SISTEMA INTENSIVO SUSTENTÁVEL COM RECIRCULAÇÃO DE ÁGUA PARA PRODUÇÃO DE PEIXES TROPICAIS, HORTALIÇAS E BIOGÁS Rodrigo Aparecido Jordan, Faculdade de Ciências Agrárias da Universidade Federal da Grande Dourados, Rodovia Dourados/Itahum, km 12, CP 533, CEP 79804-970, Dourados/MS. Tel: (67) 3410-2412. E-mail: [email protected]Resumo São mostrados os resultados do trabalho de desenvolvimento de um sistema sustentável para criação de peixes tropicais, em regime intensivo com recirculação de água conjuntamente com a produção de hortaliças e bioenergia. A água utilizada nos tanques de criação de peixes é recirculada por um sistema de filtros para remoção de dejetos sólidos e amônia. Integram o sistema de filtragem um biodigestor e um sistema de aquaponia por onde circula a parte mais concentrada dos dejetos removidos pelos filtros do sistema de recirculação. Os resultados obtidos demonstram a viabilidade da produção de peixes e hortaliças de uma forma mais sustentável no que se refere ao uso da água, através da recirculação, tratamento e reutilização da mesma. Palavras chave: sistema intensivo, ambiente controlado, recirculação, reuso de água, sustentabilidade, bioenergia. INTENSIVE SYSTEM WITH SUSTAINABLE WATER RECYCLING FOR PRODUCTION OF TROPICAL FISH, VEGETABLES AND BIOGAS Abstract Shown are the first results of development work for creating a sustainable system of tropical fish in intensive recirculating water, together with the production of vegetables and bioenergy. The water used in fish breeding tanks is recirculated by a system of filters to remove solid waste and ammonia. Part of the filtration system a digester and a system through which circulates the aquaponics part of the
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SISTEMA INTENSIVO SUSTENTÁVEL COM RECIRCULAÇÃO DE ÁGUA PARA
PRODUÇÃO DE PEIXES TROPICAIS, HORTALIÇAS E BIOGÁS
Rodrigo Aparecido Jordan, Faculdade de Ciências Agrárias da Universidade
Federal da Grande Dourados, Rodovia Dourados/Itahum, km 12, CP 533, CEP
Nitrogênio orgânico 6,3 7,7 +22,22 Ortofosfato solúvel 0,25 46 +18300 Potássio 1 22 + 95,45 Sódio 17,2 3,9 -77,33 Zinco 0,00 0,02 +200 Obs.: Análises realizadas pelo Laboratório Solanalise, Cascavel, PR. Metodologia: Official Methods of analysis of the Association of Official Analytical Chemists.
As Figuras 20 e 21 mostram o cultivo de alface roxa e rúcula quando os
canais de cultivo do sistema de aquaponia eram formados por tubo de PVC branco
de 100 mm, utilizando pedra brita n.º 3 como substrato.
Figura 20. Vários estádios de desenvolvimento da alface roxa no sistema de
aquaponia com tubos de PVC.
Figura 21. Vários estádios de desenvolvimento da rúcula no sistema de aquaponia
com tubos de PVC.
Devido a dificuldade na realização da limpeza dos tubos e troca do substrato
ao final de uma cultura e início de outra, os tubos de PVC foram substituídos por
telhas de fibrocimento. Nessa segunda fase, foram realizados testes utilizando
alface crespa, onde foram avaliados dois tipos de substratos (Figura 22): espuma
flexível de poliuretano (EFP) e pedra brita n.º 3 (PB3).
Figura 22. Substratos utilizados em testes com alface crespa no sistema de
aquaponia com telha de fibocimento.
Para cada planta foi utilizado um pedaço de espuma com volume de 63 cm3,
cuja dimensões compreenderam: 3 cm de altura, 3 cm de largura e 7 cm de
comprimento. A densidade da espuma era de 0,021 g cm-3, com capacidade de
armazenar até 17,12 ml de água.
A Figura 23 mostra o aspecto da alface crespa no sistema de aquaponia
após 21 dias de transplante. Após 32 dias do transplante alguns pés foram colhidos
e levados ao laboratório para as análises comparativas (número de folhas, massa
seca e massa fresca). O delineamento experimental foi em blocos ao acaso, com 2
tratamentos que correspondem aos substratos, e 6 repetições, totalizando 12
parcelas.Cada parcela foi constituída por 5 plantas, onde o espaçamento entre
linhas foi delimitado pela telha de cimento amianto, correspondendo a 18 cm e, 20
cm entre plantas. A unidade experimental foi representada por 3 plantas de cada
parcela, desprezando-se duas plantas de cada extremidade.
Com relação as características produtivas da alface aquapônica, são
apresentados na Tabela 3 as massas seca e fresca da parte aérea (g planta-1),
assim como a respectiva produtividade (t ha-1). A massa fresca e a massa seca da
parte aérea apresentaram diferença significativa entre os dois substratos utilizados,
com médias de 95,48 g planta-1 e 4,10 g planta-1, respectivamente, obtidas utilizando
EFP. Enquanto que utilizando PB3 os valores de massa fresca e massa seca da
parte aérea são 86,20 g planta-1 e 3,50 g planta-1, respectivamente. A produtividade
não apresentou diferença significativa, apesar da superioridade de 2,32 t ha-1
quando se utilizou EFP.
Figura 23. Aspecto geral da alface crespa após 21 dias do transplante.
Tabela 3. Massa fresca da parte aérea (g planta-1), massa seca da parte aérea (g planta-1) e produtividade (t ha-1).
Tratamentos Variáveis Analisadas
Massa Fresca da Parte aérea
Massa Seca da Parte aérea
Produtividade
PB3 86,20 a 3,50 a 21,55 a EFP 95,48 b 4,10 b 23,87 a
CV (%) 6,90 1,28 6,90
*Valores seguidos pela mesma letra na coluna não diferem em si, pelo teste Bonferroni a 5 % de probabilidade.
Na literatura são reportados varios resultados obtidos com relação a massa
da parte aérea da alface, Kano et al. (2012) utilizando cultivar Verônica no cultivo
com solo, avaliando diferentes doses de fósforo, apresentaram valores máximos de
massa fresca e massa seca de 166 g planta-1 e 11 g planta-1, respectivamente.
Porém, Duarte et al. (2012) avaliando diferentes concentrações de adubo orgânico,
também em cultivo com solo, com a cultivar Regina 2000, apresentaram valores
semelhantes aos encontrados neste trabalho, com massa fresca e massa seca de
90,30 g planta-1 e 4,86 g planta-1, respectivamente. Assim como, Martins et al. (2009)
em cultivo hidropônico, com massa seca de 5,68 g planta-1. Esses mesmos autores
obtiveram produtividade de 51,12 t ha-1 trabalhando a cultivar Verônica.
Por se tratar de um sistema aquapônico, onde a produção de hortaliças pode
ser considerada um complemento à renda proveniente da criação de peixes
(ROOSTA e AFSHARIPOOR, 2012), as massas e produtividades apresentadas pela
alface foram, logo, o papel das hortaliças em relação a todo o sistema esta sendo
realizado, pois esta ocorrendo a recuperação dos nutrientes apresentados na Tabela
2, provenientes da criação de peixes e, concomitantemente, geração de uma fonte
alternativa de renda para o produtor.
Na Tabela 4 pode-se observar a massa fresca das folhas (g planta-1), o
número de folhas e a porcentagem de talo por planta (%). A parte aérea da alface
pode ser dividida em talo e folhas, onde o talo corresponde ao caule da planta
(KANO, et al., 2011) e as folhas equivalem a porção comestível da planta (SANTOS
et al., 2010).
Tabela 4. Massa fresca (g planta-1), número de folhas, porcentagem de talo por planta (%) porcentagem de água.
Tratamentos Variáveis Analisadas
Massa Fresca das Folhas
Número de Folhas
Porcentagem de Talo por Planta
PB3 73,79 a 12,20 a 12,16 a EFP 83,85 b 14,90 b 14,38 b
CV (%) 6,54 2,51 6,04
*Valores seguidos pela mesma letra na coluna não diferem em si, pelo teste Bonferroni a 5 % de probabilidade.
A massa fresca das folhas no tratamento utilizando EFP foi superior em 10,06
g planta-1, em relação ao tratamento com PB3. A porcentagem de talo presente nas
plantas também foi superior no tratamento EFP, com 14,38% de talo, enquanto que
o PB3 apresentou 12,16% de talo.
Pode-se atribuir estes resultados ao maior tempo de retenção da água e
simultâneamete nutrientes nas proximidades das raízes quando se utiliza EFP como
substrato, de modo que, o fluxo de água utilizado em um sistema aquapônico
interfere nas caracteríscas produtivas da alface (DEDIU et al., 2012).
O número de folhas encontradas no tratamento EFP e PB3 foi de 14,90 e
12,20, respectivamente. Kano et al. (2012) avaliando diferentes doses de adubação
fosfatada obtiveram um número de folhas variando entre 18 e 24. Não obstante,
Santos et al. (2010) comparando três sistemas de cultivo da alface, encontraram
para o cultivo orgânico, convencional e hidrôponico, médias de 34,96, 31,54 e 33,42,
respectivamente. Nota-se que há grande variação do número de folhas, podendo
este parâmetro estar mais relacionado ao fator genético da espécie do que apenas
pela questão nutricional (SANTOS et al., 2010).
Realizou-se a análise química das plantas dos dois tratamentos na fase de
diagnose foliar com o objetivo de avaliar o estado nutricional das plantas. São
apresentadas na Tabela 5 a concentração de macronutrientes presentes na parte
aérea da alface (g kg-1) cultivada em EFP e PB3. Pode-se observar que ocorreu um
aumento da concentração de quase todos os macronutrientes quando se utilizou a
EFP como substrato.
Tabela 5. Concentração de macronutrientes (g kg-1) presentes na parte aérea da alface cultivada em espuma flexível de poliuretano (EFP) e pedra brita 3 (PB3).
Determinação Elemento Espuma flexível de poliuretano (EFP)
Pedra brita (PB3)
Fósforo P 5,81 5,99 Nitrogênio N 34,38 32,46 Potássio K 54,00 52,00 Cálcio Ca 18,05 15,40 Magnésio Mg 2,90 2,65 Enxofre S 4,28 3,58
Os teores de P foram adequados para os dois tratamentos com valores para
EFP e PB3 de 5,81 e 5,99 g kg-1, respectivamente. Pode-se observar, que a
concentração de P apresentada foi maior quando se utilizou PB3 como substrato. Os
teores de fósforo geralmente apresentam maior concentração, quando a planta se
aproxima do estádio reprodutivo, o P acumulado é utilizado no pendoamento,
florescimento e formação da semente (KANO, et al., 2011). Possivelmente a menor
concentração de nutrientes nas plantas com PB3 proporcionaram uma situação
adversa ao desenvolvimento vegetativo, resultando no acúmulo prematuro de
fósforo.
A concentração de P recomendada por Raij et al. (1996) para parte aérea,
esta na faixa de 4 a 7 g kg-1. Resultados semelhantes foram encontrados por Martins
et al. (2009) que realizando uma curva de absorção de nutrientes em alface
hidropônica obtiveram um teor de 5,8 g kg-1 de P. Almeida et al. (2011) também em
cultivo hidropônico, avaliando diferentes soluções nutritivas, encontraram teores de
P variando entre 1,3 e 5,4 g kg-1. Estes resultados são condizentes com o reportado
por Kano et al. (2012), que avaliando o acúmulo de nutrientes na alface em resposta
a diferentes doses de adubação fosfatada cultivada em solo, encontraram valores
variando entre 2,1 a 5,0 g kg-1.
Conforme Raij et al. (1996) os teores foliares de nitrogênio e de potássio
foram adequados para os dois tratamentos, pois estiveram na faixa de 30 a 50 g kg-1
de N e 50 a 80 g kg-1 de K. Resultados semelhantes foram obtidos por Kano et al.
(2012), que avaliando o acúmulo de nutrientes na alface em resposta a diferentes
doses de adubação fosfatada cultivada em solo, encontraram teores variando entre
32 a 37 g kg-1 de N e 57 a 62 g kg-1 de K. Almeida et al. (2011) em cultivo
hidropônico obtiveram concentrações reduzidas de macronutrientes em relação a
este trabalho, com teores de N variando entre 9,5 a 23,2 g kg-1 e teores de K
variando entre 3,2 a 58,9 g kg-1. No entanto, Martins et al. (2009) em alface
hidropônica obtiveram teores elevados de N e K, com concentrações de 50,7 g kg-1
de N e 75,9 g kg-1 de K.
As concentrações de cálcio foram adequadas, pois estiveram na faixa de 15 a
25 g kg-1 (RAIJ et al.,1996), com valores de 18,05 g kg-1 utilizando EFP e 15,40 g kg-
1, utilizando PB3. Resultados semelhantes foram encontrados por Kano et al. (2012)
que avaliando o acúmulo de nutrientes na alface cultivada em solo, encontraram
teores de Ca variando entre 13 a 16 g kg-1. Almeida et al. (2011) em cultivo
hidropônico relataram concentrações menores de Ca em relação a esse trabalho,
com teores variando entre 3,6 a 12,1g kg-1.
Quanto ao magnésio, os dois tratamentos (EFP e PB3) obtiveram valores
abaixo da faixa considerada adequada (4 a 6 g kg-1) por Raij et al. (1996). Porém,
não apresentaram sintomas visíveis de deficiência. Os teores de enxofre foram
adequados para os dois tratamentos, pois apresentaram teores variando entre 1,5 a
2,5 g kg-1. Kano et al. (2012), encontraram resultados semelhantes com teores de
Mg e S variando entre 3,1 a 3,6 g kg-1 e 1,3 a 1,9 g kg-1, respectivamente. Em cultivo
hidropônico Almeida et al. (2011) encontraram teores de Mg entre 0,7 e 5,5 g kg-1 e
de 1,5 g kg-1 para o S.
Em relação aos micronutrientes são apresentadas na Tabela 6 as
concentrações presentes na parte aérea das alfaces (mg kg-1) cultivadas em EFP e
PB3.
Tabela 6. Concentração de micronutrientes (mg kg-1) presentes na parte aérea das alfaces cultivadas em espuma flexível de poliuretano (EFP) e pedra brita 3 (PB3).
Determinação Elemento Espuma flexível de poliuretano (EFP)
Pedra brita (PB3)
Cobre Cu 7,00 6,00 Zinco Zn 42,50 28,50 Manganês Mn 200,00 141,00 Boro B 35,33 34,42 Ferro Fe 580,00 230,00
Em geral, o tratamento onde foi utilizado EFP apresentou maiores teores de
micronutrientes na parte aérea da alface. O teor de cobre para EFP esteve dentro do
adequando (7 a 20 mg kg-1), enquanto que para PB3 a concetração foi abaixo do
considerado adequado por Raij et al. (1996). Resultados semelhantes foram
reportados por Kano et al. (2012), que obtiveram teores de Cu variando entre 1,5 a
11,2 mg kg-1.
Para Raij et al. (1996) a concentração de Zn deve estar entre 30 a 100 mg kg-
1. Sendo assim, para o tratamento com EFP o teor apresentado (42,50 mg Kg-1) se
mostrou adequado. Contudo, quando observado o teor para PB3 (28,50 mg kg-1),
este ficou abaixo do limite recomendado. Kano et al. (2012) avaliando o acúmulo de
nutrientes na alface cultivada em solo, encontraram teores variando entre 23 a 24
mg kg-1 de Zn.
Os teores de manganês encontrados estiveram acima do considerado
adequado por Raij et al. (1996), que apresentam como ideal, teores entre 30 a 150
mg kg-1 de Mn. Enquanto que, Kano et al. (2012) encontraram valores de Mn
variando entre 59 a 76 mg kg-1. O teor de B manteve-se abaixo da faixa considerada
adequada (30 a 60 mg kg-1) por Raij et al. (1996). Resultados semelhantes foram
reportados por Kano et al. (2012) que obtiveram teores de B variando entre 23 a 25
mg kg-1.
Quanto ao ferro, os teores encontrados estão acima do recomendado por Raij
et al. (1996), que apresentam como adequado, valores entre 50 a 150 mg kg-1. Ao
passo que Kano et al. (2012) obtiveram teores de Fe entre 122 a 167 mg kg-1.
Entre os macronutrientes apenas o Mg apresentou concentração abaixo do
adequado. Entre os micronutrientes, o B apresentou concentrações abaixo do
adequando para os dois substratos utilizados, equanto que o Zn e Cu estiveram
abaixo apenas no tratamento com PB3. Porém, não foram observadas caracteísticas
que possam comprometer a comercialização das hortaliças.
A respeito do tempo para redução da concentração de amônia para zero,
observou-se durante o experimento que nas duas primeiras semanas após o
transplante, eram necessários de 7 a 8 dias para que a água apresentasse
condições para retornar ao sistema de criação de peixes. A partir da terceira
semana, com o crescimento das plantas e maior necessidade por nutrientes, esse
tempo caiu para apenas 4 dias. As Figuras 24, 25 e 26 mostram o aspecto da água
em várias fases do processo de tratamento: após ser coletada do sistema de criação
(entrada do biodigestor); após a passagem pelo biodigestor (biofertilizante); e, após
a passagem pelo sistema de aquaponia, em condições de retornar ao sistema de
criação.
Figura 24. Aspecto da água na caixa de decantação (entrada do biodigestor).
Figura 25. Aspecto da água na saída do biodigestor.
Figura 26. Aspecto da água após passar pelo sistema de aquaponia.
Biodigestão do dejeto de peixe
O biodigestor desempenhou um papel importante na integração entre a
criação intensiva de peixes e o sistema de aquaponia, promovendo a solubilização
dos nutrientes, possibilitando uma melhor absorção pelas plantas. O processo de
biodigestão provoca a redução do teor de sólidos e, as plantas num sistema
hidropônico, necessitam dos nutrientes na forma líquida.
O volume médio diário de dejetos gerados pela criação intensiva de peixes foi
de 200 litros. Durante a decantação, cerca de 50 litros eram destinados ao
biodigestor. Considerando o volume dos dois digestores que compunham o
biodigestor (500 litros), resultou em um tempo de retenção médio de 20 dias.
Durante o período de observação ocorreram alguns vazamentos no
biodigestor, dificultando a avaliação do volume de biogás gerado. Porém, uma
análise do teor de sólidos (Tabela 7) dos dejetos que entravam no biodigestor
(Figura 24) e do biofertilizante (Figura 25), revelou que o processo de biodigestão
estava ocorrendo de maneira satisfatória. Com base na redução do teor de sólidos,
verificou-se uma eficiência de 96% do processo de biodigestão.
Tabela 7. Análise de teor de sólidos (ST), demanda química de oxigênio (DQO) e
demanda bioquímica de oxigênio (DBO) para o processo de biodigestão dos dejetos
de peixe.
Material ST (%) DQO (mg de 02 L-1) DBO (mg de 02 L
-1)
Entrada 1,76 7883,3 1560,5
Saída 0,07 494,0 27,4
Para uma melhor avaliação da geração de biogás montou-se um experimento
em menor escala, com pequenos biodigestores tipo batelada, onde foram
empregadas bombonas de 50 L configurando as câmaras de digestão, as quais
foram ligadas a gasômetros fabricados de tubos de PVC (Figuras 27 e 28).
Na construção dos gasômetros, utilizou-se dois tubos PVC branco, ambos
com 50 cm de altura e diâmetro de 75 mm para a parte externa e de 50 mm para a
parte interna. A parte externa do gasômetro foi fechada com cap de 75 mm (parte
inferior), bem como na lateral do tubo foi instalado um dreno (parte superior), para
saída da água. A parte interna do gasômetro foi fechada com cap 50 mm (parte
superior), neste foi instalado um espigão macho 1/4 x 3/8, para entrada do gás.
Figura 27. Esquema geral do modelo de biodigestor e gasômetro experimental para
produção de biogás.
Figura 28. Fotografia dos biodigestores batelada e gasômetro de PVC.
Foram montados dois biodigestores tipo batelada: o primeiro foi alimentado
com a descarga de fundo sem ser decantada; o segundo, foi alimentado com o
decantado da descarga de fundo, material similar ao utilizado no biodigestor
montado no sistema. O período de avaliação foi de 16 dias. Porém, devido a
vazamentos ocorridos no gasômetro, o período confiável para consideração dos
dados foi de 10 dias.
Nesse período, o biodigestor alimentado com a descarga de fundo sem
decantação não apresentou produção de biogás, indicando a não viabilidade do
emprego da descarga de fundo sem decantação, devido ao baixo teor de sólidos. No
biodigestor alimentado com o decantado a produção diária de biogás, variou entre
A respeito do consumo de água, antes da aquaponia entrar em operação, a média
diária era de 360 litros, representando 5,5% da água que circula pelo sistema. Com
a entrada da aquaponia em operação e a reciclagem da água de descarga de fundo
dos tanques de criação para reposição no sistema, o consumo médio diário passou
para 200 litros, aproximadamente 3% de toda a água que circula no sistema.
O gasto médio mensal com energia elétrica e ração nos meses com
temperatura mais elevada, onde não foi necessário o uso de aquecimento, foi da
ordem de R$ 204,00. Nos meses mais frios (junho, julho e agosto), onde foi
necessário o uso do sistema de aquecimento, o gasto médio mensal se elevou para
R$ 445,00 devido ao consumo de energia elétrica da bomba de calor e do sistema
auxiliar, composto por uma resistência elétrica de 13 kW.
Pode-se verificar que o aquecimento foi o que mais pesou no custo
operacional do sistema intensivo, tendo em vista a região onde se encontra
implantado o projeto, com temperaturas muito próximas de zero no inverno,
inclusive, com geadas. Assim, além da bomba de calor, outras opções para
aquecimento foram avaliadas, como o uso de gás GLP e lenha.
No caso da lenha (Figura 9), ao invés do aquecimento da água, optou-se pelo
aquecimento do ar da estufa. Neste caso, foi utilizado um sistema simples, com
queima direta da lenha dentro da estufa, o qual evitou que a temperatura da água
atingisse valores inferiores a 23 ºC nos dias mais frios. Condição esta abaixo da
ideal, que é 26 ºC. Porém, melhor do que sem o aquecimento, onde a temperatura
poderia atingir valores menores. Fato que aconteceu em um dia onde a temperatura
ambiente esteve abaixo de 6 ºC, o que levou o congelamento do evaporador da
bomba de calor (Figura 10), afetando a sua capacidade, ocasionando a redução da
temperatura dos tanques para 15 ºC, o que foi quase fatal para a criação de peixes.
Figura 9. Queimador a lenha usado para aquecimento do ar da estufa no
inverno.
Figura 10. Congelamento do evaporador da bomba de calor no inverno.
A situação de emergência criada pelo congelamento do evaporador da bomba
de calor, levou ao uso da lenha, a qual depois foi considerada como uma opção. A
resistência elétrica de 13 kW como sistema auxiliar foi instalada posteriormente.
Apesar de apresentar maior consumo de energia elétrica, tinha a comodidade de
não necessitar de supervisão humana constante, por ser automatizada através de
um controlador de temperatura.
A lenha utilizada foi proveniente de restos de construção. Assim, o custo
envolvido foi o do transporte para a coleta do material. No entanto, na avaliação
desta como uma opção de aquecimento considerou-se o custo da sua aquisição. A
estimativa para o consumo de lenha e GLP foi baseada nos dados de consumo de
energia elétrica do sistema de aquecimento instalado (bomba de calor e resistência
elétrica), o qual teve o seu consumo medido durante o período.
Para as estimativas, considerou-se o COP da bomba de calor igual a 3, o
poder calorífico da lenha igual a 18 MJ kg-1, o poder calorífico do GLP igual a 48,16
MJ kg-1 e o poder calorífico da energia elétrica igual a 3,6 MJ kW -1. Foi considerado
o preço do botijão de GLP de 13 kg no mercado local, que é R$ 48,00. Para a lenha,
considerou-se a madeira de eucalipto a um preço de R$ 50,00 por metro cúbico
estereo (aproximadamente 500 kg). Para a energia elétrica, foi considerada uma
tarifa rural, no valor de R$ 0,20 por kWh.
Considerando a situação onde o evaporador da bomba de calor não
congelasse, ou seja, o aquecimento fornecido pela resistência elétrica, seria também
fornecido pela bomba de calor, o custo de aquecimento seria de R$ 1,22 por
quilograma de peixe produzido. Para a lenha o custo seria de R$ 0,36 por
quilograma de peixe produzido e, para o GLP, este custo seria de R$ 5,05 por kg de
peixe produzido.
Como pode ser observado, o GLP seria uma opção muito cara e
economicamente inviável, tendo em vista que o custo da criação convencional (em
tanques escavados) gira em torno de R$ 2,90 por quilograma de peixe produzido
(Rodrigues et al., 2011).
A lenha com um queimador de baixo custo e baixa tecnologia em termos de
controle se mostrou a opção mais barata para aquecimento no inverno. Porém, tal
como foi testado, justamente pela falta de automação, apresentou o inconveniente
de necessitar de supervisão para verificação da temperatura e realização de
alimentação. Custo este que não foi computado, levando-se em consideração a
adoção pela agricultura familiar, onde membros de uma família se revezariam na
operação do sistema.
A bomba de calor, apesar de ter apresentado um custo de aquecimento 3,4
vezes maior que o da lenha, tem a vantagem de ser totalmente automatizada,
dispensando a necessidade de supervisão. Porém, para aplicações em regiões mais
frias, o projeto desse equipamento deve considerar o uso de um evaporador com
maior distanciamento entre as aletas, para evitar congelamento e bloqueio do
evaporador. A utilização de um sistema de degelo, semelhante ao adotado em
evaporadores de câmaras frias também colaboraria para diminuir o problema de
congelamento no inverno.
Na região onde o projeto está implantado, durante o período avaliado, o
aquecimento se mostrou necessário nos meses de junho, julho, agosto e setembro.
Nos demais meses, onde o aquecimento não foi necessário, o gasto com energia
limitou-se apenas aos sistemas de bombeamento e oxigenação, fazendo com que o
custo de produção (energia elétrica, ração e alevinos), fosse de R$ 4,91 por
quilograma de peixe. Se considerarmos o inverno com as seguintes situações:
bomba de calor, lenha e GLP; teremos, respectivamente, os seguintes custos de
produção (R$/kg de peixe): 6,13; 5,27 e 9,96.
Fica evidente o quanto do custo da climatização (aquecimento) impacta sobre
o custo de produção. Porém, deve-se levar em consideração que as criações
convencionais, por serem abertas e dependerem das condições ambientais, param
durante o inverno em várias regiões do Brasil, implicando em uma elevação no valor
da carne de algumas espécies, como é o caso da tilápia, devido a baixa oferta.
O aquecimento solar, não explorado nesse trabalho pode ser uma opção.
Porém, assim como o obervado para o condensador da bomba de calor, o contato
direto com a água da criação é problemático, ocorrendo entupimento por deposição,
devido a elevada quantidade de sólidos em suspensão na água, aumentando o
número de intervenções para limpeza. Assim, deve ser avaliado o uso de trocadores
intermediários, o que por outro lado aumentaria o custo da instalação ou, o
aquecimento do ar da estufa ao invés da água, como uma forma de contornar esse
problema.
Além da climatização (aquecimento), pesou a favor do elevado custo de
produção do sistema intensivo avaliado em relação ao sistema convencional, o
superdimensionamento do sistema de recirculação de água, o qual foi montado com
bombas de elevada potencia, cerca de 4 vezes a necessidade real de bombeamento
(vazão necessária). Isto foi devido ao fato do sistema ter sido montado com sobras
de equipamentos de outros projetos e doações. Considerando a otimização do
sistema de bombeamento o custo médio mensal da energia elétrica para esta
finalidade, que foi de R$ 119,00, seria reduzido para pouco menos de R$ 32,00.
Com isto o custo mensal médio nos meses sem necessidade de aquecimento, seria
reduzido para R$ 117,00, resultando em um custo de produção (alevinos, ração e
energia elétrica) de R$ 2,78 por quilograma de peixe vivo, competitivo com o sistema
convencional. Considerando o uso de lenha para o aquecimento no inverno o custo
de produção seria de R$ 3,14 por quilograma de peixe vivo produzido.
Considerando o período de um ano, dois ciclos produtivos de 6 meses, o
custo anual de produção da estufa de peixes (alevinos, mudas, ração, energia
elétrica, lenha para aquecimento) seria de aproximadamente R$ 1.800,00 para uma
produção anual de 512 kg de peixe vivo (256 kg por ciclo) que, se comercializados
diretamente para o consumidor final a um preço médio de R$ 6,25 o quilograma, a
receita bruta anual seria de R$ 3.200,00.
Para cada quilograma de peixe são produzidas 4 cabeças de alface,
resultando em uma produção anual de aproximadamente 2048 cabeças.
Considerando a comercialização direta da alface para o consumidor final no valor de
R$ 2,00 a cabeça, a receita anual seria de R$ 4.096,00. Ou seja, a produção vegetal
é capaz de custear a produção de peixes e ainda gerar lucro.
Somadas, a produção animal e vegetal, gerariam, anualmente, uma receita
bruta de R$ 7.296,00. Descontando-se o custo anual, a receita líquida obtida em um
espaço de 100 m2, seria de aproximadamente R$ 5.496,00, resultando em uma
lucratividade de R$ 54,96 m2 ano-1. Numa criação convencional a lucratividade seria
de R$ 3,77 m-2 ano-1 (Rodrigues et al., 2011). O investimento na estrutura montada
foi de R$ 13 mil reais, considerando a aquisição de um aquecedor a lenha no valor
de R$ 3 mil reais, o custo total da estrutura seria de R$ 15 mil reais. Assim, o retorno
do capital investido, para um payback simples, seria de 2,73 anos.
Outra questão importante, relacionada a manutenção da temperatura nos
níveis ideais para um bom desenvolvimento das tilápias (26 a 28 ºC), está no tipo de
abrigo para os tanques de criação. A estufa fechada, modelo adotado de um
experimento com criação intensiva realizado em Campinas-SP (Jordan et al., 2011),
não se mostrou muito adequada ao verão extremamente quente do estado de Mato
Grosso do Sul, ocasionando elevação da temperatura da água dos tanques de
criação para valores acima de 30 ºC durante o mês de dezembro, obrigando a
instalação de um conjunto de 6 motoventiladores de 0,33 cv em uma das laterais e a
abertura da lateral oposta para circulação de ar. A operação dos ventiladores
implicou em um custo mensal adicional de aproximadamente R$ 119,00.
Com finalidade de manter a temperatura da água em níveis ótimos com o
mínimo custo, deve ser levado em consideração as condições climáticas do local
onde será implantada a criação intensiva, para que o modelo de construção adotado
utilize o mínimo de energia para manutenção da temperatura. Para o local em
questão, talvez o mais adequado fosse a cobertura da parte superior da estufa com
telhas de fibrocimento e o fechamento lateral com telas de aviário e cortinas
retráteis, semelhantes as utilizadas na avicultura de corte, que podem ser abertas ou
fechadas para auxiliar no controle de temperatura.
O biogás produzido pelo biodigestor ainda não está sendo aproveitado, o que
deverá ocorrer em uma fase posterior. Estimativas iniciais mostram que o biogás
produzido conseguiria suprir metade da demanda energética para bombeamento de
água e oxigenação dos tanques. Estudos para quantificar melhor a produção de
biogás com relação as condições de operação estão em andamento.
CONCLUSÕES
Os resultados preliminares obtidos tem demonstrado a viabilidade técnica do
sistema de criação intensiva. Ao contrário do que relatam outros autores a amônia
até então não tem sido um problema, o que demonstra o funcionamento satisfatório
dos filtros biológicos.
O desenvolvimento das plantas no sistema de aquaponia foi satisfatório, não
necessitando de adição de fertilizantes químicos, o que demonstra que a água
fertilizada pelos peixes fornece os nutrientes necessários. A aquaponia também se
mostrou eficiente como meio de tratamento da água residuária gerada pela criação,
possibilitando o seu reaproveitamento no sistema.
É necessário realizar uma otimização no sistema, visando reduzir o consumo
de energia, melhorando o seu funcionamento do ponto de vista energético
econômico e ambiental.
O sistema de climatização apresentou forte impacto no custo de produção,
influenciando diretamente sobre a viabilidade econômica, tendo em vista a
importância da temperatura para o bom desenvolvimento dos peixes em um menor
tempo possível.
LITERATURA CITADA
BALDASSIN JR, R.; CORTEZ, L. A. B; JORDAN, R. A.; NEVES FILHO, L. C.;
SILVEIRA JR, V.; PACCO, H. C. A viabilidade econômica da aplicação de bombas
de calor no aquecimento de piscinas. Anais do X Congresso Brasileiro de
Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação, Aquecimento e Tratamento do Ar. São
Paulo, SP. 18 a 21 de setembro de 2007, p. 311-323, 2007.
BOYD, C. E.; TUCKER, C. S. Pond aquaculture water quality management. Boston:
Kluwer, 700 p. 1998.
CORTEZ, L. A. B.; NEVES FILHO L. C. Aplicação de bombas de calor na agricultura
e na agroindústria brasileira. Anais do III Congresso Nacional de Energia. La Serena,
Chile. 17-19 de abril de 1996. p. 337-343.
CORTEZ, G. E. P.; ARAÚJO, J. A. C.; BELLINGIERI, P. A,; DALRI, A. B. Qualidade
química da água residual da criação de peixes para cultivo de alface em hidroponia.
Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, Campina Grande, v.13, n.4,
p.494-498, 2009.
EMATER-PR. Instituto Paranaense de Assitência Técnica e Extensão Rural. Modelo
Emater de produção de tilápia. 2004. Disponível em