressamente a períodos fiscais não

prescritos até a publicação da lei, finalizados até 31.12.2007.

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88. É necessário, portanto, delimitar um marco para o termo inicial da aquisição dos recursos a

serem declarados com base no prazo decadencial.

89. Dessa maneira, pede-se que este STF confira interpretação conforme a Constituição ao artigo

1º, §1º e ao artigo 2º, inciso I da Lei nº 13.254, de 13.01.2016, para fixar o entendimento que: o

RERCT aplica-se aos residentes ou domiciliados no País em 31.12.2014 que tenham sido ou ainda

sejam proprietários ou titulares de ativos, bens ou direitos no período entre 01.01.2010 e

31.12.2014, ainda que, nessa data, não possuam saldo de recursos ou título de propriedade de

bens e direitos.

IV. DO PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR

90. Os artigos 10 e seguintes da Lei nº 9.868, de 10.11.1999, autorizam o Supremo Tribunal

Federal a conceder medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade quando presentes os

requisitos necessários e “em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem

social e a segurança jurídica” (art. 12).

91. No caso, estão presentes os requisitos para a concessão de medida cautelar.

92. O fumus boni iuris, conforme visto, decorre da manifesta inconstitucionalidade dos

dispositivos legais atacados, notadamente:

93. O §12 do artigo 4º da Lei nº 13.254, de 13.01.2016, vez que, ao restringir o acesso às

informações para investigar a lavagem de dinheiro relativa a outros crimes antecedentes que não os

de sonegação anistiados pela própria Lei, impedem que instituições de envergadura constitucional,

tais como o Ministério Público e a Polícia Federal, exerçam suas atribuições precípuas de Estado.

94. Também o artigo 6º desrespeita os princípios da capacidade contributiva e da isonomia

tributária, o que representa ponto incontroverso de inconstitucionalidade da Lei, pois ignora-se

qualquer aferição de capacidade econômica por parte dos contribuintes, definindo uma alíquota para

todos os valores, independentemente da análise subjetiva intrínseca aos tributos.

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95. E mais, o mesmo artigo 6º combinado com os artigos 1º, §1º e 2º, inciso I, da Lei, reputam-se

inconstitucionais, pois tentam tributar valores alcançados pela decadência, ou, na melhor das

hipóteses, redefinem o marco inicial da decadência, em flagrante vício formal de

inconstitucionalidade, tendo em vista a reserva de lei complementar prevista na Constituição.

96. O perigo da demora, por sua vez, decorre do fato de que a Lei já foi regulamentada pelo

Poder Executivo nos termos da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1.627, em

11.03.2016, fazendo com que a adesão dos contribuintes, que permitirá a repatriação de capitais

depositados no exterior sem que a Autoridade Fiscal e demais autoridades competentes possam

verificar sua origem, poderá ocorrer já a partir de 04.04.2016.

97. Além disso, como se viu, a Lei pode ser objeto de dúvida no que se refere ao pagamento de

valores sobre os quais a decadência já se operou. Isso pode causar inúmeras ações judiciais com

objetivo de questionar a correta aplicabilidade da lei.

98. O histórico nesse sentido é negativo, pois processos judiciais em matéria tributária costumam

demorar e até se chegar a uma definição pelo Superior Tribunal de Justiça ou por este Supremo

Tribunal Federal a controvérsia pode durar anos.

99. Por outro lado, inexiste qualquer indicativo de perigo da demora em sentido inverso, isto é,

não há qualquer prejuízo na suspensão da Lei nº 13.254, de 13.01.2016, vez que julgado o mérito, os

contribuintes poderão aderir ao RERCT com maior segurança jurídica, ao passo que o Estado

brasileiro evitará que essa política pública seja utilizada para o branqueamento de recursos oriundos

de praticas criminosas graves, intensamente combatidas pela ordem jurídica de vários Países que

adotaram legislação semelhante.

100. Assim, requer:

(i) A intimação do Presidente do Congresso Nacional e da Presidente da República para, em

até 10 (dez) dias, prestarem informações sobre a Lei impugnada;

(ii) A oitiva do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República;

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(iii) A concessão de medida cautelar pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal para, até o

julgamento final da presente ação:

(iii.i) interromper o prazo de 210 (duzentos e dez) dias previsto no artigo 7º da Lei;

(iii.ii) suspender a eficácia da Lei nº 13.254, de 13.01.2016; e

(iii.iii) por arrastamento, suspender a eficácia dos atos do Poder Executivo que

regulamentaram a Lei, em especial, a Instrução Normativa da Receita Federal do

Brasil nº 1.627, de 11.03.2016 (Doc. nº 05) e da Circular da Diretoria Colegiada do

Banco Central do Brasil nº 3.787 de 17.03.2016 (Doc. nº 06).

V. DO PEDIDO

101. Ante o exposto, após apreciado o pedido de medida cautelar, requer:

(i) A intimação do Presidente do Congresso Nacional e da Presidente da República;

(ii) A oitiva do Advogado-Geral da União;

(iii) A oitiva do Procurador-Geral da República;

(iv) A procedência do pedido para:

(iv.i) declarar a inconstitucionalidade do artigo 4º, §12, da Lei nº 13.254, de 13.01.2016;

ou, subsidiariamente, dar interpretação conforme a Constituição ao artigo 4º, §12

da Lei nº 13.254, de 13.01.2016, para fixar o entendimento que: as informações

constantes na declaração não poderão ser utilizadas como único indício ou

elemento para efeitos de investigação criminal, excetuados os casos de crime de

lavagem de dinheiro e seu respectivo crime antecedente quando o capital não

tiver origem nos crimes previstos no artigo 5º, §1º, incisos I a VI da Lei.

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(iv.ii) declarar a inconstitucionalidade do artigo 6º da Lei nº 13.254, de 13.01.2016;

ou, subsidiariamente, dar interpretação conforme a Constituição ao artigo 6º da

Lei nº 13.254, de 13.01.2016, para fixar o entendimento que: o montante dos

ativos declarador pelo contribuinte que aderir ao RERCT estará sujeito ao

pagamento de imposto de renda à alíquota padrão, vigente em 31.12.2014,

respeitada a progressividade regularmente definida.

(iv.iii) dar interpretação conforme a Constituição ao artigo 1º, §1º e ao artigo 2º, inciso I

da Lei nº 13.254, de 13.01.2016, para fixar o entendimento que: o RERCT aplica-se

aos residentes ou domiciliados no País em 31.12.2014 que tenham sido ou ainda

sejam proprietários ou titulares de ativos, bens ou direitos no período entre

01.01.2010 e 31.12. 2014, ainda que, nessa data, não possuam saldo de recursos

ou título de propriedade de bens e direitos.

Nestes termos, pede deferimento.

Brasília, 7 de abril de 2016.

Marilda de Paula Silveira

OAB/DF nº 33.954

Bárbara Mendes Lôbo Amaral

OAB/DF nº 21.375

Thiago Esteves Barbosa

OAB/RJ nº 166.199

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LISTA DE DOCUMENTOS ANEXOS

Doc. nº 01: Procuração;

Doc. nº 02: Estatuto do PPS registrado no TSE;

Doc. nº 03: Comprovante de representação do Congresso Nacional;

Doc. nº 04: Ato impugnado — Lei nº 13.254, de 13.01.2016;

Doc. nº 05: Instrução Normativa da RFB nº 1.627, de 11.03.2016;

Doc. nº 06: Circular DC BACEN nº 3.787 de 17.03.2016;