8/3/2019 Etnicidade Em Barth
1/28
Introduo
Como Van G en ne p, ou o prprio Ma rx, Fredrik Barth u m dos au tores
ma is citados e , contud o, men os lido p elos antroplogos. Um exem plo des-
sa am bivalen te de voo se en contra n o t rab alho recente de Franoise
Morin e Bern ard Saladin DAng lure (1997). Os d ois en tusiastas d o n orue-
gu s afirmam , sem m aiores constran gimen tos, qu e a teoria b arthiana d aetnic idade assentou as bases para uma ruptura epistemolgica
(1997:161) na an tropologia emb ora, para susten tar tal juzo, n o te-
nha m n ecessitado ir alm da s qua renta p ginas da famosa Introduo
a Ethn ic groups and bou nd aries 1. No obstante, a influ ncia d a obra de
Barth pa rece irrefutvel. In me ros trab alhos evocam, confessad a ou d is-
s imuladamente , sua obra mais conhecida. Na opinio de Talal Asad
(1972:74), a an lise de Political lead ership am ong the Sw at Pathans (1990
[1959]) ma gn fica e me rece ser conside rada u m clssico modern o;
pa ra Ada m Kupe r (1983:143), Barth foi um a d as figu ras ma is che ias d e
vida d a a ntropologia social britn ica d os anos 50 e 60. No e nta nto, a
acolhida d a obra b arthiana n em se mp re foi to un nime e fervorosa. O
me smo Asad , logo a ps o citad o elogio ao rigor (1972), ded icou p g ina s
inteiras a criticar o magn fico clssico mod ern o; e u m d os antigos me stres
de nosso autor em C am bridge , o imp revisvel Sir Edmu nd Lea ch, outor-
gou-lhe o obscuro esta tuto de um clssico me nor : emb ora a obra do
norueg us ten ha sido e stimulante em sua poca, j n o constitui um
foco cen tral de inte resse inte lectu al (Lea ch 1982:271).
Ind o alm da s opinies diversas, o certo que as teses de Barth sus-
citaram g rand es discusses, transforman do-se em u m ma rco pa ra a disci-
pl ina (Wallma n 1991; Coh en 1978; Morin e Saladin DAng lure 1997).
Contud o, falar da O bra de Fredrik Barth n o tarefa isenta d e d ificul-
UM A ABO RDAGEM C RTICA
DO C ON CEITO DE ETNIC IDADEN A O BRA DE FREDRIK BARTH*
Diego Villar
MAN A 10(1):165-192, 2004
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
2/28
da de s. Note-se qu e n os referimos a ela como um todo, en qu an to, na ma ior
pa rte dos traba lhos men cionad os, a d iscusso se concen tra em u m n ico
texto, elevad o por m rito prprio categ oria de clssico, ap esar d a ironiade Lea ch: a Introdu o a Ethn ic g roups and boun daries (1976a). N o
nos surpreen de a imensa imp ortn cia com freq n cia a t r ibu da a este
texto ele, com efeito, pa rece ria se r o para digm a, o smb olo, o arq u ti-
po da s preocupaes bar thiana s. O notvel q ue, pa radoxalmen te , e le
n o parea n em to t pico nem to represen tat ivo se, toman do sua ob ra
como uma totalida de , o compa rarmos a ou tros escritos do norueg u s. Ao
contrrio, revela-se rido, rep etitivo, montono e me smo ted ioso sem
falar de sua infeliz trad uo p ara o espa nh ol. O que n o deixa de se r cu-rioso, pois, em ge ral, Barth e screve em um a p rosa clara , orden ad a, estru-
turada em frases breves, contunde ntes e precisas; em uma lng ua auste-
ra, por vezes elegan te, totalmente d espojad a d e jargo, que no se de ixa
ten tar por gra nd es f loreios; em um est i lo, em sum a, livre de am bies
pse ud oliterrias. As descries jam ais se este nd em a lm d o estritame nte
ne cess rio, os cap tulos so incisivos e sucintos, o orde na me nto lgico e
o dese nvolvime nto exp ositivo de seu s livros mostram -se transp are nte s, e
os argume ntos, igu almente impecveis, so semp re resumidos em u m d e-talhad o pa rg rafo fina l. Por isso, se a Introduo pa rece se r tema tica-
me nte coeren te com os interesses d e n osso autor, tal como estes apa re-
cem em outros escritos, no seria, por outro lad o, ao men os em um certo
sent ido, de scabido v- la como u m texto excep cional de nt ro do corpusba rthiano. No se t rata, de m odo algu m, de me nosprezar sua importn -
cia , mas s implesmen te de contextual iz- la e m relao ao t rab alho de
Barth, dem onstrando q ue a concepo de e tnic idad e n o surgiu em um
vazio.
Ch ama remos a ateno p ara d uas idias capitais da teoria b arthiana
qu e tiveram d estinos diferen tes. Embora u ma d elas ten ha sido comen ta-
da e e logiada e xau sto a te oria forma l ou relativista da ide ntificao
tnica , a out ra foi esqu ecida com um en tusiasmo inversamen te p ro-
porciona l. Trata -se da influn cia d os cond iciona nte s mate riais da e tnici-
da de , em esp ecial os fatores ecolgicos e de mog rficos. Ape sar de sua
sorte diversa, em ltima instncia am ba s as noes d o lug ar, ou se su-
bordinam , a um a tercei ra : o problema do a tor racional , um a a utn t ica
id ia-m estra, uma pre missa qu e implica, em Barth, n o s um a sociolo-
gia, como uma determinada concepo do ser huma no e d e suas obras.
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CONC EITO DE ETNICIDADE166
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
3/28
Os cond icionant es ocul t os da etnicidade:
o f ator ecolg ico e a demograf ia
Qu an do se revisita a argu me ntao de Bar th a respe ito da e tnic ida de ,
chama a a teno seu ape lo constante e sistemtico s perspectivas den o-
mina da s e colgica (1976a:23) e de mog rfica (1976a:24). Ecologia e
de mograf ia so fa tores cruciais que de termina m o xito ou o even tual
fracasso da s opes, da s decises e d as estratg ias relativas iden tida de
tn ica. N o p rlogo da mon ogra fia sobre os Basse ri (1986 [1961]), por
exem plo, Barth no s de clara qu e em pree nd er sua a n lise em termos
de um ponto de vis ta e colgico geral , mas tam b m q ue is to se de ve na tureza d o prprio objeto de estu do. As caractersticas da org an izao
nma de , em sua ma ioria, esto intercone ctada s em te rmos das p ossibili-
da de s e restries imp licad as na ad ap tao pa storil. Por vezes, o norue -
gu s ainda ma is taxat ivo: Ten tarei ded uzir as d ist intas formas d e or-
ga nizao dos p rocessos b sicos pelos qua is [os Basseri] se m an tm e se
ad ap tam ao m eio (1986:ii). Essas variveis, porm , n o foram mu ito dis-
cutida s pelos crticos, ap esa r de e nca rna rem a s preten ses mais fortes do
mode lo ba r thiano, ao e nvolverem fatores objet ivos que n o ter iam aten to segu nd o nosso au tor receb ido a de vida a teno.
Vejamos mais de talhad am en te, pa ra comear, a incidn cia do fator
ecolgico. A considera o mais exaustiva a se u resp eito ap arece em um
dos p rime iros artigos d e Barth, onde, d ep ois de proclam ar a imp ortn cia
de sse elemen to pa ra a forma e a distribu io das culturas , o autor apre-
goa a u t ilizao de a lgun s conceitos da ecologia an ima l p ara com-
pre en de r a na ture za dos gru pos tn icos (1956:1079). Por exe mp lo, o ni-
cho o locus concreto de u m g rupo n o amb ien te, caracterizado n o s
por suas relaes com os recursos natu rais, ma s tamb m por seus vncu-
los com os outros grupos co-reside ntes n a rea, qu e sero se us e ventua is
compe tidores. imp ortan te lem brar essa d efinio, qu e se m an tm como
prem issa ina lterada ao longo da s sucessivas argum en taes barthian as2.
De seu s estudos ecolgicos, Barth d ed uz qu atro postulad os fun da me ntais
(1956:1088):
1) a distribu io dos gru pos tn icos n o controlad a por rea s na tu-
rais fixas e objetivas, ma s p ela d istribu io e m nichos esp ecficos,
qu e cad a gru po explora me diante sua organizao poltica e econ-
mica;
2) distintos grup os tnicos iro se estab elecer em co-resid ncia em uma
re a, caso explorem d ifere nte s nichos e, esp ecialme nte , caso consti-
tuam en tre si relaes simb iticas;
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CO NCEITO DE ETNICIDADE 167
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
4/28
3) se diferen tes grup os tnicos exploram os mesmos nichos, espe ra-se que
o mais pode roso em termos militares aca be sup lan tando o ma is fraco;
4) se diferen tes grup os tnicos exploram os me smos nichos, ma s o ma isfraco de ntre e les ca pa z de e xplorar os amb ien tes, recursos e cli -
ma s marg ina is, coexistir com os outros na me sma rea se m m aiores
problemas.
Em sum a, diferen tes grup os tnicos tm, comp artilha nd o uma me s-
ma zona, distribu ies e fronteiras su pe rpostas, fluidas. Em ou tras pa la-
vras, relacionam -se em um continuum de vnculos que vai desde a m era
co-resid ncia como ocorre com d ois dos vizinhos d os Patha n, os Gu jar
e os Kohistan i at a simb iose ritual, econmica ou poltica pre ssu-posta, por exe mp lo, no sistema de castas (Barth 1971). A qu d rupla con-
clus o de Barth pod eria ser resu mida, sem nos arriscarmos dem asiado,
na frmu la a sobrevivncia do (gru po tn ico) ma is apto . No tocante
etnicida de , imp orta d estacar, por ora, qu e os a spectos ecolgicos so al-
gu ns dos mu itos fatores q ue conforme requ eira a argu men tao
condicionam , determinam ou simplesmen te influem n as opes
tn icas d os sujeitos.
O e xame b arthian o da ecologia, contudo, normalme nte, bastan teenxuto. Em u m e stud o sobre pa rentesco, define-se o qu e p oder amos,
de modo g eral, cham ar de ecologia como send o aqu elas situaes con-
cretas da vida surgida s qua nd o se pe rsegue m certos propsitos sob res-
tries tcn icas e pr ticas (Barth 1973:9). No trabalho a ntrop olgico qu e
julgo ser o ma is refina do d e Barth, o tratam en to da ecologia d e Sw at
mal chega a ocupa r t rs p ginas. Trata-se da t pica resen ha sobre o a m-
biente aprese ntada pe las g rand es e tnografias tradicionais. Aps me ncio-
na r, em u ma a borda ge m pa normica, a topografia, as vias de comu nica-
o, o c lima, a vege tao e a s condies na t ivas pa ra a ag r icul tura e a
cria o de ga do (Barth 1990:5-7), o livro flui com tra nq ilidad e, sem ne -
cessida de algu ma d e se referir aos cond iciona nte s ecolgicos da e xistn-
cia h um an a. De fato, a a rgum en tao sobre os recursos na turais a rt i-
cula-se m elhor ao processo de d iviso pe ridica d a terra e ntre os grup os
agn t icos pak htun e a seu p oster ior conge lame nto, quand o do surgi-
me nto do Estado n aciona l ou seja, aos usos sociais da terra.
A tese e colgica torna -se ma is ima ginat iva e m u ma obra p osterior,
na qu al a relao do a mb ien te com a vida social dos grupos pa storis do
sul da Prsia apa rece como recurso conceitual e metod olgico constan te.
A morfologia, com seu pa dro sazona l de ativida de s e sua influ ncia nos
ciclos migratrios, a n ature za d a at ivida de pa storil, com seu influxo n a
ad ministrao do espa o, a econom ia, a produ o e a prpria dieta d os
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CONC EITO DE ETNICIDADE168
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
5/28
Basse ri, todos so fatores qu e Barth vincula de ma ne ira convincen te
sua e xplicao das un ida de s domsticas, do pa rentesco e da a lian a, das
divises seg me nta res da organ izao social e d os meca nismos polticos ede chefia (Barth 1986). A ttulo de e xemp lo, deten ha mo-nos no tratam en -
to da s prticas rituais. Seg uindo Leach, Barth arg um en ta qu e os antrop-
logos costum am incorrer no p reconceito nafde conside rar dist intos os
aspe ctos tcnicos e simb licos do rito. Como conseq n cia, sup em
qu e a imp ortn cia tcnica ou ma ter ia l de u m a to determinad o imp lica
qu e sua de nsida de s imb lica e ste ja a lhu res . Entre os Basser i, a vida
rel igiosa, no sen tido clssico, comp rovada me nte p obre. Ma s Barth
de scobre qu e tal ascetismo se d eve s categ orias d a de scrio an tropol-gica; na verda de , o rito cen tral da socied ad e n mad e o prp rio ciclo
an ua l de migraes, cap az n o ape na s de fornecer o modelo para inter-
pretar e conceituar o espao-tempo, mas dotado tambm de uma alta car-
ga valorativa e e mocional. O valor no se expressa p or meio de p ara-
fern lia e xtica ne m d e atos simb licos desn ecess rios. prprio dos
Basse ri exprimir valores e smb olos mediante suas at ivida de s ad ap tat i-
vas, mediante sua s relaes com a ecologia (Barth 1986:146-153)3.
Nos escritos posteriores, a ab ordag em da ecologia cultural parece ter-se tornad o fund ame ntalmen te programtica. Leach, em uma cida rese-
nh a, criticou seu alun o por no ter ido suficien teme nte long e n a u tilizao
dos conce itos ecolgicos, j qu e isto lhe teria perm itido evitar a lgu ma s di-
ficulda de s na ab ordage m do sem pre e spinh oso dilem a dos mode los anal-
ticos e d e sua ad eq ua o a os fatos em pricos (Lea ch 1982:272-273).
Por fim, p arte a s considera es sobre o r itua l basseri com as
qua is se pode e star de acordo ou n o, mas qu e ao m enos apor tam a rgu-
me ntos relativam en te novos , dificilmen te pod e-se re sistir tenta o
de um julgam en to taxat ivo. A verso bar thiana da e cologia cultural
prat icame nte n o ul trap assa o sen so comum e, com n otvel freq n cia,
redu z-se a p ostular que g rupos tnicos coabitand o em u m me smo nicho
ecolgico estabe lecem relaes de interde pe nd n cia, compleme ntarida-
de e simbiose, ou ent o de comp etio e inimizade . No ne ga mos tal afir-
ma o, pois seria d ifcil faz-lo, mas n o che ga mos a compree nd er ond e
est o espe cificame nte ecolgico ne sse t ipo de explicao. Em segu nd o
lug ar, a direo d as sup ostas influ ncias, cond ies ou de termina-
es a mb ien tais no fica m uito clara : em bora, como vimos, Barth d ecla-
re termina ntem en te, em reiterada s ocasies, qu e o meio d etermina ou
cond iciona a s formas sociais de orga nizao, outras veze s a l inh a d e
fora se inverte, se dilui ou se torna p erigosame nte a mb gu a 4. O leitor se
v forad o a conclui r que a ap reciao d o amb ien te e d e sua s impl ica-
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CO NCEITO DE ETNICIDADE 169
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
6/28
es no pa rece ne m e xposit iva ne m m etodologicamen te mais necess-
ria, inten siva ou sign ificat iva d o qu e os e studos ap resen tados p elos ve-
lhos a fricanistas como introduo a suas mon ografias5.Igu almen te ou mais decep ciona nte a va rivel de mogr fica. Alm
de adve r tir que o ana lis ta no p ode p assar ao largo dos problema s de
n me ro e eq uilbrio ao e stud ar os gru pos tnicos, Barth limita-se a fir-
ma o dificilme nte refutvel de qu e, e m termos m etodolgicos,
conven ien te leva r em conta os fatores de mogr ficos na conformao e n a
man uten o das fronteiras, pois entre elas pode ha ver osmose e trn-
sito de ind ivdu os (Barth 1976a:25). O tratam en to m en os incuo n a e t-
nogra fia b asseri. Para qu e a orga nizao social dos nmad es se ma nte-nh a, pe lo men os re la t ivame nte e stvel , e la d eve d esen volver com o
amb ien te um a e spcie d e eq uilbrio no ap en as ecolgico e de mogrfi-
co, ma s tam b m e conm ico e p oltico (Barth 1986:113-114). Qu an to ao
e qu ilbrio dem ogrfico p ropriam en te d ito, certos fatores so tan to bio-
lgicos qu an to sociais: a fecun didad e, o controle d a n ata lida de , a mor-
talida de , a migrao e a se de ntarizao. Por exemp lo, pod e-se constatar
qu e, para cont inu ar exist ind o em face d e um increme nto constante d a
na talida de (i.e . , a en t rad a de pe ssoas n o s is tema ), o modelo nmad ede organizao social de ve contrab alanar tend n cias contrrias, co-
mo a sed en tarizao ou a s migrae s (i.e., a sa da ) (1986:116-121)6.
A etnicidade na t eoria dos grupos tnicos e suas f ron teiras
Nos textos iniciais de Barth n o h m en o exp lcita e tnicida de . Ma is
tarde, n o livro sobre os Basseri, o autor sug ere qu e se costum a incorrer n o
erro de conside rar a ling ua ge m o fator de finidor da ide ntida de tnica, e
qu e o me smo ocorre com os etnnimos e os gen tlicos, freq en teme nte
de rivados de p roblema s de observao ou de traduo. No caso dos n-
mad es p ersas, os atr ibu tos definidores ma is imp ortan tes, em lug ar d a
lng ua ou d as na rrativas de orige m, so os alinh ame ntos em u nidade s po-
lticas a bra ng en tes (Barth 1986:100-ss.). Barth, d eve -se n otar, ainda ava lia
quais so os fatores ou traos culturais os d iacrticos, dir d ep ois
qu e de fine m o perten cime nto tnico; n o discute se e les existem , ou
se d eve m e xistir, ou se, caso existam, imp ortam ao ob servador. A concep-
o da etnicida de n o alcan ara o refina men to a qu e h averia de cheg ar.
O te xto emb lem tico no q ua l Barth cod ifica su a teoria e, como dis-
semos, a represe nta m etonimicame nte p ara o leitor de an tropologia
a famosa Introdu o a Ethn ic g roups and boun daries . A premissa a
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CONC EITO DE ETNICIDADE170
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
7/28
de que a idia d e g rupo tnico n o def ine uma sociedad e e , menos
ainda, uma cul tura . De fa to, boa p ar te da argu men tao consis te e m
disting uir a org an izao social da cultura 7. O grup o tnico o su-jeito da etnicida de : em bora possa ha ver grup os que comp artilhe m u ma
me sma cultura, as diferen as culturais n o conduzem forma o ou ao
reconh ecimen to de gru pos tnicos distintos. Para Barth, o fato d e com-
par t ilhar u ma cultura uma conseqncia , n o a causa , a cond io ou,
me nos aind a, a explicao da etn icida de .
No corao do m odelo encontra-se o conceito de socied ad e plural
de Furnivall, uma socied ad e colonial mult icultural em q ue cada um dos
grup os const ituintes m an tm su a religio, sua lng ua e su a cultura, masna qu al todos se relaciona m na situa o comu m do me rcado (Furnival l
1991; Barth 1986; 1990). Uma ve z ma is, pressup e-se u m ce n rio ond e
diferen tes grup os intera ge m, definindo, por meio desse m esmo contato, a
na tureza e o alcan ce de su as relaes recprocas. Sem a p reocupa o de
ter de rastrear u nidad es tnicas correspond en tes a cada cultura , Barth
(1976a:9), evita restringir-se q ue las ilhota s isolad as e d iscreta s qu e ob -
cecavam a velha an tropologia:
Previame nte, a a ntropologia se ha via l imitado a e studar povos indge nas e m
termos de sua organ iza o social ou cultural , como se fossem isolad os e in-
dep end entes . Dedicou-se pouca ref lexo s re laes qu e m ant inham com o
amb iente econmico e social a seu red or. Tamp ouco se de u mu ita aten o
ma ne ira como viam a si mesm os, ou como seu s vizinh os os pe rcebiam (Mo-
rin e Sa ladin DAng lure 1997:159).
O n orueg u s de sloca o intere sse an altico dos prprios grup os tni-
cos para a criao e a p ersistncia de suas interfaces, suas fronteiras, suas
relaes, e suficien tem en te exp lcito ao qua lificar a e mp reitada como
uma invest igao emprica do carter dos l imites tnicos (Barth
1976a:9).
O arg um en to recorda o tratam en to dos fatores ecolgico e d em ogr-
fico. Do prime iro, retoma-se a n oo de um me io no q ua l prima o contato
ou a franca compe tio en tre grup os tnicos; do seg un do, a idia
de q ue e xiste um trn sito ou uma osmose a travs de seu s limites. No
en tan to, o pon to novo, de vo deixar claro, o fato de no haver unidades
sociais pre existen tes a se vincu lar posteriormen te um as s outras.A pr-
pria re lao as constitui com o tal: Em outras p alavras, as distines t-
nicas no de pe nde m de u ma a usn cia de interao e reconh ecimen to so-
cial ; pe lo contrrio, geralmen te e stas so o p rprio fun da me nto sobre o
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CO NCEITO DE ETNICIDADE 171
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
8/28
qu al esto construdos os sistema s sociais qu e tais distine s contm
(Barth 1976a:10). A an lise d eve ser g erat iva e n o pod e l imitar-se a
explorar a conservao ou a pe rsistncia d os grupos tn icos, mas tem deprocurar esclarecer a dinmica incessante de conformao e reestrutura-
o d os me smos (1976a:11).
A mud an a de p erspe ctiva pa receria revelar uma m odificao de or-
de m on tolgica. Os grup os tnicos n o so un idad es sociolgicas discre-
tas ne m u nidad es sociais estrutura da s em torno d e traos culturais distin-
t ivos, p ortad ores d a esp ecificida de gru pa l. Barth crit ica a d efinio
de tipo ide al d e g rup o tn ico (Barth 1976a :11), ou se ja, o inve nt rio in-
du tivo de um a srie de conte dos cu lturais como territrios, lng ua s, cos-tume s ou valores comun s8. Esta viso pressup e, prime iro, um a e qu ao
errnea (uma raa = um a cultura = uma ling ua ge m = uma socied ad e); se-
gu nd o, supe qu e e ssa formao discreta seja o sujeito ou o ator so-
cial, resp ons vel por ace itar, recusa r ou d iscrimina r outras forma es si-
milares. O s gru pos tnicos so, ao contrrio, categorias adscritivas nati-
vas, que regu lam e organ izam a interao social den tro e fora do g rupo,
sobre a ba se de uma sr ie d e cont rastes ent re o prximo e o distan-
te. Tais contrastes se a tivam ou n o seg un do os requ isitos do contex-to. A man uten o da s fronteiras da etn icida de n o resulta d o isolam en to,
ma s da prpria inter-relao social : qu an to maior a interao, ma is po-
ten te ou ma rcado ser o limite tnico. N o somen te o conta to com outros
grup os, ma s tamb m o vnculo com o amb ien te inf lui para q ue , em u m
contexto de termina do, se ative ou n o um a categ oria tnica: Ce rtame n-
te, um me smo gru po d e indivdu os, com sua s prprias id ias e va lores,
posto diante das di ferentes oportunidades oferecidas por di ferentes
me ios, se ver ia obr iga do a ad otar diferen tes pa dres de existncia e a
instituciona lizar d ifere nte s forma s d e cond uta (1976a:13-14). Os crit-
rios de reconh ecimento pod em m ud ar e, com freq n cia, o prprio gru po
pode mu da r. No en tanto, o fato formal da d istino e ntre me mb ros e n o-
me mb ros sub siste. Da a cleb re d efinio: O s grup os tnicos so cate-
gorias ad scrit ivas e de ide ntifica o, que so u t ilizad as p elos prprios
atores e tm , portan to, a cara cterstica de organ izar a intera o entre os
indivduos (Barth 1976a:10-11).
Na pr tica, as categ orias tn icas so uma forma d e orga nizao so-
cial, termo q ue Barth e nte nd e como a situa o na q ua l os atores utili-
zam a s ide ntidad es tn icas pa ra categ orizar a si prprios e a ou tros, no
prop sito de um a intera o (Barth 1976a:15). A auto-incluso e a inclu-
so por pa r te d os out ros so os e lem en tos fun da me ntais . A etnic ida de
no p ode d epe nde r de uma nica d efinio ge ral. No se de cifra um ca-
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CONC EITO DE ETNICIDADE172
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
9/28
tlogo de d ifere na s objet ivas, m as somente aq ue las qu e os prpr ios
atores con side ram sign ificativas em cad a contexto esp ecfico (1976a:15;
n fase m inh a). Tam pou co se d eve p rocurar uma lista imu tvel de traosou se pode dizer qu ais as caracterst icas qu e sero sub linh ad as e qu ais
n o o sero: algu ma s sero ut i lizad as como sina is e em blema s de d ife-
ren a, seja como diacrticos ma nifestos (ind um en tria, ling ua ge m e tc.)
ou como orien taes de va lores bsicos (norma s de m oralida de e e xce-
ln cia p elas qu ais se julga a a o). Trata-se de u m recipien te organ iza-
cional capaz d e receb er diversas p ropores e formas de contedo n os
difere nte s sistema s socioculturais (1976a). Nota -se aq ui um a certa q ua -
lida de formal do mod elo: o que intere ssa n o o conted o cultural,ma s o limite ne gociad o pe lo grup o em contextos precisos, ao dese nvol-
ver sua interao com os dem ais. Os asp ectos que assina lam a fronteira
tnica podem mu da r, ma s sub sistir ao men os en qu an to convenh a, co-
mo verem os a d icotomia entre me mb ros e n o-mem bros.
O consen so grupa l a respei to de cdigos e valores n o costuma se
esten de r alm d as ocasies espe cficas na s qua is se intera ge . Em outras
pa lavras, s h etnicida de e m contextos bem d efinidos. Este a spe cto
d eve ser ge ral para tod as a s relaes inter tnicas (Barth 1976a:18). Noen tan to, sub linh a Barth, se e m a lgu ma s intera es concretas os diacrti-
cos s vezes se acen tuam , em outras sua man uten o pode se most rar
inconveniente. Esta q uesto a d e sab er o que conveniente ou no
e a q ue m cab e julg -lo o problema ca pital.
O problema do at or racional
A sing ular ida de d a ab ordage m de Bar th, n o s da e tnic idad e, mas de
todos os fen men os sociais, n o adv m d e seu ap elo a determ inismos na-
turais nem ao contrrio do qu e freq entem ente se pe nsa do aspecto
relativo ou forma l da etnicida de . O quidn o o vago recurso ao amb ien -
te ou d em ografia n em a viso relacional do pe rtencime nto grup al
qu e, na ve rdad e, foi an tecipa da por Evans-Pritcha rd, Dum ont e toda a
pliad e e struturalista. O cerne o que pode ramos cham ar de p roblema
do a tor racional. Ou seja, qu em o su jei to, o eu , ou me lhor, o ns
da e tnic ida de; e , em e special , qu an do e p or qu e e le en t ra em cena . Em
um artigo d e 1967, Barth e xplica a mu da na social nos segu intes term os:
Aquilo que as pe ssoas qu erem obter , os fins variados qu e p ersegue m, forne-
cem a or ien tao pa ra sua conduta . Por outro lad o, as rest r ies tcnicas e
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CO NCEITO DE ETNICIDADE 173
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
10/28
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CONC EITO DE ETNICIDADE174
eco lg icas condena m a lgun s t ipos de conduta a o fr acasso e r ecompensam
outros, enqu anto a presen a d e ou tros atores impe restries estratgicas e
oportunidades que modificam as e scolhas favorveis qu e as p essoas podemfaze r (Barth 1 967:663).
Estas linh as contm o germe d e todas as preocupa es barthian as.
Reap arece a velha preocupao com a sobrevivncia d o (comportamen -
to) ma is ap to, com o xito ou o fracasso da ao q ue de ve sup erar a s res-
tries, tan to natu rais (ecolgicas e d em ogr ficas) qua nto interaciona is
(os outros atores), imp ostas pe lo me io. Mas a gora o inte resse se de sloca
pa ra o fato de qu e os condiciona me ntos influe m n o tan to sobre o a tor,ma s sobre sua s aes, sua s escolha s, sua s decises, sua s cond uta s. Estas,
em cada contexto espe cfico, conforme se ajustem a o me io, comportam
ou n o determina dos be ne fcios9.
Influncias
Detenh amo-nos um mome nto para de ixar bem claro em qu e consis-
te a racionalidad e d a free choice ba rthiana (Barth 1990). Toda s as e xpli-caes de Barth p odem ser t rad uzida s com facilida de pa ra a ling ua ge m
da s teorias d a ao ou, em termos sociolgicos, pa ra u ma an lise q ue ,
ao bu scar o sen tido d a condu ta do ator ind ividu al, pa rte de sua s metas
e exp ectativas. Ma s no se trata, alm d isso, de q ua lqu er ao, e sim d e
um modo d e a gir bem de termina do, localizado, sem rodeios, no plano d a
racionalida de we be rian a voltada pa ra os fins (Zweckrationell), da razo
instrume ntal d e Parsons ou, remontando u m p ouco no temp o, da ao
lgica de Pareto. Trata-se d e um a avaliao crt ica b asea da no clculo
de custos e b en efcios, no interior de u m con texto explcito de me ios e fi-
na lida de s (Webe r 1993; Parsons 1968). Nessa nfase to ma rcada na ati-
vida de raciona l do indivdu o, ne ssa de fesa sistem tica d o pode r da racio-
na lida de e d a a o dos atores, ne sse choqu e to frontal contra os diver-
sos avatares d o fun cional ismo, encontramos um un iverso coeren te d e
id ias, cuja origem pod em os rastrea r em p elo men os trs influ ncias in-
telectua is distintas. Essas trad ies, ap esar de sua s proced ncias apa ren-
teme nte d esconexa s, se articulam de modo d ecisivo em Barth.
Em p rime iro lug ar, temos a influ ncia tipicame nte escan dinava
de pe nsa dores como Ha ns Albert , von Wrigh t ou John Elster , todos
opostos ao(s) funcionalismo(s), todos d efen sores de sociolog ias, filosofias
ou m esmo An tropologias com A ma isculo qu e reve lam por trs
dos atos hum an os a racionalidad e ou as racionalida de s do indivdu o e d e
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
11/28
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CO NCEITO DE ETNICIDADE 175
sua ao10 . Tamb m se pode men cionar aq ui a teoria d a escolha racional
ma is sofisticada , segu nd o a qu al os atores se relacionam pe rsegu ind o me-
tas esp ecficas e b em de finida s, ao otimizarem os meios, ava liarem a lter-na tivas, maximizarem seus p roblem as e calcularem custos e be ne fcios.
Em seg un do luga r, observamos e m Barth traos claros da influ ncia
pa rsoniana . Mais precisame nte , da teor ia volun tar is ta d a a o (Par-
sons 1968). Parsons ten tou recon ciliar a a o individu al e a e strutura so-
cial, emb ora, a crer e m seu s crticos, ten ha terminad o por sa crificar a pri-
me ira no altar da seg un da . Talvez pare a estranh a e ssa relao com o so-
cilogo am ericano, que , afina l, uma esp cie de campe o d o fun ciona-
lismo. Contudo, acima dos req uisitos e d as n ecessida de s dos sistemas edos subsistemas, a ao , para Parsons, um a condu ta ou um comporta-
me nto dirigido por ce rtos significad os, smb olos ou valores atribu dos
s coisas pe los atores, e a categoria m ais imp ortan te da ao a intera-
o, a ao social web er iana , aque la q ue leva e m conta as vontade s,
as ne cessida de s ou as me tas dos outros atores. Nos termos desse ma rco
conceitua l, sup e-se de ma ne ira ma is ou me nos imp lcita qu e a s distintas
expe ctativas se a justam, ou (em te rmos mais modern os) se n eg ociam , ou
(como est e m mod a dizer) se reinterpretam mu tuam en te. Apesar d o ca-rter algo intrincad o da lgica p arsonian a, o que imp orta qu e os atores
de Barth os qua is, em bu sca d e d eterminad as me tas, escolhe m certas
condu tas pa ra a lcan- las , en frentan do rest r ies imp ostas p elo meio
(na tural e social) lem bra m m uito os atores ou a s pe rsonalida de s a
que m cabia, nos un it acts de Parsons, leva r ad iante a a o social (i.e., as
configu raes mnimas n as q ua is ocorre a ao: meio/s concreto/s, fim/ ns
concreto/ s, cond io/ es concre ta/ s) (Parsons 1968).
Em terceiro lug ar , no p odem os ign orar a local izao da obra d e
Barth d en tro da a ntropologia social britnica ou, mais precisam en te, den -
tro de u ma de suas vertentes. Nosso autor inscreve-se em u ma corrente
de g rand e influ ncia, qu e pod em os remontar at Ma linowsk i, pa ssand o,
sem m aiores problema s exeg ticos, por Raymond Firth e Edmu nd Leach,
men tor do norueg us em Cam bridg e.
Na s obras de Ma linow ski, pod e-se ide ntificar trs tema s to cruciais
qu an to recorrentes. Prime iro, a idia de q ue , pa ra ser bem compree nd ido,
um aspecto de uma cultura n o pode ser estuda do isoladam ente, mas ape-
na s em seu contexto em pa rticular, em seu contexto de uso. Seg un do, a
id ia d e qu e n o pod em os confiar na s racionalizaes das pe ssoas nem
nas reg ras e normas ou, em outras palavras, de qu e a s pessoas sempre
dizem ou p en sam u ma coisa e fazem outra. Terceiro, a n oo de q ue , se
compreen de rmos o qu e os atores realmen te fazem e os situarmos em u m
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
12/28
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CONC EITO DE ETNICIDADE176
contexto ade qu ad o, reconhe ceremos qu e suas a es so to racionais, ou
ao me nos to razoveis, qu an to as nossas. O ob jeto de estudo m alinow s-
kian o , pois, o indivdu o raciona l, que calcula, avalia e ma nipu la a s pos-sibilida de s e m seu prprio b en efcio11 . Para a lm da s investidas contra o
Hom o e conom icus , em Crime and custom in savage society o polon s tam-
bm observa: Quan do o na tivo pude r evadir suas obrigaes sem p erder
prestgio ou p rejudicar seu s gan hos almejados, ele o far, exatam en te co-
mo u m home m d e ne gcios civilizado. Verem os logo como os traba lhos
de Bar th repe tem integralmen te o argum ento: os lderes p at tan tm as
me smas motivaes de seus h omlogos ocide ntais e se comportam como
eles; a famlia b asseri e xatam en te igua l fam lia ociden tal etc.De ra zes d urkh eimian as, as tese s estrutural-fun cionalistas ma is exa-
cerba da s en fatizava m, na te rminologia de Rad cliffe-Brown , as pe ssoas
por sobre os ind ivdu os. Em suas verses m s, elas ima ginava m u m
mun do de autmatos passivos a obe de cer cegam ente as normas sociais.
Na s varian tes boa s, celebrava m a racionalida de dos sistema s. Long e
de tudo isso, Malinow ski e m uitos de seu s discpu los optaram (como bons
atores raciona is) por se de dicar an lise da s tenses en tre os inte resses
ind ividu ais e a orde m social , estudan do a a mbigidade das reg ras e ascontradies e ntre distintos impe rativos sociais, an alisan do a ma nipu la-
o individu al dos sistem as p olticos e comp razen do-se com a raciona li-
da de da s escolha s, da s estratgias e d as opes individu ais. Essa influ n-
cia pa tente nos t raba lhos d e Philiys Kab erry, Aud rey Richard s e Lucy
Mair, pesqu isadoras malinowskianas d e p rimeira hora, e a ind a mais em
Firth, cujo inte resse ob sessivo pe la toma da individu al de d ecises era
proverb ial (Firth 1949, Kup er 1983:134), em Isaa c Scha pe ra, cuja a n lise
da lide rana p olt ica seg uida a o p d a le t ra p or Bar th, e em Ed mu nd
Leach o Lea ch de segu nd a a sexta-feira, o de Sistem as polticos da A l-
ta Birm nia ou Pul Eliya, no o estruturalista dos fins d e se ma na 12. O mes-
mo se pode ria d izer de b oa pa rte d a obra d e outros grand es an troplogos
de C amb ridg e: Meyer Fortes e Jack G oody, que mais o seg un do qu e o
primeiro estuda ram camp os estruturados em torno de regras amb gua s
e p rincpios conflit ivos, nos q ua is os ind ivduos comp ete m, procura nd o
ma ximizar seu status, prestgio, pode r ou influ ncia.
O ator racional
Falta d em onstrar , en to, a influ ncia profun da de ssas t rad ies no
trab alho de Barth, a qu al se trad uz em um a p rima zia d o ator racional co-
mo re curso conceitual e me todolgico. Tal influxo p ode ser p erceb ido n o
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
13/28
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CO NCEITO DE ETNICIDADE 177
ape nas na conceituao da e tnic idad e, reveland o-se u ma constante em
todas as anl i ses bar thianas. Is to pode ser comprovado mediante os
exem plos do pa rente sco, da lide rana p oltica e d a teoria d a e tnicida de .Em seu estud o sobre a alian a e ntre os curdos (1954), Barth d escre-
ve o casam en to preferen cial com a prima pa ralela pa trilatera l (FBD). As
norma s costume iras expre ssam e ssa prefern cia d e forma e xplcita. Con -
sideran do-se u ma determinada mulher, seus p rimos paternos so os que
tm m ais direito a se casar com e la. Esse n vel de en doga mia m ostra-
se to apropr iad o do ponto de vista da e t iqu eta q uan to conveniente do
ponto de vista da economia da linh ag em, p ois conserva em seu interior,
sem d ivises, a totalida de da prop ried ad e familiar. Com o privilgio con-sensua l , esses pr imos pag am um preo men or pela noiva. Bar th ap re-
senta provas estatsticas pa ra corroborar a alta freq n cia d a a lian a com
as p rimas (Barth 1954:167).
Mui to bem. O noruegu s pergunta -se ento por que Ego, qua ndo
qu er casar sua filha (a q ual , diga-se de passage m, no tem l m uita free
choice ne ste caso), decide segu ir o costum e, d -la a se u sobrinh o e
baixar seu preo, emb ora pud esse perfei tame nte g an har ma is com a
t ransao, ent regan do-a a out ra pe ssoa. Em suma, o que g anha Ego a ope rde r dinhe iro, da nd o sua filha a se u BS? A resposta est n o reforo dos
laos entre ele e seu s sobrinh os, na ma nu teno d a solida ried ad e d a l i-
nh age m p aterna: O p ai da n oiva, ao dispen sar o filho de seu i rmo d e
pa ga r o preo da n oiva, cr ia um a obr igao e faz com que este de va
ap oi-lo politicam en te [. ..]. Esta transa o pod e, en to, ser pen sad a co-
mo u m tipo de troca d iferida (Barth 1954:168). O argu me nto pa rece, as-
sim, ser uma pe a d a m ais pura ortodoxia funciona lista. Observe-se, con-
tudo: aq uilo que na te oria clssica ap arecia como um a n ecessidad e es-
trutural, como um requ isito do sistema (o reforo durk he imiano d o lao
social), trad uz-se a qu i em m otivaes p essoais, clculos de ga nh os a lon-
go p razo, bu scas de be ne fcios ind ividu ais por parte d os curdos13 .
O d eslocame nto em direo ao indivdu o inten sifica-se em traba lhos
posteriores. Em u m e studo p ub licad o em 1989, Barth a na lisa a p rtica da
tecnonmia. Qua nd o os ba line ses usam tecn nimos,
[. .. ] em preg am tal costume para agra da r aos orgulhosos proge nitores do p ri-
mogn ito recm-na sc ido , dand o a teno par t icu la r a um even to pe ssoa l a
qu e esses d e m mu ito valor . Mais tarde, usand o tal nome , reme tero a esse
temp o fel iz e , ao mesm o temp o, por meio da recorda o comum , evocaro
certo sentimen to de cam arad ag em (Barth 1989:136).
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
14/28
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CONC EITO DE ETNICIDADE178
Diferen teme nte d o caso curdo, com cuja interpretao p odem os con-
corda r em algun s pontos, essa an lise em te rmos to ing n uos de p sico-
logia individu al me pa rece inacei tvel14 . Conforme e nsina a histria d aantropologia, o sentido de uma norma n o se p ode e sgotar na s expectati-
vas exp lc itas ne m na s intenes conscien tes de seus prat icantes . Por
exe mp lo, n o p reciso adotar a s pe rspectivas holsticas (ma s contrastan-
tes) de um Rad cliffe-Brown ou u m Lvi-Strau ss pa ra n os da rmos conta
de q ue os membros de uma socieda de n a q ual se prat ica o casamen to de
primos cruzados pode m faz-lo com uma a ssomb rosa reg ularida de e sta-
tstica e, ao m esmo tem po , declarar com total desen voltura q ue se casam
com q uem quiserem. Da mesma man eira, no incomum, mas extrema-me nte freq en te, o fato de os memb ros de u m grup o que p rat ica a resi-
d ncia u xorilocal e xplicarem tal norma como um pe rodo de prova pa -
ra o n ovo esposo-ge nro. Em a mb os os casos, as e xplicaes na t ivas n o
esgotam o sen t ido d as normas. Seg un do os eventua is cap r ichos das
dist inta s teorias, o sign ificad o de u m costume pod e ser e lucida do p or
me io de su as relaes com outros aspe ctos do p rprio sistema d e p a-
ren tesco (noes sobre a filiao e a d escen d ncia, a on om stica, as pr-
ticas d e re sid ncia, o emp reg o da terminologia classificatria), com ou -tros asp ectos da m esm a cultura (prticas ritua is, ativida de s produ tivas, a
lng ua ) ou, inclusive, com as culturas da s socieda de s circund an tes (como
em certas a n lises d e insp irao estruturalista). Em d efinitivo, trata-se de
relacionar u m fato com u ma srie to longa qu an to possvel de razes d e
orde m g eog rfica, simb lica, ecolgica, econm ica ou histrica, qu e se
imp em a o ind ivdu o ma s, certame nte, jam ais de ba sear a e xplicao
na qu ilo que os atores crem ou de sejam qu e o dito fato seja.
O seg un do exem plo ao qu al vou referir-me a a n lise ba rthian a da
lide ran a p oltica. A lide ran a p atha n a pia-se, tal como n o caso do pa-
ren tesco, na utilizao pe ssoal dos ciclos de reciprocida de (Barth 1990).
O che fe p rov comida , alojam en to e diverso a seu s segu idores. Em tro-
ca, estes lhe de vem lea lda de poltica. Para Barth, o lde r no e stabe lece
vnculos com sua cl ien tela de um a ma ne ira gen eral izada e homog ne a,
ma s por meio de u ma mu ltiplicida de de relaes ind ividu ais, contratos
informais did icos. Cada segu idor de cide se contrata, e com qu em con-
trata. N o existe a p riori um princpio histrico, ge ogr fico e me nos a in-
da estrutural com ba se no q ual se possam a ntecipar a s razes pe las qu ais
certo cliente se filia faco de de termina do lde r. Assim, os chefes ve m-
se en voltos em um a constante compe tio, n o s pe la h onra, pela repu-
tao, poder e pres t g io, mas t ambm pe la qu ant idad e e qua lidad e d e
sua s cliente las. Barth taxa tivo: O sistem a p oltico de Swa t, assim, n o
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
15/28
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CO NCEITO DE ETNICIDADE 179
de fine um jogo de posies estrutura is: surge do resu ltado das opes in-
dividuais (1990:4). to claro, to e vide nte o reina do e xplicativo da free
choice do ator, que me devem perdoar a longa citao:
Os indivduos so capa zes de planejar e rea lizar opes e m termos de um in-
teresse p rivad o e um a ca rreira p ol tica p essoal . Neste p onto, a vida polt ica
de Swat lembra a das socieda des ociden tais .M uitos dos ind ivduos p olitica-
m ente at ivos em Swat reconhe cem a dist ino entre o be nef cio privado e o
grupal; e, quand o se defrontam com um a deciso determinada, tend em a con-
side rar o prime iro acim a do segu nd o [...]. Assim , o sis tem a de autoridade
em termos de r e laes de dominao e de submisso , como tambm de r e -c ru tame nto das pe ssoas nos g rupos cons tri-se e se m antm m ed iante o
ex erccio de sries contnu as de e scolhas individu ais (1990:2; nfases minhas).
A postura clara: em um contexto em q ue todos os atores persegu em
suas m etas individu ais, a pe rspectiva poltica s um ma rco de me ios
e fins, dirigido a reun ir pa rtid rios em bu sca de certas m etas d esejadas .
A lealdad e, em conseq ncia, n o se concebe tanto como algo a se ofe-
recer a u m g rupo, mas como o que os ind ivdu os do em troca d e ou trosbe ne fcios (Barth 1990:2). Barth che ga inclusive a a firma r: Tod as a s re-
laes qu e implicam d omina o so relaes didicas e de na tureza vo-
lun tria ou con tratua l (1990:2)15 . A poltica consiste n a arte d e ma nipu-
lar ou can alizar essa s relaes did icas p ara criar clien telas, faces ou
gru pos e fetivos de seg uidore s (1990:3).
Em outro de seu s livros, Barth a firma q ue , entre os nma de s ba sseri,
todo o acampa men to d ecide diariame nte, por consenso, aonde se tras-
lad ar ou q ua nd o migrar. A tomada de de cises u m d os processos so-
ciais fun da me ntais da socied ad e n mad e (Barth 1986:43). Mas os praze-
res da free choice n o parece m rep artir-se d e forma igua litria, e algun s
de scobrem terem m ais direito ou fora qu e outros pa ra respalda r suas de-
cises. Por exemp lo, susten ta-se qu e a au torida de interna na fam lia
ba sseri m uito similar da fam lia ocide nta l (1986:15). Contu do, ap e-
na s um a p g ina de pois, afirma-se: O levirato e o sororato so praticados
qu ase sem exceo, me smo contra a vontade da s mulheres en volvida s
(1986:33). E descobrimos tamb m qu e, na vida cotidian a, as tran saes,
as ne gociaes, a coope rao e o intercmbio ocorrem , mais qu e e ntre o
homem e a mulher basser i , ent re o homem e seus af ins mascul inos
(1986:34).
O te rceiro camp o a reve lar a primazia do a tor raciona l , fina lme nte,
a teoria da e tnicida de . Como afirmei, ap esar do qu e norma lme nte se pe n-
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
16/28
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CONC EITO DE ETNICIDADE180
sa, a id ia d o contato, do contraste ou d a relao com os Outros como ba -
se da ide ntidad e g rupa l n o nova. Atestam -no Evan s-Pritcha rd e sua s
cleb res l inh as sobre o conceito de cieng ; Louis Dum ont e seu trabalhosobre as castas e as ideologias modern as; e u ma leg io de estud os estru-
tura listas (Dum ont 1987; 1975a; 1975b; Lvi-Strau ss 1971)16. No s a no-
o de ide ntidad e relacional foi cun ha da mu ito mais cedo d o que a teoria
ba rthian a da e tnicida de p reten de insinu ar, como seu p rprio autor j a
empreg ava an tes de d ar a conhe cer sua aclamad a Int roduo. No es-
tudo d o pa rentesco, deve mos levar e m conta a confrontao ns-eles
contida na intera o social e investiga r como a e xperincia d e q ue m so
eles molda a concep o q ue o a tor tem de ns (1973:6), afirma vaBarth, em um trabalho includo no Festschriftpa ra Meye r Fortes.
Definitivame nte, a id ia d a iden tida de relaciona l n o uma de sco-
be r ta . No obstante , a novidad e da teor ia b ar thiana est na razo pela
qu al a ide ntida de se ativa ou n o em d eterminados contextos. O arg u-
me nto simples. Em certos contextos, a expresso da etnicida de mos-
tra-se inconveniente: A fide lida de a n ormas de valor b sicas n o se p o-
de ria su sten tar em situaes em qu e, comp arat ivame nte, a p rpria con-
du ta totalmen te ina de qu ad a (Barth 1976a:31). Em bom p ortug u s: svezes, no convm mostrar a identida de tnica. O meio impe uma esp-
cie d e seleo n atu ral dos d iacrticos, e com isso retorna mos ma is um a
vez racionalida de dos custos e dos be ne fcios, ao clculo de instrum en -
tos e fins, s op es, s estratgias e s e scolha s dos a tores ind ividu ais. A
condu ta p blica de ve ser ava liad a e m e strei ta relao com as a lternat i-
vas d isponveis n o am biente . Este o corolrio metodolgico. Compre en-
de r a e tnic ida de compree nd er seu contexto. Ou melhor , os contextos
respon sveis, em cad a ca so pa rticular, por req ue rer, permitir, tolera r ou
dire tamen te ne gar sua expresso: Uma compreen so dos mecanismos
reguladores da ident idade tnica pathan d epen de de u ma compreenso
dos fatores espe ciais que , em a lgu ns casos, determinam a insustentab ili-
da de d a conservao de ssa ide ntidad e e a falta de incen tivos a ela (Barth
1976b:161). Barth formu la sua lei sociolgica d a se gu inte forma :
Esta iden t idad e s pode ser conse rvad a caso se p ossa consum ar de form a
m ode radam en te satis fatria; do contrrio, os ind ivduos ren un ciaro a ela,
em favor de outras ide nt idades , ou a a lt e ra ro med ian te uma modi fi cao
da s normas pa ra a a tribu io da identidad e (1976b:173-174; n fase s minha s).
Tentei demonstrar qu e, na m aioria das situaes, van tajoso para os atores
trocar sua etiq ue ta tnica com o fim d e e vitar o p reo do fracasso; assim, on-
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
17/28
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CO NCEITO DE ETNICIDADE 181
de e xis te uma ident idad e al terna t iva ao alcance, o resul tado consist ir em
um trnsi to de p essoal de uma iden t idad e a outra , embora n o se efetue al -
terao alguma nas caracterst icas de status (1976b:175; n fases m inha s).
Revisemos um exe mp lo concreto. Na fronteira sul de Sw at, os Pa-
than intera ge m com os Baluche . Se os prime iros se organ izam e m g rupos
de de scend n cia localizad os, os outros o faze m em che fatu ras. As paren -
telas p athan possuem um a e strutura d ificilmen te pe rme vel ao recruta-
me nto d e e stranh os; as ch efias b aluche s, fluida s e e lsticas, incorporam
com avidez n ovos me mb ros (Barth 1976b:161-162). Conseq e ntem en te,
um indivduo ou um grupo p athan que se de sligue de seus vnculos so-ciais optar por se assimilar estrutura poltica b aluche , em vez d e ficar
s (1976b:163). No leste, so ou tras a s razes da fluide z tn ica: ali os Pa-
than de vem tratar com governos fortes e cen tralizados, que re compe n-
sam a d iplomacia, a sub misso e o compromisso, cast iga nd o a de sobe-
dincia e a ade so a um a cu ltura considerad a a rcaica e r idcula: conti-
nuar pre tendendo se r pa than no lhes dar vantagem a lguma
(1976b:169). Fina lme nte , no n or te , os Patha n tam b m a ba nd onam sua
ide ntidad e tn ica, em bora por m otivos distintos: assimilan do-se aos Ko-histani , consegu em certo respe ito e a lgu ma ind ep en d ncia (1976b:170-
172). No primeiro caso, busca-se seg uran a; no segu nd o, o ing resso em
uma socieda de percebida como mais poderosa e r ica em oportun idad es;
no terceiro, tranq ilida de e ce rta au tonomia. As causas e os objetivos mu-
dam , mas, pa ra o patha n d esafortunad o, o procedimento semp re o mes-
mo: observand o que sua iden tidad e lhe traz de terminad os problemas, es-
tuda e aval ia as a lternat ivas d isponveis e , fina lmen te , opta pe la ma is
proveitosa d elas. Barth n o v inconven ien te a lgu m n o fato e, por ve-
zes, o celebra de qu e a e tnicidad e acab e send o unicame nte a cap aci-
da de d e o ator se livrar dela qua nd o lhe convier.
A ling ua ge m m ais qu e reveladora: os a tores bar thianos passam
seus dias escolhe nd o, optan do, ne gocian do, avalian do, calcu-
lan do e ma ximizand o (Barth 1954; 1959; 1967; 1976a; 1976b; 1986;
1990). Quan do se trata de concebe r a a o em socieda de, Barth ape la p a-
ra a libe rdad e ou a ra cionalida de absolutas do indivdu o qu e, calculado-
ra na m o, ava lia crit icame nte os custos e os be ne fcios de cad a u m d e
seus atos17. A obra d o norue gu s , inteira, uma invocao ao a tor racio-
nal, uma defesa das razes e d os contextos de sua ao.
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
18/28
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CONC EITO DE ETNICIDADE182
A concepo int eracionista da sociabi li dade
Fina lizemos de stacando como essa nfase me tdica n a onipotn ciado a tor se traduz, com facilida de alarmante, e m u ma concepo interacio-
nista do lao social. Ada m Kupe r observou como Barth, u m d os melhores
alunos de Leach, desen volveu outro tem a, dirigindo sua a ten o para as
estratgias ind ividu ais e p ara a m an ipu lao d os valores, e elab orand o
um mod elo tran saciona l da s relae s sociais (Kupe r 1983:166). Firth d is-
ting uia conceitua lmen te a e strutura social (o sistema de constrang imen -
tos institucionais, simb licos e d e condu ta q ue limitam a s opes d o indi-
vdu o) da org an izao social (o resu ltad o concreto da s escolha s feitaspe los a tores, de acordo com ta is limitaes). N o satisfeito em privileg iar
claram en te a segu nd a instncia, Barth leva o raciocnio um pa sso alm ,
tratand o-a como cau sa d a primeira: C onside ro razovel pe nsa r as ins-
tituies ou os costum es sociais como a ag rega o complexa d e n um ero-
sos microeven tos de condu ta, basea dos em de cises ind ividu ais mediante
as q ua is cada pe ssoa tenta e nfren tar a vida (1973:5). As opes e a s es-
colha s cotidian as dos indivdu os (org an iza o social) acu mu lam -se e
constitue m, n o prp rio p rocesso da inte rao, os n ovos laos sociais (e s-trutura social)18 . claro qu e p ara e le a s decises e as aes d os ind iv-
du os so a causa d ireta da socied ad e. As pe ssoas criam o sign ificado
do tnico na inte rao social, ou melhor, em cada interao19. O sign ifica-
do, nessas ocasies, se ajusta reciprocamen te seg un do a s expe ctativas
m tuas, ou me lhor, se negocia20. No surpreende que Barth tenh a de dica-
do p esqu isas esp ecficas ao problema dos entrepreneurs, promotores p ri-
vileg iad os em sua opinio da mu da na social (Barth 1967).
No caso pa rticular da e tnicida de , Barth d espe cial nfase aos asp ec-
tos sub jetivos ou volun taristas da a o: trata-se clara me nte d e u ma q ue s-
to de au todefinio (um fator sub jetivo) e, no me lhor d os casos, de d efini-
o p or pa rte d os outros (um fator, no m ximo, inte rsub jetivo). Fora a ino-
pe ran te ecologia, no h n otcia d e fatores objetivos, restries, cond icio-
na nte s, coero, coao. Asad critica Barth com razo: Sua id ia de orga-
nizao n o m ais que o fun cioname nto, em um nvel superior, do mesmo
tipo d e cond uta contratual e m aximizadora do indivdu o (Asad 1972:79).
O cu rioso qu e Barth p ode ria ter interpretad o a crtica de Asad co-
mo um elogio. Em 1967, nosso autor j p ostulava q ue se d eve e studa r a
mu da na social e n o a institucionalizao (em termos ma is mode rnos, o
processo e n o a forma; nos term os de Firth, a orga nizao social e n o a
estrutura social). A mu da na social no algo ab strato, mas pe rceptvel
na a o dos ind ivdu os. in til formular hiptese s sobre as me tas, as
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
19/28
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CO NCEITO DE ETNICIDADE 183
u tilida de s ou as funes da s socied ad es, como fazia Rad cliffe-Brown.
Tamp ouco de g rand e serventia rastrear uma suposta racionalidad e do
sistem a, como pre ten dia Parson s. O lao social cria-se n as d ecises coti-dian as, nas transa es particulares en tre ind ivdu os concretos que calcu-
lam , julgam e a valiam os resultados de suas a es. A socied ad e um a
mera ad io, um a greg ad o esta t s tico, um ep ifen men o da s interaes
pa rticulares. Os homen s criam ou constroem seu p rprio mun do e,
conseq en teme nte, o mode lo para exp lic-lo deve ser ge rativo:
Devem os incorporar em nosso modelo de como a cultura ge rada tanto um
olha r dinmico sobre a expe rin cia, resultad o da construo de even tos pelosindivdu os, como um olha r dinm ico sobre a cr iat ividade , resu ltad o da luta
dos atores pa ra sup erar a resistncia por pa rte do m und o (Barth 1989:134).
Ma is especificame nte, a socied ad e a soma e a rep etio das a es
ou construes bem -sucedida s. Barth supe q ue a socied ade e steja
na me nte dos indivdu os concretos, na forma de me tas, objet ivos, valo-
res, necessidade s, expectat ivas. A ao social precisam en te a sat isfa-
o ou o cum prime nto de ta is necessida de s em u m me io de interao,compe tio, coopera o ou antag onismo: a s pessoas decidem p articipa r
de u m grup o, levan do em conta as recompen sas que e speram obter [.. .]
se as recompen sas forem grand es, pode-se e sperar que esse comporta-
me nto seja imitad o por outros; se, por seu tu rno, os resu ltad os no forem
de sejveis pa ra o ator, n o ha ver imitao (Barth 1967:668). O sen tido
do tnico neg ocia-se em cada interao, qu ase como uma tran sao en-
tre igua is. exceo d os fatores ecolgicos e de mogr ficos ou d as m -
tuas e xpectat ivas dos atores, n o h estrutura ou cond io externa a li -
mitar, obstruir ou seq ue r perturba r a plena sobe rania da s partes.
Palavras finais
Talvez a prova mais contun de nte d a importncia d a teoria b arthian a d a
ide ntida de tnica seja a qu an tida de d e de fesas e crt icas granjead as ao
longo d o tempo. Trata-se, sem d vida , de u m m arco na teoria a ntropol-
gica. ind iscutvel sua re levn cia n a fun da me nta o terico-me todol-
gica d a e tnicida de (Wallma n 1991; Brione s e Siffred i 1989; Coh en 1978)
na s pe squ isas sobre su as implicaes p rag m ticas ou p olticas (Morin e
Salad in DAng lure 1997; Fen ton 1999) e, inclusive, nos estu dos d e ca so
(Skar 1997). Mas justamen te p or sua e norme difuso, vejo-me ob riga do a
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
20/28
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CONC EITO DE ETNICIDADE184
opor-lhe algun s repa ros. As formulaes b arthian as e ncobrem ou m e-
lhor, sustentam -se sobre um a p eculiar concepo d as relaes entre o
ser huma no e sua vida e m socieda de. No pode mos aceitar sem m ais aidia de um ator qu e opta ou escolhe em cad a contexto uma iden ti-
da de tnica, pa ra aba nd on-la to logo ela lhe re sulte inconven ien te21.
Em p rime iro lug ar, seria possvel invoca r com facilida de casos em p-
ricos nos qu ais ind ivdu os ou g rup os se a ferram sua ide ntidad e tn ica,
mesmo q uan do i sso lhes cau sa problema s . A e tn ic idad e p ode t amb m
exp ressar, volun tria ou involun tariam en te, o status infer ior de uma
minoria e m face d e u ma maioria, sem ser aban donad a, apesar de sua in-
convenin cia e stratg ica.Em segu ndo luga r, Barth de screve u ma espcie de jogo de au todefi-
nio, no qu al as opes tn icas exp ressariam a iden tida de g eral mais
bsica. Apesar de se ver forado a reconh ecer qu e a ide ntida de tnica
impe rativa (1976a:20), nosso autor n o d esen volve e sse tem a. Parad o-
xalmen te, pre ssupe , assim, um a tor qu e calcula e ra ciona liza, mas qu e,
ao mesmo temp o, carece de m emria e deve enfren tar a pen osa tarefa d e
comear do zero em cada interao, sendo incapaz d e p assar das impre-
cises iniciais de cad a e ncon tro com o Outro a algu m tipo de a valia o,ind uo ou expe ctat iva g en eral izada , apta a servir ou condicionar
suas interaes futuras.
Pela mesm a razo, deve-se re la t ivizar a tese d e qu e o a tor calcula
custos e ben efcios antes de e mp reen de r qua lqu er ao. Como assina la
Webe r, n o comum en contrar um a tor qu e oriente sua condu ta exclusi-
vame nte por u m c lculo racional de me ios e fins. Efetivam en te, as de ci-
ses concernen tes e tnicida de como qu alque r outra ao social po-
de m respond er a tal clculo, mas tamb m p odem ob ed ecer a um a moti-
vao va lorat iva, afet iva ou tradiciona l, ou m ais provavelmen te a u ma
mistura de todas e las (Web er 1996:20). No se p ode ign orar o fato de qu e
as exp ectativas, as metas e as motivaes p essoais se e ncontram cole-
tivame nte condicionad as. Como se sab e d esde Freud, Durkhe im, Marx e
Nietzsche, as opes e as escolha s dos indivdu os no se fazem em
um vazio p sicolgico e mu ito me nos e m um vazio sociocultura l. Poder-
se- recorrer s categorias de Durk he im e M au ss, ideologia ma rxista
ou me smo aos jogos de op osies men tais com qu e se d eleitam a s teorias
de inspirao estruturalista, mas e m todo caso a condu ta hu ma na en con-
tra-se sem pre su jei ta a algum t ipo d e cond icionam en to. A id ia d e u ma
vontade ou u ma rac iona lidad e impe r turbad a e impe r turbve l , a reger
com exclusivida de os de stinos d o ator ind ividu al, , tud o leva a crer, to-
somen te um a iluso.
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
21/28
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CO NCEITO DE ETNICIDADE 185
Em terceiro lug ar, o fato de a etnicida de ser n eg ociad a n o a im-
pe de de pode r se voltar contra os atores, conge lan do certos diacrticos
qu e em bora Barth n o o qu eira reconh ecer se sedimen tam como re-quisitos sine qua n on de p ertencimen to grupa l. Os gru pos tnicos rein-
ventam -se, e n o pre tend o neg ar tal afirmao, mas isso no incompa-
tvel com a id ia de o fazere m com ba se e m cond ies transmitida s, insti-
tuciona is, t radiciona is, qu e p ode m ser variveis, ma s qu e e xistem e se
imp em s din micas de p ertencimento tnico. O arg um en to do norue-
gu s , com isso, cond uzido de volta a seu incm odo p rincpio. A teoria
da etnicidad e n o se p ode b asear somente n o momen to criat ivo (e ca-
rismtico) da constituio d as fronteiras tnicas, ma s de ve tam b m con-temp lar, ne cessariam en te, o processo de instituciona lizao de sses li-
mites. Isso nos leva a u m novo problema . Os gru pos de dicados a n eg o-
ciar sua s estratg ias em cada interao ge ralme nte n o dispem, todos,
dos me smos recursos para faz-lo: algu ns so ma is igu ais que outros e
tm ma is possibilida de s de ma terializarem a s ide ntidad es qu e lhe s con-
vierem 22 . Barth cheg a a ind icar essa condio, mas ap en as insinu an do-a
acanh ada men te em suas obscuras le is ecolgicas . A etnic idad e u m
processo an corado e m con dies histricas concretas. Os g rup os sociaisimersos em um mesmo a mbiente d e compe t io nem sempre so sim-
bit icos ou complemen tares, e e ntre eles h d esigu aldade s de p oder
imp ossveis de serem ign orada s caso se pre ten da re velar como se fixam
sua s resp ectivas ide ntidade s (Fen ton 1999; Brione s e Siffred i 1989)23.
Ao defende r at a s ltima s conseq ncias a primazia do a tor, ao com-
ba ter os enferrujad os fan tasma s do fun ciona lismo, ao ign orar delibe rada -
me nte os sistema s, as estrutu ras, as hierarq uias e todas as restries pos-
sveis, pa rece qu e Barth pe rdeu algo pelo caminho. No se pode escapa r
a u ma coero excessiva simplesmen te ign oran do-a, nem a et ique tando
como ecologia . Em u m m odelo no qu al a free choice do ator ind ividu al
re ina soberana na hora d e e xplicar a a o, tudo faz crer que a e cologia
en tra pe la jane la, pa ra salvar a falta de condiciona ntes sociais ou estrutu-
rais um recurso qu ase d esesperad o pa ra estabelecer algu m t ipo d e l i-
mite e m situaes nas qua is a me ra transao, a escolha ou a neg o-
ciao en tre os grup os tnicos ou os ind ivdu os no b astam pa ra com-
preen de r problema s sociolgicos concretos.
Recebido em 30 de julho de 2003
Aprovado em 28 de jan eiro de 2004
Tradu o de Srgio Paulo Bene vides
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
22/28
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CONC EITO DE ETNICIDADE186
Dieg o Villar pe squ isad or-bolsista d o Con sejo de Investigaciones C ientfi-cas y T cnicas (CON ICET), Arge ntina . E-ma il:
Notas
* Agradeo aos senhores Pab lo Send n e Jos Brauns te in , e t amb m a u m
pa recerista annimo de Mana, por seus va liosos come ntrios a um a primeira ver-so deste a rtigo.
1 Qua renta n a ed io em e span hol; na e dio original ing lesa so ap ena s 29.
2 Os fatos emp ricos que sustentam essas af irmaes so os que nosso autorrepe tir ia integralme nte, sem retoqu es ne m pru ridos em se u posterior e me -nos ign orado estud o sobre a ide ntidad e dos Patha n (Barth 1976b).
3 Podemos perguntar que socieda de n o i lustrar ia e sse postulado. Desde as
velhas polmicas sobre o totemismo austral ian o, sab em os qu e, em cada socieda -de , as formaes simblicas ne ga m, afirmam , projeta m, refletem (preen cher a s la-cuna s com o verbo que se qu eira) certas ima ge ns do am biente; ou, em te rmos l-v i- s tr auss ianos , que o bom p ara pe nsar t em a lgo a ver com o bom p ara co-mer . N o a pen as lg ico , mas to ta lmente p rev is ve l , que os Nue r e os Dinka ,povos emine ntem ente pa storis, abu nde m em smbolos relacionad os ao gado. Masisso no tud o. Por trs da insistn cia nos fatores t cnicos, ma teriais e ad ap -tat ivos como veculos privilegia dos do simb olismo r i tual , Barth a firma q ue , aoterminar a sede ntar izao forad a sofr ida pe los Basser i, mui tos deles d ecidiram
voltar rotina nmad e, ap esar de isso no lhes convir em termos de custos e be -ne fcios. Em lt ima instn cia, pois, as p rprias migra es n o pode m ser com-pree nd idas por razes ad ap tativas ou uti li tr ias, e sua e xplicao profun da d eveser rast rea da em sua forma d ram t ica e plena de sen t idos impl citos (Bar th1986:153). Ou, em ou tras pa lavras, median te u ma lei tura a ntropolgica trad icio-na l; com isso, todo o barulho em torno de um a pe rspectiva e colgica se m ostradesconcertantemen te de spropositado.
4 Por exemp lo, note-se a am bivalncia de ssa frase : Para os Basseri , inves-t ir t raba lho em qua lque r co isa q ue no se ja cu idar d os an imais ou sa t is fazer a s
ne cessida de s imed iatas pa ra acomodar os me mb ros do grupo domstico req uere -ria formas d e organ iza o inexisten tes e ntre eles (Barth 1986:101).
5 Recordem os uma vez mais os Nuer e os Dinka de Evans-Pritchard e God-frey Lienh ardt , trabalhos em qu e a a teno dad a ao pa pel do gad o supera larga-me nte a extens o descritiva, o pe so explicativo e a qu alida de interpre tativa da s te-
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
23/28
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CO NCEITO DE ETNICIDADE 187
ses ecolgicas de Barth. Estudos aind a m ais antigos, como o de Ma uss e Beucha tsobre os esquims, concede m ecologia uma imp ortn cia igua l ou supe rior en-contrada nas monografias barthianas. Qualque r americanista se pode pe rguntar o
que o enfoque d e Barth tem de espe cificame nte ecolgico, se compa rado a cer-tos trab alhos de Philippe Descola ou, ainda, hoje ma is ou me nos furtiva, ma s sem-pre infatig vel , e cologia cultura l norte-ame rican a. qu ase d esolador se ver oprprio Barth reconh ecer , no prlogo de sua e tnografia b asseri , qu an do revela a smotivaes para a dotar a orien tao ecolgica, qu e a lguma s razes pode riamser subjet ivas e refle t i r mais as nece ssidad es p essoais do pesqu isador qu e os re-quisitos ana lticos do ma terial [] algum as facetas d a vida nma de se m ostram tosurpreen den tes para u m me mb ro de u ma socied ad e sed en tria [] (Barth 1986).
6
Pablo Sen dn sug eriu uma lei tura al ternativa da ecologia barthiana , loca-lizan do-a de ntro do amp lo espe ctro de estudos sobre socieda des p astoris, no qua la ecologia cultural g oza ainda de grand e predominncia. Nesse contexto, o mo-delo do noruegu s ope-se a os enfoque s redutores que ve m na ecologia o de ter-minante todo-poderoso da condu ta hum ana ; e , em conseq ncia , o que in terpre-tamos como uma inconsistncia pode ser pe nsad o como um a van tage m exp licati-va (ver Kha zan ov 1994).
7 Conforme assinala Goody, a d istino virtualmen te inexisten te n as cin-cias sociais ang lo-france sas en tre socied ad e e cu ltura tipicam en te pa rso-
nian a (1995:146). Como comp rovaremos, o fato de Barth te r sido a luno de Parsonsteve suas conseqn cias.
8 Cha ma a a ten o mais a inda em u m d i sc pu lo de Par sons e em a lgumqu e de nu ncia falhas de lgica (Barth 1976a:12) no olha r alheio a surp ree n-de nte interpretao ba rthian a das t ipologias e dos t ipos ide ais (1976a:11, 13,24 , 36). Caso se t r a tasse de um t ipo web er iano e m sen t ido es t r ito , a e qua ouma terra = uma etnia = uma cultura = uma l ngu a n o seria um a sntese indu tivaa reu nir as caracter s t icas qu e cer tos grup os d e v e m ter pa ra serem qu al ificad os
de tnicos (em suma , a acep o de sent ido comum: temos uma def inio ge rale ve mos logo se o caso p art icular se en caixa n ela). Tratar-se-ia, pelo contrrio,de um recurso heur s tico, de uma const ruo me todolgica q ue exace rba cer tostraos do fen men o para logo cotejar com ela o caso pa rt icular , do qu al se bu scaapreender a singularidade . Tend o em m en te preocup aes comun s a Dilthe y, Win-de lban d, Ricke rt, Somba rt e Simme l, a sociologia we be rian a bu scava esclarece r asingu lar idad e, no a g ene ralidad e d o fenme no ou a individua lidad e (e n o oindivdu o) qu e se conside rava e m cad a caso (Web er 1993; Ben dix 1960; Parsons1968; Aron 1985).
9 Por exem plo, a tese d a br i lha nte m onograf ia sobre os lderes pa than ade seu constante recurso free choice a d espe ito de todas a s rest ries imagin-veis: p gina a ps p gina, de sfi lam ocasies em qu e os Patha n ignoram olimpica-men te a de scend ncia, a al iana , a localida de, a e xplorao, a socied ade coloniale todo l imi te concebvel, fazen do a cad a m omen to o qu e lhes d vontade (Bar th1990).
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
24/28
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CONC EITO DE ETNICIDADE188
10 O nome d e um a de ssas teor ias revelador : egonomics (ver Elster 1997:esp . 37-109).
11 Foi a insistncia n o ind ivduo vivo, ativo e de dicado a o clculo qu e d eus mon ografias d e M alinowski sua vital idad e e as fez contrastar de man eira not-vel e inovad ora com o traba lho de outros antroplogos (Kup er 1983:27).
12 Um dos argu me ntos mais fam osos de Leach ce ntra-se na competio fe-roz en t r e ind iv duos que p rocuram ob te r ou maximizar seu poder po l t i co(1954:10).
13 Pessoa lmen te, pre ferir ia d ist ing uir en tre os nveis sociolgico e ind ivi-
dua l da cau sal idad e. Esquecen do os astutos ensiname ntos mal inowskianos sem falar de O suicdio, de Durkh eim , Barth limita su a e xplica o s raciona li-zaes exp lcitas e de clara da s dos sujeitos. No en tan to, talvez sem p erceb er, afir-ma, pouco dep ois, que os jovens tomam a deciso correta, mesm o quand o subje-tivame nte pa ream se ntir, e invariave lmente a firme m, que s o inteirame nte livrespa ra bu scar cnjuge s ond e qu iserem (Barth 1954:168). Esta correo , pre cisa-me nte, clam a p or uma explica o sociolgica.
14 N o pre ciso recordar aq ui as crticas feitas por Ne ed ha m (1962) s ten -tat ivas de explicar o pa rentesco em termos de psicologia individual . S acrescen-
tarei, a ttulo de de fesa da disciplina , que o prprio Edward Tylor, j em 1889 (ceman os exatos antes d o art igo de Barth) , tentava explicar a tecn onmia, pond o-a emrelao com outros aspectos dos sistem as d e p are ntesco e com instituies so-ciais como a u xorilocalida de e a evita o ritua l dos sogros (Tylor 1889).
15 Bar th t em o cos tume de es tend er a compa rao econmica a todo tipode r e lao conceb ve l . Mas t e r ia s ido bom que ind icasse d e m odo prec i so comque noo de economia ou me rcado ele est t rabalhando. Bar th sabe per fei -tamente qu e, ao receber remunerao, um pathan automat icamente se reconhece
como infer ior a qu em lhe p ag a (Bar th 1990:42-ss .). A compleme ntar idad e en treum l de r e seus segu idores n o impl ica s imetr ia e , have nd o dominao de q ua l-qu er t ipo, fa lar d e free ch oice parece-me uma qu imera . Na m onografia b asser i,nosso autor v, no vncu lo en tre um p astor e seus servidores, u m contrato econ-mico explcito (Barth 1986:21). Embora a s tarefas p astoris em q ue sto sejam evi-den temente produt ivas ou econmicas, no se bu sca u m indivduo qualquer para execu t - las . No pode se r e Bar th o r econhece nem um outs ider n e mum paren te de masiado prximo; se u m casa l estr il e n o tem f ilhos, buscar oBS do ma rido. A que sto do traba lho, p rime ira vista p uram en te e conmica, im-p l ica t amb m um a prefe rnc ia , uma esca la de soc iab il ida de ou a o menos uma
conceituao valorativa dos grau s paren tais de p roximidad e/ distncia. Em todosesses casos, as met foras economicistas da a o social pare cem imp recisas.
16 possvel que algum ling ista acrescente n o ser faan ha alguma afirmarqu e o sen tido d e algo relacional, sobretudo me io sculo dep ois de Sau ssure.
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
25/28
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CO NCEITO DE ETNICIDADE 189
17 Ao menos um au tor levan tou a voz para cr i ticar a ideologia e o etnocen-t r ismo impl citos nesse t ipo to a ng lo-saxo de viso d a hu ma nidad e (Du-mont 1987; 1975a). Talal Asad iden tificou, na concep o ba rthiana do ser h um a-
no, rem iniscn cias do h o mo h o mi n i lu p u s de Thoma s Hob be s (1972:80-82). Namonog raf ia e scr ita a p ar t ir das n otas de ca mp o de Pe hrson, por exemp lo, Bar thn o consegu e e vitar a projeo de sua p ecul iar an t ropologia sobre os Marr i Ba-luch , suge r indo qu e sua imag em d o se r human o cons is t e em u ma cr ia tu ra m ,eg osta e oportu nista (Barth 1966:27).
18 Em trab alhos poster iores , Bar th de fen de u um a converg n cia com asteorias qu e en fatizam a ch am ad a con struo social da rea lida de (1989:123). Atermino log ia d e Bar th a paren teme nte m uda mais que suas id ias : nesse mesmo
artigo, a socied ad e plural de Furnivall t ransformou-se e m socieda de comp le-xa (Barth 1989:124).
19 Asad acredita coexist irem em Barth dua s tendn cias em u ma ten so noresolvida: o funcional ismo clssico e os e studos m ode rnos in teracionis tas(1972:93). No e stou de acordo: em Bar th , a se gun da tend n cia sobre pujou emu ito a primeira.
20 Segu nd o certa crtica, esse tipo de conceitua o individu alista e contra-tual traz implcitas todas a s prem issas ideolgicas do l ivre me rcado e do cap ita-
l ismo (Asad 1972:80). As prprias de scries ba rthian as revelam ha ver laos desolida r ieda de en tre os memb ros das c lasses exploradoras e e xplorada s, en t re osque podem exercer uma opo polt ica s ignificat iva e a que les que n o o pode m.Por isso, trata-se de re laes diferen tes das q ue d efine m um sistema d e me rcadopu ro, no qu al o comp rador individu al, em sua b usca incessa nte d e b en efcios, lidacom o vend edor ind ividua l como um igua l em te rmos d e d i re i tos e obr igaes(Asad 1972:85).
21 Os en foque s inst rum en tal is tas n o s he rdaram esses di lem as, como
os exploraram a t o l imite. Os grup os tnicos so s grupos de in te resse . J n ointeressa se a s fronteiras tnicas existem ou como se produ zem : importam some n-te a s razes p elas q ua is convm ou n o ativ-las (Briones e Siffredi 1989).
22 Nas pa lavras de Asad : Em luga r de uma organ izao depen den te dasopes pol ticas d e toda s as pe ssoas (i .e . , um a orga nizao cr iada p or meio detransaes volunt rias e ind ividu ais entre os qu e b uscam ap oio polt ico e a que lesque o podem prover), encontramos uma estrutura na qua l as escolhas p olt icas dama ioria so e m boa me dida ilusrias ou irrelevante s (1972:90).
23 Na verdad e, Barth p osteriormente modificou sua postura e m ce rto sen ti-do: os atores qu e continua m sen do onipotente s ag ora esto p osiciona dos(1989:134).
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
26/28
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CONC EITO DE ETNICIDADE190
Referncias bibl iog rf icas
ARON, Raym ond . 1985. Las etapas de l pensamiento sociolgico. BuenosAires: Siglo Veinte.
ASAD, Talal . 1972. Market model ,c lass s t ruc tu re a nd consen t : a r e -considera t ion of Swat pol it ical or -ganization.Man , 7(1):74-94.
BARTH, Fredrik. 1954. Fathe rs broth -
er s daughter marr iage in Kurdis-t an . South we s tern Journal o f An -thropology , 10(2):164-171.
___ . 1956. Ecologic re la t ionsh ips of e thn ic g roups in Swat . Amer ican
Anthropologist, 58(6):1079-1089.___ .1959. Segmentary opposi t ion
and the the ory of gam es: a study inPa than o rgan iza t ion . Journal ofthe Royal An thropological Institute ,
89:5-21.___ . 1966. Preface . In: R. N. Pehrson ,
The social organ ization of th e M arri
Baluch ( compi led and ana lyzedfrom his notes by Fredr ik Bar th) .Chicago: Aldine Publ ishing Com-pa ny. pp . vii-xii.
___ . 1971. Th e syste m of social strati-ficat ion in Swa t , Nor th Pa kistan .
In: E. Lea ch (ed.),A spe cts of castein Sou th Ind ia , Cey lon and N orth-W est Pakistan . C am b r id g e : C am -br idge Universi ty Press . pp. 113-146.
___ . 1973. Descen t and ma rr iag e re-considered. In: J. Goody (ed.), Th echaracter of kinship . Lond on: Ca m-bridg e Un iversity Press. pp . 3-19.
___ .1967. On the s tudy of social
change .A m erican A nthropologist,69(6):661-669.
___ . 1976a. Introdu ccin. In: F. Barth(org.),Los grupos tnicos y su s fron-teras. Mxico : Fondo de Cul tu raEconm ica. pp . 9-49.
___ . 1976b. Los patan es: su identidady conse rvacin . In: F. Barth (org.),
Los grupos tnicos y sus fronteras .M xico: Fondo de Cu l tura Econ-mica. pp . 152-176.
___ . 1986 [1961].N om ads of South Per-sia: the Basseri tribe of the Kham seh
confederacy . Illinois: Wave land Press.
___ . 1989. Th e a na lysis of culture incomplex societies. Ethnos, 54(3-4):120-142.
___ . 1990 [1959]. Political leadershipamong the S wat Pa thans. London:The Athlone Press.
BENDIX, Reinh ard . 1960. M a x W eb er .Bue nos Aires: Amorrortu.
BRIONES, Claudia e SIFFREDI, Alejan-dra . 1989. Discusin introdu ctoria
sobre los lmites te ricos de lo tni-co . Cuadernos de A nt ropo log a,2(3):5-24.
COHEN, Ronald. 1978. Ethnicity: prob-lem and focus in Anthropology.
Annual Review of Anthropology,7:379-403.
DUMONT, Louis. 1975a. Preface to thefrench ed ition of The N ue r. In: J. H.
M. Beattie e R. G. Lienh ard t (ed s.),Stu dies in social anthropology . Essay sin m em ory of E. E. Evan s-Pritchard b y
his form er Ox ford Colleag ue s . Ox-ford: Claren don Press. pp. 328-342.
___ .1975b. Introduccin a dos teorasde la antropologa social. Barcelo-na: Anagrama.
___ .1987.Ensayos sobre e l ind ividu a-lism o. Una pe rspe ctiva an tropolgi-
ca sobre la ideologa moderna. Ma-drid: Alianza .
ELSTER, Jon . 1997. Egonomics. Barce -lona : Ge disa.
FENTON, Steve. 1999. Ethnicity, racism,class and culture . London: MacMillan.
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
27/28
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CO NCEITO DE ETNICIDADE 191
FIRTH, Raym ond . 1949. Authority andpu bl ic opinion in Tikopia . In : M.Fortes (ed .), Social structu re. Stu d -ies presented to A. R . Radcl i f fe-
Brown . Oxford: Clarendon Press .pp . 168-188.
FURNIVALL, J. S. 1991. Pluraleconomies. In: P. Worsley (ed.) ,
The new modern soc io logy read-ings . Middlesex: Penguin Books.pp . 387-391.
GOODY, Ja ck. 1995. The expans ive m o-m en t: anth ropology in Britain an d
A frica 1918-1970. C am b r i d g e :Ca mb ridg e University Press.
KHAZANOV, Anatoly. 1994. N o ma d sand th e outs ide w orld . Wisconsin:Wisconsin University Press.
KUPER, Adam . 1983.A nthropology an danth ropologists. The m ode rn British
school. London: Rout ledge andKega n Pau l.
LEACH, Edmun d. 1954. Political sys-t em s of High land Burma . London :Bell.
___ . 1982. Barths e mp irical scien ce:a review ar t ic le . Ethnos, 47(3-4):
271-273.LVI-STRAUSS, Claude. 1971. Rap-por ts de symtr ie ent re r i tes e tmythes d e p eu ples voisins. In T. O.Beidelman (ed.), The translation ofculture. Essays to E. E. Evans-
Pritchard. London: Tavistock. pp.161-178.
MORIN, Franoise e SALADIN DAN-GLURE, Bern ard . 1997. Ethn icity as
a political tool for indigenou s rights .In: C. Govers e H. Vermeulen (eds.),The politics of ethn ic consciousness .Lond on: MacMillan. pp . 157-193.
NEEDHAM, Rodney. 1962. Structureand se ntime nt. A te st case in social
anthropology . Chicago: ChicagoUniversity Press.
PARSONS, Talcott. 1968. The structu reof social action. A s tudy in social
the ory w i th sp ecial refe ren ce to a
group of rece nt European wr iters .
Ne w York: The Free Press.SKAR, Ha rald. 1997.La gen te d el Valle
Caliente . Dualidad y reform a agra-ria entre los Run akun a . Lima : Pon-tificia Un iversidad Ca tlica.
TYLOR, Edward B. 1889. On a m ethodof investiga ting the d eve lopm en t ofinstitutions; ap plied to laws of ma r-r iag e an d d escen t . Jou rnal of the
Royal Anthropological Inst i tute,18:245-272.
WALLMAN, Sandra. 1991. Ethnicity
and the boundary process. In : P .Worsley (ed.), The n ew m odern soci-ology readings . Middlese x: Pen gu inBooks. pp. 408-411.
WEBER, Max. 1993. Ensayos sobremetodologa sociolgica . Amorror-tu, Bue nos Aires.
___ .1996.Econom a y socied ad. Mxi-co: Fondo de Cu ltura Econmica.
8/3/2019 Etnicidade Em Barth
28/28
UMA ABORDAGEM CRTICA DO CONC EITO DE ETNICIDADE192
Resumo
O presen te t rabalho discute a aborda-ge m de Fred rik Barth para o problemada e tnicidad e com base em uma an liseabrangen te de sua obra . Levam-se e mconta alguma s idias-chave q ue a pare-cem d e ma ne ira recorrente nos escritosprogra m ticos e terico-metod olgicosdesse au tor , bem como em seus estudos
etn ogr ficos. Ana lisa-se o p ode r expli-cat ivo dos fa tores ecolgicos e de mo-grficos em seu mode lo, a importnciade sua tese da iden tida de relativa, a ge -nea logia d as influ ncias tericas e ncon-t rada s nas exp l icaes bar th iana s e oproblem a d o ator racional como fio con-dutor de sua concepo interacionis tada s relaes sociais.
Palavras-chave Barth; Etnicida de ; Ide n-
tida de ; Teoria a ntropolgica; Teoria so-ciolgica
Abstract
This ar t icle discusses Fredrik Barthsapproach to the problem of e thnici tyba sed on a wide-rang ing an alysis of hiswork. Ana lysis focuses on various ke yideas re current in the au thors program-ma t ic and theoret ical -me thodologicalwr i t ings, as wel l as h is e thnographicstud ies. A critical eva luation is mad e of
the exp licatory powe r of ecological an dde mograp hic factors in h is mode l , theimportan ce of his thesis of relative iden -tity, the ge ne alogy of the oretical influ-ences found in Bar thian explanat ionsan d the problem of the rational actor asthe binding e lemen t in his interactionistconce ption of social re lations.Key words Barth; Ethnicity; Identity;Anthropological theory; Sociological
theory