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nº 5 | 2013
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Estudos de Conservação e Restauro - Centro de Investigação ...

Mar 03, 2023

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Khang Minh
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nº 5 | 2013

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Edição

Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes (CITAR)

Universidade Católica Portuguesa Centro Regional do Porto Rua Diogo Botelho 1327 4169 - 005 Porto, Portugal

[email protected]

Direcção

Eduarda Vieira

Conselho de redacção

José Carlos FradeSalomé Carvalho

Comité Científico

Ana CalvoAntónio CandeiasAmélia DionísioAntónio João CruzCarmen GarridoCristina DiasEdson MottaGonçalo Vasconcelos e SousaIrina SanduIsabel Medina GonzálezJoão Manuel MimosoJoaquin BarrioJonathan Ashley-SmithJosé AguiarJosé Alberto Seabra de CarvalhoLuís Elias CasanovasManfred KollerMargarita San Andrés MoyaMaria Dolores Ruiz de Lacanal Ruiz MateosMaria João Baptista NetoMaria José AlonsoMercês LorenaMilene GilNieves ValentínPatricia Moreira da CostaPilar Roig

Raquel CarrerasRocío BruquetasRoger Van Schoute

Secretária de Edição

Ângela Monteiro

Revisores convidados para este número

Cristina PimentelInês Lemos CardosoJoaquim CaetanoLaura Castro

Assistente de edição

Carlos Gonçalves

ISSN

1647-2098

Periodicidade

Anual

Data

2013

Design editorial

Mafalda BarbosaCarlos Gonçalves

Imagem capa

Mosteiro copta de Santo António (Deserto Oriental- Mar Vermelho - Egipto)

Administração do website

Luís TeixeiraA propriedade intelectual dos conteúdospertence aos respectivos autores e osdireitos de edição e publicação à revistaecr.© Os artigos são da responsabilidadecientífica e ética dos seus autores.

Avaliação anónima por peer review.

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Editorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

Artigos

Un Ecce Homo inédito de Francisco Ribalta (1565–1628) copiando a Juan de Juanes (Primera década del siglo S. XVI-1579). Del estudio de las fuentes gráficas a la investigación y expertización científico-técnica

Amparo Castelló Palacios | Vicente Guerola Blay | Eva Pérez Marín . . . . . . . . . . 13

Riscos ocupacionais durante a reintegração cromática

Ana Maria dos Santos Bailão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

A figura emblemática de Luciano Freire e o seu papel na história da conservação em Portugal

Maria da Conceição Lopes Casanova . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

Identification of green earth pigments in Coptic wall paintings using ESEM-EDX, FTIR imaging and Visible Reflectance Spectroscopy

Hussein H. Marey Mahmoud . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

Notícias sobre a Igreja da Misericórdia de Esposende, entre os finais do século XVI e os finais do século XVIII.

José Ferrão Afonso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

Escultura funerária de Cristo Jacente da colecção do Museu de Santa Clara-a-Velha – tratamento estrutural

Maria Júlia Sobral da Fonseca | Fernando Manuel da Conceição Costa | Carlos Monteiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107

As Reservas Visitáveis do Musée des Arts et Métiers em Paris

Maria Fernando Gomes | Eduarda Vieira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129

Esculturas Devocionais em Gesso. Técnicas e Materiais

Maria Regina Emery Quites | Nelyane Santos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148

La construcción de los paneles de madera castellanos del siglo XV y XVI: el retablo de Frómista.

Tamara Alba | Consuelo Dalmau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 166

Índice

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Reflexões sobre ética e deontologia profissional . . . . . . . . . . . . . . . 188

Reflexões sobre ética na investigação científica

Salomé de Carvalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189

Recensões críticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203

Interacción, Convergencia y Reflexión: un recorrido sobre las órbitas analíticas del número 7 de Intervención, Revista Internacional de Conservación, Restauración y Museología (ENCRyM-INAH, México).

Isabel Medina-González . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 204

Historical Perspective on Preventive Conservation

Luís Elias Casanovas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207

Notícias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 209

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EditorialDando continuidade à missão a que nos propusemos desde 2009, de contribuir para a divul-gação da investigação e partilha de conhecimento e de experiências no campo dos estudos de conservação e restauro, avançamos com este quinto número que conta com nove artigos para além das já habituais secções de Ética e Deontologia Profissional, Recensões e Notícias.

Algumas novidades marcam, no entanto, esta quinta edição e entre elas destacamos a transferência da ECR para o Repositório Científico de Acesso Aberto em Portugal (RCAAP), ainda em curso. O funcionamento da revista nesta nova plataforma, conjugado com a integração da nova colaboradora Ângela Monteiro nas funções de secretária de edição, irão, certamente, contribuir para a agilização de todo o processo editorial e facilitar o contacto com os nossos autores e leitores. Este número cinco constitui, portanto, o último integralmente preparado e editado na página HTML alojada no site do CITAR. Por outro lado, cremos estar no bom caminho para a internacionalização da revista, quer através da sua indexação a bases de dados de referência, quer através da ampliação do respectivo Comité Científico e corpo de revisores convidados.

Contudo, nesta fase de mudanças várias é chegado o momento de recordar a nossa colega Ana Calvo a quem devemos prestar uma justa homenagem como co-fundadora, directora e co-directora dos números anteriores. Com o seu profissionalismo e experiência incutiu princípios de rigor e qualidade a este projecto, contribuindo igualmente para a sua divul-gação através da sua ampla rede de contactos pessoais e institucionais, e que agora por razões profissionais, relacionadas com a sua integração no corpo docente da Faculdade de Belas Artes da Universidade Complutense de Madrid, deixa a Direcção para se manter como consultora e membro do Comité Científico. A equipa editorial expressa-lhe, assim, a sua gratidão pelos bons momentos de colaboração científica e pessoal vividos durante estes quatro primeiros anos de existência desta publicação.

Na linha dos números anteriores continuamos a poder apresentar a diversidade de assuntos e temas reflectidos no corpo de artigos. Assim, Amparo Castelló e os seus co-autores analisam uma pintura inédita de um Ecce Homo, produzida de acordo com os cânones iconográficos do conhecido pintor valenciano Juan de Juanes, que teve em Francisco de Ribalta um dos maiores copiadores da sua obra pictórica. Os autores apresentam um exaustivo estudo material e técnico desta obra, enquadrado por uma abordagem detalhada de fontes docu-mentais coevas, com vista à determinação da sua autoria.

Dando expressão à crescente preocupação com as questões de segurança para os conserva-dores-restauradores no manuseio de produtos de diversas tipologias, Ana Bailão analisa os riscos associados ao uso de solventes, pigmentos e vernizes na pintura, com o artigo “Riscos Ocupacionais durante a Reintegração Cromática”, de grande conveniência e actualidade para todos os profissionais da área.

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Com o artigo “A figura emblemática de Luciano Freire e o seu papel na história da conser-vação em Portugal”, Conceição Casanova dá-nos a conhecer a actividade do pintor-escultor Luciano Freire entre finais do séc. XIX e primeira metade da centúria seguinte no domínio da valorização das obras de arte, que podemos considerar hoje, a fase de arranque da consciência contemporânea das questões da conservação.

A pintura mural dos mosteiros coptas é-nos trazida por Hussein Mahmoud da Faculdade de Arqueologia da Universidade do Cairo, através da caracterização material dos pigmentos de terra verdes utilizados nas pinturas murais do Mosteiro de Santo António, localizado no Deserto Oriental, no Mar Vermelho, destacando-se a novidade deste trabalho sobretudo pela conjugação das técnicas analíticas utilizadas.

Por seu turno, José Ferrão Afonso prosseguindo estudos anteriores sobre a história das Misericórdias, elucida-nos sobre o momento de maior destaque na produção artística da Misericórdia de Esposende, dando-nos a conhecer através de um aturado trabalho de arquivo, o período compreendido entre finais do século XVI e o XVIII, provando assim a comple-mentaridade dos estudos entre as áreas da conservação e restauro e da história da arte.

Do Centro Interpretativo do mosteiro de Santa Clara a Velha chega-nos o grandioso trabalho de conservação e restauro efectuado numa das peças mais emblemáticas da colecção: a escultura funerária de um Cristo Jacente e para o qual foi necessário reunir uma equipa multidisciplinar devido à complexidade da intervenção, que se destinou a estabilizar os problemas estruturais da peça e a reverter alguns restauros antigos para colocação da obra em exposição permanente. Júlia Fonseca e os seus co-autores apresentam-nos um trabalho inovador que será de grande proveito para os conservadores-restauradores de escultura em pedra.

A Museologia marca presença neste número com o artigo de Maria Fernando Gomes e nossa co-autoria com a análise das “Reservas Visitáveis do Musée des Arts et Métiers em Paris”, no qual se reflecte sobre a evolução do conceito de reserva museológica tradicional para o recém-criado conceito de reserva visível e/ou visitável, abordagem que tem como pano de fundo as implicações destes modelos nas problemáticas da Conservação Preventiva.

Da Universidade Federal de Minas Gerais chega-nos o trabalho de Maria Regina Emery Quites e de Neyliane Gonçalves sobre a caracterização de uma escultura devocional em gesso de Santa Inês, com o objectivo de aprofundar o conhecimento sobre os modelos construtivos e materiais constituintes da peça, com vista à extrapolação dos resultados para outros grupos escultóricos de elevado valor histórico no âmbito do património brasileiro.

Com algum trabalho já desenvolvido no domínio da arte retabular, é mais uma vez de Espanha que nos chega um trabalho sobre este mesmo tema, concretizado no artigo de Tamara Alba e Consuelo Dalmau, que nos dão a conhecer a metodologia empregue para obtenção de um conhecimento detalhado dos métodos de construção dos retábulos com pinturas da região de Castela, nos séculos XV e XVI.

Na Secção de Ética e Deontologia Profissional, contamos com um artigo de Salomé Carva-lho sobre o tema crucial da Ética na Investigação Científica, com o qual se pretende abrir caminho a reflexões posteriores aplicadas à conservação e restauro.

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Por fim, coube a Luís Elias Casanovas assinar a recensão crítica sobre a obra da autoria de Sarah Staniforth Historical Prespective on Preventive Conservation, ainda pouco conhecida da comunidade de especialistas nacionais. Ainda nesta secção, mas em formato invulgar divulgamos igualmente a recensão assinada pela nossa colega mexicana Isabel Medina González relativa ao número sete da revista Intervención, editada pela Escola Nacional de Conservação Restauro e Museografia do Instituto Nacional de Antropologia (ENCRyM-INAH).

Acreditando termos contribuído para o desenvolvimento científico da conservação e res-tauro no país anima-nos a intenção de continuar a fidelizar leitores e a criar as condições necessárias para atrair novos autores, tanto no panorama nacional como internacional.

Eduarda Vieira

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EditorialProsiguiendo la misión que nos propusimos desde el 2009, de contribuir para divulgar la investigación y realizar el intercambio de conocimiento y de experiencias en el área de la conservación y restauración, avanzamos con la presentación de este quinto número de Estudios de Conservación y Restauración que cuenta con nueve artículos, además de las ya habituales secciones de Ética y Deontología Profesional, Reseñas y Noticias.

Sin embargo, algunas novedades caracte-rizan esta quinta edición, entre las cuales cabe destacar el alojamiento de la revista en el Repositorio Científico de Acceso Abierto de Portugal (RCAAP), todavía en curso. Esta-mos seguros de que el funcionamiento de la revista en esta nueva plataforma junto con la integración de una nueva colabo-radora, Ângela Monteiro, con funciones de secretaria de edición, contribuirá a agilizar el proceso editorial y facilitará el contacto con nuestros autores y lectores. El presente número de ECR es, por tanto, el último integralmente preparado y editado en nuestra página HTML original, alojada en el sitio web del CITAR. Por otra parte, creemos estar en el buen camino de cara a la internacionalización de la revista, ya sea a través de su indexación en las bases de datos de referencia, ya sea a través de la ampliación de su Comité Científico y del cuerpo de revisores invitados.

Pese a todo, en esta coyuntura de cambios diversos ha llegado también el momento de recordar a nuestra compañera Ana Calvo a quién debemos prestar un home-naje justo como cofundadora, directora y codirectora de los números ya editados. Con su profesionalismo y experiencia ha sabido infundir principios de rigor y calidad a este proyecto, contribuyendo asimismo a su difusión a través de una amplia red de contactos personales e institucionales, y que ahora, con motivo de su integración en el cuerpo docente de la Facultad de Bellas

EditorialIn the pursuit of the mission drawn in 2009, to contribute for the disclosing of the research studies and improve the sha-ring of experiences in the conservation and restoration field, we present herewith the Fifth issue of Studies in Conservation and Restoration Journal, comprising nine articles behind the already usual Professional Ethics and Deontology, Reviews and News sections.

Although some news mark the current edition and among which we would like to highlight the migration of the journal to the Free Open Access Scientific Repository of Portugal platform, still ongoing. We are persuaded that this, as well the collaboration of Ângela Monteiro, our new editorial assis-tant, will streamline the editorial process and will ease contacts with our readers and authors. This number is also the last one to be completely prepared and edited in our CITAR HTML page. On the other hand, we made some essential steps regarding the journal internationalization, both through its inclusion in some referee databases, and through the growth of the Scientific Committee and invited reviewers staff.

However, at the present period of changes it’s the precise moment to remember our colleague Ana Calvo to whom we want to pay a tribute as co-founder, director and co-director of the previous issues. Her professionalism and experience provided our project with principles of accuracy and quality, besides from contributing to its diffusion in Europe thanks to a wide network of personal contacts, and now also due to her integration in the Faculty of Fine Arts of the Complutense University in Madrid leaves the journal direction to keep as consultant and member of the Scientific Committee. The editorial board would like to express her, their gratitude for the good moments of personal and scientific cooperation during the four years of our journal existence.

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Artes de la Universidad Complutense de Madrid, abandona la función de directora para mantenerse como consultora y miem-bro de Comité Científico. La Dirección y los miembros del Comité editorial le expresan así un agradecimiento público por los bue-nos momentos de colaboración científica y personal vividos durante estos cuatro primeros años de existencia de la revista.

En la línea de los números anteriores se presenta una amplia diversidad de temas reflejados en los distintos artículos. Amparo Castelló y sus coautores nos traen una pintura inédita de un Ecce Homo ejecutada de acuerdo con los cánones iconográficos del conocido pintor valenciano Juan de Juanes, que tuvo en Francisco Ribalta uno de los principales imitadores de su obra pictórica. Los autores nos presentan un estudio material y técnico muy exhaustivo en el marco de un abordaje detallado de las fuentes documentales de la época con vista a la determinación de la autoría de la obra.

Dando expresión a la creciente preocupación por las cuestiones de seguridad entre los conservadores-restauradores en lo que con-cierne al uso de productos de diverso tipo, Ana Bailão examina los riesgos asociados a la manipulación de disolventes, pigmentos y barnices en pintura, en el artículo “Los Riesgos laborales durante la reintegración cromática”, de gran actualidad y utilidad práctica para todos los profesionales del área.

En el artículo “La figura emblemática de Luciano Freire y su papel en la historia de la Conservación en Portugal”, Conceição Casanova profundiza sobre la actividad del pintor y escultor Luciano Freire entre finales del siglo XIX y la primera mitad del XX en el dominio de la valorización de las obras de arte, período que podemos considerar hoy el punto de partida para la toma de conciencia contemporánea en las cuestiones de con-servación. A su vez Hussein Mamhoud de la Facultad de Arqueología de la Universidad de El Cairo, nos da a conocer la pintura mural de los monasterios coptos, con el estudio material de los pigmentos de tierra verde

As in previous numbers we can rely upon a variety of subjects and themes in the articles. Therefore Amparo Castelló and her co-authors scrutinize an unknown Ecce Homo painting produced under the icono-graphic canons of the well-known Valencian painter Juan de Juanes, who had in Franscico Ribalta one of the major copyists of his pic-torial work. The authors provide exhaustive material and a technical study supported upon a detailed approach of primary period sources in order to determine authorship.

Attending to the growing demands of con-servators-restorers related with security issues in the management of several types of products, Ana Bailão scrutinizes the risks associated with solvents, pigments and varnishes in painting in her article entitled “Occupacional hazards during retouching practice”, a very useful study for professio-nals in this area.

With the work “Luciano Freire prominent figure and its role in the history of conser-vation in Portugal”, Conceição Casanova highlights the activity of the painter- sculptor Luciano Freire between the late 19th century and the first half of the 20th century in the field of artworks valorization, at a period that may be considered the beginning of the contemporary consciousness on con-servation problems.

The mural painting in Coptic monasteries is introduced by Hussein Mahmoud, lecturer at the Faculty of Archaeology of Cairo´s Univer-sity, through the material characterization of green earthen pigments used in Saint Anthony´s monastery mural paintings, on the Eastern Desert by the Red Sea, empha-sizing the novelty of this research largely in the combination of selected analytical techniques.

Proceeding prior studies on the Misericór-dias history Jose Ferrão Afonso based on a meticulous archive investigation brings to light the particular case of the artistic production in the Esposende Misericórdia´s in its most relevant period between the late 16th and the 18th century, proving the

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del Monasterio de San Antonio, ubicado en el Desierto Oriental, en el Mar Rojo, trabajo novedoso especialmente por la conjugación de las técnicas analíticas utilizadas.

José Ferrão Afonso, continuando sus inves-tigaciones sobre la historia de las Misericór-dias portuguesas, trata sobre el período de mayor destaque de la producción artística de la Misericórdia de Esposende, en el norte de país. Su profundo trabajo de archivo nos trae a la luz la época balizada entre finales del siglo XVI y el siglo XVIII, probando de esta forma la complementaridad entre el trabajo de conservación y la historia del arte.

Del Centro de Interpretativo del Monasterio de Santa Clara-a Velha (Coimbra) nos llega el grandioso trabajo de conservación y res-tauración realizado en una de las piezas más emblemáticas de sus colecciones: la escul-tura funeraria de un Cristo Yacente, que ha obligado a reunir un equipo multidisciplinar debido a la complexidad de la intervención, y que tuvo como objetivos centrales la esta-bilización de los problemas estructurales de la pieza y la reversión de algunas antiguas restauraciones, de cara a su recolocación en la exposición permanente. Júlia Fon-seca y sus compañeros nos presentan un trabajo novedoso que será muy útil para los conservadores-restauradores de escultura en piedra.

La Museología está presente en este número con el artículo de Maria Fernando Gomes y de nuestra coautoría, con el título de “Los almacenes visitables del Musée des Artes et Métiers en Paris”, en el que las autoras reflexionan sobre la evolución del concepto de almacén en un museo tradicional hacia el recién creado almacén visible/visitable, en un abordaje que tiene por escenario las implicaciones de estos modelos con las pro-blemáticas de la Conservación Preventiva.

Desde la Universidad Federal de Minas Gerais (Brasil) Maria Regina Emery Quites y Neyliane Gonçalves, con su trabajo sobre una escultura devocional en yeso de Santa Inés, nos acercan al patrimonio religioso

complementary relationship that links the conservation and restoration studies and Art History.

From the Interpretative Centre at the Santa Clara-a-Velha Monastery Museum comes the contribution of Júlia Fonseca and her co-authors, with an original work of stone sculpture restoration. The article “Funerary sculpture of Christ in tomb from Santa Clara-a-Velha (Coimbra) Museums’ collection - structural treatment”, reflects a notable and complex conservation and restoration intervention carried out in one of the most iconic pieces from the museum’s collection, whose complexity called for the assembly of a duly interdisciplinary team. The intervention aimed to stabilize structural problems and revert some old restorations. Behind the lack of articles about this specific kind of case studies we are convinced that this one can work as a guideline model for interventions in stone conservation artworks in museum context.

Museum Studies mark its presence with the paper of Maria Fernando Gomes and our co-authorship entitled “The Visible Storages of the Musée des Arts et Métier in Paris”, in which the authors discuss the current evolu-tion of museum storage from the traditional model to a new concept of visible or visitable storage,outlined within the relationship with Preventive Conservation issues.

From the Federal University of Minas Gerais (Brazil) Maria Regina Emery Quites and Neyliane Gonçalves make known their research on the material and technical study of a 19th century devotional plaster sculpture of St. Agnes, aiming to deepen our understanding on constructive models and features of this kind of artwork, aspiring to apply the results to other sculptors of the historic Brazilian heritage.

In Spain the domain of the altarpiece art is quite developed and once more, two Spanish authors signed an article dealing with this subject. Accordingly, Tamara Alba and Con-suelo Dalmau bring to light the methodology they implemented to acquire a deep com-

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brasileño de valor histórico, tras haber rea-lizado el estudio de caracterización material y técnico de esta obra, con el fin de pro-fundizar en la información sobre el modelo constructivo y la composición material, de cara a una posible aplicación de los datos a otras obras del mismo período y tipología.

En el dominio del arte retabular nos llega de España -país que cuenta ya con investigacio-nes sistemáticas sobre el tema- el artículo de Tamara Alba y Consuelo Dalmau, autoras que nos presentan la metodología utilizada para obtener un conocimiento detallado de los métodos de construcción de los retablos pictóricos de la región de Castilla, en los siglos XV y XVI.

En la sección de Ética y Deontología Profe-sional contamos con un artículo de Salomé Carvalho sobre un tema de interés crucial como es el de la Ética en la Investigación Científica, que pretende ser la primera etapa de reflexiones posteriores aplicadas al área de la conservación y restauración.

Por último Luis Elias Casanovas firma la reseña del libro de Sarah Staniford Historical Perspective on Preventive Conservation, todavía poco conocido por los expertos por-tugueses. También en esta sección, pero en un formato inusual publicamos además la reseña de nuestra compañera mejicana Isabel Medina González, relativa al número siete de la revista Intervención, editada por la Escuela Nacional de Conservación, Restauración y Museografía del Instituto Nacional de Antropología (ENCRyM-INAH).

Considerando haber contribuido para el desarrollo científico de la conservación y restauración en Portugal, nos anima la intención de continuar fidelizando nuevos de lectores y de crear las condiciones nece-sarias para atraer a nuevos autores, tanto en el contexto nacional como internacional.

Eduarda Vieira

prehension of the manufacturing methods used on the painted altarpieces from Castile, during the 15th and 16th centuries.

Salomé Carvalho is the invited author res-ponsible for the article in the Reflections on Ethic and Professional Deontology sec-tion, about Ethics in Scientific Research, a relevant subject that will be discussed in forthcoming issues in the conservation--restoration context.

Finally, Luís Elias Casanovas signs the review of Sarah Staniforth’s book Historical Pers-pective on Preventive Conservation, a sub-ject still poorly known amidst the Portuguese experts’ community. In the same section, but in an unusual format, we have a con-tribution from our Mexican colleague Isabel Medina González on the number seven of the journal Intervención published by the National School of Conservation and Res-toration and Museography of the National Institute of Antropology (ENCRyM-INAH), in Mexico City.

Considering our efforts towards the deve-lopment of conservation and restoration studies in Portugal, we hope to keep attrac-ting new authors and readers both at home and abroad.

Eduarda Vieira

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Artigos

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Un Ecce Homo inédito de Francisco Ribalta (1565–1628) copiando a Juan de Juanes

(Primera década del siglo S. XVI-1579). Del estudio de las fuentes gráficas a la investigación

y expertización científico-técnica

Amparo Castelló Palacios | Vicente Guerola Blay | Eva Pérez Marín

Resumen

El trabajo que se presenta en este estudio es un resumen de otro más extenso que surgió como imperativo para la clasificación y expertización de una pintura inédita cuyo referente es el modelo iconográfico del Ecce Homo de Juan de Juanes. Teniendo la certeza de que Francisco Ribalta fue uno de los más conocidos copistas de obras juanescas, se plantea la posibilidad de que se trate del autor de dicha obra, de manera que la evaluación estilística y el análisis de la técnica pictórica y de los materiales constitutivos permitirá reconocer la compatibilidad de la pintura con los datos obtenidos e incluso comparar los resultados con los de otras pinturas realizadas por Ribalta.

Palabras clave:

Ecce Homo, Francisco Ribalta, Juan de Juanes, fuentes gráficas, copias, expertización, estudio científico-técnico.

Un Ecce Hommo inédito de Franscico de Ribalta (1565-1628) copiando Juan de Juanes (primeira década do século XVI-1579). Do estudo das fontes gráficas à investigação e autenticação técnico-científica.

Resumo

O trabalho apresentado neste estudo é um resumo de outro mais extenso que emergiu como imperativo para a classificação e autenticação de uma pintura inédita que tem como referente o modelo iconográfico do Ecce Homo de Juan de Juanes, a fim de determinar quem foi o artista que o criou. Tendo a certeza de que Francisco Ribalta foi um dos mais conhecidos copiadores de obras juanescas, é considerada a possibilidade de que poderia ser o autor desta obra. A avaliação estilística e a análise da técnica de pintura e dos materiais constituintes permitirão reconhecer a compatibilidade da pintura com os dados obtidos e mesmo compará-los com os de outras pinturas de Ribalta.

Palavras-chave:

Ecce Homo, Francisco Ribalta, Juan de Juanes, fontes gráficas, cópias, autenticação, estudo científico-técnico.

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Un Ecce Homo inédito de Francisco Ribalta (1565–1628) copiando a Juan de Juanes (Primera década del siglo XVI-1579). Del estudio de las fuentes gráficas a la investigación y expertización científico-técnica

Amparo Castelló Palacios | Vicente Guerola Blay | Eva Pérez Marín

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A previously unknown Ecce homo of Francisco Ribalta (1565–1628) copying Juan de Juanes (First decade of the 16th century-1579). From the study of Graphic sources to the scientific and technical authentication research.

Abstract

The work presented in this study is an abstract of a more extensive work. This work emerged as an imperative for classification and authentication of a previously unknown painting that has as a reference the Ecce Homo´s iconographic model of Juan de Juanes, in order to determine who was the artist that created it. With the certain that Francisco Ribalta was one of the most known copyists of Juan de Juanes´works, it´s considered that he may possibly be the autor of this work. So the stylistic evaluation and the analysis of the pictorial technique and the constituent materials allow us to recognize the compatibility of the painting with the gathered data. Also, it even allow us to compare the results with those of a painting by Ribalta.

Keywords:

Ecce Homo, Francisco Ribalta, Juan de Juanes, graphic sources, copies, authentication, scientific-technical study.

Introducción

Durante los últimos siglos, el patrimonio cultural y artístico valenciano al igual que el del resto de la península ha sido víctima de diferentes avatares que han tenido como consecuencia su pérdida, expolio y en muchos casos, destrucción. Basta citar la conocida desamortización, la expulsión de los jesuitas, la Guerra de la Independencia, las Guerras Carlistas o la Guerra Civil Española, cuya consecuencia directa fue la pérdida, destrucción y descontextualización de muchas obras de su ubicación original, como puede ser el caso de la obra objeto de este estudio, tratándose de una pintura al óleo inédita y sin firmar que sigue el tradicional esquema representativo del Ecce Homo que Juan de Juanes repetiría en numerosas ocasiones ejerciendo una gran influencia en el ámbito pictórico valenciano del siglo XVI y de épocas estilísticas posteriores.

El presente estudio surge de la necesidad de expertizar esta pintura partiendo de la hipótesis de que su autor pueda ser Francisco Ribalta, ya que este pintor de origen catalán, formación escurialense y adopción valenciana de finales del siglo XVI y principios del XVII fue uno de los más conocidos copistas de Juan de Juanes y además, la obra presenta una indiscutible calidad pictórica.

Los objetivos planteados en esta investigación nacen de la hipótesis anteriormente planteada y tienen la finalidad de verificarla o rebatirla. En cualquier caso, de tratar de proporcionar más datos que ayuden a la identificación de la pintura. Estos objetivos que a su vez marcan una metodología de trabajo son: estudiar la posible autoría y la representación del modelo

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Un Ecce Homo inédito de Francisco Ribalta (1565–1628) copiando a Juan de Juanes (Primera década del siglo XVI-1579). Del estudio de las fuentes gráficas a la investigación y expertización científico-técnica

Amparo Castelló Palacios | Vicente Guerola Blay | Eva Pérez Marín

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valenciano del Ecce Homo a través de la búsqueda en diferentes fuentes bibliográficas (exposiciones, inventarios, etc.) y la catalogación de obras que contemplen esta iconografía, incluyendo tanto las pinturas juanescas como las copias derivadas de éstas; profundizar en los aspectos estilísticos, compositivos e históricos y en las fuentes influyentes de la pintura de Francisco Ribalta especialmente en las copias realizadas de la producción juanesca; revisar a partir de fuentes documentales aquellas obras de Francisco Ribalta perdidas o destruidas que hagan referencia a una posible copia del modelo iconográfico del Ecce Homo juanesco y, por último, a través de un estudio técnico de la obra a nivel de estratos pictóricos y soporte, comparar los resultados con los obtenidos en las analíticas de una obra realizada por Ribalta, La Adoración de los Magos, perteneciente al conjunto de pinturas realizadas para la Iglesia de San Jaime Apóstol de Algemesí (1603-1610).

A partir de este estudio analítico se verificará si la obra pudo o no ser realizada por Ribalta abriéndose dos posibilidades: en caso de que los resultados analíticos coincidan nos servirán para justificar la autenticidad de la pintura; pero si la técnica y los materiales no se correspon-den, un exhaustivo examen de éstos ayudará a determinar cuál fue el proceso de elaboración.

El icono valenciano del Ecce Homo como modelo particular de la contrarreforma

Iconográficamente el tema proviene de la escena bíblica descrita en el Evangelio de Juan (16,4-5) en la que el gobernador romano Poncio Pilato presenta a Jesús de Nazaret, atado y con la corona de espinas, ante la muchedumbre pronunciando las palabras: “ECCE HOMO” (He aquí el hombre) (Hernández Guardiola, 2010:94). Las más antiguas representaciones datan de la época carolingia (siglos IX o X) pero no será hasta la Edad Media con los “Christus Patiens”, cuando Cristo se representará con los atributos propios que lo caracterizan, como el cetro de caña o la corona de espinas (A.A.V.V., 1980:72).

Ya en el siglo XVI, Juan de Juanes adaptaría el Ecce Homo a los preceptos contrarrefor-mistas buscando complacer a una clientela muy devota. Puesto que la obra que nos ocupa copia directamente el Ecce Homo juanesco, resulta esencial hacer una breve alusión a este importante artista valenciano.

El modelo icónico juanesco

Juan de Juanes (primera década del siglo XVI - Bocairente, 1579), fue el pintor de mayor relevancia en el ámbito artístico de la antigua Valencia foral del siglo XVI, llegando a convertirse en el primer referente de la pintura valenciana de su época. Su trayectoria artística se divide en dos etapas: de 1530 a 1550 Juanes trabajó junto a su padre Vicente Maçip en numerosos encargos y asimilaría las influencias de las pinturas de Sebastiano del Piombo, propiedad del embajador en Roma afincado en Valencia don Jerónimo de Vich, así como influencias flamencas y, más tarde, cierto rafaelismo del que adquiere la manera de representar las figuras de medio cuerpo (Benito Doménech, 2000:31).

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La segunda etapa que abarca desde 1550 hasta 1579, fecha de su fallecimiento, Juanes crearía los Salvadores Eucarísticos, Dolorosas y Ecce Homos, modelos iconográficos que serían repetidos en numerosas ocasiones hasta el siglo XX.

En cuanto al Ecce Homo, Juanes creó dos tipologías: una en busto ofreciendo una imagen más cercana del rostro de Cristo (fig. 1 y 2); y la otra de medio cuerpo, siendo la más conocida por los ejemplares conservados en el Museo de Bellas Artes de Valencia (fig. 3) y en el Museo Nacional del Prado (Madrid) (fig. 4).

Fig. 1 – Ecce Homo, 1540-1550, óleo sobre tabla, 27 x 20,5 cm Monasterio de las Madres Clarisas

de San Pascual Bailón (Castellón)

Fig. 2 – Ecce Homo, s. XVI, óleo sobre tabla, 40 x 27 cm

Colección Gómez-Navarro (Madrid)

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Fig. 3: Ecce Homo, 1560-1570, óleo sobre tabla, 81 x 57 cm

Museo de Bellas Artes de Valencia

Fig. 4: Ecce Homo, 1560-1570, óleo sobre tabla, 82 x 62 cm

Museo Nacional del Prado (Madrid)

Una parte importante de este trabajo consistió en la elaboración de un catálogo exhaustivo, que no se reproduce en este artículo, con el fin de sistematizar el conjunto de pinturas sobre tabla y lienzo con la representación del Ecce Homo, donde se recogen las dos tipologías juanescas así como las copias derivadas de éstas dentro del área valenciana desde el siglo XVI al siglo XX. Cabe destacar el Ecce Homo del pintor de influencia flamenca Nicolás Falcó (fig. 5), probablemente el referente a partir del cual Juanes creará su particular modelo iconográfico.

La tradición de copiar el modelo del Ecce Homo juanesco continuó después de Francisco Ribalta. Es el caso del pintor romántico José Estruch, quien reproduce este icono sobre lienzo tratándose de una pintura inusual puesto que este artista se caracteriza por sus famosas caricaturas y retratos y no por su época religiosa (fig. 6).

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Fig. 5: Nicolás Falcó, Ecce Homo, s. XV-XVI, óleo sobre tabla, 31 x 26,5 cm

Museo de Bellas Artes de Valencia

Fig. 6: José Estruch, Ecce Homo, s. XIX, óleo sobre lienzo, 84,5 x 58,5 cm

Museo del Almudín (Xátiva)

El pintor Francisco Ribalta

Francisco Ribalta (Solsona, Lérida, 1565–Valencia, 1628) está considerado como un artista transicional entre el manierismo reformado y el naturalismo barroco con el que alcanza su madurez profesional y artística. La primera etapa de su trayectoria artística comienza en el Real Monasterio de San Lorenzo del Escorial de Madrid, donde conocería las obras de maes-tros como Sebastiano del Piombo, Tiziano o Navarrete “El Mudo” (Camón Aznar, 1956:10). De Madrid se traslada a Valencia en 1598 (Benito Doménech, 1980:125) iniciándose una segunda etapa en la que el mecenazgo del Patriarca Juan de Ribera le facilitaría numerosos encargos. En su etapa final, a partir de 1615, Ribalta junto a su hijo Juan y su yerno Vicente Castelló pintaría las obras más aclamadas alcanzando una gran maestría y prestigio en el ámbito artístico valenciano. Finalmente, el 13 de enero de 1628, Francisco Ribalta muere en Valencia a sus 63 años.

Cuando Francisco Ribalta llegó a Valencia, todavía Juanes se mantenía en la memoria como un excelente referente pictórico. El calado religioso y devocional de las obras juanescas había arraigado de tal modo en la tradición valenciana que Ribalta tuvo necesariamente que inspirarse e incorporar ciertos aspectos de los estereotipos juanescos a sus obras,

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atendiendo a los requerimientos de una clientela que así lo exigía. Prueba de ello son los ejemplos como el Cristo muerto sostenido por dos ángeles (fig. 8), obra conservada en el Museo Nacional del Prado en la que Ribalta toma como modelo la Piedad de Juanes, ubicada actualmente en el Meadows Museum (Dallas) (fig. 7) y de la que deriva tanto la composición como los personajes.

Fig. 7: Juan de Juanes, Piedad, óleo sobre tabla, 153 x 103 cm

Meadows Museum (Dallas)

Fig. 8: Francisco Ribalta, Cristo muerto sostenido por dos ángeles, principios s. XVII, óleo sobre

lienzo, 113 x 90 cmMuseo Nacional del Prado (Madrid)

Un Ecce Homo inédito ribaltesco copiando a Juanes

Algunas fuentes documentales recogen la existencia de una obra actualmente perdida o en paradero desconocido en la que Francisco Ribalta podría haber copiado el modelo iconográfico del Ecce Homo juanesco. Marco Antonio de Orellana en su biografía de pintores valencianos señala a Ribalta como el autor de un Ecce Homo “copia sacada con mexoras” del original de Juanes (Orellana, 1930:115). Por otro lado, tanto Albi (Albi, 1979, vol. 1:437) como Kowal (Kowal, 1985:118) aluden a una tabla que se documenta en el testamento de Juan Ribalta quien lega a su tía Aldonza, en la que se representa un Cristo copiado de Juanes por su padre Francisco Ribalta.

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Estudio de la obra

La obra que presentamos se trata de una pintura sobre lienzo adherido a tabla que cuenta con unas dimensiones totales de 83,2 x 61,4 x 1,6 cm y que sigue de forma mimética los modelos de los Ecce Homo juanescos (fig. 9 y 10).

Fig. 9: Fotografía del anverso Fig. 10: Fotografía del reverso

Fig. 11: Detalle del rostro Fig. 12: Detalle de las manos Fig. 13: Detalle del nudo

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Análisis compositivo y estilístico

El análisis compositivo y estilístico de la obra (fig. 9) se realizó en relación con los dos Ecce Homos juanescos conservados respectivamente en el Museo de Bellas Artes de Valencia y en el Museo Nacional del Prado. La morfología del rostro con una mirada penetrante e incisiva y la finura y linealidad de los rayos luminosos que componen la aureola evocan la representación juanesca del Prado. Detalles como la posición de brazos y manos, la inclina-ción de la cabeza, los pliegues del manto así como el modelado de las luces y las sombras con un suavizado contraste guardan un estrecho parecido con el Ecce Homo madrileño de Juanes (fig. 4).

A pesar de esta extraordinaria cercanía al modelo juanesco existen ciertas diferencias, como por ejemplo el ligero alargamiento del cuello y de la parte inferior del rostro de Cristo correspondiente a la zona de la boca y el mentón, o la parte del tórax y el abdomen, elaborada de una manera más estilizada. Por último destacar que el pequeño tamaño de la caña sitúa los dos extremos dentro de la composición, mientras que en el Ecce Homo del Prado no aparece el principio y el final de la misma.

Descripción técnica

La paleta cromática empleada en esta pintura está basada principalmente en tonalidades rojas y rosadas para el manto y las carnaciones, tierras y ocres para los cabellos, la caña y otros detalles, blanco para el perizónium y negro para el fondo. A través de los estudios con radiaciones no visibles se observa sobre la pintura una gruesa capa de barniz no original y dos tipos de repinte: unos muy evidentes por la deficiente técnica de ejecución con la que están elaborados y otros en los que es necesario realizar una radiografía para poder localizar su ubicación y extensión en la superficie pictórica (fig. 16).

Gracias a los microanálisis del estrato pictórico pudimos verificar que el tipo de preparación de la obra es tradicional y está formada por un estrato de preparación negra y una fina imprimación roja. Este tipo de preparación recuerda a la que Pacheco relata en sus tratados como la forma de preparar los lienzos en Madrid:…otros aparejan los lienzos con cola de guantes y ceniza cernida, en lugar de yeso…y seco y dado de piedra pomiz, empriman con sola almagra común…(Pacheco, 1990:481).

Por otro lado, entre la capa de preparación y el soporte leñoso existe un estrato intermedio de tela, un lino o cáñamo tal y como confirma la caracterización microscópica de la sección longitudinal de las fibras, con un ligamento de tipo tafetán visible en los bordes donde no queda estrato pictórico (fig. 27).

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Fig. 14: Microfotografía del estratointermedio de tela. X75

El estudio radiológico fue muy útil para acotar la gran cantidad de zonas de pérdida de película pictórica original, reintegrados y repintes que presenta la obra así como algunos elementos que conforman la morfología de la tabla, como los clavos que unen el panel más estrecho al adyacente y los agujeros de los clavos que en su momento sujetaban los trave-saños del reverso (fig. 16). Las radiografías, realizadas por el profesor del Departamento de Conservación y Restauración de Bienes Culturales de la UPV José Antonio Madrid García en el Laboratorio de Documentación y Registro de esta misma universidad, se efectuaron mediante una unidad móvil de radiología TRANSPORTIX 50, así mismo, las placas en soporte digital se obtuvieron con el sistema de radiografía telemétrica a través de una unidad CR Easylift® y su procesado se realizó mediante la unidad CR30, ambas de la empresa Agfa®.

Por último indicar que los parámetros implicados en la obtención de las 6 placas telemétricas que componen el mosaico final han sido: 37 kV de voltaje, 20 mA de intensidad, 240 cm de distancia entre la fuente de rayos X y el registro y 3 segundos de tiempo de exposición para cada una de las placas (Madrid, 2006).

Fig. 15: Diagrama de construcción del soporte

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Estudios científicos

Para un estudio en profundidad de la obra se han llevado a cabo exámenes globales mediante radiaciones no visibles y exámenes puntuales por medio de la extracción de muestras y el empleo de técnicas instrumentales como son la microscopía óptica y la microscopía electrónica de barrido con detector de rayos X (SEM/EDX).

Gracias a la fotografía con luz UV se localizan mediante la diferencia de fluorescencia algu-nos repintes y la presencia de una gruesa capa de barniz que acaba produciendo un velo blanquecino muy intenso en la imagen ultravioleta, a excepción de dos franjas ubicadas en el borde superior e inferior probablemente ocasionadas por la realización de un posterior barnizado sin retirar el marco previamente. (fig. 14). Con la reflectografía infrarroja, reali-zada por el profesor del Departamento de Conservación y Restauración de Bienes Culturales (UPV) Juan Valcarcel Andrés mediante una cámara digital de formato medio Synar Hy6 modificada, no se observa el dibujo subyacente pero se establecen con mayor exactitud las zonas de retoque (fig. 15).

Fig. 16: Fotografía UV Fig. 17: Reflectografía IR

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Fig. 18: Radiografía

Para el microanálisis de los estratos pictóricos, el soporte y la tela se extrajeron varias muestras que serían observadas al microscopio óptico y, en el caso de los estratos pictóricos, también al microscopio electrónico de barrido (SEM/EDX).

En relación al soporte leñoso, se extrajeron muestras de todas las secciones en los tres paneles para verifica que se trataba del mismo tipo de madera. Las muestras extraídas en sección transversal revelan la presencia de vasos de sección redonda u ovalada (fig. 17). La sección radial muestra la existencia de fibrotraqueidas septadas (fig. 18) mientras que en la sección tangencial se observan radios leñosos uniseriados y heterogéneos (fig. 19) (García Esteban, 2003:92-93). Este tipo de datos confirman que el tipo de madera empleada en la elaboración del soporte leñoso sea álamo o sauce blancos.

Fig. 19: Microfotografía sección transversal. X200

Fig. 20: Microfotografía sección radial. X100

Fig. 21: Microfotografía sección tangencial. X125

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En cuanto al estrato intermedio de tela, mediante un examen microscópico pudimos obser-var que las fibras presentan una forma cilíndrica con puntos de dislocación transversales y extremos estrechos y acabados en punta (fig. 20 y 21), de lo que se deduce que se trata de una fibra natural celulósica, concretamente un lino o cáñamo.

Fig. 22 y 23: Microfotografía de sección longitudinal de la fibra textil. X150

Finalmente, para el microanálisis de los estratos pictóricos se extrajeron varias muestras representativas de los distintos colores para ser analizadas en el microscopio electrónico de barrido por la profesora del Departamento de Conservación y Restauración de Bienes Culturales y Catedrática de la UPV Mª Teresa Doménech Carbó, en el Servicio de Microscopía Electrónica de esta misma universidad (fig. 22). Los resultados certificaron la presencia de repintes además de la composición de los distintos estratos de la pintura.

En estas micromuestras se puede distinguir un primer estrato de preparación negra formada principalmente por tierras (capa 3) y sobre ésta una imprimación compuesta por tierra roja ferruginosa (capa 2). Sobre la imprimación aparece el estrato de pintura en el que se diferencian distintos pigmentos (capa 1): blanco de plomo y tierras de distinta composición para las carnaciones (fig. 23); blanco de plomo y bermellón para el manto (fig. 24); tierras ricas en hierro para el fondo (fig. 25) y, por último, en una muestra extraída de un repinte en el brazo derecho de Cristo encontramos blanco de plomo y tierras (fig. 26) dándose dos posibilidades: que exista un repinte sobre el original que en la muestra no se ha recogido, o que la película pictórica que se contempla sea un añadido posterior sobre la imprimación. En cualquier caso esta muestra se trata de un repinte puesto que a simple vista, y tras corroborarlo con la radiografía, la zona de extracción pertenece a una zona de pintura no original.

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Fig. 24: Zonas de extracción

Fig. 25: Microfotografía, carnación. X100 Fig. 26: Microfotografía, manto. X200

Fig. 27: Microfotografía, fondo. X300 Fig. 28: Microfotografía, repinte. X200

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Comparación de las muestras

Para realizar esta comparativa se escogieron aquellas tonalidades analizadas de las obras ribaltescas La Adoración de los magos (fig. 30) y El sueño de San José, (fig. 31) perte-necientes al conjunto de pinturas de la Iglesia de San Jaime Apóstol de Algemesí (Ortega Ferrer, 2011) que coincidieran con las del Ecce Homo, es decir, rojos y carnaciones, pero no el color negro del cual no se extrajo ninguna muestra en dichas obras.

En cuanto a las tonalidades rojas o rosadas, tanto en La Adoración y El sueño de San José como en el Ecce Homo se han conseguido mediante la mezcla de bermellón con blanco de plomo. En el caso de las carnaciones hay una diferencia: en La Adoración Ribalta consigue el tono mediante la mezcla de blanco de plomo y laca roja; en El sueño mediante la mezcla de blanco de plomo y bermellón, mientras que en el Ecce Homo las carnaciones se han obtenido mezclando blanco de plomo con tierras de distinta composición.

Por otro lado, las obras ribaltescas muestran una capa de preparación blanca realizada con yeso y algunas impurezas de calcita y una imprimación roja obtenida con tierras y arcillas. En el Ecce Homo también encontramos una imprimación de tierra roja ferruginosa de com-posición muy similar a la imprimación utilizada por Ribalta pero se diferencia en que la capa de preparación es de color negra formada por una mezcla de tierras ferruginosas y arcillas.

Fig. 29: La Adoración de los Magos

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Por último, en relación al soporte de La Adoración, está realizada sobre una tabla (de la que no se analizó ni el tipo de madera ni el tipo de construcción de la misma) con un estrato intermedio de tela tal y como sucede en el Ecce Homo. Esto puede explicarse porque a partir de los siglos XIV y XV muchas tablas valencianas eran cubiertas con una tela pegada para suavizar los movimientos de contracción y dilatación y facilitar la preparación. Normalmente se utilizaba el lino (“canem de Burgunya”) o la estopa en menor medida (Vivancos Ramón, 2007:68).

Conclusiones

Con toda probabilidad de que este Ecce Homo es atribuible al taller de Francisco Ribalta, podemos justificar que podría ser obra suya ya que los datos obtenidos tras la investigación apoyan esta posibilidad.

Por un lado, al revisar las copias realizadas del Ecce Homo juanesco llegamos a la certeza de que nadie después de Juan de Juanes alcanzó un nivel de calidad y maestría tan alto como el de esta pintura. Por esto podemos atribuir la obra al más importante pintor del barroco valenciano y digno sucesor de Juanes, Francisco Ribalta.

Además, existen documentos que aseguran la ejecución de un Ecce Homo “a la manera de Joanes” por Francisco Ribalta. Uno de los más importantes es el testamento del hijo de Francisco, Juan Ribalta, publicado por Tramoyeres en 1917 (Tramoyeres, 1917:106) en el que legaba a su tía Aldonza dos tablas realizadas por su padre que son copias de Juanes, un Cristo y una Virgen. El Cristo al que alude Juan Ribalta podría tratarse de nuestro Ecce Homo, y el hecho de que lo recoja en su testamento y lo ceda a su tía Aldonza demuestra que se trata de una tabla de gran valor y calidad, como la obra objeto de estudio, y vinculada con las obras que permanecían dentro del ámbito familiar.

También los aspectos técnicos de la obra avalan nuestra conjetura. En la escuela valenciana Ribalta es el pintor que marca la transición del empleo del soporte lígneo al lienzo, utilizando indistintamente la tela y la madera. La elección de un soporte lígneo en este Ecce Homo no es un hecho casual, ya que es la mejor forma de asemejar la obra al popularizado Ecce Homo juanesco. Además, la colocación de un estrato de tela entre la preparación y la madera, aunque no sea algo exclusivo de Ribalta, es una manera de proceder que también se contempla en su taller, tal y como se demuestra en La Adoración de los magos.

El tipo de construcción de la tabla plantea la posibilidad de que la madera fue reutilizada para ajustarla al tamaño de la misma, lo que a su vez revela que es posterior a la misma. Además, el tipo de madera (álamo o sauce) no es la más habitual dentro del área valenciana, pero la presencia de papel entre la tela y la madera puede deberse a una posible transferencia de la obra a una nueva tabla quizá por el mal estado en que se encontraba la original. Esto explicaría también la existencia de numerosos repintes, ya que las patologías ocasionadas

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en el soporte leñoso pudieron ser la causa de los daños acontecidos en el estrato pictórico haciendo necesaria una labor de repintado.

Por otra parte, aunque no sea el tipo de preparación que emplee en sus obras (Ortega Ferrer, 2011), Ribalta aplica una preparación negra y una imprimación almagra que recuerda al tipo de preparaciones a las que Pacheco alude cuando habla de la forma de preparar los lienzos en Madrid. Sabiendo que Ribalta inició su trayectoria artística en Madrid, pudo llegar a Valencia donde copiaría a Juanes con esa manera de proceder madrileña.

En cuanto a la paleta de colores empleada en el Ecce Homo, aunque no son pigmentos exclusivos de Ribalta son habituales en su época. Pigmentos como el bermellón o el blanco de plomo coinciden con los utilizados en La Adoración y El sueño de San José por Ribalta pero no sirven para constatar de forma segura su autoría, simplemente sitúan la obra en un contexto temporal.

Finalmente cabe añadir que hay una gran ausencia de estudios técnicos y analíticos aplicados a la escuela valenciana de pintura, pero en el caso concreto de Francisco Ribalta no hay prácticamente nada hecho, lo que dificulta el establecimiento de patrones comparativos con los que equiparar los datos obtenidos. Es por esto que no se ha podido asegurar con una absoluta rotundidad la autenticidad del Ecce Homo. Como logro de este trabajo destacamos la importancia que adquieren los resultados obtenidos como herramienta de apoyo y patrón comparativo para estudios futuros por parte de historiadores del arte y/o restauradores a la hora de expertizar o intervenir esta obra.

Referencias

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VIVANCOS RAMÓN, Victoria. La conservación y restauración de pintura de caballete: pintura sobre tabla. Madrid: Tecnos, 2007.

Curriculum de los autores

Amparo Castelló Palacios: Conservadora-restauradora de bienes culturales. Máster Oficial en Conservación y Restauración de Bienes Culturales, especialidad en pintura de caballete, y Licenciada en Bellas Artes con la especialidad en Conservación y Restauración de Bienes Culturales. Ambas titulaciones cursadas en la Universidad Politécnica de Valencia (UPV).

Contacto: [email protected]

Vicente Guerola Blay: Investigador del Instituto Universitario de Restauración del Patri-monio de la Universidad Politécnica de Valencia (UPV) y profesor en el Departamento de Conservación y Restauración de Bienes Culturales de la UPV.

Contacto: [email protected]

Eva Pérez Marín: Investigadora del Instituto Universitario de Restauración del Patrimonio de la Universidad Politécnica de Valencia (UPV) y profesora en el Departamento de Conser-vación y Restauración de Bienes Culturales de la UPV.

Contacto: [email protected]

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Riscos ocupacionais durante a reintegração cromática

Ana Maria dos Santos Bailão

Resumo

Os conservadores-restauradores podem ser expostos a uma variedade de materiais poten-cialmente nocivos. Os perigos para a classe profissional são numerosos e, por conseguinte, é importante identificar os materiais nocivos e as “más práticas”. Apesar dos profissionais do sector estarem sensibilizados, na sua maioria, para os aspetos de segurança associados aos solventes de limpeza, aos consolidantes, aos vernizes de proteção, os pigmentos e as tintas em geral são descurados embora impliquem risco para a saúde dos profissionais. O objetivo deste artigo é avaliar os riscos ocupacionais inerentes aos materiais e às técnicas de reintegração cromática.

Palavras-chave:

riscos ocupacionais, toxicidade, pigmentos, aglutinantes, vernizes, reintegração cromática.

Los riesgos laborales durante la reintegración cromática

Resumen

Los conservadores-restauradores pueden estar expuestos a una variedad de materiales potencialmente perjudiciales. Los peligros para estos profesionales son numerosos y, por lo tanto, es importante identificar los materiales peligrosos y las “malas prácticas”. A pesar de que se es consciente de los aspectos de seguridad relacionados con el uso de disolventes en los procesos de limpieza, los riesgos asociados al empleo de conso-lidantes, barnices protectores, pigmentos y tintas suelen ser descuidados, a pesar de que también suponen un riesgo para la salud de los profesionales. El objetivo de este trabajo es evaluar los riesgos profesionales inherentes a los materiales y las técnicas de reintegración cromática.

Palabras clave:

riesgos profesionales, toxicidad, pigmentos, aglutinantes, barnices, reintegración cromática.

Occupational hazards during retouching practice

Abstract

Conservators may be exposed to a variety of potentially harmful materials. The dangers to conservation professionals are numerous and, therefore, it is important to identify the hazardous materials and the “bad practices”. Despite of most professionals being sensitized

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for the safety aspects associated with cleaning solvents, adhesives, protective varnishes, the pigments and paints are usually neglected, although involving risk to health professionals. The aim of this paper is to evaluate the occupational hazards inherent to the materials and techniques used in the retouching practice.

Keywords:

occupational hazards, toxicity, pigments, binders, varnishes, retouching.

Descrição ocupacional

Os conservadores-restauradores, tal como os artistas plásticos, são expostos durante a prática das suas atividades a uma variedade de substâncias perigosas. Vários estudos docu-mentam casos de intoxicação e doenças ocupacionais, em diversos sectores profissionais, por exposição a produtos tóxicos, como neuropatias, o cancro, entre outras (Braun e Tsiatis, 1979: 487-489; Miller et al., 1986: 281-287; Costa e Klein, 2006: 155-163; Linz et al., 1986: 119-125; Eller, Netterstrøm e Laursen, 1999: 389-395; Cruz, 2000: 27; Zuskin et al., 2007: 167-177; IARC, 2010: 272), destacando-se o envenenamento de um conservador--restaurador por chumbo (Fishbein, A. et al.,1982: 2007-2009). Segundo o estudo de Chen, Dick e Seaton, a exposição prolongada a solventes, pigmentos e outros materiais de pintura leva a problemas de saúde neuropsicológica (Chen, Dick e Seaton, 1999: 383-387).

O interesse por doenças ocupacionais foi motivado por Bernardino Ramazzini, considerado “o pai da medicina do trabalho”. Ramazzini nasceu em Carpi, Itália, em 1633 e desde os seus tempos de estudante de medicina na Universidade de Parma que direcionava a sua atenção para as doenças sofridas pelos trabalhadores. Ramazzini sistematizou o conhecimento com o livro de De Morbis Artificum Diatriba [Doenças dos Trabalhadores], cuja primeira edição foi impressa em 1700 e a segunda em 1713 (Franco e Franco, 2001: 1382).

Desde a entrada de Portugal na União Europeia (U.E) que a legislação nacional acerca da organização de atividades de segurança e saúde no trabalho tem vindo a evoluir, abrangendo sucessivamente mais sectores profissionais (Fonseca, 2000: 53). Em termos de saúde o Decreto Regulamentar n.º 6/01, de 05 de Maio, aprova a lista das doenças profissionais e o respetivo índice codificado, tendo o Decreto Regulamentar nº 76/2007, de 17 de Julho, procedido à alteração dos capítulos 3.º e 4.º da lista das doenças profissionais, publicada em anexo ao Decreto Regulamentar anteriormente mencionado. Em ambos estão elencados fatores de risco como o caso da utilização dos reagentes químicos tolueno, xileno e outros homólogos do benzeno, ou do cádmio e seus compostos, com a lista exemplificativa dos trabalhos suscetíveis de provocar a doença, bem como a indicação do tipo de doenças ou outras manifestações clínicas que podem ocorrer, e com especificação do tempo em que podem aparecer esses sintomas (ver Tabela 1). O Decreto-Lei n.º 164/01, de 23 de Maio, estabelece as normas relativas à prevenção de riscos de acidentes graves causados por certas

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atividades, onde a conservação e restauro não está incluída. As regras para a utilização geral de agentes químicos e para a proteção dos trabalhadores contra os riscos de exposição a agentes químicos estão estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 290/2001 de 16 de Novembro.

Tabela 1 – Lista das doenças elencadas no Decreto Regulamentar nº 76/2007, de 17 de Julho, associadas a produtos passíveis de serem utilizados durante o processo de reinte-gração cromática.

Código Fatores de risco Formas clínicas Prazo

11.01 Chumbo e seus compos-tos e ligas

Cólicas abdominaisPolinevritesNefrite hipertensiva ou urémica e suas complicaçõesAnemia hipocrónicaEncefalopatia agudaOutras

30 dias1 ano3 anos1 ano30 dias

11.04 Manganés e seus com-postos

Síndroma neurológica reversível Síndroma neurológica do tipo parkinsonianoOutras manifestações

6 meses1 ano

11.05 Cádmio e seus comp-ostos

Broncopneumopatia aguda Perturbações digestivas agudas Nefropatia Osteomalácia, diagnosticada radiograficamente Outras manifestações clínicas

5 dias 3 dias 2 anos 12 anos

12.01 Benzeno, tolueno, xileno e outros homólogos do benzeno

Anemia progressiva do tipo hipoplástico ou aplástico Leucopenia com neutropenia Diáteses hemorrágicas Estados leucemóides Leucemias e leucoses aleucémicas Perturbações gastrintestinais Acidentes neurológicos agudos nos casos não considera-dos acidentes de trabalho

3 anos

1 ano 1 ano 3 anos 10 anos 3 meses 3 dias

12.07 Álcoois Irritação cutânea e das mucosas (ocular e nasal) Manifestações neurológicas (cefaleias, vertigens, sonolên-cia, apatia) Perturbações da visão, com possibilidade de evolução para a cegueira (álcool metílico)Outras manifestações clínicas

12.19 Cetonas Irritação das mucosas ocular e respiratória (lacrimejo, tosse e crises esternutatórias) Perturbações neurológicas (vertigens, cefaleias, sonolên-cia) e digestivas (náuseas e vómitos) Dermatoses Outras manifestações clínicas

31.03 Crómio e seus comp-ostos

Ulcerações do septo nasal Ulcerações cutâneas Dermite de contacto alérgica Dermite de contacto irritativa ou traumática Rinite Asma brônquica Neoplasia pulmonar. Cancro das cavidades nasais

30 dias 30 dias 15 dias 7 dias 15 dias 15 dias 30 anos 30 anos

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A atividade de conservação e restauro muito evoluiu no que respeita às medidas de pre-venção, higiene e segurança no trabalho, quando comparada com o que se fazia no século XIX. Todavia, embora haja um consenso geral sobre a importância da prevenção perante a exposição a produtos tóxicos, muitas vezes, por questões monetárias, mas também por incúria, os conservadores-restauradores expõem-se a situações perigosas de toxicidade. Quantas vezes se manipulam resinas, vernizes, solventes, pigmentos sem luvas adequadas ou outro equipamento de proteção individual? Infelizmente muitas. Por vezes, parece que não se tem consciência dos perigos e riscos inerentes ao manuseamento destes e outros produtos tóxicos e inflamáveis. Para esta situação contribui também o facto dos profissionais desconhecerem alguns dos constituintes da composição de certos produtos comerciais que utilizam. Veja-se por exemplo a investigação de J. Paulus e de U. Knuutinen que realizaram um levantamento da composição química e das propriedades das cores cádmio nas aguare-las. Foram examinadas 24 cores cádmio, amostras distintas provenientes de 6 produtores diferentes, não identificados no artigo, através de testes microquímicos, da fluorescência de raio x, da cromatografia de camada fina e da espectroscopia de luz visível. Concluíram que as informações fornecidas pelos fabricantes nem sempre são fidedignas, pois das 24 amostras examinadas com fluorescência de raio X, apenas duas correspondem à informação dos produtores e 5 do total de amostras são cores puras de cádmio sem sulfato de bário (Paulus e Knuutinen, 2004: 397-400).

Nem sempre os constituintes presentes numa tinta, alguns com toxicidade indefinida, são indicados na rotulagem por questões comerciais e concorrenciais por parte do fabricante (McCann e Babin, 2008: 95). Esta situação conduz a um outro problema: os diagnósticos difíceis. Embora, como acima referido, se tenha conhecimento das consequências que muitos produtos considerados tóxicos podem ter para a saúde, o desconhecimento da composição de alguns compostos químicos pode dificultar a ação médica. Também a tendência industrial para a uniformização destes compostos implica a variação apenas das quantidades relativas (Santos e Dias, 2000: 19), podendo esta modificação ter impli-cações mais ou menos tóxicas para o organismo. Isto pode levar a uma sintomatologia variada que dificultará o diagnóstico de um médico e, consequentemente, o tratamento do profissional em causa.

Tipos de exposição na reintegração cromática

A reintegração cromática, tal como outras operações em conservação e restauro, executa-se por vezes com um conjunto de procedimentos perigosos. São bem conhecidas as situações em que os conservadores-restauradores estão em contacto direto com solventes nocivos, como o xileno, a diacetona álcool (4-hidroxi-4-metil-2-pentanona), entre outros, que para além de serem extremamente nocivos quando estão em estado em estado líquido, podem ser absorvidos por via cutânea e provocar alterações irreversíveis nos organismos.

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A exposição a um produto tóxico pode ser por contacto com a pele ou olhos, por inalação ou ingestão. Durante a reintegração cromática, a inalação corresponde à mais significativa forma de exposição devido ao uso contínuo de aglutinantes e vernizes dissolvidos em cetonas, álcoois e hidrocarbonetos alifáticos ou aromáticos, sendo os vernizes muitas vezes aspergidos em ambientes pouco ou nada ventilados.

Segue-se o contacto com a pele. Esta constitui uma barreira do organismo contra as agressões exteriores. Todavia, há materiais que podem danificá-la, como o xileno, que pode penetrar e facilitar a passagem de outras substâncias para o interior do organismo, a chamada via trans-epidérmica. Outros materiais nocivos são os metais pesados como o chumbo. Apesar de proibido no fabrico de materiais artísticos, há gamas de tintas para reintegração que ainda o comercializam, como a Kremer Pigmente®. Ainda não se conse-guiu estabelecer a ligação entre a exposição ao chumbo e o cancro. Segundo a American Cancer Society, são necessárias mais pesquisas para aferir os estudos realizados até à atualidade (American Cancer Society, 2012). Porém, podendo ser ou não cancerígeno, a exposição por contacto pode provocar sérios danos no organismo tais como danos nos rins e na medula óssea; problemas digestivos como náuseas e dores de estômago, entre outros. A ingestão de chumbo pode levar a uma intoxicação conhecida por saturnismo, a uma anemia hemolítica, bem como à reprodução anormal (Shih et al., 1997: 8). As medidas de prevenção como usar máscara, luvas, óculos, entre outros equipamentos, são imprescindíveis, porque, como dizem António Santos e Margarida Dias, “não há medicamento nenhum que trave uma doença de causa externa quando o que a provoca permanece no local do crime” (Santos e Dias, 2000: 21).

A ingestão é também uma questão pertinente na reintegração, mas por incúria. Veja-se o exemplo das aguarelas, quando os profissionais “afiam” os pêlos do pincel na boca após uma ligeira limpeza em água, em vez de usarem um papel absorvente humedecido que pode estar sempre sobre a mesa de trabalho. À semelhança de outros produtos químicos devem ser praticados elevados padrões de higiene, durante e após o seu uso. O contacto prolongado com a pele e a ingestão do produto devem ser evitados. Não se deve por isso aplicar ou remover a cor com os dedos (Aldridge, 1984: 37), um procedimento com histó-ria, quer na pintura, quer na conservação e restauro. Pelo mesmo motivo é fundamental a utilização de luvas, máscara de pó e esfuminhos quando se trabalha com pastéis secos para minimizar o contacto direto com a pele, bem como evitar soprar a poeira após finalização de um trabalho pois pode aumentar a quantidade de inalação. Os fixadores de pulverização são nocivos, podem conter vestígios de n-hexano, substância que pode causar danos no sistema nervoso (Babin, 1989).

Também é de evitar comer, beber e fumar enquanto se realiza qualquer tarefa de conser-vação e restauro, incluindo a reintegração, pois os vapores e poeiras não só são inalados como mais facilmente ingeridos. Um hábito usual é sair do local de trabalho para outros espaços públicos com o vestuário de trabalho. A bata, por exemplo, utilizada pelos alunos de

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conservação e restauro, deve permanecer na sala de trabalho onde decorrem as atividades para que não contamine outros ambientes.

A toxicidade dos materiais de reintegração

Valores limite de exposição

Do ponto de vista químico, para avaliar a toxidade de um produto deve-se atender aos limites de tolerância (TLV – Threshold Limit Value). Os TLVs® referem-se às condições limites de qualidade do ar em ambientes de trabalho e representam os valores sobre os quais se “acredita” que a quase totalidade das pessoas possa ser repetidamente exposta sem efeito adverso à saúde. Todavia, devido à variação de suscetibilidade individual, uma pequena percentagem destes indivíduos pode sentir desconforto com algumas substâncias em concentrações iguais ou mesmo muito abaixo do valor limite. Os TLVs® são definidos anualmente pela American Conference of Governamental Industrial Hygienists (ACGIH) através de experiências industriais, estudos com humanos e experiências com animais. Estes valores, segundo a ACGIH, devem ser utilizados apenas como referência, uma vez que não são linhas divisórias entre condições seguras e perigosas e adverte que os trabalhadores podem ainda estar sujeitos a exposições dérmicas. Há três categorias de TLVs® (American Conference of Governmental Industrial Hygienists, 1998: 12-3, 12-4):

• o limite por média ponderada no tempo (TWA - Time-Weighted Average);

• o limite de exposição a curto-prazo (STEL - Short-Term Exposure Limit);

• o limite de exposição valor-teto (Ceiling).

O limite TLV®-TWA é a concentração média ponderada dos valores encontrados ao longo de um dia de trabalho (8 horas diárias) ou de uma semana (40 horas) e geralmente varia em função dos ciclos produtivos e ambientais. O limite de exposição por média ponderada de 15 minutos (TLV®-STEL) não deve ocorrer mais de quatro vezes ao dia, com pelo menos 60 minutos de intervalo entre os períodos de exposição, e desde que o TLV®-TWA não seja excedido. Os valores de exposição em curto prazo são importantes para os solventes, por exemplo. O limite de exposição Ceiling é a concentração máxima que não deve ser excedida em qualquer momento da exposição no trabalho. Geralmente é definida para substâncias irritantes, de ação rápida no organismo (IDEM, Ibidem).

Além dos três parâmetros supra referidos, também há os valores limite para a absorção de substâncias através da via cutânea (SKIN), incluindo membranas mucosas e olhos, quer transportadas pelo ar ou pelo contato direto com a substância (Macedo, 2006: 40).

Em relação à unidade dos TLVs, esta pode ser encontrada em Partes por milhão (ppm) ou em miligramas por metro cúbico (mg/m3). A primeira diz respeito à concentração de vapores ou gases por volume no ar (mililitros/metro cúbico), e a segunda à concentração de poeiras

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e fumos. No Anexo do Decreto-Lei n.º 290/2001 de 16 de Novembro é possível encontrar alguns valores de referência para alguns agentes químicos.

Importa referir que para além da referida agencia governamental American Conference of Governmental Industrial Hygienists (ACGIH), existem outras que também avaliam os limites de exposição a substâncias tóxicas, tais como: Center for Disease Control and Prevention (CDC); U.S. Department of Health and Human Services (DHHS); U. S. Environmental Protection Agency (EPA); Occupational Safety and Health Administration (OSHA); National Institute for Occupational Safety and Health (NIOSH). Existem diferenças nos parâmetros de avaliação entre agências, resultando em valores distintos. Por exemplo, a ACGIH indica como valor de referência para a acetona o limite TLV-TWA = 500 ppm, enquanto a OSHA estipula TLV-TWA = 1000 ppm.

Na tabela 2 podem-se observar a toxicidade de alguns produtos utilizados para e na prática da reintegração cromática (massas preenchimentos, solventes, pigmentos).

Tabela 2 – Alguns produtos utilizados na preparação das massas de preenchimentos, das tintas e vernizes. Valores medidos ou calculados em relação ao período de referência de oito horas em média ponderada (TLV-TWA) (Podsiki, 2008; OSHA, 2013).

Poeiras e fumos (partículas sólidas)

TLV-TWA (milligramas/metro3)

GAS ou VAPOR (moléculas no ar)

TLV-TWA (partes/milhão-ppm)

Sulfato de cálcio 15

Pigmento branco de zinco 5

Pigmento cobalto violeta 0.02

Pigmento azul cerúleo 0.02

Pigmentos amarelos cádmio 0.01

Pigmentos vermelhos Cádmio 0.005

Álcool etílico 1000

Acetona 500

Álcool Isopropílico 200

White spirit 100

Diacetona álcool 50

Xileno 50

Dosagem

Um conceito fundamental em toxicologia é a noção de veneno. Como indicou o suíço Paracelsus (1493-1541): “Todas as substâncias são venenos, e é a dose que faz o veneno”. De facto a resposta individual de um organismo a uma substância química aumenta proporcionalmente com o aumento da exposição (dose) (European Food Safety Authority, 2012: 11).

Na mesma linha de raciocínio, para António João Cruz, “(…) todas as substâncias, sejam elas naturais ou artificiais, constituintes dos seres vivos ou a estes estranhas, são substâncias químicas”. Com base no mesmo autor, “Rigorosamente, todas as substâncias químicas são tóxicas (…). A frequente e comum distinção entre materiais tóxicos e materiais não tóxicos não é (…) de qualidade, mas sim de quantidade (…)”. Isto significa que uma pequena dose

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de uma dada matéria pode provocar graves danos e problemas ao organismo (substância tóxica), enquanto outras substâncias só provocam reações similares após longos períodos de exposição a esses produtos (substância não tóxica) (CRUZ, 2000: 27). As aguarelas, por exemplo, são consideradas substâncias não tóxicas. Todavia, contêm além da conven-cional goma-arábica, produtos que podem provocar alergia a algumas pessoas, tais como os espessantes, os conservantes e os pigmentos, alguns destes tóxicos como o verde de óxido de crómio. Assim, apesar de não apresentarem elevado risco devem ser utilizadas com cuidado e bom senso.

Além do fator quantidade, um produto também pode ser interpretado e classificado por mais ou menos tóxico atendendo ao tipo de doença que origina, muito ou pouco grave, e também ao período de tempo que medeia entre a exposição aos materiais e a manifestação das suas consequências (Tabela 3).

Tabela 3 – Tipos de classificação de uma substância tóxica.

Tipos de classificações Substâncias

de elevada toxicidade

TLV-TWA ≥ 100

Substâncias

Tóxicas

TLV-TWA ≥ 500

Substâncias

de baixa toxicidade

TLV-TWA ≥ 1000

Quantidade Quando estão envolvidas pequenas quantidades.

- Quando estão envolvidas grandes quantidades.

Patologia

(Mayer, 2006: 589)

Doenças graves;

Danos significativos ou morte por exposição temporária ou contínua (mesmo em pequenas quantidades).

Doenças menos graves, ainda que permanentes;

Que provocam doenças graves, mas somente quando estão envolvidas quantidades superiores às estipuladas para as substâncias altamente tóxicas.

Causam irritações e doenças temporárias;

Podem ocorrer reações mais graves mas quando envolvidas doses mais elevadas.

Tempo

(Cruz, 2000: 28)

Quando os sintomas se manifestam imediatamente

(irritação dos olhos, do nariz, garganta, pele, dor de cabeça).

- Quando os sintomas se manifestam a longo prazo

(dor de cabeça, vómitos, muitas vezes associados a depressão do sistema nervoso central ou o desenvolvimento do cancro).

Na reintegração cromática utilizam-se simultaneamente materiais orgânicos e materiais inorgânicos. Entre os orgânicos estão as resinas, usadas como aglutinantes e vernizes e alguns pigmentos; entre os inorgânicos estão apenas os pigmentos. Como é sabido, o pigmento

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é uma substância colorida e finamente repartida, que confere cor a outro material, quer quando se mistura com ele, quer quando resulta numa camada de tinta sobre o mesmo. O pigmento não se dissolve, apenas fica disperso ou em suspensão no aglutinante que o envolve. Somente os corantes se dissolvem (Mayer, 2006: 33).

Nos parágrafos seguintes descrevem-se estes materiais e as precauciones que são necessárias ter em consideração no seu uso e manipulação para evitar riscos de toxicidade.

Pigmentos

Os pigmentos podem ser de origem mineral como o azul ultramarino (azul lápis-lazúli), resultantes de processos de calcinação, como a terra de Siena queimada, ou obtidos por via sintética como o branco de zinco ou o azul da Prússia. São na sua maioria óxidos, carbonatos ou sulfuretos de alguns metais de transição, tais como o ferro, o cobre, o cobalto e crómio ou metais pesados como o chumbo. Alguns destes metais apresentam risco de toxicidade para a saúde do conservador-restaurador se as medidas de higiene e segurança não forem cumpridas. É importante utilizar sempre luvas e uma máscara. Esta recomendação consta em textos de princípios do século XX e mantém-se em publicações mais recentes (Church, 1915: 290-298; Gettens e Stout, 1966; Wehlte, 1967; Doerner, 1984; Gottsegen, 2006: 154-198).

Além do clássico branco de chumbo, outros pigmentos inorgânicos podem ser perigosos tais como os pigmentos de cobalto, cádmio e manganês. Alguns pigmentos inorgânicos, como o caso dos pigmentos de cádmio e de crómio, podem causar cancro de pulmão. O negro de marfim e o negro-de-fumo podem conter impurezas que podem causar cancro de pele. Pigmentos como o amarelo crómio e o zinco amarelo podem causar ulceração da pele e reações alérgicas na pele (tais como erupções cutâneas) (PODSIKI, Cheryl, 2008.).

Entre os pigmentos orgânicos sintéticos tem-se por exemplo os pigmentos monoazo (PY 74, PO 5; PR 57:1), os quinacridonas (PV 19, PR 122, PR 202) e os ftalocianinas (PB 15, PG 7, PG 36) considerados de baixa toxicidade; os pigmentos diarilide (PY 12, PO 13, PR 38) e os de condensação azo (PY 93, PR 144) que podem ser irritantes para os olhos e pele (Verband der chemischen Industrie e.V, 1995: 18-24).

De seguida [Tabela 4] elencam-se os limites de exposição TLV-TWA de alguns pigmentos de acordo com a American Conference of Governmental Industrial Hygienists (ACGIH), bem como os potencialmente cancerígenos. A maioria dos pigmentos indicados é usada regu-larmente pelos conservadores-restauradores durante a prática da reintegração cromática. Para facilitar a identificação, os nomes comerciais dos pigmentos está segundo a designação inglesa, como se encontram nas embalagens [1].

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Tabela 4 – Indicação dos limites de exposição de alguns pigmentos de acordo com os valores TLV-TWA indicados pela American Conference of Governmental Industrial Hygienists (ACGIH).

PIGMENTOS

LIMITES EXPOSIÇÃO

TLV-TWA

ACGIH

Unidade: mg/m3

Cancerígenos

Lead white (PW 1) 0.05

Titanium White (PW 6) 10

Zinc White (PW 4) 10

zinc yellow (PY 35) 0.01

Iron (III) Oxide (Venetian Red - PR 101) 5

Inorganic Oxide (Burnt umber -PBr 7) 5

Raw umber (PBr7) 5

Chrome green (PG 15) 0.5 x

Chrome yellow (PY 34) 0.5 x

Cobalt blue (PB 28) 0.1 x

Cobalt green (PG 19); 0.1 x

Lithol red (PR 49) 15

Manganese blue (PB 33) 5.0

Manganese violet (PV 16) 5.0

Strontium yellow (PY 32) 0.5

Vermilion (PR 106) 0.05

Nickel-titanate-yellow (PY 53) 0.2 x

Cadmium yellow (PY 35 e PY37) 0.01 X

Cadmium Orange (PO 20) 0.002 X

Cadmium Red (PR 108; PO 23; PR 113) 0.005 x

Alizarin crimson (PR83) 10

Carbon black (PBk7) 3.5

Ivory Black (PBk 9) 3

Cerulean blue (PB 35) 0.02

Prussian blue (PB 27) 1

Ultramarine Blue (PB 29) 0.1

Chromium oxide green (PG 17) 0.5

Viridian (PG 18) 0.5

Quinacridone (PV 19)

Copper Phthalocyanine (PB 15; PG 7) 1

Perylene pigment (PR 179) 10

O branco de chumbo é um dos pigmentos mais utilizados pelos pintores da antiguidade e da modernidade. Também designado comercialmente por branco de prata, branco de Cremnitz ou flake white, devido à sua elevada toxicidade foi gradualmente abandonado e substituído pelo branco de zinco, descoberto em 1751 e produzido para fins comerciais em 1850 (Gottsegen, 2006: 197), e pelo branco de titânio no início do século XX, com produção

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regular, através da modificação da anastase, em 1919 na América e em 1918 na Europa; por modificação do rutilo, a produção ocorre a partir de 1938 (Keijzer, 2002: 44, 45). O branco de chumbo é venenoso somente se engolido ou inalado (Mayer, 2006: 164).

Apesar de existirem no mercado tintas específicas para a reintegração cromática (Golden® MSA Conservation Paints, Gamblin® Conservation Colors, Maimeri® Restauro Colours, Restaurarte® Retouching Colours, entre outras) muitos profissionais optam por preparar as suas próprias tintas, quer para saber o que usam, quer por uma questão de hábito e rapidez na mistura das diferentes cores. Todavia, o manuseio destes materiais colorantes, implica precauções, por vezes descuradas, sobretudo por desconhecimento. Embora a maioria das embalagens de tintas e pigmentos em pó estejam rotuladas segundo a norma ASTM D-4236 e a maioria informe que o produto não é tóxico, na verdade muitos desses materiais não foram testados para avaliar uma toxicidade que se revele a longo prazo, por questões cumulativas, resultando, por exemplo, num futuro cancro. Segundo Michael McCann, e Angela Babin, alguns produtores de materiais para artistas não dispõem na sua equipa de trabalho um toxicologista ou outras figuras competentes para avaliar o risco dos produtos que fabricam e comercializam (McCann e Babin, 2008: 95). Inclusive, como acima referido, a questão da toxicidade é relativa, pois pode ser avaliada do ponto de vista da quantidade ingerida, do tempo de reação a determinado produto, ou da gravidade da sintomatologia.

Antes do século XVIII, a maioria dos pigmentos provinham de substâncias naturais. Contudo, com revolução industrial e o desenvolvimento da Química, durante o século XIX foram sintetizados pela primeira vez muitos pigmentos destinados a pintura. Assistiu-se ao aparecimento de novos elementos químicos, como o zinco, o crómio e o cádmio, e com eles novos pigmentos, (Santos e Cruz, 2009: 44-50; Santos e Cruz, 2009a: 385-391; Santos e Cruz, 2011: 307-318). Atualmente, a paleta de cores disponível tem também uma nova gama de pigmentos sintéticos como resultado dos avanços técnicos e científicos da indústria química e da investigação constante dos fabricantes (Smith, 2003: 17-29).

Os pigmentos orgânicos sintéticos mais importantes podem classificar-se em grupos ou famílias, consoante a sua estrutura e métodos de fabrico, para que possam ser diferencia-dos. Dependendo da sua estructura química e do grupo químico que atua como cromóforo (portador de cor), estabelecem-se tres grandes grupos. Assim, tem-se “azo” para todos os pigmentos de cor amarela, laranja e vermelho; “ftalo” para os pigmentos de cor azul e verde e “quinacridona” para as cores rosa e violeta (Sacristán Cuadrón, 2004:138).

As matérias-primas das quais se obtêm os pigmentos orgânicos sintéticos são: benzeno, tolueno, xileno, naftaleno e antraceno. Todos eles são hidrocarbonetos aromáticos, produzidos por destilação de resíduos do petróleo. No fabrico de pigmentos orgânicos, as matérias--primas convertem-se primeiro em compostos conhecidos como intermediários, tais como a anilina, o beta naftol e o benzaldeído. Os diversos pigmentos fazem-se combinando de diferentes modos estes intermediários (Imagem 1) (Sacristán Cuadrón, 2004:138).

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Imagem 1 – Esquema demonstrativo do processo de fabrico de pigmentos orgânicos. Ana Bailão©.

Ao longo dos anos os pigmentos sintéticos têm vindo gradualmente a substituir os pigmen-tos orgânicos e inorgânicos tradicionais, uma vez que os primeiros têm demonstrado ser vantajosos em várias situações: na pureza da cor, na estabilidade, na resistência à luz, no poder de cobertura, na resistência a ácidos e alcalinos, bem como na redução da toxicidade, entre outros. Todavia, devido à procura por parte dos profissionais, quer pintores, quer conservadores-restauradores, muitos são os pigmentos tóxicos que persistem no mercado. É o caso do branco de chumbo (carbonato básico de chumbo) e muitos outros pigmentos históricos. Embora a sua comercialização seja proibida, este pigmento integra duas das cinco paletas da Kremer Pigmente preparadas para a reintegração cromática. Veja-se os Set Kremer Retouching Colors for Conservators n.º 14900 e n.º 14904 (Imagem 2) constituídos por 27 pigmentos históricos, incluindo além do branco de chumbo (Flake White) o amarelo de chumbo e antimónio (amarelo de Nápoles), aglutinados em Paraloid® B72, e o Set Kremer Retouching Colors n.º 14904, constituído por 81 pigmentos históricos e sintéticos aglutinados em Laropal® A81. Devido ao elevado risco que comporta cada uma destas paletas, o fabricante exige uma declaração de responsabilidade por parte do comprador do produto (Kremer Pigmente, 2011). E à semelhança de outros materiais perigosos, é feita a advertência dos seguintes riscos: risco durante a gravidez de efeitos adversos para o feto; possível risco de infertilidade; nocivo por inalação e por ingestão; perigo de efeitos cumulativos; consultar imediatamente um médico em caso de ingestão; não comer, beber ou fumar durante a sua utilização; manter fora do alcance das crianças; contém carbonato básico de chumbo.

Imagem 2 - Set Kremer Retouching Colors for Conservators n.º 14904-A (27 de 81 pigmentos). O aglutinante é Laropal A-81. Creditos fotográficos Ana Bailão©

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Aglutinantes e solventes

Os aglutinantes/vernizes utilizados na reintegração cromática são também um fator de risco devido ao uso de solventes como os hidrocarbonetos alifáticos e aromáticos. O emprego recorrente de resinas damar, as alifáticas como o Regalrez®, as policiclohexanonas, as aldeídicas, implica a utilização de white spirit (TLV-TWA 100 ppm), um hidrocarboneto saturado alifático de evaporação lenta (demora mais de sete dias a evaporar completamente da superfície), com cerca de 20% de hidrocarbonatos aromáticos (Masschelein-Kleiner, 1981: 60, 61). Este solvente pode causar dermatoses na pele e é irritante para os olhos, para além de ser potenciador de dores de cabeças, dores de estômago, náuseas e vómitos quando ingeridos e de pneumonia química se inalado. Para reduzir os efeitos nocivos das radiações ultravioletas, e retardar o amarelecimento da resina, é necessário adicionar ao Regalrez® uma amina estabilizadora, normalmente a Tinuvin® 292, um produto nocivo para os humanos e venenoso para o meio ambiente (Kremer Pigmente, 2005). O Paraloid® B 72, um copolímero de etil metacrilato e metil metacrilato, não se dissolve com facilidade em solventes muito polares, como o álcool, ou muito apolares como o white spirit. É por este motivo que os hidrocarbonetos aromáticos, como o xileno (TLV-TWA 50 ppm), são normalmente a melhor solução. Porém, são mais tóxicos que o white spirit (TLV-TWA 100 ppm). Além das perturbações gastrointestinais, respiratórias e danos cutâneos, podem causar anemia progressiva do tipo hipoplástico ou aplástico, leucopenia com neutropenia, diáteses hemorrágicas, estados leucemóides, leucemias e leucoses aleucémicas (Decreto Regulamentar nº 76/2007, de 17 de Julho).

Em 2007 Leonardo Borgioli, responsável Técnico Científico da C.T.S., propõe o uso de dois solventes, considerados biodegradáveis, como substitutos de solventes tóxicos: etil-L-lactato e Citrosolv. O primeiro é um solvente de média polaridade, que segundo o técnico pode substituir os solventes nocivos como o xileno e a diacetona álcool (4-hidroxi-4-metil-2--pentanona). Por ter uma evaporação muito lenta Borgioli recomenda adicionar acetona na relação (1:1) para acelerar o processo, considerando, em 2007, o etil-L-lactato como o solvente adequado para tarefas de reintegração cromática (Borgioli, 2007: 3). Como substituto para a essência de terebintina, usada para dissolver as resinas damar, Borgioli sugere o solvente Citrosolv. É obtido da casca dos citrinos e é um monoterpeno conhecido como d-limonene, ou 1,8(9) P-menthadiene. Tem odor a laranja e é biodegradável. É desengordurante e pode ser misturado com quase todos os solventes orgânicos e tem uma baixa polaridade, similar à da essência de terebintina (Borgioli, 2007: 2-5). Mas se para o etil-L-lactato não existe no momento limites máximos de exposição definidos, para o Citrosolv já existem dados. A American Conference of Governmental Industrial Hygienists (ACGIH) estabeleceu em 2007 que o limite TLV-TWA para d-limonene é 30 ppm, um valor que fica entre o xileno, TLV-TWA= 50 ppm, e o tolueno, TLV=20 ppm. A principal diferença entre d-limonene e os hidrocarbonetos aromáticos reside no fato do primeiro não ser cancerígeno.

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Apenas está diagnosticada irritação nos olhos, nariz e garganta e também dermatite quando em contato com a pele.

Como se pode verificar, mesmos os solventes ditos biodegradáveis são tóxicos. Os mesmos cuidados de manipulação e de utilização devem ser praticados. Nenhum solvente é inócuo e saudável. Todos eles, quer sejam naturais, quer sejam sintéticos, são potencialmente perigosos. Isto depende do tipo, forma e tempo de contato e da quantidade de substância utilizada. A toxicidade e os níveis de evaporação dos solventes orgânicos são variados. Muitos solventes causam irritação da pele (como o caso da acetona) e outros podem ser absorvidos pela pele e produzir reações problemáticas na corrente sanguínea. Uma inalação de vapores excessiva pode afetar o sistema nervoso central e provocar sonolência, aumentando assim o risco de acidentes para além de outros distúrbios. Os produtos químicos classificados como cancerígenos, como o caso do xileno e do tolueno, bem como os mutagénicos e os prejudiciais à reprodução, devem ser excluídos, sempre que possível, por outros menos perigosos.

Vernizes

No que diz respeito aos vernizes ready-made para reintegração cromática disponíveis no mercado, e segundo Leslie Carlyle e James Bourdeau, o Rembrandt Picture Varnish da Talens® é o mais utilizado pelos Europeus, incluindo Portugal, e canadianos, embora estes últimos optem por fazer os seus próprios vernizes (Carlyle e Bourdeau, 1994: 55). A matéria-prima para a produção dos vernizes da linha Rembrandt foi desde 1929 a resina AW2 (resina policetónica) (BASF). A terebintina tem sido o solvente usado para dissolver a Rembrandt Picture Varnish, enquanto o white spirit sempre foi o solvente escolhido para o Talens Rembrandt Retouching Varnish. O Rembrandt Picture Varnish contém uma pequena percentagem de óleo de rícino (ou óleo de mamona) e é possível que o Rembrandt Retou-ching Varnish também tenha como plastificante (Motta, 2004: 74).

Os vernizes da Winsor & Newton, inicialmente denominados por Winton Picture Varnish e depois de 1994 intitulados Artist Gloss Varnish e Artists Retouching Varnish, até 1950 eram de resina damar. Na procura de maior estabilidade a resina natural foi substituída por uma ciclohexanona. Até 1967 a resina usada era a AW2 sendo depois desta data substituída pela ciclohexanona Ketone N, cuja denominação alterou para Laropal K80 (atualmente descontinuada). A linha de vernizes Conserv-Art foi introduzida no mercado os finais dos anos 80. O objetivo da Winsor & Newton era melhorar a qualidade do verniz tradicional da Winton, assim como oferecer uma alternativa aos artistas e conservadores que preferiam a aparência dos vernizes de resina natural. Esta linha é composta por uma mistura de 9 partes de poli(iso-butil metacrilato), o Paraloid B67 (Rohm & Haas), e 1 parte de resina de policiclohexanona (Laropal K80 - BASF). Com esta mescla pretendia-se combinar a estabilidade à luz da resina acrílica com o poder de saturação característica de uma resina de baixo peso molecular como a Laropal K80. Segundo o fabricante, o resultado final é um

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filme resistente e esteticamente satisfatório que não fissura ou fica pasmado. As resinas que compõem estes vernizes dissolvem-se em 30% de hidrocarbonetos alifáticos de baixo conteúdo aromático. A esta solução adicionou-se um filtro UV (Tinuvin 328), um antioxidante (Irganox 1010) e um estabilizador térmico para os antioxidantes (Carstab DLTDP). Com base nos testes de Edson Motta (Motta, 2004: 74, 75, 125-128), o verniz Conserva-Art Gloss permanece solúvel em hidrocarbonetos alifáticos após 2000 horas (24.000 lux durante 24 horas ao dia, num período de 84 dias). Porém, o verniz Conserva-Art Mat, que tem sílica adicionada à fórmula supracitada, após 1000 horas de envelhecimento artificial acelerado necessitava de solventes mais polares para a sua diluição. Assim, com base nesta informa-ção é possível perceber que a utilização destes produtos implica a utilização de white spirit com cerca de 25% de hidrocarbonetos aromáticos, motivo pelo qual é importante tomar medidas de segurança quando estes materiais são usados como aglutinantes ou quando são aspergidos sobre a superfície do objeto artístico.

Medidas de segurança na reintegração cromática

Com base no fluxograma que António Fonseca apresentou no II Encontro Nacional: A con-servação e o Restauro do Património. Riscos, Prevenção, Segurança, Ética, Lei no ano 2000, apresenta-se uma metodologia de trabalho, direcionada para a reintegração cromática, que pode ajudar a fazer avaliações de risco e a identificá-los antes de realizar a tarefa (Imagem 3). Como indica António Fonseca, o risco está associado ao perigo e à probabilidade de ocorrência e estes dois fatores influenciam-se mutuamente (Fonseca, 2000: 53). É por isso importante fazer uma avaliação adequada das situações de trabalho a que o conservador-restaurador irá estar sujeito, bem como das condições de higiene e segurança a serem tomadas, para que se possa minimizar este risco.

Imagem 3 - Fluxograma para avaliação do risco antes da realização da reintegração cromática.

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A análise dos materiais a utilizar é fundamental para que se possa avaliar a toxicidade imputada a cada um deles. A área de trabalho deve ser arejada e devem-se respeitar as normas de segurança e higiene no trabalho, isto é, as operações perigosas (as que originam a poluição do meio ambiente) e as substâncias nocivas, suscetíveis de contaminar a atmos-fera do local de trabalho, devem ser substituídas por operações e substâncias inofensivas ou menos nocivas. Deve-se evitar comer, beber ou fumar durante o trabalho, bem como colocar involuntariamente a mão ou o pincel em contacto com a boca, pois a intoxicação pode ocorrer por inalação, ingestão ou contacto, a curto ou longo prazo. Também a utilização de métodos como a aspersão pode potenciar a inalação de pigmentos tóxicos, solventes nocivos. Por este motivo é fundamental a substituição de produtos tóxicos por outros de toxicidade inferior e fazê-lo em espaços bem arejados.

Todavia, se por razões variadas, não é possível instalar um equipamento de segurança activo, como os extractores de vapores, é necessário recorrer a medidas complementares de organização do trabalho, que podem passar pela redução dos tempo diário de reintegração, isto é, do tempo de exposição ao risco. Quando estas medidas técnicas não são possíveis ou suficientes o profissional deverá utilizar um equipamento de proteção individual apro-priado (vestuário, máscara, luvas, óculos). Devido à perigosidade de alguns pigmentos e solventes, a utilização de uma bata ou vestuário similar pode não ser suficiente para causar uma barreira efetiva com a pele.

Entre as medidas de prevenção individual para a execução da reintegração cromática destacam-se os seguintes procedimentos: utilização de diferentes luvas consoante a natureza da resina e do solvente (Bárbara, 2000: 70; Canuto, Costa e Silva, 2007: 126; Diário Republica, 2007: 4504); utilização de óculos; máscara de poeiras (para manipulação de pigmentos tóxicos) e máscara de solventes com filtro adequado; usar tento para evitar tocar com os dedos na pintura, ou usar luvas; limpeza frequente do vestuário e mãos; evitar o uso de pratos, recipientes ou utensílios da cozinha para misturar pigmentos ou tintas preparadas.

A seleção das luvas de proteção deve ter em conta o tipo de material a manipular. Na preparação do aglutinante/verniz, e consoante o tipo de solvente, têm-se as seguintes opções: para os álcoois pode-se usar qualquer tipo de borracha ou luva de plástico, mas para manusear hidrocarbonetos alifáticos deve-se optar por luvas de neopreno, de borracha de butilo, de PVC, de nitrilo, ou Viton® (DuPont Elastomers). Para os hidrocarbonetos aromáticos as mais indicadas são as Viton® (DuPont Elastomers), para as cetonas as de borracha de butilo e para a terebintina as Luvas de nitrilo ou as de Viton® (DuPont Elastomers) (McCann e Babin, 2008: 130) (Imagem 4). As luvas com talco e de látex devem ser evitadas. Do seu uso podem decorrer urticárias, dermatite de contacto alérgica ou outras reações alérgicas sistémicas segundo o Diário da República, 1.ª Série – N.º 136 (2007: 4504).

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Imagem 4 – Três tipos de luvas: a) luvas Viton®; b) luvas de butilo; c) luvas de nitrilo. Extraído de Security@work.

Na execução técnica da reintegração cromática é importante ter sensibilidade nos dedos de modo a perceber: a força que se exerce no pincel e na superfície a reintegrar, ter noção do modo como o pincel desliza durante a aplicação das diferentes camadas de cor-pigmento. Por este motivo, é necessário ter umas luvas que previnam eventuais contatos com partí-culas tóxicas, mas que permitam ter sensibilidade durante a manualidade fina do processo de reintegração. As luvas de nitrilo livres de pó podem ser uma opção. Destinam-se a pessoas que sofram de reações alérgicas ao pó de talco ou ao látex. Têm um acabamento micro texturado facilitando a aderência e o manuseio do pincel. São flexíveis, resistentes, ambidestras e permitem ter sensibilidade ao toque (Imagem 5).

Imagem 5 – Exemplo de uma luva de nitrilo (designação comercial Nitrile Powder Free Gloves) (Fingercots, 2013)

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Quando a reintegração cromática é realizada com aguarelas e pigmentos pouco tóxicos, em alternativa às luvas, sugere-se o uso de dedeiras. Podem ser uteis em situações em que não se utilize o tento, mas haja necessidade de apoiar o dedo mindinho sobre a superfície da obra ou de uma área previamente reintegrada para executar determinada reintegração cromática (Imagem 6).

Imagem 6 – Exemplo de dedeiras (designação comercial Black Dissipative Finger Cots) (Fingercots, 2013). Pelo fato de serem pretas têm uma interferência visual menor durante o processo de reintegração. Têm a superfície texturada o que confere boas propriedades de aderência e antiderrapante, que são úteis quando se pretende fixar o dedo sobre a superfície da obra ou quando se pretende segurar o pincel.

Em relação aos filtros para as máscaras de solventes, existem vários. A tabela 5 indica alguns, sendo a filtração resultante da soma dos filtros ABEK, a mais comum em conservação e restauro.

Tabela 5 – Tipos de filtros e de proteção para gases e vapores. Norma Europeia EN 136 (regula os requisitos mínimos para a utilização das máscaras como proteção respiratória).

A Norma Europeia EN 149:2001 específica os requisitos mínimos a cumprir pelas máscaras auto filtrantes de proteção contra partículas. A máscara ideal terá uma proteção alargada

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para gases e vapores, filtro ABEK, e conseguirá filtrar poeiras, de forma a evitar a inalação e ingestão de partículas de pigmentos e cargas. Assim, o filtro mais adequado será o ABEK+P (Imagem 7). A letra P simboliza aqui o filtro de poeiras, podendo escolher entre o filtro P1, indicado para partículas sólidas grossas sem toxicidade específica, P2, para partículas peri-gosas e irritantes e P3 para partículas tóxicas. Na imagem que se segue estão apresentadas algumas máscaras de partículas (Imagem 8).

Imagem 7 – Exemplo de um filtro ABEK+P3. Proteção contra: gases e vapores orgânicos e inorgânicos; dióxido de enxofre e outros gases e vapores ácidos; amoníaco e derivados orgânicos do amoníaco;

partículas sólidas e/ou líquidas e aerossóis. Extraído de Catálogo Online Killgerm®.

Imagem 8 – Dois tipos de máscaras: uma para partículas não tóxicas (lado esquerdo) e outra para partículas perigosas e irritantes (lado direito). Extraído de Catálogo Online 3M®.

Tendo em consideração os equipamentos e acessórios de segurança e proteção à disposição, é pois aconselhável que o conservador-restaurador tenha em conta os níveis de exposição a que vai estar sujeito, a fim de decidir qual o tipo de proteção que necessita, e se este é ou não simplesmente uma medida de precaução.

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Conclusão

Para qualquer tarefa da conservação e restauro, nomeadamente a reintegração cromática, é importante saber que o primeiro princípio de prevenção é eliminar o risco sempre que possível, pois permitirá eliminar o perigo; o segundo é diminuir a probabilidade de exposição. Todavia, nem sempre é fácil substituir as resinas e os solventes com os quais se trabalha diariamente, na maioria das vezes por questões de estabilidade a longo prazo.

A melhor maneira de reduzir os riscos relacionados com as substâncias químicas perigosas é eliminar a necessidade de usá-las, mudar a forma de pensar, modificando e adequando os métodos e técnicas de trabalho nos quais estas substâncias são usadas. Se esta opção não for viável, a substância perigosa deve ser substituída por outra, cuja utilização envolva menor risco para a saúde e para o ambiente. No caso de não ser possível eliminar o perigo aplicando uma das opções acima referidas, deve-se tentar minimizar a exposição às subs-tâncias perigosas através de medidas de proteção coletivas e individuais, tais como:

• O isolamento do processo no qual os contaminantes são libertados;

• Melhoria das metodologias de trabalho de modo a reduzir a libertação de conta-minantes. Na reintegração cromática isto pode ser conseguido através de um bom isolamento das massas de preenchimento e de um trabalho mais rigoroso nas bases aquosas. Por um lado, se as massas tiverem um bom isolamento, será mais fácil controlar os brilhos sem que seja necessário aspergir vernizes; por outro lado, se as bases, idealmente realizadas com aguarelas e guaches, estiverem próximas do tom desejado, o tempo de exposição com pigmentos em pó, solventes e vernizes será reduzido;

• O uso de Equipamento de proteção pessoal sempre que necessário.

Antes de dar inicio à intervenção propriamente dita, é importante que o conservador--restaurador determine qual o nível de risco a que vai estar sujeito para que conscientemente possa tomar medidas para minimizar os perigos. Deve por isso ter em consideração:

• Os objetivos da intervenção, que devem estar bem fundamentados;

• Balanço de vantagens e desvantagens do processo para a obra;

• A extensão da obra que irá ser tratada;

• A quantidade de material ou produtos necessária;

• O grau de pureza dos produtos selecionados;

• Os valores limites de exposição;

• A área das instalações de trabalho;

• As condições ambientais;

• A frequência de contato com a/as substâncias;

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• O tempo (curto ou longo) de exposição;

• As características físicas da pessoa que irá trabalhar com o produto (peso, condição física, alergias, entre outros).

Entre as medidas de proteção que se deve ter em consideração estão:

• Usar proteção adequada e certificada pela EU, nomeadamente para os olhos;

• Consoante os produtos e tipo de exposição, usar luvas de neopreno, de borracha de butilo, de PVC, de nitrilo ou Viton®;

• Usar bata de algodão para proteger a roupa;

• Usar sapatos confortáveis, fechados com solas antiderrapantes;

• Em caso de inalação ou ingestão procurar atendimento médico de emergência;

• Usar ventilação (natural ou mecânica) na área de trabalho e, quando necessário, ter acesso a ventilação de exaustão local, sobretudo quando a reintegração tem de ser feita com pigmentos e verniz.

• Os derrames de verniz ou de solventes devem ser confinados e geridos como resíduos perigosos;

• É obrigatório lavar as mãos após o labor e mudar de roupa ao sair do local de trabalho;

Para além das medidas gerais de prevenção mencionadas, no que diz respeito à prática da reintegração cromática propriamente dita, devem ser tomadas as seguintes medidas:

• Não remover os excessos de tinta da lacuna reintegrada com os dedos. Utilizar o pincel, devidamente limpo ou embebido no solvente adequado, para o fazer, utilizando exaustão local se necessário;

• Não afiar o pincel na boca. Utilizar o papel absorvente para o efeito;

• Utilizar luvas para manipular pigmentos, pastéis, solventes e vernizes;

• Usar tento ou dedeiras para apoiar a mão enquanto executa a tarefa;

• Utilizar máscara de partículas quando utilizar pastéis, pigmentos em pó ou durante a preparação das massas de preenchimento;

• Utilizar máscara de proteção alargada para gases, vapores e partículas tóxicas (ABEK+P) quando se realiza reintegração cromática com pigmentos e verniz;

• Conhecer as características da paleta de pigmentos que usa, nomeadamente os TLVs, para se ter noção dos níveis de toxicidade das substâncias;

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• Lavar a paleta e secá-la adequadamente antes de sair das instalações de trabalho, especialmente se a paleta estiver suja de pigmentos e verniz, devido à libertação contínua de vapores;

• Eliminar os papéis absorventes que serviram de limpeza dos excessos de tinta devido à libertação constante de vapores;

• Evitar trabalhar com frascos abertos de verniz, solventes ou mesmo de pigmentos para evitar a inalação de vapores ou partículas toxicas.

• Evitar aspergir vernizes ou outras substâncias tóxicas;

• Não comer durante o processo de reintegração cromática.

Os conservadores-restauradores, quer trabalhem por conta de outrem, quer a título indivi-dual, devem assumir uma posição extremamente defensiva face aos materiais e produtos que utilizam diariamente.

A segurança, sobretudo no que diz respeito à manipulação dos materiais é amplamente tratada numa enorme variedade de textos, manuais, artigos, entre outros. Os limites de exposição das diversas entidades reguladoras são um exemplo de como esses valores são apenas e somente uma referência, um guia, pois variam em função do organismo da pessoa, do peso, da dosagem, do tipo e tempo de exposição, das condições ambientais, entre outros. Mas toda a informação técnica não faz sentido se não se mudar o modo de pensar, e se não se alterar os comportamentos individuais e coletivos no local de trabalho.

Embora a prioridade para o conservador-restaurador seja o objeto artístico, a saúde é, obviamente, um bem precioso que deve ser salvaguardado sempre. O bom senso, a tomada de medidas preventivas elementares conscientes, o investimento em metodologias mais ecológicas e numa educação atenta a esta questão e a vigilância médica preventiva, são alguns dos fatores que podem contribuir para um trabalho mais saudável, quer para o profissional, quer para o meio ambiente.

Notas

[1] Para a avaliação do nível de toxicidade dos pigmentos elencados neste estudo foi feito um levantamento das fichas de segurança, Material safety data sheet, de várias empresas, tais como KremerPigmente, BASF, Science lab, Winsor&Newton, Lanxess e também dos dados disponibilizados pela Occupational Safety & Health Administration.

Agradecimentos

Ao financiamento da bolsa de doutoramento FCT com a referência SFRH/BD/ 69783/2010, à orientadora Ana Calvo – Professora da Universidade Complutense de Madrid, Faculdade

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de Belas Artes e investigadora do CITAR, Escola das Artes, UCP, e à co-orientadora Rocío Bruquestas – conservadora-restauradora do Instituto del Patrimonio Cultural Español (IPCE).

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Currículo da autora

Ana Bailão - Licenciada (pré-bolonha) em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (IPT) desde 2005 e Mestre em Conservação de Pintura pela Universidade Católica Portuguesa (UCP) desde 2010. Atualmente, é doutoranda em Conservação de Pinturas na mesma universidade, em colaboração com o Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes (CITAR) da UCP e com o Instituto del Patrimonio Cultural de España (IPCE) em Espanha. A sua investigação de doutoramento está direcionada para o estudo dos critérios e das metodologias que possam ajudar a melhorar a qualidade da reintegração de pintura.

Contacto: [email protected]

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A figura emblemática de Luciano Freire e o seu papel na história da conservação em Portugal

Maria da Conceição Lopes Casanova

Resumo

Neste artigo apresenta-se o pintor-restaurador Luciano Freire e explica-se o seu papel no desenvolvimento da conservação em Portugal, entre finais e primeira metade dos séculos XIX-XX. Em termos de filosofia e prática da conservação, compara-se a realidade Nacional e Internacional. Em Portugal, a valorização do estado original das obras de arte, a par da ambição do restabelecimento da harmonia do conjunto, resultou na reconstituição e prática do restauro mimético. Freire não foge a este realidade, mas a sua craveira intelectual e o seu sentido de missão, transformam-no numa figura emblemática, introduzindo, precocemente, a equipa interdisciplinar e a reflexão critíca.

Palavras-chave:

Luciano Freire, pintor-restaurador, pintura, conservação, teorias de restauro, equipa interdisciplinar.

Luciano Freire prominent figure and its role in the history of conservation in Portugal

Abstract

This article reveals the artist-restorer Luciano Freire and explains his role on the development of conservation in Portugal, between the end and the first half of the 19th-20th centuries. It seeks to compare national and international context, with regards to philosophy and practice of conservation. In Portugal, the enhancement of original state of art works, along with the ambition of recovering the harmony of the whole, resulted in reconstitution and mimetic practice. Freire is no exception to this reality, but his intellectual approach and his sense of mission, turns him into a figurehead, introducing the interdisciplinary team and critical reflection.

Keywords:

Luciano Freire, artist-restorer, painting, conservation, conservation theories, interdisciplinary work.

La figura emblemática de Luciano Freire y su papel en la história de la conservación en Portugal

Resumen

En este artículo se presenta el pintor-restaurador Luciano Freire y se explica su papel en el desarrollo de la conservación en Portugal, entre finales del siglo XIX y la primera mitad del

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A figura emblemática de Luciano Freire e o seu papel na história da conservação em Portugal Maria da Conceição Lopes Casanova

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siglo XX. En términos de filosofía y práctica de la conservación, se comparan las realidades nacional y internacional. En Portugal, la apreciación del estado original, junto con la ambición de restaurar la armonía del conjunto, dio lugar a la reconstitución y la restauración mimética. Freire no es excepción, pero su calibre intelectual y su sentido de misión, lo convierten en la figura iniciadora del equipo interdisciplinario y de la reflexión crítica.

Palabras-clave:

Luciano Freire, pintor-restaurador, pintura, conservación, teorías de restauración, equipo interdisciplinario.

Introdução: acerca de Luciano Freire

Pintor de formação e vocação (Carvalho, 2007:7), Luciano Martins Freire (1864-1934)1 terminou o curso de ‘pintura histórica’, em 1886, na Academia Real de Belas-Artes, onde foi de discípulo Miguel Ângelo Lupi (1826-1883) e José Ferreira Chaves (1838-1899). Com Silva Porto (1850-1932) aprendeu o paisagismo naturalista, vindo a pertencer à segunda geração do Naturalismo (França, 1966:250). Sabe-se que viajou para França e Inglaterra, com o intuito de complementar a sua formação, vindo a expressar-se como pintor simbo-lista, nomeadamente com a obra Perfume dos Campos, de 1899, além de se ter também dedicado à pintura de género, o que lhe valeu o título de académico de mérito na Academia Real de Belas Artes de Lisboa, em 1895, com a obra Catraeiros (Pereira e Rodrigues, 1907), pintura perdida aquando do seu regresso da Exposição Universal de Paris, de 1900.Tornou-se professor da Academia, entre 1896 e 1933, já depois de ter leccionado pintura em casas particulares e desenho em diferentes colégios (Leandro, 2007: 66-7), sendo secretário da Academia de 1900 a 1910 e vogal, vice-presidente e presidente do Conselho de Arte e Arqueologia da 1.ª Circunscrição Artística, entre 1911 e 1932 (Custódio, 2009:536-7).

Desde 1884 figurou com pintura nas exposições da Sociedade Promotora de Belas-Artes e em exposições do Grémio Artístico, estando representado em várias colecções e museus do país (Pamplona, 2000:352-5). Apesar da sua inegável produção artística como pintor, com incursões na xilogravura, tendo sido ilustrador de O Occidente e um pioneiro na introdução da fotogravura em Portugal, Luciano Freire não ganhou a vida como artista, mas sim como pintor-restaurador, uma actividade que ele entendeu como uma missão.

Membro fundador da Comissão de Inventariação e Beneficiação da Pintura Antiga de Portugal, criada em 1910, a par dos historiadores e críticos de arte Ramalho Ortigão (1836-1915), José Pessanha (1865-1939) e José de Figueiredo (1872-1937), tornar-se-á seu presidente. Em 1911 foi nomeado director do Museu dos Coches, sendo o responsável pela realização

1 De origens humildes, filho de Domingos Martins e de Virgínia Gomes Freire (ou Carlota de Jesus), nasceu em Lisboa, na freguesia da Encarnação, a 11 de Junho de 1864 e faleceu na mesma cidade, em 28 de Janeiro de 1934.

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de um catálogo ilustrado do museu. Colaborou ainda na gestão do Museu de Belas Artes, mais tarde parcialmente integrado no Museu Nacional de Arte Antiga, substituindo os seus directores, nomeadamente o pintor Nunes Júnior (1840-1905) e o historiador José de Figuei-redo, com quem trabalhou assiduamente, apesar de manterem uma relação cerimoniosa (Leandro, 2007:66).

Pensa-se que durante as suas viagens, Freire terá aprofundado a sua consciência por ques-tões patrimoniais, desempenhando um papel de relevo na recuperação e estudo da pintura antiga, nomeadamente dos primitivos portugueses, participando no inventário dos bens dos paços reais e das congregações religiosas, na realização da lei contra o êxodo de obras de arte nacionais e ainda na reforma dos serviços artísticos, de 1911 (Leandro, 2007:67).

A comprovar a sua erudição (Macedo, 1954:15), além da sua eleição como académico pela Academia Real de S. Fernando, de Madrid, em 1929, temos a participação frequente nas secções artísticas de várias revistas e publicações ilustradas, actividade através da qual, provavelmente, se aproximou de Manuel de Macedo (1839-1921), com quem conviveu e de quem lamentou a morte (Freire, 2007:23).

Luciano Freire fez parte do conjunto de individualidades que partilharam o ambiente cultural vivido nos finais do século XIX e inícios do século XX, da simbolicamente chamada ‘Cidade de S. Francisco’ (Proença, 1924:220). O espaço do extinto convento franciscano foi caracterizado como o centro institucional, estratégico e operacional da génese da conservação e restauro do património artístico e monumental português (Custódio, 2005). Efetivamente, no espaço do antigo convento, conviviam várias das mais emblemáticas instituições culturais da época, entre as quais a Biblioteca Nacional de Lisboa e a Academia Real de Belas-Artes, além de ateliês de notáveis pintores, integrados nas estruturas institucionais. Nas dependências do antigo convento cria-se também a primeira Oficina de Beneficiação de Pintura Antiga, dirigida por Luciano Freire, onde em 1909 se dá início ao trabalho de recuperação de uma das obras-primas da pintura portuguesa, os painéis de S. Vicente, atribuídos por Figueiredo a Nuno Gonçalves. Para esta conclusão muito contribuíram os trabalhos de recuperação realizados por Luciano Freire, tendo sido os resultados do restauro apresentados em 1910.

Os painéis, tal como muita da pintura nacional mais antiga, foram encontrados em muito mau estado de conservação, revelando restauros impróprios. Figueiredo identificou Freire como o único capaz de recuperar estas pinturas, convidando-o para realizar o trabalho de restauro (Figueiredo, 1910:27).

Uma série de autores que mais recentemente estudaram e se pronunciaram sobre Luciano Freire, são unânimes em reconhece-lo como um marco da evolução da teoria e prática do restauro nacional. Para Rodrigues o ‘paradigma da reconstituição’ da pressuposta aparên-cia original, praticada no restauro Oitocentista, finalizará com a figura do pintor e mestre restaurador Luciano Freire (Rodrigues, 2007:33). Cruz considera ter sido ele quem, numa aproximação ao modelo anglo-saxónico, começa a atribuir uma importância crescente à documentação, nomeadamente através do registo fotográfico e de testemunhos que

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guardou (materiais substituídos) ou que muitas vezes deixou nas próprias obras (registo de camadas estratigráficas), durante o processo de limpeza de vernizes e repintes (Cruz, 2007:79-80). Serrão, caracterizando o restauro dos séculos precedentes, praticado pelos melhores artistas, como uma atividade nobilitante dentro da perspetiva de recriação artística, defenderá que é nos inícios do século XX, com a atividade de restauradores como Luciano Freire e Carlos Bonvalot (1894-1934) que a situação muda. Segundo ele, é com estas figuras que se coloca de parte a prática do ‘restauro corretivo e utilitarista’, produzido para prolongar a conservação física das obras, mas, sobretudo, para corrigir e actualizar a própria narrativa, segundo o gosto e a ideologia vigentes (Serrão, 2006:53-55). Já Alves, situando a utilização de meios laboratoriais de análise em Portugal, entre 1928 e 1936, reconhece o pintor Bonvalot como marco na mudança de atitudes, mas não deixa de destacar a perícia de Freire, através da qual este supriu a falta de meios científicos (Alves, 2004:17-19). Como veremos mais à frente, à época, esta figura emblemática do restauro do património móvel nacional, também criou polémica.

A conservação e restauro em Portugal à época de Luciano Freire

Em Portugal a intervenção no património seria vista como o processo de revelação do original, durante mais de um século. Este ideal reflete-se diretamente na concepção de restaurador que, antes de mais, deve ser um artista que abdica da sua criatividade, durante o processo de intervenção.

Assis Rodrigues (1801-1877) qualifica o restauro como o ‘ato de reparar e restituir ao estado primitivo qualquer obra de arte,’ sendo o ‘restaurador’ aquele que se dedica a esse exercício, enquanto ‘retocar’ é ‘emendar, aperfeiçoar’. Para ele, o restauro perfeito é o mimético e imperceptível que ‘apenas deixe, mesmo a homens inteligentes, a dúvida se foi ou não restaurado’ (Rodrigues, 1875:326-27). Este modo de interpretar o correcto exercício da actividade, que se associa à problemática da revelação do original, foi também expresso por Manuel de Macedo, autor do único manual de restauro Português conhecido, à época, que segue de perto os ideais manifestados em obras do mesmo teor que circulavam na Europa, nomeadamente de origem francesa.2 Os vários autores partilham a mesma concepção de perfil de ‘restaurador’ o qual, devendo ser um artista, nunca se deve substituir ao autor original (Macedo, 1885:6), mas antes renunciar à sua criatividade, ‘fazer abnegação de si mesmo’ (Ris-Paquot, 1973:49), pois é ‘escravo do mestre’ (Horsin-Déon, 1851:115; Ris-Paquot, 1973:49) que concebeu a obra que retoca. No seguimento das teorias de Viollet-le-Duc, o restaurador deve assimilar ‘os estilos variadíssimos das diversas escolas e as suas modificações (…) as maneiras especiais e pessoais dos numerosíssimos pintores’ e tem de ‘imitar n’um dado momento o toque, a

2 Como o autor refere, apresenta os processos ‘recopilados de entre os tratados especiais mais dignos de confiança’ (Macedo, 1885:4n23), nomeadamente o manual de Ris-Paquot, do qual traduz partes integrais, de Bonnardot e de Horsin-Déon.

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pincelada, o pôr da tinta, o modo de ver, de sentir, de interpretar quer a forma quer a cor de cada um dos artistas’ (Macedo, 1885:6).

Lopes Vieira (1878-1946), nos anos vinte do século XX, apesar de já refletir as novas ideias que circulavam na Europa acerca da distinção conceptual entre conservação e restauro, mantém traços do ideal manifestado pelos autores anteriores, na sua concepção de restau-rador e de revelação da obra original. Vieira propõe a substituição do termo ‘restauração’ por ‘reintegração’, mas valoriza o ‘reintegrador que sacrifica a sua personalidade perante a personalidade dos mestres que vai servindo’. Aludindo aos primitivos portugueses, ele afirma: ‘Por esta expressão [reintegração] pretendo claramente indicar que a personalidade de pintor não interveio no tratamento dos quadros’, claro que ‘só um pintor poderia efectuar trabalho semelhante, de tão pesada responsabilidade e fino melindre’ mas um dos aspectos que há que realçar, pela sua ‘beleza moral,’ ‘é que a acção do pintor que tem a sua paleta se encontra humilde e grandiosamente diminuída’ (Vieira, 1923:8-11); mais adiante acrescenta: ‘para nós o que vale é a pintura autêntica dos mestres’ (Vieira, 1923:17). Cerca de duas décadas mais tarde, Burnay (1884-1951) reflecte precisamente as mesmas ideias na sua preocupação com o ‘respeito religioso pela obra original do autor,’ conforme a ‘moderna museografia’ (Burnay, 1945: 67-68).

É certo que a voz de teóricos como John Ruskin, que recusa qualquer acção benéfica da intervenção de restauro, também teve eco em Portugal. No virar do século XIX para o século XX, Lino d’Assumpção (1844 -1902) define a palavra ‘restauração’ como ‘profanação que se tem feito em Arte’ e acrescenta: ‘esta palavra deve ser eliminada do vocabulário artístico e ser substituída por conservação’ (Assumpção, 1895:134). Também Vieira, atrás referido, constata que a palavra ‘restauração’ está ‘desacreditada em toda a parte,’ pois sob a sua égide praticaram-se ‘os mais graves atentados, as barbarias mais temerosas,’ acrescentando que o país tem vindo a destruir-se de duas maneiras: ‘demolindo-se e restaurando-se’ (Vieira, 1923:10-11).

As ideias dos teóricos italianos também foram difundidas em Portugal. Gabriel Pereira (1847-1911) é quem melhor expressa o ideal de Camillo Boito, de intervenção mínima e discernível, afirmando: ‘(…) quando for indispensável algum conserto ou arranjo, que ele salte à vista’ pois o objectivo é ‘salvar da ruína apenas’. Na mesma linha de pensamento ‘quando for indispensável mexer e alterar’ que se documente, previamente, com ‘fotografias’ e ‘todas as representações gráficas possíveis’ (Pereira, 1895:121).

Porém, entre nós, o ideal de revelação do original vai ainda associar-se ao ideal de harmo-nia e equilíbrio do conjunto, que se pressupõe que está presente na concepção da obra, validando a necessidade da reintegração e abrindo a possibilidade da prática do retoque ilusório e mimético.

Tanto Vieira como Burnay consideram a manutenção das lacunas aceitáveis em escultura, mas não no caso da pintura e justificam a necessidade da reintegração deste tipo de obra de arte. O primeiro, estabelecendo um paralelismo entre a arte da música e a arte da pin-

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tura, alude à necessidade de atingir a ‘sinfonia cromática,’ pois como refere, na pintura, a ‘desafinação do ritmo total e sinfónico, produz a morte do conjunto’ (Vieira, 1923:20-21). Burnay, por sua vez, afirma que é fundamental que ‘a produção inicial do artista criador se encontre harmonizada’ e acerca dos que defendem que a reintegração das falhas deve ser visível, dir-nos-á: ‘em tese (…) têm razão, mas o sacrifício da unidade geral do conjunto tornaria as salas dos museus intoleráveis para a visão do público’ (Burnay, 1945:67).

Este ideal, que reflete já a harmonia do todo e unidade potencial preconizadas por Bonelli e Brandi, respectivamente, alberga uma visão conceptual do operacional que afasta estes autores dos vanguardistas italianos. Burnay considera que quando as obras estão muito deturpadas há que as restaurar e concluirá: ‘A arte de restaurar, especialmente pinturas, sendo das mais difíceis, é sobretudo a mais ingrata, pois quando realizada com arte e mestria, desaparece absorvida pelo conjunto original’ (Burnay, 1945:70). Nesta perspetiva, em vez da aproximação às teorias de restauro crítico, estas opiniões revelam um forte paralelismo com a anterior publicação de Macedo, quando afirmou: ‘através da restauração não é raro, estabelecendo nos objetos mutilados a harmonia do conjunto, restituir-lhes o hábil restaurador o seu verdadeiro valor significativo’ (Macedo, 1885:5). É certo que, para Vieira, a reconstituição deve ser fácil de reconhecer (Vieira:22) e que Burnay condena o efeito de embelezamento dos restauros antigos (Burnay, 1945:66), revelando novas ideias como o conceito de reversibilidade e a prioridade da conservação em relação ao restauro, mas ambos continuam a defender que o restauro é uma arte, ou seja, uma actividade empírica a exercer por indivíduos com qualidades artísticas, que devem sacrificar a sua criatividade a favor do criador original.

Princípios orientadores da praxis de Luciano Freire

As ideias em circulação na Europa reflectem-se no pensamento dos intelectuais nacionais, sendo este o enquadramento em que se inscreve a prática de Freire. Não admira assim que esta figura e a sua intervenção numa das obras de arte mais emblemática da história de arte nacional, tenha gerado polémica.

Efectivamente, na década de trinta, numa crítica geral ao estado do património e dos museus, Reis Santos (1898-1967) acusa as autoridades de espoliação e desmantelamento de conjuntos regionais, em benefício do museu lisboeta, não deixando ilesos, nesta sua crítica, nem o director, nem o pintor-restaurador que trabalham para este mesmo museu: Figueiredo e Freire, respetivamente, acusando o último de ocultação de informação (Santos, 1939:32-41). Referindo o problema dos inúmeros repintes e a dificuldade da operação de limpeza de quadros, reforça a importância do diálogo com outros especialistas, a necessi-dade de um exame prévio e do recurso a meios científicos, concluindo: ‘os restauradores devem recorrer a eles e confiar menos nos seus olhos, conhecimentos e prática’ (Santos, 1939:44-45). Com estas palavras, o autor pretendia atingir Freire, que ainda que revelasse valiosos conhecimentos teóricos, em termos práticos, operava numa base empírica. No

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entanto, Vieira, já referido, tem opinião contrária a Reis Santos. Elogiando o trabalho reali-zado por Figueiredo e Freire, é sobretudo no caso dos painéis de S. Vicente que ele rejeita a palavra ‘restauração’, sugerindo a adopção de uma nova terminologia, mais consentânea com a concepção de conservação da Europa do século XX.

Em termos de filosofia da conservação, nos seus escritos, Freire reprova as modificações realizadas nas obras de arte por razões ideológicas (Freire, 2007:24), defende a recupe-ração da obra original de forma a restituir-lhe a ‘beleza primitiva’ (Freire, 2007:14, 25) e sublinha o facto de o retoque ter que ser limitado ao mínimo para que a ninguém iluda o ‘verdadeiro estado das pinturas’ (Freire, 2007:12-13,39). Ainda assim, reconhece situações em que houve necessidade de refazer partes (Freire, 2007:35), o que não é surpreendente se atendermos às vozes nacionais mais proeminentes da época, anteriormente citadas. Mas num caso em particular, é patente a sua consciência plena da dificuldade e mesmo da impossibilidade de retorno ao estado original das obras (Freire, 2007:12), algo que só um restaurador com a sua experiência prática e craveira intelectual poderia aferir.

Na realidade, não podemos afirmar que Freire abandonou totalmente a reconstituição (Freire, 2007:18,20,35), que documentou todas as suas intervenções, (Freire, 2007:25,47,51) ou que recorreu aos meios científicos já disponíveis.3 Porém, podemos afirmar que a sua atitude crítica, reflectida na percepção notável que revela das intervenções inadequadas, desde as limpezas e repintes excessivos aos remendos e enxertos impróprios, numa abordagem intelectual de análise sistemática, muito contribuiu para o progresso da história da arte, nomeadamente para o estudo dos primitivos portugueses.

A documentação que ele nos deixou revela uma profunda consciência da ligação entre o conhecimento da história e crítica da arte e o exercício da atividade de restaurador (Freire, 2007:15,21). Para ele o acto de restaurar constitui, sem dúvida, uma acção crítica que contribui para a evolução da história de arte. Não admira, por isso, a empatia que parece ter existido entre ele e Figueiredo e o forte relacionamento que estabeleceram, pois ambos entendiam a complementaridade das suas funções. É esta a grande novidade introduzida por este pintor-restaurador: compreender a atividade de conservação e restauro como um trabalho de equipa, eminentemente crítico e intelectual, contribuindo para fazer história, e segundo a ideia de património vigente, de fazer história da obra de arte. Outros confirmam a importância desta ligação. O historiador de arte Joaquim de Vasconcelos (1849-1936), tendo realizado estudos sobre os painéis de S. Vicente antes de Figueiredo e reconhecendo o seu contributo na identificação dos quadros, afirma claramente: ‘faltou-me a análise técnica miúda dos processos da pintura, que só um restaurador eminente, como o Sr. Luciano Freire, podia tentar e arriscar’. Realçando o papel de Freire, acrescenta: ‘Deu-nos pois uma indispensável análise técnica, a fundo, da composição dos painéis para alicerce do problema nacional’ (Vasconcelos, 19--). Vieira também se referirá ao labor de Freire

3 Desde a década de vinte que os médicos e críticos de arte, Pedro Vitorino e Roberto de Carvalho, no Porto, e o pintor-restaurador Bonvalot, em Cascais, utilizavam a radiografia.

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como: ‘(…) espécie de devoção monástica, pelo que comporta de apartado e intelectual recolhimento,’ caracterizando-o pela sua ‘mentalidade de investigador e professor’ (Vieira, 1923:10,26). Na mesma linha de pensamento, mais recentemente, Macedo caracteriza-o como alguém com ‘fervorosos cuidados de investigador, chegando mesmo a ser erudito em problemas de Arte’ (Macedo,1954:15).

A postura de Freire representa a apologia do verdadeiro trabalho de equipa interdisciplinar onde os vários participantes se consideram pares, só possível à data pelo facto de os intervenientes, pintor-restaurador e historiador, não diferirem, significativamente, em termos de estatuto. Como nos explica Bergeon (Bergeon, 1997:21), para que a interdisciplinaridade se converta numa realidade, é necessário respeito mútuo e que todos estejam em pé de igualdade Em Portugal este fenómeno tornou-se possível, graças ao elevado estatuto social que o artista detinha, desde tempos remotos (Serrão, 2006), realidade que se vai prolongar pelo século XX. Assim se compreende que seja um pintor, Abel Moura,4 quem assume a direcção do primeiro organismo estatal para a conservação do património móvel nacional, o Instituto José de Figueiredo (IJF), criado em 1965, reunindo a colaboração de vários artistas (Santos, 2004:6).

Nota final

Em Portugal, na primeira metade do século XX, não se assiste ao corte radical com o restauro mimético, nem se defende a reintegração claramente diferenciada. Há uma tendência para a continuidade em busca de uma harmonia ideal, que não nos deixa afastar do modelo de reconstituição que dominou, com pontuais exceções, o século precedente. São estas, pro-vavelmente, as razões pelas quais, no nosso país, a figura do restaurador, em pleno século XX, se mantém um misto de restaurador e artista. Daí também o papel de relevo de Luciano Freire, um artista por vocação que se entrega à prática do restauro por missão, sendo um dos seus principais objetivos, a recuperação daquilo a que ele chama a ‘beleza primitiva’ da obra de arte. Freire traz-nos a novidade da implementação precoce da equipa interdisciplinar, que apesar de restrita funciona na perfeição, e o reconhecimento da conservação e restauro como um processo crítico, que associa a acção manual à actividade intelectual, contribuindo para o conhecimento da obra de arte e reforçando a responsabilidade cultural do operador.

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4 Filho do pintor Thomas de Moura e sobrinho do pintor-restaurador Manuel Moura.

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Currículo da Autora

Maria da Conceição Lopes Casanova: É doutorada em Conservação e Restauro / Teoria, História e Práticas, pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, realizou uma pós-graduação em Conservation Studies – Archives and Library Materials no Camberwel College of Arts, na Universidade de Londres e é licenciada em História / Variante de Arte e Arqueologia, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto; assumiu funções de gestão do património e conservação na Biblioteca Nacional de Lisboa, nos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, sendo Directora de Serviços no Instituto de Investigação Cien-tífica Tropical, desde 2005. Lecciona no curso de licenciatura, mestrado e doutoramento em Conservação e Restauro da Universidade Nova de Lisboa.

Contacto: [email protected]

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Identification of green earth pigments in Coptic wall paintings using ESEM-EDX, FTIR imaging

and Visible Reflectance Spectroscopy

Hussein H. Marey Mahmoud

Abstract

The main art form in the Coptic monasteries and churches in Egypt was wall paintings and iconography. In this study, analytical data were gathered on green pigment samples collected from Coptic wall paintings from the monastery of St. Anthony, The Eastern Desert, Red Sea Governorate, Egypt. The samples were analyzed by environmental scanning electron microscopy (ESEM) coupled with an energy dispersive X-ray analysis system (EDX), Imaging with Fourier transform infrared spectroscopy (FTIR imaging) and visible reflectance spectroscopy. The results showed that green earth pigment (terre verte) and mainly the glauconite, was used to produce the green color. In conclusion, some useful information may be obtained from the present study concerning green earth pigments used in Coptic wall paintings.

Keywords:

Coptic wall paintings, monastery of St. Anthony, green earth pigments, ESEM–EDX, FTIR imaging.

Identificação de pigmentos de terra verde em pinturas murais coptas por ESEM-EDX; microscopia de imagem FTIR e Espectroscopia de Reflectância Visível

Resumo

A principal forma de arte dos mosteiros e igrejas coptas no Egito foi a pintura mural de cariz iconográfico. Neste estudo, os dados analíticos foram reunidos em amostras de pigmentos verdes recolhidas de pinturas murais coptas do mosteiro de Santo António, localizado no Deserto Oriental, na província do Mar Vermelho, Egito. As amostras foram analisadas por microscopia electrónica de varrimento ambiental (ESEM) acoplado a um sistema de análise de energia dispersiva de raios-X (EDX), imaging por espectroscopia de infravermelho com transformada de Fourier (FTIR imaging) e espectroscopia de reflectância visível. Os resultados mostraram que o pigmento terra verde (terre verte) e, principalmente a glauconite, foi utilizado para produzir a cor verde. Em conclusão, algumas informações úteis podem ser obtidas a partir do estudo sobre pigmentos de terra verde utilizados em pinturas murais coptas.

Palavras-chave:

Pintura mural copta, Mosteiro de Santo António, pigmentos terra verde, ESEM-EDX, microscopia de imagem FTIR.

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Identification of green earth pigments in Coptic wall paintings using ESEM-EDX, FTIR imaging and Visible Reflectance Spectroscopy

Hussein H. Marey Mahmoud

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Identificación de pigmentos de tierra verde en pinturas murales coptos utilizando ESM-EDX; microscopia de imágenes FTIR y Espectroscopia de Reflectância Visible

Resumen

La pintura mural y la iconografía fué una de las principales formas de arte en los manas-terios e iglesias coptos. En este estudio, los datos analíticos se obtuvieron en muestras de pigmentos verdes recogidos de las pinturas murales del monasterio copto de Santo Antonio, ubicado en el Desierto Oriental de la región admnistrativa del Mar Rojo, Egipto. Las muestras se analizaron por microscopía electrónica de barrido ambiental (ESEM) acoplado con un sistema de análisis de energía dispersiva de rayos X (EDX), Imaging con espectroscopia infrarroja con transformada de Fourier (FTIR imaging) y la espectroscopía de reflectancia visible. Los resultados mostraron que el pigmento verde tierra (tierra verde) y principalmente la glauconita, se utilizó para producir el color verde. En conclusión, alguna información útil puede obtenerse del presente estudio sobre pigmentos verdes de tierra usados en pinturas murales coptos.

Palabras clave:

Pinturas murales coptos, Monasterio de Santo Antonio, pigmentos de tierra verde, ESEM-EDX, microscopia de imágenes FTIR.

1. Introduction

Christianity was brought to Egypt by St. Mark the Apostle in the mid 1st century, during the reign of the Roman emperor Nero, this era, also known as the ‘Coptic Period’ (Middleton--Jones 2011). Coptic art displays a mix of native Egyptian and Hellenistic influences. Subjects and symbols were taken from both Greek and Egyptian mythology, sometimes altered to fit Christian beliefs. Persia and Syria also influenced Coptic art, though to a lesser extent, leaving images such as the peacock and the griffin. Coptic art is most well known for its wall-paintings, textiles, icons, metal works. Stylistically, Coptic painting differs from that of Pharaonic one in its emphasis on animal and plant ornamentation; less naturalistic rendering of the human form; simplified outline, color, and detail (Capuani, 2002). Some of the oldest extant Christian art in Egypt can be found in the area of Bagawat in the al-Kharga Oasis in the Western Desert. The paintings in the various chapels and tombs of this region display a notable change from the earlier work in Alexandria, as well as an expansion of the iconographic repertory.

1.1. The monastery of St. Anthony of Egypt (ca. 251–356)

Saint Anthony is a Christian saint who was born to a wealthy family in Lower Egypt around 251 C.E. He was a prominent leader among the Desert Fathers in Egypt. The Monastery of

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Saint Anthony is one of the oldest monasteries in the world (Figure 1). It is located in the Eastern Desert of Egypt, 334 km southeast of Cairo. The monastery was established by the followers of Saint Anthony, who is considered to be the first monk. Its origins are due to the 4th century AD when monks began to settle at the foot of Gebel al-Galala al-Qibliya, where their spiritual leader, Anthony, lived. Today the monastery is a large complex surrounded by high walls, with several churches and chapels, a bakery, a lush garden and a spring (Meinardus, 1989; Bolman, 2002).

1.2. Green earth pigments (Terre Verte)

The predominant green pigment used in Roman wall paintings was green earth. It was identified on Roman wall paintings at Pompeii and Dura- Europos. In Egypt, green earth was identified in wall paintings dating back to late 3rd century AD applied on the Pharaonic walls of Luxor temple, Upper Egypt (Marey Mahmoud et al. 2012). In recent publication, Abo El-Yamin et al. (2013) have reported the identification of green earth (mainly of glauconite) in the Coptic wall paintings of El-Bgagwat necropolis at Kharga Oasis. Green earth is described as a clay pigment with a chromogenous element in the clay structure, generally a hydrated aluminosi-licate of magnesium, iron and potassium (Genestar and Bonafé, 2004). The primary source minerals for the pigment known as green earth are the dioctahedral micas, celadonite and glauconite (Wainwright et al. 2009). Celadonite and glauconite belong to clayey micas group, consisting of a layer of octahedrally coordinated cations (Al3+, Fe3+, Fe2+, Mg2+) sandwiched between two sheets of silicate tetrahedra. Interlayer K+ ions hold together the three layers. The chemical formula of celadonite is approximately K[(Al,Fe3+),(Fe2+, Mg)](AlSi3,Si4)O10(OH)2 with low aluminium content and a very small replacement of Al for Si in the tetrahedral layer. Glauconite’s chemical composition is approximately (K, Na) (Fe3+,Al,Mg)2(Si, Al)4O10(OH)2, similar to celadonite, but with a great content of aluminium due to a partial substitution of Al3+ for Si4+ in the tetrahedrally coordinated layer (Aliatis et al. 2008). Microscopically, terre verte can often appear as confusing mixture of particles. Particles size is usually 1-30 μm and colours can vary from yellow to green-blue. Crystals are coarse and rounded, most appear as greyish-green, but many characteristic translucent, angular silica particles are usually present.

1.3. Research aims

There are few published data on green earth pigments used in the Coptic age. For this, the present study was devoted to perform a detailed investigation on green pigment samples collected from the wall paintings of the monastery of St. Anthony in the Red Sea Governo-rate of Egypt. The analysis was carried out by means of ESEM–EDX in order to determine the microstructure and chemical composition and using FTIR imaging for identifying the molecular structure, in addition to measuring the chromatic characteristic of samples by registering the visible reflectance spectra.

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2. Analytical methods

2.1. Samples

Due to the serious state of preservation of the wall paintings at the monastery, some detached painted fragments (with approximate dimensions 2x3 to 4x6.5 cm) were carefully chosen for analysis.

2.2. ESEM–EDX analysis

The microstructure of rough and polished cross sections prepared on the samples was analyzed by an environmental scanning electron microscope Philips XL-30 ESEM. This equipment is a field-emission source, offering a wide range of operating conditions, in which specimens can be examined with high chamber pressure environment. The X-ray microanalysis was carried out using an EDX detector (EDAX, Apollo SDD 10) with 20 kV accelerating voltage and pressure of 3.0 Torr. EDX data acquisition was obtained through GENESIS 6.x soft-ware. Microanalysis of single pigment grains down to 1 μm, as well as of the matrix and the total average of the paint layer were performed. Also, some investigations on polished cross-sections were carried out. Tiny peaces of the samples were embedded in Epoxy resin (EpoFix), cross-sectioned on variable speed silicon carbide papers and DP-lubricant blue for fine and cool polishing, and mounted on glass slides.

2.3. FTIR imaging

FTIR spectra were collected on a Perkin Elmer spectrometer 400 equipped with an ATR (attenuated total reflectance) accessory in the wavenumber range of 4000–650 cm–1, at a spectral resolution of 4 cm–1 over 32 scans. It is a contact technique in which the sample is pressed against an ATR crystal which is illuminated by an infrared beam from a spectrometer. The crystal in the ATR accessory is made of germanium with a refractive index of 4.01, which gives excellent spatial resolution and shallow sample penetration, both of which contribute to clear and sharp images. Also, it provides both high spatial resolution and high-quality sample illumination by virtue of a novel (patent pending) design optimization technique. The image was processed using baseline offset correction to compensate for the illumination variations. The crystal image was in fact 300 μm by 300 μm.

2.4. Visible reflectance spectra

Colour measurements can be applied for many purposes: the study of the chromatic effect of the dirt layers covering the painted surface; the determination of the colour palette; and the registration of the characteristic reflectance spectra of pigments and their mixtures (Daniilia et al. 2000). The composition of pigments can be identified depending on the shapes and the peak positions of their reflectance spectrum curves (Wang et al. 2005). The

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spectroscopic reflectance spectra of the different samples were obtained by a Miniscan® XE Plus spectrophotometer (HunterLab). The reflectance spectra were registered in the visible range (from 400 to 700 nm) over several points for each one of the different sample colours. Chromatic values are expressed as colour coordinates in the CIE L*a*b* colour system (1976) and illuminant D65/10º.

3. Results and discussion

3.1. Microstructure and microanalysis (ESEM–EDX)

The ESEM image obtained on a rough cross-section of the paint layer sample shows sli-ghtly thick massive paint layer with aggregates within the layer (Figure 2). The element concentration analysis, performed by the EDX detector, showed the detection of silicon, aluminium, potassium, magnesium, sodium and iron. For more assurance of the chemical composition of the sample, an element distribution EDX map of certain area in the sample was performed (Figure 3). Based on the previous elements found in the sample, we can claim that the green grains in the sample are green earth. Moreover, the absence of copper in the sample excludes the existence of malachite or other Cu-based pigments. The EDX microanalysis of the sample showed a high concentration of aluminium and potassium, and in this case, the existence of sodium in the sample allowed concluding the green earth was specifically of glauconite.

3.2. Results of FTIR imaging

FTIR imaging offers users easy spectroscopic access to “difficult” samples which are hard to analyze by FTIR microspectroscopy in transmission or reflection mode, or which have confusing depth structure. Figure 4 shows FTIR–ATR spectrum of the scanned area of a green paint flake. The 3400–3700 cm−1 and 950–1100 cm−1 ranges can be used to distinguish different mineralogical species of green earths. Glauconite is characterized by the broad bands in the 1100–944 cm−1 region. According to Moretto et al. (2011), celadonite presents one group of four bands well resolved in the region 1110–950 cm−1, with the strongest intensity one at 970–975 cm−1. These bands can be ascribed to a distortion of Si-O bond (972 and 1075 cm−1) and perpendicular to the silicate layer (1105 cm−1). Differently, in the glauconite spectrum the structure of the band characteristic of celadonite is substituted by a large band with broad peaks in the 1000 cm−1 region.

3.3. Registration of visible reflectance spectra

Figure 5 shows a visible reflectance spectrum registered on the green pigment sample. The spectrum represented a sharp slope after wavelength higher than 560 nm, in the yellow-green region, and a shoulder near to 485 nm which is characteristic to green earth pigment and

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specifically, glauconite. The L*a*b* values recorded according to CIE color space (1976) were 65.4, –10.3 and –1.4, respectively. In the spectrum of celadonite, it presents a maximum of reflectance at 522 nm, corresponding to the region green-blue of the colorimetric space L*a*b*, while the glauconite spectrum shows a maximum of reflectance at 569 nm in the yellow-green region, and a shoulder near to 485 nm.

4. Conclusion

The present study emphasizes on green pigments used in wall paintings from the Coptic age. Different analytical methods such as ESEM–EDX, FTIR imaging and visible reflectance spectroscopy were applied to study the samples. The analysis of the green pigment samples from the monastery of St. Anthony, Red Sea Governorate, Egypt has shown the absence of copper in the samples which excludes the existence of malachite, atacamite or other copper-based pigments, and that green earth was used. FTIR imaging and EDX elemental distribution maps ascertained that the green grains are green earth, and specifically of glauconite. Further investigation of pigment samples will provide a clear image of painting materials used in the Coptic age.

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Author’s curriculum vitae

Lecturer at the department of conservation, Faculty of Archaeology, Cairo University, Giza, Egypt. A bachelor’s degree in Conservation and Restoration of Monuments and Works of Art from the Cairo University and a Master’s degree in Conservation of ancient mural paintings from the same university. A doctoral degree from the interdepartmental postgraduate program on Protection, Conservation and Restoration of Cultural Heritage, Faculty of Engineering, Aristotle University of Thessaloniki, Greece.

Contact: [email protected]

FIGURE CAPTIONS:

Figure 1: (Right): General view of St. Anthony’s monastery, (Left): Examples of the wall paintings of the monastery.

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Figure 2: ESEM image and EDX spectrum obtained on rough cross-section of the green paint layer.

Figure 3: EDX elemental distribution map obtained on a portion of the green paint layer.

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Figure 4: FTIR image and spectrum recorded on the paint layer.

Figure 5: Visible reflectance spectrum obtained on the outer surface of the sample.

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Notícias sobre a Igreja da Misericórdia de Esposende, entre os finais do século

XVI e os finais do século XVIII.

José Ferrão Afonso

Resumo

O estudo das Misericórdias é essencial para a história da arte portuguesa da Idade Moderna. Com base na investigação efectuada no arquivo da Misericórdia de Esposende, uma vila na foz do rio Cávado fundada em 1572 e voltada para a actividade marítima, registaram-se, entre os finais do século XVI e os finais do século XVIII, os principais momentos de produção artística na igreja da confraria.

Palavras-chave:

Igreja Misericórdia Esposende, arte século XVI ao século XVIII

Contributions to the Knowledge of cultural heritage from (North of Portugal) the Esposende Misericórdia Church between the late 16th to 18th centuries

Abstract

The study of “Misericórdias” is essential to the history of Portuguese Early Modern Art. Based on research undertaken in the archives of the Misericórdia of Esposende, a small town at the mouth of the river Cávado, established in 1572 and focused on maritime activity, we have registered the key moments of artistic production in the church of the brotherhood, between the late sixteenth and late eighteenth century.

Keywords:

Misericórdia of Esposende Church, art sixteenth to eighteenth centuries

Contributos para el conocimiento del património artístico de la Iglesia de la Misericórdia de Esposende (Norte de Portugal) desde finales del siglo XVI hasta el siglo XVIII

Resumen

El estudio de las “Misericórdias” es esencial para la historia del arte portugués de la época moderna. Basado en la investigación realizada en los archivos de la Iglesia de la Misericórdia de Esposende, un pueblo fundado en 1572 en la desembocadura del río Cávado que se centró en la actividad marítima, se registraron los momentos clave de la producción artística en la iglesia de la hermandad entre finales de siglo XVI y finales del siglo XVIII.

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Palavras-chave:

Iglesia Misericórdia Esposende, arte siglo XVI hasta al siglo XVIII

Introdução

O lugar de Esposende, na margem norte da foz do Cávado, pertenceu à freguesia de Marinhas do termo de Barcelos e teve, devido à actividade marítima, um grande surto de desenvolvimento a partir do século XV. Em resultado dessa prosperidade, o arcebispo de Braga D. Jorge da Costa concedeu aos seus moradores, em 5 de Julho de 1492, autorização para dizer missa na ermida, dedicada a Santa Maria da Graça, que eles tinham construído (SOARES, 2007: 74). Em 1525, Esposende torna-se, na prática, uma paróquia, ou fregue-sia, filial da matriz de Marinhas (SOARES, 2007: 78); João de Barros chama-lhe vila já em 1548 (BARROS, 1919: 47) e, entre 1552 e 1559, os visitadores do Arcebispo ordenaram a construção de uma igreja de três naves (SOARES, 2007:85). A progressiva autonomia eclesiástica do povoado viria a culminar na visita, em 1581, de Frei Bartolomeu dos Mártires, na sequência da criação, em 1566, e logo após a conclusão do concílio de Trento, de uma vigararia em Esposende (COSTA, 2009:30)1.

Na sequência desse progresso, o município de Esposende viria a ser fundado, em 19 de Agosto de 1572, por D. Sebastião. A fundação ocorreu em resposta a uma petição enviada ao monarca e firmada por 370 vizinhos, pilotos e homens do mar, onde se afirmava que no porto do lugar se registavam “setenta para oitenta navios grandes” (COSTA, 2009: 27); a construção da Misericórdia seria autorizada por alvará régio de 15 de Julho de 1579 e teve, também, na sua origem uma petição dirigida à Coroa, desta vez pela vereação camarária (COSTA, 2009:16,29).

Os primeiros tempos

Como era prática usual, é possível que a Misericórdia, antes de possuir edifício próprio, tenha sido instituída numa capela ou na igreja matriz preexistente (SÁ, 2002:34). Desconhecem-se quaisquer fontes documentais que permitam ajuizar dessa hipotética fundação; certo é que em Julho de 1589, uma década após o alvará henriquino, o provedor e irmãos afirmam que construíram uma igreja, em que se podia dizer missa, cujo orago era Santa Isabel (Costa, 2009:34). Em 2 de Julho de 1598, dia da Visitação, os confrades escreveram o seu compro-misso, baseado, como o da maior parte dos seus congéneres, no da Misericórdia de Lisboa (COSTA, 2009:46). Desde a fundação verificou-se igualmente, como noutras Misericórdias, uma coincidência entre a elite local, que se fazia representar na vereação camarária e a que deliberava nas reuniões capitulares da confraria (COSTA, 2009: 50-54) (fig.1).

1 Sobre a visita e a criação da vigararia, ver também a obra de Franquelim Neiva Soares (SOARES, 1979).

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Fig. 1: A igreja da Misericórdia de Esposende e a Praça do Município (fotografia do autor)

A bandeira misericordiana foi contratada em 1596, pelo então provedor, o vigário Manuel da Costa, e os restantes irmãos, ao pintor bracarense Francisco Soares, sendo entregue no ano seguinte2. Francisco Soares foi, segundo Vítor Serrão “pintor bracarense da moda-lidade de óleo, têmpera e brutesco”, que exerceu a sua actividade em Braga, Orense e Pontevedra entre 1586 e 1595, tendo sido o mais conceituado dos pintores oriundos do círculo bracarense. Pintou para a igreja da Trindade de Orense (1586), para a catedral de Santiago de Compostela (1587) e para a igreja da Misericórdia de Braga, onde, em 1590, decorou o subcoro “com motivos de ornato ao romano de brutesco” (SERRÃO, 1998:293). No mesmo ano, ordenou-se a construção de uma cobertura de madeira sobre o altar-mor: “…Se mãdou forrar o tecto de sima do altar grande ate o primeiro tirante do altar…” tarefa de que se encarregou o carpinteiro Francisco Enes, de S. Julião do Calendário3.

A sacristia do lado do Evangelho teve luz verde em 8 de Fevereiro de 1598; a casa do cabido anexa, contudo, só seria iniciada em 1609, embora a sua edificação estivesse já prevista anteriormente (COSTA, 2009:82). Entretanto, em 4 de Março de 1601 o imaginário Baltasar

2 Arquivo Histórico da Misericórdia de Esposende, nº 121. Livro do recibo e outros apontamentos em 1633 até 1637, fl. 51 vº. Ver doc. 1.

3 AHME, nº 121. Livro do recibo e outros apontamentos em 1633 até 1637, fl. 52 vº.

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Moreira, da vila de Viana, encarregara-se da construção do retábulo-mor4. A 17 de Novembro de 1602, Baltasar Moreira tinha concluído o seu trabalho e os irmãos decidem chamar um oficial para o pintar 5. O nome do oficial não é indicado, mas em Abril de 1603 a pintura do retábulo não estava ainda adjudicada6. Após esta data, não são feitas mais referências à pintura do retábulo-mor, nem é nomeado o artista que a terá levado a cabo. A obra deveria estar concluída em 1608, quando se ordenou a construção de “grades pera o corpo da jgreia da Mizericordia porquanto erão necessarias por respeito do altar mor”7. Nesse ano, as actas referem o nome de um pintor, Francisco Leitão, residente em Braga, mas a respeito do fornecimento dos panos para serem utlizados na quadra da Quaresma8. O mesmo pintor foi miraculado, de uma paralisia que o afectava, depois de ter pintado, em 1610, a imagem de vulto de Santo Inácio existente no Colégio de S. Paulo9. É possível que fosse ele o responsável pelo retábulo da Misericórdia já que, no mesmo ano, pintou o da vizinha igreja Matriz (SERRÃO, 1998:160).

Em 1613 iniciou-se a obra do forro da igreja, a cargo do mestre carpinteiro Francisco Gon-çalves. No acórdão relativo a ela menciona-se o altar da “Senhora”, ou seja o altar-mor com a Senhora da Misericórdia; como vimos, o tecto sobre ele tinha sido forrado em 1596 e essa cobertura seria em 1613 reutilizada no coro10. Pode-se, por conseguinte, deduzir da existência inicial de uma igreja com pequenas dimensões e do tipo “caixa”, com capela-mor11 e corpo rectangulares: na nave, porém, existiu uma capela lateral do lado do Evangelho, a do “Cristo”. A essa capela se destinou a imagem de Crucificado, referida em acórdão de 10 de Janeiro de 1599, para a qual Gaspar Dias tinha feito uma doação de dez mil réis (COSTA, 1988:59)12.

A Capela dos Mareantes

A informação relativa à capela do Santo Cristo, ou dos Mareantes (fig.2), é escassa e contraditória. O padre Baptista de Sousa refere que ela é anterior à igreja, tendo sido

4 AHME, nº 155, Livro dos Acordaons e Eleiçoens a abertura foi no anno de 1597, s. n. fl. Ver doc. 2. Em 17 de Maio do mesmo ano, a Misericórdia decide a venda de um terreno e de uma pensão de um alqueire de pão meado para pagamento das despesas com o retábulo (Idem, s. n. fl.). Em 14 de Junho de 1601, como não houvesse quem comprasse as terras, a mesa decide a venda de outros itens (Idem, s. n. fl.). M.M da Silva COSTA, refere a construção do retábulo-mor, mas sem indicação da data e do seu autor (COSTA, 2009:86).

5 AHME, nº 155, Livro dos Acordaons e Eleiçoens…, s. n. fl. O dinheiro para a pintura seria proveniente, na sua maior parte, do legado de doze mil réis que Cristóvão de Reboredo deixara de esmola à Santa Casa.

6 Em reunião do cabido ocorrida nessa data, afirma-se: “os quais forão presentes a dita casa para darem o retabolo a pyntar e fazer outras cousas...” (AHME, nº 155, Livro dos Accordaons e Eleeiçoens…, s. n. fl.). A 16 e 24 de Fevereiro do mesmo ano, o tema tinha já sido tratado em mesa (Idem, ibidem.).

7 AHME, nº 155 Livro dos Acordaons e Eleiçoens…, 1608, Abril 13, s. n. fl. Estas grades, bem como o lajeamento da igreja, estariam concluídos no ano seguinte, quando, por não haver verba disponível, a mesa decide a “venda do milho da caixa da sacristia” para o seu pagamento (Idem, 1609, Fevereiro 22, fls. 39vº- 40).

8 AHME, nº 155 Livro dos Acordaons e Eleiçoens…, 1608, Abril 27, s. n. fl. 9 Arquivo da Universidade de Coimbra, Estante 21, Tab 2, nº 1, Colégio de S. Paulo de Braga (...) séc. XVI-XVIII,

s. n. fl.10 AHME, nº 155, Livro dos Acordaons e Eleiçoens…, 1613, Março 17, fl. 61vº. Ver doc. 3. A obra do forro é referida

por M.M. da Silva Costa (COSTA, 2009: 87). 11 Esta é expressamente referida em 1624: “….por elle foi ditto que seu sogro Bertolameu Gonçalvez jrmão desta

caza queria hũ jaziguo das grades abaixo defronte da porta das grades da capela mor diguo mais pera nasente peguado a Baltezar Dias…” (AHME, nº 155, Livro dos Acordons e Eleiçoens…, 1624, Abril 18, fl. 118vº).

12 AHME, nº 155, Livro dos Acordaons e Eleeiçoens 1597-1676, s.n. fl. Ver doc.4.

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instituída na primeira década de Quinhentos (SOUSA, 1985:215). Teotónio da Fonseca afirma-o igualmente, adiantando que foi reedificada em 1650 (FONSECA, 1936:270). Não partilhamos dessa opinião, pois tudo aponta - quer a documentação, quer o construído - para que a igreja e a capela sejam contemporâneas.

Fig. 2: A Capela dos Mareantes (fotografia de Sofia Martins)

A capela designou-se também do Santo Cristo, do Bom Jesus da Praça, do Senhor dos Mareantes ou dos Navegantes (COSTA, 1988:57). A imagem do Cristo (fig. 3) foi contra-tada pelo provedor, padre Jerónimo Dias, no seguimento do acórdão referido em cima e no mesmo ano, ao imaginário portuense João da Fonseca, morador na rua dos Canos13. Este oficial, que foi cidadão do Porto e desempenhou o cargo de tesoureiro na edilidade desta cidade, está referenciado entre 1586 e 1637; a sua actividade artística é, contudo, quase desconhecida14. Assim, concluiu a 30 de Maio de 1593 umas grades para a igreja da

13 AHME, nº 121, Livro do recibo e outros apontamentos em 1633 até 1637, fls. 49-49vº. Ver doc. 5.14 João da Fonseca é filho do mestre de carpintaria António Ferreira, casado com Maria da Fonseca, que morou na rua

Nova de S. Bento no Porto. Em 1586, assina como testemunha no arrendamento de uma casa na rua dos Canos, sendo indicado já como morador na mesma rua e exercendo a profissão de carpinteiro (CASTRO, 2000:335-336). Em 1597, um outro documento notarial assinala-o já como imaginário, dando-o como proprietário de uma casa na rua Nova de S. Bento (Arquivo Distrital do Porto, Fundo Notarial, Po1, 3ª série, Livro, Livro 111, 1597, Fevereiro 8, fls. 195-198). Foi um dos mestres que tiveram a seu cargo a obra de carpintaria da nova Relação, iniciada em Outubro de 1607, juntamente com Baltasar Gonçalves o Fidalgo, Paulo Fernandes, Pero António, Gonçalo Martins, Amador de Figueiredo e Francisco Moreira (SILVA,1988: vol. 1, p. 923). Marília Castro refere o nome de sua mulher, Maria Rodrigues, que outorgará esse contrato (CASTRO, 2000: 42). O imaginário João da Fonseca foi tesoureiro

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Misericórdia do Porto, tendo nessa data recebido um pagamento de dois mil réis (BRAN-DÃO, 1984:112-113, 160). Segundo Magalhães Basto, foi ainda contratado em Junho de 1594 para execução da obra dos Evangelistas “de vulto, com suas insígnias”, pelo preço de 44.000 réis. O primeiro Evangelista que esculpiu, porém, não agradou à Misericórdia, que pediu ao escultor a restituição de 10.000 réis que lhe avançara. Como o artista recusasse, a Misericórdia pôs a questão em juízo, tendo obtido sentença favorável no ano de 1600. Nessa data, a obra já tinha sido entregue, por contrato firmado em 29 de Setembro de 1597, ao escultor lisboeta Gonçalo Rodrigues (BASTO, 1999: 152-153).

Fig. 3: O Cristo da Capela dos Mareantes.

municipal em 1613 (SILVA, 1988: vol.1 509, 511). Um João da Fonseca foi ainda, em 1614, superintendente das obras de ampliação do cais da Ribeira (SILVA, 1988: vol. II, 630). Segundo Magalhães Basto, faleceu a 20 de Setembro de 1637, sendo enterrado em São Bento das Freiras (BASTO, [s. d.]: 315).

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João da Fonseca integrava a activa comunidade de oficiais – pintores, pedreiros, imaginários, ensambladores - que habitavam no Porto, junto do mosteiro de S. Bento da Ave-Maria e do convento de Santo Elói, na rua dos Canos e na vizinha rua Nova de S. Bento, na segunda metade do século XVI. Sendo oriundos da cidade, ou a ela tendo ocorrido, participariam no surto construtivo e de renovação da escultura, pintura, retabulística e mobiliário eclesiás-tico, ocorrida após o Concílio de Trento e a sequente “cristianização” urbana. Um Francisco Correia assina como testemunha do contrato firmado no Porto para a execução da imagem do Cristo; ele pode ser o importante pintor do Maneirismo “reformado” portuense que, como João da Fonseca, participou na obra da capela-mor da Misericórdia, tendo pintado com o lisboeta Salvador Mendes as estátuas dos Evangelistas de Gonçalo Rodrigues (BASTO, 1999: 155-156). Um outro pintor portuense, Pedro Oliveira, encarregou-se da pintura da imagem, como consta do rol das despesas relativo à sua execução e posterior transporte do Porto até Esposende15.

Após a colocação da imagem na capela, as actas da Misericórdia só nos voltam a dar notícias sobre esta em 1614, quando se refere a sua pintura, provavelmente a cargo de um artista de Braga, pois foi então enviado um emissário a essa cidade16; no ano seguinte, um frontal novo foi colocado no altar17. Cinco anos depois, em 1620, foi acordado “…que se altehase a casa da jgreja da Santa Misericordia he a capela do Christo …” 18. Esta informação permite--nos deduzir que a capela dos Mareantes seria, como a igreja, coberta de madeira. Após isso, foi objecto de uma intervenção difícil de especificar, como se depreende pela menção a uma demanda que em 1642 corria “… contra Gonçalo Francisco emmagynayro sobre aver de fazer he acabar ha obra do Santo Christo …” 19. Deste oficial pouco se sabe, para além de que era natural de S. Tiago de Rebordões e contratou a execução de um retábulo para a capela de Santa Luzia em Vila do Conde no ano de 1637 (BRANDÃO, 1984:256). Vítor Serrão avança também com a possibilidade de ser de sua autoria o retábulo de S. Brás, na igreja do convento de Nossa Senhora da Encarnação, igualmente em Vila do Conde (SERRÃO, 1992:361). Essas obras podem articular-se com uma operação de maior vulto, perceptível pela leitura da documentação da Misericórdia, que se terá iniciado pelos anos 1648 e se prolongou pela década de cinquenta; este âmbito cronológico adapta-se à informação, já referida, de que a capela fora remodelada em 1650.

15 AHME, nº 121, Livro do recibo e outros apontamentos em 1633 até 1637, fl. 50. Ver doc. 5.16 AHME, nº 155, Livro dos Acordaons e Eleeiçoens…,1614, Janeiro 22, fl. 67. Na pintura do arco foram empregues

óleos e tintas: “Gastou se olios e tintas para o arco da capela do Cristo…” (AHME, nº 119, Livro de recibo e despesa 1611 até 1624, Despesas de 1614-1615, fl. 60). MM. Costa refere a pintura do arco, adiantando ainda a despesa com óleos e tintas (COSTA, 2008:71). A obra não parece ter ficado a contento da Mesa, que deliberou, em Junho do mesmo ano: “…porquanto a capela do Christo e arquo estavão mal negoceado e mal asentado e mal composto se mandasse revocar de novamente por oficial que o fizesse bem…” (AHME, nº 155, Livro dos Acordaons e Eleeiçoens…,1614, Julho 27, fl. 69vº). Parte dos materiais foi comprada no Porto:” Item de olio e da mulher que foi ao Porto e tintas para o arco trezentos e corẽta…340” (Idem, Despesas 1615-1616, fl. 63).

17 “Gastos que a mesa fez. Do frontal para o Cristo quatro mil cento e oitenta reis” (Idem, ibidem).18 AHME, nº 155, Livro dos Acordaons e Eleeiçoens 1597-1676, 1620, Outubro 18, fls. 103vº-104.19 AHME, nº 136, Livro dos Devedores por escritura…. 1642, Novembro 2, fls. 15-15vº.

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Vimos que a Misericórdia possuía já uma bandeira, encomendada em 1596. Em 1643, con-tudo, por essa estar “mui danificada”, é confiada a execução de uma nova ao pintor Martim de Araújo, morador na vila, que a orçamentou em sete mil réis, descontando igual quantia do preço porque tinha feito, segundo afirmou, uma bandeira idêntica para a Misericórdia de Vila do Conde20. É possível que Martim de Araújo tivesse sido também o responsável pela pintura das insígnias, ocorrida em 163121. Estas, em número de quatro, seriam substituídas em 1721 por um conjunto novo, dado “serem muito pequenas e velhas” (COSTA, 1988:37-38)22. As antigas foram emolduradas, forradas com madeira e colocadas na sacristia (COSTA, 1988:38), onde ainda hoje se encontram. São pinturas com um acentuado tratamento tenebrista, que não deixam de lembrar a obra dos pintores do Porto, sobretudo Domingos Lourenço Pardo; representam o Beijo de Judas, o Ecce Homo, a Flagelação e a Coroação de Espinhos (ARAÚJO,1995:77). Os pagamentos, que em meados do século XVII foram feitos a Martim de Araújo, não se referem apenas à pintura da bandeira; os dois mil réis por ele recebidos em 1648 devem ser relativos a uma outra obra23, muito provavelmente executada na capela dos Mareantes.

É necessário avançar um pouco no tempo para melhor compreendermos a obra executada nessa capela. Em 1680 os confrades dirigiriam ao monarca uma petição, solicitando que lhes fosse concedida a imposição dos vinhos para reparação da sua igreja “ arruinada e abertaz as paredes” e para a “construção de huma cappela mayor de abobeda comrespondente a do sancto christo” (COSTA, 2009:72). Esta última, portanto, já não era a que em 1620 fora alteada: entre essa data e 1680 deve ter ocorrido o seu abobadamento em pedra; Martim de Araújo, por conseguinte, estaria associado a essa campanha de obras. Desse modo, em 1646 surge uma despesa relativa a pregadura para a capela24; em 4 de Julho de 1652 realiza-se um cabido especial destinado a deliberar sobre a necessidade de acabar as obras na capela do “Santo Christo”, visto que António Fernandes Vieira, talvez o mestre que corria com elas, as tinha abandonado25. Um mestre de pedraria chamado António Vieira, juntamente com Pantaleão Vieira e João da Rocha, contratou, em 1667, a construção de

20 AHME, nº 136, Livro dos Devedores por escritura…, 1643, Novembro 19, fls. 20vº-21. Ver doc. 6.21 Em 7 de Abril de 1631 foram gastos 6.800 réis nas insígnias; destes, 4.500 foram para o pintor (AHME, nº 120,

Livro da despesa e recibo desde 1624 e findo em 4 de Junho de 1633, fl. 36).22 AHME, nº 156, Livro dos Acordãos 1680, 1721, Fevereiro 15, fl. 66. Ver doc. 7.23 Diversos pagamentos ao pintor estão anotados, sendo o último em 8 de Março de 1648: “...Acharão mais que

tinha dado ao pintor Martim de Araujo dous mil reis...” (AHME nº 136, Livro dos Devedores por escritura…, fl. 43vº). Antes deste termo indica-se, em 10 de Julho de 1645, um pagamento relativo à bandeira e “guarnições”: “...e outrosim se deve da bandeira nova ao pintor dous mil e quinhentos reis e das guarnições para ela que custarão cinco mil centos e cinquenta...” (Idem, fl. 26); em 26 de Fevereiro de 1646, menciona-se expressamente: “Tenho dado de trigo ao pintor a conta da sua divida des alqueires de trigo que elle vendeo que se montou em dinheiros dous mil e sento e vinte e sinquo. Ja esta pago de tudo” (Idem, fl. 29vº). A primeira paga deve portanto, referir-se a uma outra obra que não a bandeira.

24 “...E acharão ter despendidos em provimentos aos pobres e gastos de pregos da capela do Santo Christo sinco mil seyscentos e cinquenta reis...” (AHME, nº 136, Livro dos Devedores por escritura…,1646, Fevereiro 26, fl. 43vº).

25 AHME nº 136, Livro dos Devedores por escritura…, 1652, Julho 4, fls. 81-81 vº. Ver doc. 8. A 7 de Julho, anotou--se no mesmo livro: “...e não se fala em trinta e seis alqueires de milho e senteo que se deu a Maria do Portto para sustento dos offisiais que trabalharão nas obras do Santo Christo...” (Idem, fl. 82).

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uma sacristia nova na Misericórdia do Porto (BRANDÃO, 1984: 359), podendo tratar-se do mesmo. Nesse mesmo ano de 1652 regista-se a execução de tabernáculos, no altar do Santo Cristo e nos colaterais, que esteve a cargo de João Domingues26.

Em 1655 há notícia da instituição de uma confraria das Almas, actualmente sedeada na Matriz, com altar próprio na capela (SOUSA, 1980:219). O nome de Martim de Araújo, bem como de um “pintor de Viana” não especificado, são mencionados de novo em 15 de Julho de 1658, quando se acertam contas relativas à passagem de testemunho entre tesoureiros da confraria no fim do ano económico. É claro pela leitura desse texto que o pintor ainda trabalhava na capela e que esta tinha contabilidade própria:

(…) Dos coais se dão em divida quinze mil reis que a Santa Casa emprestou a capela do Senhor que hainda os deve para pagar ao pintor de Viana com mais coatro mil reis que ha dita Santa Casa emprestou a dita capela do Senhor que se derão a Martim de Haraujo a custa da obra que pinta que ha tudo fas soma de dezanove mil reis que tantos se cobrarão do tesoureiro do Senhor e por estar presentes os oficiais novos ouveram estas contas por boas (…)27.

Mais tarde refere-se, num acórdão de 1686, que as obras da capela, então concluídas há anos, tinham sido financiadas pelos mareantes28; as intervenções de manutenção, porém, prosseguiam, como a que ocorreu em 1680 num “cadro da capela do Senhor”29.

A igreja

Esse ciclo de obras na igreja e capela parece ter sido rematado em 1667 com a decisão de reformar a obra de carpintaria do corpo da primeira, a cargo do mesmo João Domingues mencionado atrás30. O contrato para essa reforma data de 31 de Dezembro de 1668, assi-

26 “…Houitosentos e houitenta reis he dos tabernaculos que se fizeram no altar do Santo Christo he nos colaterais que se deu a João Domingos pellos fazer…” Idem, 1652, Novembro 10, s. n. fls.

27 AHME, nº 122, Livro do recibo e algumas despesas desde 14 de Dezembro de 1653 até 7 de Junho de 1664, 1658, Julho 15, fl. 31. O padre Manuel Baptista de Sousa refere-se a esta despesa, embora não indique a sua origem documental (SOUSA, 1980: 219).

28 “…E porque há anos que o deposito ou restante delle das esmolas que os senhores mareantes contribuirão para major ornato da capela do santo Christo sito dentro das portas desta Santa Casa, as quais esmolas já pararão por em tudo estar acabada a dita capela …” (AHME, nº 156, Livro dos Acordãos 1680, 1686, Janeiro 20, fl. 11).

29 “Item despendeo o thezoureiro para os pintores que pintarão o fim de hum cadro da capela do senhor que estava aruinado e comçertaodo em branco dous mil e quinhentos reis” (AHME, nº 123, Livro da fabrica e despesas d’ella desde 4 de Agosto de 1670 até 8 de Julho de 1706, despesas relativas ao ano económico de 1680, fl. 34).

30 AHME, nº 122, Livro do recibo e algumas despesas desde 14 de Dezembro de 1653 até 7 de Junho de 1664, 1667, Janeiro 31, fl. 60. Ver doc. 9. Seguem-se, no mesmo livro, duas referências a pagamentos aos carpinteiros: a 3 de Julho de 1667, quando o provedor e irmãos tomam as contas do tesoureiro António Barbosa, afirmam: “...tiramos mais dous mil reis para dous vallos que se entregarão a Manoel Gomes carpinteiro para os comprar...” (Idem, fl. 63). Este Manuel Gomes foi também irmão da Misericórdia (Idem, ibidem); em 1668, quando das contas apresentadas pelo tesoureiro Domingos André ao seu sucessor Manuel Gomes – provavelmente o mestre carpinteiro referido - 20.000 réis tinham sido dados aos mestres carpinteiros João Domingues e Manuel Fernandes: “quando vierão a enmadeirar a Santa Casa da primeira vez como consta da sua paga que eles derão…” (Idem, Outubro 14 1668, fl. 68).

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nado entre o provedor João Manuel Lisboa, restantes irmãos e João Domingues, designado mestre carpinteiro e morador em Perelhal, do termo de Esposende. O forro, apainelado, deveria ser idêntico ao da igreja do convento dos capuchos em Barcelos:

(…) Emmadeirara de novo todo ho corpo da igreja desta casa da Miziricordia de huma e grosa madeira de caibraria e ripage e forada de paineis quantos ha hobra pedir com seus rampantes tudo na forma que esta feita ha igreja dos Capuchos da villa de Barcellos (…) 31.

É, portanto, após a conclusão do forro da igreja que surge, em 1680, o já referido pedido endereçado ao monarca para que fosse concedida a imposição do vinho à confraria, tendo em vista a construção de uma nova capela-mor. Cremos que essa intervenção criou o espaço actual da igreja da Misericórdia de Esposende, com a abertura de novos altares colaterais e a construção do novo santuário, profundo em relação às dimensões da nave e coberto com abóbada de caixotões em pedra (fig. 4). Segundo a periodização organizada por Rafael Moreira para as igrejas da confraria, o novo templo incluir-se-ia numa época “clássica”, que abrange o século XVII (MOREIRA, 2000:157-159).

Fig. 4: Nave e capela-mor da igreja, com o púlpito e os altares colaterais (fotografia de Sofia Martins).

31 Arquivo Distrital de Braga, Notarial de Esposende, nº 184, 1667, Dezembro 31, s. n. fl. O ano de 1667 referido no documento é, na verdade, o de 1668, porque, na época, o ano terminava no dia de Natal, 25 de Dezembro.

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Para essa obra foram consultados dois especialistas: o arquitecto João da Costa, de Vila do Conde, e o também arquitecto Pedro Machado32. A obra, porém, seria arrematada pelo “mestre arquitecto” João Martins, morador na freguesia de Cossourado, termo de Barcelos, que em 2 de Fevereiro de 1681 se obrigou a executá-la, “na forma dos apontamentos que tinha feito”, em preço de quatrocentos e oito mil réis33. Eduardo Pires de Oliveira fala-nos sobre esse João Martins, “Mestre de arquitectura de pedraria”, natural de Souto, Cossou-rado, termo de Barcelos. Em 1729, de parceria com João Lourenço, arrematou a casa de Bartolomeu Pinto de Sousa, em Lamego. Com o mesmo mestre e ainda com os beirões António Mendes e Manuel Monteiro lavrou escritura de sociedade em 1740. Em 1744 con-tratou, com José Ribeiro Álvares, João da Costa Coelho e o beirão João Fernandes Ribeiro, a obra da igreja do convento de Macieira do Dão (OLIVEIRA, 2003: 314). O mesmo João Martins arrematou em 6 de Abril de 1711, com Manuel Martins e Francisco João, também da freguesia de Cossourado, a obra do hospital de Barcelos, no valor de trezentos mil reis (AFONSO, 2012: 59)34.

A obra de João Martins na igreja da Misericórdia esposendense não decorreria sem contra-tempos, mais uma vez devidos à falta de verbas. Como se refere num acórdão de 1682, o provedor e irmãos obrigaram-se a conceder um empréstimo para elas35 e, visto a quantia obtida não ter sido suficiente, foi pedido também o concurso dos mestres dos navios36. Em 1685, a 24 de Junho, o provedor e irmãos dão quitação a João Martins, por “acharem a obra perfeita e acabada na forma dos ditos apontamentos que lhe apresentara”37.

Concluída a obra da capela-mor e mais alguma que João Martins empreendera: “…alem da obra que estava nos ditos apontamentos se lhe dera mais obra ao dito mestre por conhecimentos…” 38, era chegada a altura de proceder à execução de novos retábulos e da respectiva imaginária; com efeito, até essa intervenção, os altares do Cristo e da Senhora da Misericórdia, este o altar-mor, devem ter sido os dois únicos existentes na igreja39.

No ano de 1694, a 21 de Julho, um acórdão alude ao painel do retábulo-mor e à pouca qualidade da execução da cena da Misericórdia, deliberando-se que o mestre João Bar-bosa, da cidade de Braga, corrigisse essas imperfeições e executasse a obra conforme “os

32 “Deu se ao arquitecto João da Costa de Villa do Conde por vir ver a obra e dar os moldes de como se ha de fazer a capela novecentos reis. Deu se ao arquitecto Pero Machado de vir ver a obra da Santa Casa que se pretende fazer mil reis” (AHME, nº 123, Livro da fabrica e despesas d’ella desde 4 de Agosto de 1670 até 8 de Julho de 1706, despesas relativas ao ano de 1680, fl. 30.

33 ADB, Notarial de Esposende, nº 196, 1681, Fevereiro 2, fl. 65. 34 Eduardo Pires de Oliveira refere este contrato (OLIVEIRA, 2003:314).35 AHME, nº 156, Livro dos Acórdãos 1680, 1682, Julho 30, fl.9. Ver doc. 10.36 Idem, 1684, Janeiro 24, fl. 16.37 ADB, Notarial de Esposende, nº 200, 1685, Junho 4, fls. 61 e ss. Referido por Eduardo Pires de Oliveira (OLIVEIRA,

2003: 314).38 ADB, nº 200, Notarial de Esposende, 1685, Junho 4, fl. 61vº.39 Em 1629, num inventário do mobiliário litúrgico da igreja, refere-se, entre as peças: “e mais quatro toalhas dos

altares duas grandes do altar de Nossa Senhora e outras duas mais pequenas do altar do Christo…” (AHME, nº 120, Livro da despesa e recibo desde 1624 e findo em 4 de Junho de 1633, 1629, Julho 9, fl. 25vº.)

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apontamentos”40. No museu da confraria conservam-se ainda duas figuras de vulto em madeira representando a Visitação; no acórdão mencionado, indica-se que um conjunto idêntico não estava ainda inserido no retábulo. É possível que o grupo da sacristia seja o mesmo que foi esculpido por João Barbosa em 1694; ele também teria razões para ser recusado, visto que a Virgem se representou de cabelos descobertos, o que era iconograficamente impróprio. Alguns meses depois, o assunto é de novo tratado em reunião do cabido, solicitando-se ao autor do retábulo, o entalhador Damião da Costa e Figueiredo, também de Braga: “…para que entregasse os apontamentos e risco para se louvarem a vista delle sobre a obra de imaginario por não estar conforme…” 41. Num dos livros de despesas da confraria, sob o título de “Despesa da renda imposiçam que Sua Magestade concedeo para as obras da Santa Casa da Misericordia desta vila” constam os pagamentos a Damião da Costa e João Barbosa; por eles ficamos a saber que o primeiro foi também responsável pelas madeiras do coro e púlpito e do livro consta ainda uma verba relativa às vidraças, encomendadas em Braga a José Ferreira42.

Damião da Costa Figueiredo é mencionado por Robert Smith a propósito da autoria do retábulo-mor da igreja do mosteiro de S. Bento da Vitória, no Porto, de cerca de 1704. Segundo Smith, esse monumental retábulo seria muito semelhante ao da igreja do mosteiro de Moreira da Maia, que um anónimo atribui a Damião da Costa (Figueiredo), que teria feito a sua aprendizagem de entalhador no mosteiro da Batalha “…e depois de fazer esta (tribuna) fez muitos nesta Província…”. Smith, baseado nessa informação, aventa a hipótese de Damião da Costa poder ser o responsável pela difusão do estilo “nacional” no Norte do País (SMITH, 1963:75). Pinho Brandão, contudo, não concorda com essa atribuição do manuscrito, afirmando tratar-se de uma confusão, em que se citou Damião da Costa em vez de Jerónimo da Costa, imaginário de Serzedelo que contratou a execução desse retábulo em 1676, contrato esse que publica. Conclui, porém, que a questão estava ainda em aberto (BRANDÃO, 1985: 432-439). O certo é que Damião da Costa, que se intitulava arquitecto, escultor e imaginário, para além do retábulo da Misericórdia de Esposende foi também res-ponsável pelo da Misericórdia de Barcelos, contratado em 1685 (AFONSO, 2011:95, 106-107) e desenhou o da igreja matriz esposendense43 e os de Santa Clara de Amarante (1692) e da

40 AHME, nº 156, Livro dos Acórdãos 1680, 1694, Julho 21, fls. 14vº-15. Ver doc. 11. João Barbosa, morador em Braga na rua de Trás os Açougues, morreu a 16 de Setembro de 1695, sendo então viúvo de Cristina da Cunha, que tinha falecido em 18 de Novembro de 1694 (FREITAS,1951:168).

41 AHME, nº 156, Livro dos Acórdãos 1680, 1694, Dezembro 14, fls. 15-15vº. Ver doc. 12. 42 AHME, nº 124, Livro onde se achão descritos os legados para as missas e de outras despesas desde 2 de Julho

de 1706 athe 9 de Agosto de 1775, fls. 2-2vº. Ver doc. 13.43 ADB, Notarial de Esposende, nº 206, 1694, Julho 31, fls. 74 e ss: “Contracto e obrigação entre Damião da Costa

e Amaro da Gram com os moradores deste povo sobre a obra da tribuna da igreja do altar mayor”. Damião da Costa, morador em Braga, é designado «mestre de arquitectura que faz retabollos” Amaro da Grã, também morador na cidade dos arcebispos, como mestre escultor. O primeiro deveria executar hum “retabollo todo trasalhado e nele uma tribuna como mostra a planta do rascunho e petipe della (…) apenso os apontamentos que com a planta anda junto e tambem um rascunho que mostra o respaldo das costas da tribuna e também a planta do rascunho do altar levadiço e o rascunho do resplendor”, recebendo por isso 120.000 réis. O segundo ficou responsável pelas esculturas que aí seriam colocadas, no valor de 60.000 mil réis. Amaro da Grã, contudo, não cumpriu com a sua parte do contrato, não entregando as esculturas até à data estipulada (Agosto de 1695), sendo feito novo contrato para a escultura com Francisco de Campos, morador no Campo das Hortas da cidade

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capela da Senhora das Neves, em Azurara (1697) (BRANDÃO, 1984:742-743 e 841-842). Em 17 de Maio de 1697, o mestre pintor de Guimarães Pedro Machado Gomes contratará o douramento do retábulo-mor, que tinha rematado por cento e dez mil réis44. Sabe-se que Pedro Machado Gomes ajustou também em 1693 o douramento e pintura do retábulo e do forro da capela-mor da igreja de S. Vicente de Sousa (BRANDÃO, 1984:761-772).

Em 1702 ordena-se a pintura de brutesco na capela-mor, arco e frestas45 e logo depois é referido que o altar de S. Gonçalo, já mencionado em 1697, era colateral, localizando-se no corpo da igreja46. No final desse ano, ordena-se a construção de um retábulo para um altar colateral, não especificado, de que se encarregaria Manuel Fernandes, imaginário de Santa Maria de Forjães, termo de Barcelos, por preço de vinte e três mil réis47. Mais tarde, em 22 de Janeiro de 1724, o mesmo Manuel Fernandes encarrega-se de dourar o altar da Senhora da Piedade:

(…) Que por estar o altar de Nossa Senhora da Piedade feito de madeira queriam que logo se dourase e se preparasse e com efeito o deram a dourar a Manuel Fernandez de Creixomil termo de Barcellos e Francisco Machado desta villa pintores os quais mandaram chamar a dita mesa para o dourarem e labarem que tomaram em preço de trinta e sete mil reis (…) 48

Os mesmos oficiais, Manuel Fernandes e Francisco Machado, encarregar-se-ão ainda de outros trabalhos de pintura na igreja:

(…) Estava contratado com elle dito provedor e mais irmaons de pintar o arco do altar de Nossa Senhora da Piedade jaspeado como tambem de pintar o pulpito as grades de preto e a pedra de jaspe toda esta obra de obrigavam elle Manuel Fernandez e Francisco Machado de fazer por preço e quantia de tres mil e setecentos reis e de como asi acharam e assinaram (…)49

de Braga, em 17 de Novembro de 1695. A obra deveria estar concluída: “…até o tempo que o dito Damião da Costa assentar a sua dara tambem esta perfeita e acabada…” (Idem, nº 207, s.n.fl.). Os esposendenses, porém, ainda teriam que esperar pelo seu retábulo, visto que, ao que parece, Damião da Costa não concluiu o seu trabalho. Assim, em 2 de Maio de 1703, é assinado novo contrato, desta vez com o mestre entalhador Luís Carvalho, da freguesia de Requião, termo de Barcelos, para executar o retábulo e tribuna: “…de lhe fazer hum retabolo adonde se inclue huma tribuna tudo entalhado como mostra a planta do rascunho e petipe della que vai asignado tanto por elles outorgantes como pelo dito mestre que para tudo isto aponta os apontamentos que fes Damião da Costa e Amaro da Gram em caso que apareção sendo comedidos com a planta se seguira a forma delles e não aparecendo se seguira a forma da mesma forma da planta que esta feita e a tribuna desta planta tera mais de dous palmos de que antes hera de vão para tras e mais levara quatro colunas inteiras sem embargo de faserem duas na planta…” (Idem, nº 214, fls. 66-66vº).

44 ADB, Notarial de Esposende, nº 206, 1696, Maio 17, fls. 219 e ss.45 AHME, nº 156, Livro dos Acórdãos 1680, 1702, Abril 17, fl. 20vº.46 AHME, nº 123, Livro da fabrica e despesas d’ella desde 4 de Agosto de 1670 até 8 de Julho de 1706, despesas

de 1697, fl. 81vº: “Item despendeo para hũ carpinteiro de fazer o taburno para ho altar de São Gonsallo…”. Sobre a sua localização, ver AHME, nº 156, Livro dos Acórdãos 1680, 1702, Julho 1, fl. 21vº.

47 AHME, nº 156, Livro dos Acórdãos 1680, 1702, Dezembro 12, fl. 22vº.48 AHME, nº 156, Livro dos Acórdãos 1680, 1704, Janeiro 22, fl. 29vº.49 AHME, nº 156, Livro dos Acórdãos 1680, 1704, Fevereiro 16, fl. 30.

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A imagem da Senhora da Piedade está hoje na capela-mor, num nicho-altar do lado do Evangelho. Em 1771-1772, volta a ser referida:

(…) Para o pintor de encarnar a jmagem do Senhor Ecce Homo e Nosa Senhora da Piedade e Senhor da Prasa face pees e mans do Senhor dos Passos des mil reis.

Para quem concertou a coroa do senhor Ecce Homo e os dedos do Senhor que esta nos braços da Senhora da Piedade e coroa quinhentoa reis (…)50.

O Senhor da Praça, como já foi referido, é o Cristo da capela dos Mareantes: essa designação pode ter-se ficado a dever ao facto de estar axialmente colocado, frente à porta travessa da igreja, que abria para a praça municipal da vila. Essa invocação já estava em uso no século XVII, quando um patacho de Esposende se chamava “o Bom Jesus da Praça” (COSTA, 2009: 63). Se entre as igrejas de Misericórdia e o espaço público urbano existe uma fortíssima indexação, essa designação concede à relação um extraordinário suplemento de fluidez.

A esses retábulos e imagens deve-se ainda acrescentar o altar-mor, com a Virgem da Misericórdia, e o altar de São Gonçalo já referido, que é ainda mencionado em 177351; por conseguinte, se a cada uma das imagens correspondesse um altar próprio, a igreja deveria ter seis. Em 1742, contudo, só é assinalada a existência de quatro52. As imagens que não tinham altar eram a do Senhor dos Passos e a do Ecce Homo; em 1754-1755, porém, dá-se notícia de um pagamento aos “pedreiros que abriram o lugar para a obra do Senhor dos Passos e a fizeram….”. Seguem-se várias despesas com essa obra e, finalmente: “Item para os carpinteiros que assentaram o retabolo do Senhor dos Passos altar e banqueta telhedar a torrinha e varios concertos coatro mil e cem reis…53. Em 1758, quando do inquérito do padre Luís Cardoso, existiam na igreja cinco altares: Nossa Senhora da Misericórdia, Nossa Senhora da Piedade, São Gonçalo, Senhor dos Passos e o da capela do Bom Jesus com a imagem do Cristo Crucificado (LOSA, 1985:67-68 e 99-100). O Ecce Homo, por conseguinte, continuava sem altar e uma imagem que o representa encontra-se actualmente no museu anexo à sacristia. A imagem de São Gonçalo, por sua vez, seria substituída, no último quartel do século XVIII, pela da Senhora de Dores, que ainda hoje se venera no altar do corpo da igreja do lado da Epístola (COSTA, 2009:94). Num livro de despesas setecentista, consta

50 AHME, nº 124, Livro onde se achão descritos os legados para as missas e de outras despesas desde 2 de Julho de 1706 athe 9 de Agosto de 1775, fl. 132, relativas ao ano económico de 1771-1772, sendo provedor Gaspar Vilas Boas.

51 “Item para tres pares de cortinas de damasco vermelho para o altar mor Sam Gonçallo e Senhora da Piedade com todos os aparelhos cento e trinta e cinco mil e quinhentos reis” (AHME, nº 124, Livro onde se achão descritos os legados para as missas e de outras despesas desde 2 de Julho de 1706 athe 9 de Agosto de 1775, fl. 136, despesas relativas ao ano económico de 1773-1774, sendo provedor André Homem de Faria.

52 AHME, nº 156, Livro dos Acórdãos 1680, 1742, Agosto 26, fl. 126.53 AHME nº 124, Livro onde se achão descritos os legados para as missas e de outras despesas desde 2 de Julho de

1706 athe 9 de Agosto de 1775, despesa de 1754-1755, sendo provedor o padre Manuel de Vilas Boas Pereira, fl. 100vº. M.M da Silva Costa refere a abertura do nicho, mas não indica a data em que ela correu nem a origem documental dessa informação (COSTA, 2009:88).

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o seguinte apontamento: “Para a jmagem de Nossa Senhora das Dores breve e a quem a foi buscar a Braga nove mil setecentos reis”54.

Um conjunto iconográfico diacrónico, mas coerente

A igreja da Misericórdia de Esposende foi intervencionada ainda no século XIX, conforme reza a inscrição da parede do lado da Epístola: as obras concluíram-se em 8 de Dezembro de 1893. O seu espaço interior, contudo, não foi muito alterado; para além da capela dos Mareantes, frente à porta travessa que abre na costã do lado da Epístola para a Praça do Município, alberga os seguintes retábulos: no corpo da igreja, do lado do Evangelho e entre o púlpito e a capela-mor, o altar do Senhor dos Passos, anteriormente da Senhora da Piedade; frente a este, o da Senhora das Dores, anteriormente de S. Gonçalo. Na capela--mor, do lado da Evangelho, o altar da Senhora da Piedade, anteriormente do Senhor dos Passos e, axialmente, o retábulo-mor com a Senhora da Misericórdia. Este último, embora transformado no século XIX, ainda mostra as arquivoltas, as colunas e as peanhas da obra original de Damião da Costa de Figueiredo; é, aliás, semelhante ao que o mesmo ensam-blador desenhou para a Igreja Matriz da vila, que mantém o dourado que na Misericórdia foi substituído pelo branco. A tela de enrolar, pintada com a Mater Omnia, é obra bem posterior ao retábulo de Damião da Costa.

Vimos que o altar do Senhor dos Passos foi executado no ano económico de 1754-1755. No local onde se localizava, que abre posteriormente para o vão da escadaria de pedra que acede ao campanário e ao primeiro piso, sobre a sacristia, onde se situa a sala do consistório, está hoje, como se referiu, a Senhora da Piedade. Segundo M.M. Costa, o nicho do Senhor dos Passos abria para o exterior, expondo-se à veneração dos pescadores que se dirigiam para a sua faina. Uns degraus, descobertos recentemente e soterrados debaixo da escadaria, provariam essa ideia. Ainda segundo o mesmo autor, essa veneração seria interrompida quando, em 1798, se construiu o campanário para o sino que ainda hoje existe (COSTA, 2099:88-89), o que poderá ter originado a troca com a Senhora da Piedade, até aí na nave. Existem, porém, referências à construção de um campanário anterior a essa data, provavelmente no lado esquerdo da fachada55.

A talha do antigo nicho do Senhor dos Passos, hoje da Senhora da Piedade, feita de enrola-mentos vegetalistas, é estilisticamente apropriada à época, meados do século XVIII, em que foi executada. Ainda na capela-mor, os dois anjos tocheiros barrocos são de proveniência

54 AHME, nº 124, Livro onde se achão descritos os legados para as missas e de outras despesas desde 2 de Julho de 1706 athe 9 de Agosto de 1775, despesa do ano 1774-1775, fl. 139.

55 No ano de 1758-1759 há despesas importantes com uma obra de pedreiro e carpinteiro no “torreom do sino” (AHME nº 124, Livro onde se achão descritos os legados para as missas e de outras despesas desde 2 de Julho de 1706 athe 9 de Agosto de 1775, fl. 11vº) que pode relacionar-se com a construção da escada por onde se acedia ao Senhor dos Passos, ao primeiro piso do consistório, sobre a sacristia, e ao campanário. Este último, porém, datava provavelmente da campanha do mestre João Martins, concluída em 1685, pois é feita então referência expressa a despesas com o “campanario do sino” (AHME, nº 123, Livro da fabrica e despesas d’ella desde 4 de Agosto de 1670 até 8 de Julho de 1706, fl. 47).

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desconhecida. As frestas do lado do Evangelho, bem como o entablamento onde assentam os caixotões da abóbada, mostram vestígios de pintura, que poderá ter sido originalmente o “brutesco” que se mandou executar em 1702; um lambril de azulejos de padrão reveste as paredes laterais.

Na nave, os dois retábulos que originalmente foram da Senhora da Piedade e de S. Gonçalo são aparentados, embora o do lado da Epístola pareça um pouco mais antigo, com colunas-atalantes de rude e vigorosa execução que suportam a arquivolta única de um ainda incipiente “estilo nacional”; da obra de Damião da Costa resta ainda na nave o púlpito de balaústres, assente numa poderosa mísula vegetalista, já que o actual coro é muito posterior.

A capela dos Mareantes é o mais interessante e original conjunto da pequena igreja. Tem revestimento de talha dos séculos XVII (na sua maior parte) XVIII e XIX, o mais antigo com grotescos, ainda com motivo ornamentais “flamenguistas”, que deve ter sido a obra, pintada por Martim de Araújo e o “pintor de Viana”, referida nos livros de despesas. Na abóboda, os caixotões em madeira pintados em branco são ocupados pelas figuras em relvo, também de madeira, dos doze profetas messiânicos, agrupados em três grupos de quatro, cada um deles correspondendo a um anel de compartimentos. Do primeiro grupo, junto do arco da entrada, constam Oseias, Joel, Amós e Micheas (Miqueias). O segundo, central, é ocupado por Isaías, Nahum, Jeremias e Ezequiel; o terceiro, ao fundo, integra Daniel, Ageu, Zacarias e Malaquias. Cada um dos profetas ostenta na mão uma cartela flamenga em que se lê o seu nome e, sobe ela, um versículo das respectivas profecias. De formas compactas, com as vestes policromadas e douradas, os rostos barbudos rodeados por espessas cabeleiras negras, parecem originários de gravuras flamengas ou do norte da Europa e a sua execução é de qualidade díspar.

Com uma certa rispidez hirsuta dos profetas contrasta, na abside fundeira, a doçura do excelente Cristo Crucificado. Maneirista, de feições finas, delicadamente idealizadas e pro-nunciado alongamento das formas do corpo envolto por um cendal atentamente cinzelado, será um bom exemplo da qualidade da escultura que se praticava nas oficinas do Porto da época. Ela é quase desconhecida, por falta de exemplares sobreviventes, da história da arte portuguesa; a enorme competência de João da Fonseca poderá ajudar a fazer com-preender melhor a figura do grande escultor, formado no Porto coetâneo, que foi Manuel Pereira. O crucifixo ergue-se contra um painel de madeira, relevada e policromada, em que se desenhou uma mandorla de raios, esculpidos em meio relevo, cercada por cabeças de anjos, alguns deles transportando os instrumentos da Paixão. A mandorla, os, raios, os anjos e o espaço em que se movem, marcado por pequenas ondulações da madeira, representam a Jerusalém Celeste; em plano inferior, parcialmente ocultas pela colocação de um altar posterior, talvez resultado já da intervenção dos finais do século XIX, depois de em 1773 se ter decidido o alteamento do primitivo, “…mais dous degraos do que esta

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por se achar muito baixo e aquanhado visto ter aria para hiso e ficar mais vistoso…”56, recortam-se as construções da Jerusalém terrestre de onde emerge o Crucificado.

Como já reparara o padre Manuel Baptista de Sousa, é notório que o Cristo não foi esculpido pelas mesmas mãos que lavraram as restantes imagens da capela (SOUSA, 1980:223); neste grupo inclui-se a Mater Dolorosa, ao seu lado esquerdo e, à direita, S. João Evan-gelista, esculpidos em vultos possantes. O seu carácter monumental e a expressividade torsa dos corpos e das mãos associa-os com a obra de Gonçalo Rodrigues, que desde pelo menos 1594 era escultor privativo do arcebispo D. Agostinho de Jesus57, em colaboração, talvez, com o seu filho João Rodrigues, o Bicudo, e outros oficiais, como adianta Vítor Serrão (SERRÃO, 1998; 160-161). O painel do fundo, em forma de abside, foi, já em época avançada do século XVIII, cortado lateralmente para aí se colocarem quatro nichos, rodeando o motivo central do Cristo e da Jerusalém Celeste, em que erguem, também em vulto, os sacerdotes do Antigo Testamento: à esquerda, em cima, David e, sob ele, Aarão; à direita, pela mesma ordem, Moisés e Melquisedeque.

Sobre os dois altares colaterais da capela abrigam-se, em dois nichos embutidos, painéis de madeira relevada e policromada, idênticos ao da abside. O do lado da Epístola representa o Encontro de Jesus com a Pecadora Samaritana junto do Poço de Job e, frente a ele, do lado do Evangelho, o Encontro de Cristo com Zaqueu. Neste, destaca-se em segundo plano um personagem, com um ceptro na mão, preparado para ser coroado; trata-se do Duque de Bragança D. João, em vias de se tornar o rei D. João IV, representação que confirma a cronologia atrás adiantada para a capela (fig.5). Este retábulo é um exemplo do surto nacionalista que atravessa a arte minhota da época e tem um dos seus mais conhecidos exemplos nos painéis do antigo retábulo da Colegiada de Guimarães que se conservam no Museu Alberto Sampaio.

56 AHME, nº 156, Livro dos Acórdãos 1680, 1734, Abril 26, fl. 97vº.57 Activo entre 1577-1613, Gonçalo Rodrigues viveu e trabalhou em Braga como escultor privativo do arcebispo

D. Agostinho de Jesus (Arquivo Distrital de Braga, Indice do Cabido volume 1, nº 35, Lembrança das obras em que o arcebispo de Braga D. Frei Agostinho de Jesus despendeu o dinheiro do sinodático. Ano de 1594, fl. 91).

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Fig. 5: Painel do nicho do lado do Evangelho da Capela dos Mareantes, em que se vê, em segundo plano, a coroação do Duque de Bragança D. João (fotografia de José Ferrão Afonso).

Sobre os nichos que abrigam os painéis colaterais, vêem-se duas pinturas a óleo sobre madeira: a do lado direito representando a Agonia do Horto, a do lado esquerdo a Queda a Caminho do Calvário. Ambas integram um conjunto acrescentado, do lado da Epístola, pela Flagelação e a Prisão e, do lado do Evangelho pela Coroação de Espinhos e o Ecce Homo. As pinturas partilham do ambiente já penumbrista que se desenvolve na pintura portuense após a estadia de Diogo Teixeira na cidade, no início da década de 90 do século XVI. Pela análise in situ, cotejada com os dados fornecidos pela documentação, pode-se depreender que existiu uma primeira capela, para a qual João da Fonseca executaria o Cristo em 1599. As pinturas, segundo Maria Augusta de Sousa Araújo, seriam ligeiramente posteriores e atribuíveis a Domingos Lourenço Pardo, com uma cronologia entre os anos de 1615-1620 (ARAÚJO, 1995:77-78). Contudo, também se pode colocar a hipótese do seu autor ser

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Francisco Correia, não só pela assinatura constante do contrato efectuado entre João da Fonseca e o provedor Jerónimo Dias, mas também por algumas características, como por exemplo o desenho dos rostos, o que as tornaria contemporâneas do Crucifixo. Em qualquer dos casos, os dois painéis mais próximos do altar, colocados sobre os nichos, tiveram de obrigatoriamente ser adaptados a eles. Igualmente coetâneas do Senhor, ou ligeiramente posteriores, deverão ser as duas imagens, da Mater Dolorosa e de São João, atribuíveis a Gonçalo Rodrigues.

Mais tarde, a capela, juntamente com a igreja, será alteada; o seu abobadamento, con-tudo, deve ter datado de uma campanha posterior. Desse modo, os painéis em relevo da abside e dos nichos laterais, os profetas nos caixotões e a talha terão sido colocados após a execução da abóbada. Não é impossível que a sua autoria se deva ao imaginário Gonçalo Francisco, apesar do seu litígio com a confraria em 1642; quanto à obra de arquitectura, poder-se-á atribuir ao mestre António Fernandes Vieira. Martim de Araújo e o desconhecido pintor de Viana devem ter tido a seu cargo a sua policromia e, também, muito provavel-mente, o douramento. Assumidamente oitocentistas são os lambris de azulejos relevados azuis e brancos que revestem lateralmente as paredes da capela: eles devem datar já da intervenção concluída em 1893.

Conclusão

A igreja da Misericórdia de Esposende não foi um projecto unitário: a sua planta definitiva resultou de um conjunto de intervenções que se processaram até os finais do século XVIII. A iconografia dos altares é, contudo, aparentada à das suas congéneres; o elemento estranho era a imagem de S. Gonçalo, que seria retirada nos finais do século XVIII. Destaca-se, no conjunto, a capela dos Mareantes, que, como a igreja, se foi organizando iconograficamente, desde os finais do século XVI até Setecentos; o objectivo, como noutras igrejas da Mise-ricórdia, foi conseguir-se uma arte total, incluindo, pintura, escultura, imaginária e talha, ao serviço da representação de um dos temas favoritos da confraria, a Paixão de Cristo.

Apêndice documental

Doc. 1

Despesas relativas à execução da bandeira

AHME, nº 120, Livro da despesa e recibo desde 1624 e findo em 4 de Junho de 1633, fl. 51 vº).

“Loguo ficou encarreguado ao padre Hieronimo Dias escrivão que então servia que ara-cadase estes votos e correse cõ o fazer da bandeira, a qual se mandou fazer en Bragua a Francisco Soares pintor e veo no anno de 97 sendo provedor o padre Hironimo Dias en dia da Misericordia

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Fes de custo o seguinte

Item ao pintor por pintar a bandeira sete mil reis 7000

Item de pano para a bandeira quinhentos reis 0500

Item dos ferros trezentos e trinta 0330

Item de frãja trezentos e vinte 0320

Item de cordão de retros cem reis 0100

Item de hũa haste e hũa cruz quatrocentos e sincoenta 0450

Que tudo soma oito mil e novecentos e sesenta reis e por tudo passar na verdade fes este por mim assinado. Mes de Outubro ano ut supra.

Hieronimo Dias”.

Doc. 2

Acórdão sobre o retábulo-mor.

AHME, Accordaons e Eleeiçoens 1597-1676, 1601, Maço 4, s.n.fl.

“Aos 4 de Março de 601 se fes cabido nesta Santa Caza da Miziricordia desta villa d’Espozende e se apreseñtou hũa quarta do maginairo Balltaza Moreira morador na villa de Viana eñ que dezia que queria fazer o retabollo que nesta caza estava detremynado a se fazer por preso de 14500 e porquanto nos tinhamos enformados não no (sic) aver quem o fizese cõ a perfeição que delle esperamos por menos este preso ordenaro que se dese ao dito Balltazar Moreira pello dito preso e por asi nos parecer bē de o elle fazer por não acharmos outro mais barato lho demos e ēcareguamos ao provedor Gironimo Dias fosse fazer cõ elle obriguasão e por se pasar todo na verdade fizero este por nos asinado eu Antonio Doniz que o escrevi na azẽsia do escrivão Matias Lois dia e mes e ano asima declarado.

O provedor Hironimo Dias

Gaspar Gonçalvez (…)”.

Doc. 3

Acórdão sobre o forrar da igreja

AHME, Accordaons e Eleeiçoens 1597-1676, 1613, Março 17, fl. 61vº.

“Aos desasete dias do mes de Março de mil e seiscentos e treze anos na caza do cõsistorio da Santa Mizericordia por estar ja acordado cõforme os termos atras escritos se dese o foro da igreja desta Mizericordia pelo que foro chamados os ofisiai (sic) para que aquele que mais barato o fizese se dese por Francisco Gonçalvez mestre natural (sic) o fazer mais barato se lhe deu o qual se obrigou por este a forar a dita caza de emguado na forma que esta o terso sobre o altar da Senhora e mudar o terso que esta feito para sima do coro ou para onde

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milhor nos pareser cõ seus caibaros e mais prefeisois que aqui am por expresas como fique a guosto do provedor e mais hirmãos isto so de mãos que a madeira dara provedor e mais hirmãos ysto por preso de sinco mil reis a qual obra se obriguou a fazer ate quinze de Maio dando deus tempo para abrir a dita obra e loguo resebeo ao fazer deste mil reis ẽ pagua e sinal e por hum e outros asi o detriminar e serem cõtentes e se obriguarõ ao cõprirem como dito e mandaro a mĩ Duarte Toscano escrivam da meza que este fizese o qual fiz dia (fl. 62) e mes asima declarado e assinarão e o asinarõ comigo escrivão. Duarte Toscano

O provedor Hieronimo Dias (…)”.

Doc. 4

Acórdão sobre o dinheiro deixado por Gaspar Dias, destinado a uma imagem de Cristo

AHME, nº 155, Livro dos Acordaons e Eleeiçoens 1597-1676, s.n. fl. Referido em COSTA, 2009: 14.

“Aos des dias do mes de Janeiro de 99 anos estando em meza em cabido o provedor e mais jrmãos abaixo asinados ordenarão e treminarão porquanto estava hum escrito no tezouro em que se prometeo por parte de Gaspar Dias des mil reis a esta caza ou hũa pessa que os valesse e o dito Gaspar Dias declarar ser sua devasão querer dar este dinheiro para hũa imagem de Christo pedirem alguns votos polos irmãos pera ajuda desta jmaiem e prepa-ramento da capela os quais votos vão assentados em ho livro que serve de se assentarem as obras da caza as sinquo folhas e de tudo mandarão fazer este termo aonde assinarão e eu Pero Bello Pereira escrivão da caza o fis.

Pero Bello Pereira

Hieronomo Dias (…)”.

Doc. 5

Contrato entre o provedor Jerónimo Dias e o imaginário João da Fonseca para a escultura da imagem do Cristo Crucificado e despesas relativas à sua execução e transporte.

AHME, nº 121, Livro do recibo e outros apontamentos em 1633 até 1637, fl. 49.

“Diguo eu João da Fonsequa maginario morador nos Quanos desta cidade do Porto que he verdade que eu me cõcertei cõ ho padre Jeronjmo Dias morador na villa d’Esposende para lhe fazer hũa Jmagem de hũm Cristo crocifiquado de tamanyo de oito palmos cõprida e aquabada ẽ preço de omze mjll reis – 11000 reis a quoall jmaje darei feita a tempo que se posa pimtar para servir nas endoenças deste presemte ano de 99 anos e loguo em quomeço de paga recebi a boa cõta dez cruzados – 4000 reis e a demasia que falltão para os 11000

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reis me darão no qua diguo semdo a dita jmajem aquabada e me hobriguo eu João da Fonsequa que não sendo a dita imagem a sua vomtade a lhe tornar seu sinall sem mais ser ouvido nẽ citado para o dito cõtrato e hobriguação e asy eu João da Fomsequa quomo elle padre Jeonymo Dias nos hobrigamos a cõprir este asinado e queremos que valha quomo se fose escritura publica e quoallquer de nos renociamos joiz e joizes de noso foro e outra quoallquer liberdade a que nos posamos chamar e respomder diãte as justisas desta cidade para o que hambos hobriguamos nosas pessoas bẽns moveis avidos e tudo cõprir e não me dãodo a dita jmajem no tempo acima decllarado me tornara meu dinheiro cõ has cllausullas acima declaradas. Feito hoje treze dias de Fevereiro da dita hera acima. Testemunhas (fl. 49vº) que presentes estavão ao fazer deste ho padre Pantallião Francisco e Francisco Correa e Manoell Soares e eu Jorge Vieira (…)58 de ouro morador nesta cidade do Porto (…)59 fiz a rogo de ambas partes e assinei como testemunha.

Jorge Vieira

Joam da Fonsequa

Francisco Corea

Pantalião Francisco

Hieronimo Dias

Manuell Soares.

(fl. 50)

Item fese a imagem do Christo no Porto por Joam Ferreira da Fonsequa foi pintada na mesma cidade por Pedro de Oliveira

Veo a imagem do Christo para esta caza aos seis dias do mes de Abril de mil e quinhentos e noventa e nove annos e se fes de gasto o seguinte

Item ao jmaginario (...)60 o fazer onze mil reis

Item ao jmaginario de pintansa seiscentos e des

Item da Crus quinhentos e corenta reis

Item dos cravos para cruz quinhentos reis

Item de huma caixa para vir o Christo mil reis

Item ao pintor de o pintar dous mil e setecentos reis

Item da cavalgadura que trouxe o Christo seiscentos reis

Item de quem trouxe a cruz por não poder vir tudo cento e oitenta

58 Ilegível, documento deteriorado.59 Idem.60 Ilegível, palavra rasurada.

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Item de quando forão dar o Christo e de quando o forão dar a pintar trezentos e corenta e quatro reis

Item de quem foi busquar o Christo de seu gasto e de quem o ajudou e papel e outras cousas que se comprarão para vir seguro o Christo quatrocentos e setenta e dous reis”.

Doc. 6

Acórdão sobre a nova bandeira

AHME, nº 136, Livro dos Devedores por escriptura (…) 1646, 1643, Novembro 19, fl. 20vº

“Aos vinte he nove de Novembro de seiscentos he corenta he tres anos estamdo em meza o provedor he mais irmãos desta caza da Samta Miziricordia tomaro contas ao tezoureiro Francisco Lois Moreno he acharo ser remido ate hoie segundo parese dos iteis atras tres mil sento he trinta he sinco reis he hachou se ter de despeza segundo parese em duas livras de sera he das misas que tem hobrigasão de mandar dizer esta santa caza em cada hũ ano por os bemfeitores dela he outras depezas meudas tres mil he sento he tres reis que abatidos de tres mil he sento he trinta he sinco reis resta ha dever a caza trinta he dous reis he por a bamdeira da Santa Mizircordia estar ia mui danificada porpos ho provedor de como era nesesario fazerse outra que sirvise pera a porsisão dos Santos Pasos he pera ho enteramento dos irmãos do sento he suas mulheres somente coando Deus os levar desta vida prezente he que queremdo algũa pessoa que não seia irmão enterar se cõ hella que não haia de sair haho emteramento se não derem sinsco tostois de esmolla he por todos os irmãos virem nisso oredenaro se vendesem vinte alqueires de trigo do que ha na caza pera se poder dar ao pintor he logo o mandaro chamar para a meza Martim de Arahugo ho qual veio em ha fazer em sete mil reis he que outros sete porque mais fez a de Vila do Conde que vem a ser catorze (fl. 21) helle os perdoaria he ha queria fazer por ser morador nesta villa he hos dava de esmola cõ declarasão que ho aseitase por irmão desta Santa Caza he por todos virem niso assim provedor he irmãos com ho dito pimtor he de como tomaro as comtas neste termo atras declarado asinaro aqui he heu Gregorio Barboza escrivão da danta caza ho escrevi. Gregorio Barboza

O provedor Domingos Tavares d’Araujo

Francisco Luis Moreno

Guaspar Pires (…)”.

Doc. 7

Acórdão sobre as novas insígnias.

AHME, nº 156, Livro dos Acordãos 1680, 1721, Fevereiro 15, fl. 66. Referido em COSTA, 1988;37-38.

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“Aos quinze dias do mes de Fevereiro do anno de mil setecentos e vinte e hum anos nesta villa de Esposende e caza do cabido da Mizeircordia della onde estava o reverendo provedor e mais deputados da meza ahy acordarão que visto ter se mandado fazer seis insignias novas para servirem nas procisoens de Passos e quinta feira mayor na procissão de noite como esta casa he obrigada fazer pello compromisso como consta do acordão atras folhas sessenta e tres, e achar se que as ditas seis insignias que andão fazendo não incluem nem contem todos os passo da paixão de Christo Senhor Nosso acordarão se mandasse fazer logo mais hũa insinia para que sendo sette figurassem os sette pasos estas sette bandeiras em cujas pinturas que são quatorze paineis ficassem exprimidos e debuxados os sette pasos principais da jornada de Christo Nosso com a cruz ao hombro e tambem os principais pasos de sua sagrada paixão que sofreo na noite antes do dia de morer e porque acharão os ditos deputados e provedor ser conveniente para perfeição da obra se fizesse mais hua insinia resolverão se mandasse fazer pello mesmo oficial com as figuras que apontar o reverendo provedor e de como assim diserão e acordarão se fes este termo que asignarão comigo provedor que este fis pello impedimento da infermidade que padece o escrivão da caza Francisco da Costa Lago: dia mes e anno ut supra.

Manoel Barboza Vogado

O Provedor Manoel Monteiro e Morais (…)”.

Doc. 8

Acórdão sobre a urgência de se concluírem as obras na capela do Santo Cristo

AHME nº 136, Livro dos Devedores por escriptura (…) 1646, 1652, Julho 4, fl. 81.

“Aos quatro dias do mes de Julho de mil e seiscentos e simcoenta e dous annos estamdo em mesa o provedor e mais yrmãos da messa abaixo assinados asim novos como velhos os quais asim novos como velhos vierão a faser cabido sobre as obras que se fasem na capela do Santo Christo desta Santa Casa e porcamto Antonio Fernandez Vieira estando travalhando os offisiais travalhando na dita obra disse se queria hir porque não tinha dinheiro pera pagar aos ofissiais totalmente digo e os oficiais se querião hir por lhe não pagarem ao que acudio o provedor e mais jrmãos e lhe requirio ao dito Antonio Fernandez tratasse de acabar a obra comforme a sentensa da suppiliquasão e o mandou notificar por hũ despacho do juis ordinario desta villa a que o fissesse e disse elle provedor e mais yrmãos aos offissiais que se não fossem e travalhasem na dita obra athe se mandarem coraselhar (sic) com a semtemssa que contra elle ouverão e que elle (fl. 81vº) des os catro deste presemte the antão lhe pagarião os jornais a comta da Samta Casa de que mandarão fasser este termo dia mes e anno ut supra. E loguo apareseo em messa o reverendo padre Bertholameu Ribeiro Villas Boas o quoal com muita humildade pidio a elle provedor e mais yrmãos o aseitasem por hirmão desta Samta Casa e que de emtrada se obrigava a disser a cappella este anno de seissemtos e simcoemta e dous the o de simcoemta e tres de grassa o que visto por elle

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provedor e mais jrmãos e achando nelle as parttes requisittas ho aseittarão e mandarão fazer este termo em que se asignarão eu padre Paullo Monteiro escrivão da Samta Casa o escrivi dia mes e anno ut supra

O provedor Manuel Martinz Vilas Boas (…)”.

Doc. 9

Acórdão relativo à obra de carpintaria da igreja

AHME, nº 122, Livro do recibo e algumas despesas desde 14 de Dezembro de 1653 até 7 de Junho de 1664, 1667, Janeiro 31, fl. 60.

“Aos trinta e hũ de Janeiro de 1667 estando o provedor en mesa e os mais irmãos acor-darão se concertase a casa que estava para cair e logo decidirão chamar João Domingues carpimteiro de Prelhal e afeitoarão com ele de asnaria e paineis em preso de noventa mil reis a qual escritura fes Manuel Machado escrivão desta villa e loguo ao fazer da escritura lhe derão ao dito carpimteiro trimta mil reis pera os cais deu Antonio Andre tesoureiro do Sancto Christo desasete mil reis que o dito deposito devia a esta casa e João Manuel por ora provedor nove mil reis que tinha em sua mão como consta dos termos atras e os coatro que faltão deu os o tesoureiro Antonio Barbosa que se levarão em conta nas primeiras que ele tivera. He eu Francisco de Villas Boas escrivão ho escrevi.

O Provedor João Manuel Lisboa (…)”.

Doc. 10

Acórdão relativo a um empréstimo necessário para correr com as obras

AHME, nº 156, Livro dos Acórdãos 1680, fl.9

“Declaração do dinheiro que emprestarão o provedor e jrmãos a Santa Casa com obrigação de redito.

Aos trinta dias do mes de Julho de mil seiscentos e outenta e dous anos estando em menza o provedor e irmãos desta Santa Caza acordarão o seguinte. A saber que as obras della se fação na forma da planta e apontamentos a qual planta esta em poder do mestre pedreiro João Martinz o qual assignou aqui de como a tinha e se obrigou a dar conta della quando lhe for pedida e outrosim que a Santa Casa não tinha de prezente dinheiro para se continuar com as ditas obras que por essa causa estavão a risco de perderem se o que attendendo eram contentes que em quanto se não achava dinheiro a juro e não acrescia o das rendas quada hum emprestase para as ditas obras dez mil reis com condição que achando se o dinheiro a juro ou havendo das rendas seriam preferidos no pagamento sem embargo de qualquer falta que se considere e do dito emprestimo se fara verba de quada hum destintamente em hum livro que para iso esta dedicado assignado por quem recebe e

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quem paga para que conste e não haja duvida e de como assim o houveram por bem e se obrigaram por suas pessoas e bens ao dito emprestimo com a mesma condiçãoo sem falta algua e asignarão aqui de que mandaram fazer este termo. Eu João Fernandes Villas Boas escrivão da caza o sobscrevi.

O provedor Manuel Caminha e Morais

Joseph do Valle (…)”.

Doc. 11

Acórdão sobre o painel da Misericórdia

AHME, nº 156, Livro dos Acórdãos 1680, 1694, Julho 21, fl. 14vº

“Aos vinte e hum dias do mes de Julho de mil seiscentos e noventa e coatro annos estando em mesa eu escrivam e os irmaons da mesa que se acharam presentes e os maes do cento abaixo asignados que foram chamados para ver se estava a obra de jmaginario capas para se aceitar por todos o andarem dizendo não estava capas conforme os apontamentos e risco e se via claramente os defeitos que tinha os quaes (…) 61 mente diseram não estava a dita obra de imaginario emquamto ao painel excepto as imagens da visitaçam e dous anjos que estam por acomodar não estava o dito painel que bem a ser da Misericordia capas para a dita obra se meter que corese a mais de emtalhador athe ver se ella tinha algum erro sem se emcaixar o dito painel do meyo obra de imaginario e se mandasse noticia ao mestre João Barbosa da cidade de Braga o mandase buscar e viese ou mandase obra que fosse comforme os appontamentos e disto e de como assim determinaram assignaram aqui e eu padre Sebastiam de Villas Boas secretario desta santa casa o escrevy e assignei.

Padre Sebastiam de Villas Boas (…)”.

Doc. 12

Novo acórdão sobre o painel da Misericórdia

AHME, nº 156, Livro dos Acórdãos 1680, 1694, Julho 21, fl. 15

“Aos quatorze dias do mes de Dezembro do anno de mil seiscemtos e noventa e coatro annnos nesta villa de Espozende cazas da Misericordia della aonde se costuma fazer cabido estando em meza o provedor escrivão e jrmãos da (fl. 15vº) mesa do sento que para o efeito de se decidir aquillo que convinha a ditta casa foram chamados que abaixo assignaram e disseram todos uniformemente propondo se lhe a desformidade das pedras das sepulturas da dita Santa Casa como tambem humas grades indecentes que estavam na capela do Bom Jesus que não eram capases para estarem na ditta capela e juntamente que tinham hum retabollo na capela maior que não estava conforme aos appontamentos e risco que era

61 Ilegível por o documento estar deteriorado.

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necesario a vista do risco se louvarem para verem como se haviam de aver com o imaginario sobre a obra que tinha feito por parecer não estar como a planta. E acordaram todos que todos aquelles que tinham sepulturas na dita Santa Casa que chamavam suas sem pedra ou campa lhas pusessem por todo o mes de Janeiro proximo de noventa e sinco com penna de ficarem devolutas para a dita Santa Caza ainda que aos officiaes della estivessem compradas nan tendo titollo corrente e de se porem a custa da Sancta Casa para dellas fazer o que mais convier a utilidade della e que as grades que estavam na dita capela do Bom Jesus se tirassem fora por não serem capases para estar na ditta capela que estam no meo e fosse obrigado o entalhador Damiam da Costa de Braga que fizera o retabollo de talha para que entregasse os apontamentos e risco para se louvarem a vista delle sobre a obra de imaginario por não estar conforme se deu e de como assim o disseram hacordaram assignaram aqui. Eu o padre Sebastiam de Villas Boas escrivam desta sancta confrarias o escrevi.

Manuel Andre Morais (…)”.

Doc. 13

Despesas com o vidraceiro José Ferreira, o entalhador Damião da Costa Figueiredo e o imaginário João Barbosa

AHMB, nº 124, Livro onde se achão descritos os legados para as missas e de outras despesas desde 2 de Julho de 1706 athe 9 de Agosto de 1775, fl. 2.

“Despesa da renda imposiçam que Sua Magestade concedeo para as obras da Santa Casa da Misericordia desta vila.

Começou a despesa no anno de 92.

Item dispendeo o padre Francisco Ferreira Asamor para o vidraceiro Joseph Ferreira da cidade de Braga trinta e sete mil e quinhentos que custaram as vidraças como consta de huma paga e escriptura 37.500

Item dispendeo mais o dito padre secretario da Santa Casa para o imaginario João Barbosa da cidade de Braga a conta da obra que tem tomado para as figuras do retabolo trinta mil reis como consta de huma paga que dado o sobredito temos 30.000

Item dispendeo o thesoureiro Manoel de Vilas Boas Paixam trinta mil reis para o entalhador Damiam da Costa e Figueiredo da cidade de Braga a conta das obras que tem tomado desta Santa Casa como consta de duas pagas que temos do sobredito 30.000Item dispendeo o thesoureiro Manoel de Vilas Boas Paixam quinse mil reis para o entalhador Damiam da Costa e Figueiredo da cidade de Braga a conta das obras que tem tomado desta Santa Casa como consta de huma paga do sobredito 15.000

(fl. 2vº)

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Item dispendeo mais o thesoureiro Antonio Rodriguez de Sa thesoureiro da Santa Casa para o entalhador Damiam da Costa desasete mil reis que se lhe entregaram em dezassete de Junho por conta da obra como consta da paga do sobredito 17.000

Item dispendeo mais o dito tesoureiro Antonio Rodriguez de Sa para o imaginario João Barbosa da cidade de Braga a conta da obra vinte e hum mil reis a conta da obra que tem tomado como consta da paga 21.000

Item despendeo mais em vinte e hum de Julho o thesoureiro Antonio Rodriguez de Sa para o entalhador Damiam da Costa e Figueiredo da cidade de Braga catorze mil e coatrocentos e vinte reis a conta da obra 14.420

Item despendeo mais o dito thesoureiro Antonio Rodriguez de Saa para o entalhador Damiam da Costa para o coro e pulpito vinte mil reis como consta da paga deles escripta por mam do dito entalhador 20.000

Item despendeo mais o dito thesoureiro asima para o entalhador Damiam da Costa coatro mil e outocentos e sesenta reis como consta da paga delle 04860

Item despendeo mais o dito tesoureiro Antonio Rodriguez de Saa para o entalhador Damiam da Costa coatro mil seiscentos e setenta e dous reis 04672

Item despendeo mais por minha mam que eu entreguei ao dito Damiam da Costa entalhador da cidade de Braga eu o padre Sebastiam de Vilas Boas secretario desta casa dezouto mil e outocentos reis como consta da paga feita por mam do dito entalhador 18.800”.

Bibliografia

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José Ferrão Afonso

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José Ferrão Afonso

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Currículo do Autor

José Ferrão Afonso: Professor Auxiliar da Escola das Artes da Universidade Católica Por-tuguesa, Centro Regional do Porto e investigador integrado do grupo de Arte e Património do CITAR, sendo também Bolseiro de Pós-doutoramento da FCT, pós-graduação em que este artigo se inclui.

É ainda licenciado em História, variante da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade Católica Portuguesa, mestre em História variante da Arte pela mesma faculdade e douto-rado em Teoria e história da arquitectura pela Escola Técnica Superior de Arquitectura da Universidade Politécnica de Barcelona.

Contacto: [email protected]

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Escultura funerária de Cristo Jacente da colecção do Museu de

Santa Clara-a-Velha – tratamento estrutural

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Resumo

Neste artigo pretendemos analisar o tratamento de restauro de uma escultura polícroma, em calcário da região de Cantanhede, vulgarmente designado por Pedra de Ançã, per-tencente à colecção do Museu de Santa Clara-a-Velha, em Coimbra, em mau estado de conservação, multi-fracturada e multi-intervencionada com o objectivo de a reintroduzir no discurso expositivo a que pertence. De tema religioso e de modelo plenamente funerário, pretendeu-se restaurá-la de modo a ser exposta o mais próximo possível da forma como tinha sido originalmente concebida. No âmbito de uma intervenção muito complexa e cheia de desafios, a primeira etapa consistiu na busca de uma solução adequada para o problema da tampa que se encontrava seccionada em quatro fragmentos de dimensão razoável, os quais, por sua vez, se articulavam com os três elementos laterais (único apoio à tampa), para formar o conjunto túmulo onde jaz a figura de Cristo. Discutem-se com pormenor as opções e as decisões, bem como as dificuldades de realização encontradas.

Palavras-chave:

escultura, polícroma, túmulo, pedra; calcário, estrutura

Escultura funerária de Cristo yacente de la colección del museo de Santa Clara-a-Velha (Coimbra) – intervención en el suporte estrutural

Resumen

En este trabajo se describe el tratamiento de una escultura policroma en piedra caliza de Cantanhede, popularmente conocida Pedra de Ançã, multifracturada, y muy intervencionada, que evidenciava necesidad de restauración urgente -de cara a la reintroducción en su contexto expositivo. Concebida como escultura religiosa funeraria se pretendía su musealización como tumba, en la Exposición Permanente del Museu del Monasterio de Santa Clara-a-Velha, de Coimbra. En el ámbito de una intervención muy compleja y llena de desafíos, solventar el problema estructural de la tapa fragmentada en cuatro partes articuladas con los tres restantes elementos laterales (su único apoyo) del conyunto que forma la tumba donde se encuentra la yacente de Cristo, ha constituído la primera etapa del proceso. - Se discuten con detalle las opciones y decisiones por etapas y las condicionantes –de su realización.

Palabras clave:

escultura, policromada, tumba, piedra, caliza, estructura

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Funerary sculpture of Christ in tomb from Santa Clara-a-Velha (Coimbra) museum’s collection – structural treatment

Abstract

This paper aims to report the restoration treatment of a painted sculpture in Ançã’s limes-tone (Cantanhede region), from the Santa Clara-a-Velha museum’s collection (Coimbra), multi fractured and multi-intervened needing an urgent restoration. The main goal of this intervention was to give the tomb structural strength to make possible its return to the Permanent Exhibition. Conceived as a religious funerary model, an important outlined criteria has been its exhibition as a tomb. In the framework of a very complex intervention, the first challenge for the team was to solve the tomb´s cover problem, broken in four large pieces. The answering to this task was fundamental because the tomb´s cover formed an entire and articulated kit with the three remain parts, its main support.The several options and decisions are analysed and discussed, as well as the problems related with its implementation.

Keywords:

sculpture; polychrome; tomb; stone; limestone; structure

Introdução

Quanto à identidade desta peça, são poucas as informações sobre a sua autoria (ou o seu percurso longínquo), até ao momento em que é incorporada no acervo pertencente ao Museu Machado de Castro, acabando por ser cedida a título de empréstimo e a propósito da abertura ao público, ao Mosteiro de Santa Clara-a-Velha em 2008.

A escultura policroma denominada como “Cristo Jacente” é uma peça do século XVII com inúmeros problemas de conservação, de entre os quais se salientam os estruturais. Inter-venção de resolução complexa, que exigia condições técnicas inexistentes no laboratório de conservação e restauro do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, obrigou à deslocação da peça para o Instituto Politécnico de Tomar. A esta decisão somou-se a colaboração da empresa CaCO3 Lda. para que se conseguissem ultrapassar todos os obstáculos (os logísticos e os intrínsecos às suas condições de conservação), que se interpunham ao seu restauro. A intervenção que aqui se descreve (maioritariamente estrutural) teve uma duração de cerca de seis meses, ficando concluída a tempo da reinserção da peça no discurso expositivo deste núcleo museológico, que ocorreu a 4 de Julho de 2012, dia da Cidade de Coimbra.

Descrição da peça

As vagas referências existentes indicam que a peça, originária deste Mosteiro, foi depois transportada para o novo Mosteiro de Santa Clara, por ocasião do abandono do primeiro e, mais tarde incorporada no Museu Nacional Machado de Castro (em conjunto com vários

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outros bens das monjas Clarissas), por alturas da Extinção das Ordens Religiosas. No que concerne à sua autoria, a peça chegou ao Centro Interpretativo do Mosteiro de Santa Clara--a-Velha, com a atribuição genérica de ser uma obra da Oficina de Coimbra e do século XVII. Apesar dos múltiplos esforços de investigação entretanto efectuados, pouco mais se conhece, até momento, sobre estes dois aspectos fundamentais, que contrastam com a sua execução muito cuidada e um gosto estilístico, bastante mais tardio do que é habitual para esta época (Fonseca & Maximiliana, 2010).

Segundo as normas de inventariação do Instituto dos Museus e Conservação, trata-se de uma representação transi de Cristo jacente, já que é uma “construção erguida acima do solo, que obrigatoriamente alberga ou albergou um morto, num espaço vocacionado para o enterramento (…)” e “representa o morto como cadáver, nu ou envolto num sudário” (…), surgindo “colocado sobre a tampa da arca funerária do sarcófago, com a cabeça repousando sobre uma almofada (…)”, pertencente a monumento funerário – arca tumular (Carvalho, 2004), constituída por três faciais e uma tampa, executado em Pedra de Ançã. A tampa tem como dimensões máximas 1,80 m de comprimento, por 0,60 m de largura e uma espessura máxima de 0,20 m (ver Figura 1). O tardoz deste elemento foi desbastado. Os três faciais articulam-se entre si de forma não simétrica, compondo um sepulcro sobre-levado, revestido de panejamentos fingidos de espessura fina, por onde se distinguem, numa área frontal de reserva: uma inscrição principal, religiosa e impessoal - [LAPSA EST IN LACUM VITAE ET POSVUR(...)], que tudo aponta, corresponde à lamentação latina: Lapsa est in lacum vita mea, et posuerunt lapidem super me – “terminada a minha vida num abismo, puseram uma lápide sobre mim”; e mais duas inscrições, actualmente quase indecifráveis. Na situação que hoje se testemunha, a peça estaria justaposta à parede, possuindo, no entanto, particularidades que remetem para a sua colocação em estrutura rasgada na mesma (do tipo retabular ou de arcossólio), aventando-se a suposição das três aberturas da base do facial frontal poderem, originalmente ter estado oclusas com as habituais imagens de leões. Considerando todas estas particularidades, os orifícios obser-váveis e o talhe menos cuidado da superfície exposta dos faciais laterais, é de considerar que a hipótese oficial do Museu Machado de Castro (que faria conjunto com as imagens de vulto a 3/4 de José de Arimateia e de Nicodemos, constituindo um grupo escultórico), deverá ser posta de lado.

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Figura 1 – Representação esquemática dos elementos constituintes da peça (articulação entre eles e dimensões).

A figura do jacente, depositada na tampa, principal elemento plástico do conjunto, define formas esguias, delicadas e algum movimento assegurado pela elevação dos joelhos e pernas, pois apenas os calcanhares assentam na lápide. As mãos repousariam suavemente cruzadas sobre o abdómen (sem se depositarem sobre ele), mas encontram-se muito frag-mentadas. Tem apenas por indumentária um cendal - decorado com um debrum dourado bastante discreto. O rosto exibe traços delicados e alongados, de olhos quase cerrados, boca ligeiramente entreaberta, sobrancelhas levemente contraídas e um nariz longo e fino. Este rosto é emoldurado por uma cabeleira de ondulação larga, bastante pormenorizada, de comprimento razoável que acompanha o pescoço. Tem barba e bigode, igualmente enca-racolados e aparados. Por entre algumas madeixas de cabelos, são reveladas duas orelhas de pequena dimensão. A cabeça repousa sobre uma almofada decorada com douramentos na face exposta. A área da lápide remanescente em relação à sua figura é decorada com a representação os panejamentos sepulcrais da ocasião, que caiem sobre os faciais estruturais em drapeados, unificando o conjunto.

No que diz respeito à policromia, tudo aponta para uma sequência de duas campanhas interventivas distintas em época e materiais: a primeira, inclui uma camada de preparação e policromia “expressionista” com recursos a tons esverdeados, azuis e vermelho-sangue, seguida de uma camada posterior de tonalidades mais frias, matizada entre os acinzentados e esverdeados fazendo uma utilização discreta do vermelho. Esta hipótese foi confirmada pelas secções estratigráficas executadas, que não são abordadas neste artigo dado o objectivo deste trabalho se cingir à análise problemas estruturais. O estado ruinoso global do conjunto, é–lhe conferido pela existência de muitas e generalizadas zonas de lacuna das distintas camadas pictóricas.

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Estado de Conservação

O suporte desta escultura é um calcário, o que se confirma pelos resultados da Difracção de raios X (DRX) (ver Figura 2), que apresenta as características que vulgarmente se reconhecem, pela comparação macroscópica, como sendo de Pedra de Ançã – muito uti-lizada na estatuária nacional. No que se refere ao seu estado de conservação, a escultura encontra-se em boas condições, resumindo-se a sua principal degradação à debilitação estrutural causada pelas múltiplas fracturas, lacunas e tensões.

Figura 2 – Difractograma de amostra do suporte lítico, onde se destaca a predominância de Calcite.

A tampa sepulcral onde jaz a figura de Cristo ter-se-á fracturado (em três grandes fragmentos) antes ou durante a estadia da peça no Museu Machado de Castro, o que terá motivado uma intervenção da qual apenas temos esparsos relatos orais. Nessa intervenção, a tampa foi colocada sobre um suporte metálico constituído por duas vigas metálicas (doravante, por simplicidade linguística, designados simplesmente por carris), soldadas entre si junto aos topos e posteriormente colocadas sobre dois cavaletes (ver Figura 3). A fixação da tampa aos carris foi feita através de recurso à espuma de poliuretano. Aparentemente, esta colagem deve ser prévia à inserção de pernos de fixação definitiva dos fragmentos das pernas e mãos. Tanto quanto foi possível verificar, os fragmentos terão sido assim justapostos e fixos, tendo a lacuna central (delimitada pelos vários fragmentos) sido, simplesmente colmatada com argamassa de cal. Depois desta operação ter-se-á procedido à resolução das fracturas dos membros. Por ocasião do transporte entre a sala de Exposição Temporária e a Reserva, já em Santa Clara-a-Velha, somaram-se duas novas fracturas das pernas, ao nível das coxas, coincidentes com zonas de inserção de pernos.

Durante o processo de intervenção foi possível constatar que as múltiplas fracturas dos membros (mais antigas) foram resolvidas (não se sabe quando nem por quem) pela utilização

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combinada da inserção de espigões metálicos (aço e latão) ou de madeira, usando como adesivos a resina poliéster, o grude e a cera de abelha.

Figura 2 – Difractograma de amostra do suporte lítico, onde se destaca a predominância de Calcite.

Caracterização das intervenções anteriores. Análise de opções

Do conjunto, apenas a tampa se encontrava fracturada e a localização da imagem de Cristo Morto na sua superfície, determinou que se conferisse especial atenção a este elemento, fundamental no valor artístico e simbólico da peça. Assim, tornou-se desde logo claro que a intervenção teria que começar por este elemento. Relativamente à situação da tampa, existiam alguns aspectos a ter em conta: a tampa assenta como um bloco sobre os 3 faciais (e não em 4, o que lhe conferiria maior estabilidade), num perímetro de cerca de 15 cm; ainda que se resolvessem as fracturas que exibia, não poderia ser exposta sem um suporte adicional tendo em conta, por um lado, a espessura mínima da parte central, e por outro, o facto do calcário ser uma pedra relativamente branda, que fractura com facilidade (veja-se a Tabela 1).1

Características Técnicas(*) CalcárioAnçã

(Coimbra)

(*)CalcárioBanco de Baixo (Leiria)

(*)Mármore

(Évora)

(**) Granito

Preto Frade

Resistência mecânica à compressão 422 kg/cm2 1668 kg/cm2 762 kg/cm2 1660 Kg/cm2

Resistência mecânica à compressão após teste de gelividade1

395 kg/cm2 1718 kg/cm2 750 kg/cm2 1822 kg/cm2

Massa volúmica aparente: 187 kg/cm2 280 kg/cm2 126 kg/cm2 2851 Kg/m3

Resistência mecânica à flexão 2430 kg/m3 2628 kg/m3 2726 kg/m3 226 kg/cm2

Absorção de água à P.At. N. 3.68 % 1,00 % 0.07 % 0.14%

Porosidade aberta 6.44 % 2,64 % 0.19 % 0.39%

Coeficiente de dilatação linear térmica:

2.9 x 10-6 per ºC 3,0 x 10-6 per ºC 13.1 x 10-6 per ºC 6,7x10-6 per C

Resistência ao desgaste 2.8 mm 1,5 mm 2.5 mm 0,5 mm

Resistência ao choque: altura mínima de queda

30 cm 35 cm 50-55 cm 70 cm

(*) Instituto Geológico e Mineiro, Portugal – Ficha da Pedra de Ançã; (**) Multigranitos – Transformação de Granitos, S.A.

Tabela 1 – Tabela comparativa das características de várias pedras nacionais

1 propriedade de um material se desagregar ou expandir por efeito da congelação da água contida nos seus vazios; gelividade In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-02-11]. Disponível na www: <url: http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa/gelividade>.

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Na investigação realizada sobre possíveis casos paralelos, descobriu-se serem muito escas-sas as referências a intervenções estruturais em escultura em pedra, policroma ou não, publicadas sob a forma de artigo técnico-científico. Esta circunstância não pode, no entanto, corresponder a um reduzido número de intervenções. Tendo por objectivo a partilha de informação com colegas de profissão que se possam ver a braços com este tipo de inter-venções, apresentamos a síntese da pesquisa efectuada, sem pretendermos que a mesma constitua uma revisão bibliográfica do tema. Era nossa intenção a busca de casos paralelos que nos pudessem orientar, muito embora poucos tenham sido, de facto, os artigos técnicos úteis para o delinear de soluções para os problemas concretos da nossa peça. Na verdade, as esculturas em pedra foram, desde sempre, valorizadas quer no âmbito dos espólios escavados, quer dos primórdios da museologia. Estas peças tornaram-se muitas vezes ícones de exposições ou de instituições conferindo-lhes quase sempre monumentalidade e humanismo. Considerando a forma como nos chegam até ao Presente (e as vicissitudes do seu percurso), sofreram, naturalmente, acidentes e “reparações” em todas as épocas, até nas mais remotas. Na maioria das vezes os objectos eram reparados por outros artistas, em épocas posteriores à sua execução e, em consequência, pareceria despropositado questionar a capacidade do “artista reparador” (Jokilehto, 2001, pp.35-37). Talvez o “conserto” das mesmas, tenha sido tão recorrente que não tenha despertado maior atenção de cronistas ou entendidos, mas é impensável que não tenha ocorrido.

Qualquer que tenham sido as circunstâncias da recuperação de esculturas em pedra em épocas mais remotas, com o advento da arqueologia moderna (finais século XIX, início do século XX), eram um bem precioso com grandes apetências expositivas, comerciais e, até políticas, estando por isso sujeitas à quase inevitável fragmentação, perda de material ou, inadequação aos espaços pré-existentes. A posse de uma quantidade acrescida de peças de alta qualidade artística e técnica por parte de instituições ocidentais e a vontade de as exibir, terá desencadeado um olhar mais científico dos conservadores-restauradores sobre essas colecções, (cuja profissão é publicamente reconhecida, pelo menos desde desde 1745 - Jokilehto, 2001, pp.99), mas ainda de outras ciências auxiliares da Conservação. Nas primeiras intervenções nesses contextos, os critérios adoptados seriam os de menos Conservação e mais de Restauro, enquadrados em teorias e práticas divergentes das actuais (Jokilehto, 2001, pp.89-91), resultando numa quantidade apreciável de peças restauradas. Ultrapassado esse ímpeto inicial, em meados do século XX registou-se já algum esforço de sistematização e análise das intervenções de conservação que iam sendo realizadas, facto que coincidiu, também, com a criação de organismos internacionais como ICCROM, em 1957 e com as normativas internacionais de conservação emanadas das Cartas de Atenas (1931) e de Veneza (1964. Incide sobre essa época, um simpósio realizado em 2001 intitulado History of Restoration of Ancient Stone Sculptures (Grossman, et al., 2001), no qual foram abordados e descritos os parâmetros que nortearam o restauro de muitas das peças hoje patentes nos museus de renome internacional, provenientes quer de campanhas arqueológicas quer de colecções institucionais. Essas intervenções, quando se encontram

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publicadas, resumem-se a alguns registos epocais, sem grande informação técnica. Da leitura desses textos percebe-se que esses primeiros trabalhos assentavam sobretudo na interpretação que o técnico fazia dos problemas que a peça apresentava ou no que era costume fazer em cada época, chegando a modificar o original de forma irreversível. Não obstante, essas intervenções tiveram o mérito de introduzir a necessidade de se efectuarem registos, mesmo que não normalizados. De entre os registos publicados, são poucos que referem os trabalhos estruturais. Ainda que possa parecer demasiado simplista, talvez a razão deste facto resida na dificuldade em conciliar a descrição dos complexos processos mentais que se consubstanciam na análise e registo da intervenção (que se pretendem minuciosos e com lógica), com os processos físicos inerentes à execução da intervenção (que por vezes se revestem da aparência de “barbárie” e são de grande exigência física), quer sucedam em simultâneo ou de forma anacrónica.

A criação de organismos internacionais, a evolução da Teoria da Conservação e a criação de grupos temáticos de discussão impulsionaram naturalmente a publicação de artigos que passaram a ter canais mais estruturados (p. ex. Studies in Conservation – 19522, National Gallery Technical Bulletin - 19773, Bulletin - 19584). Mas, ainda assim, os trabalhos estruturais foram relegados para segundo plano, excepção feita, no âmbito especifico da escultura, a casos em que se pretende o reconhecimento dos esforços feitos pelos técnicos, ou em que a peça em si mesmo suscita uma atenção especial (Kythleen M. Garland, 1995) (Hempel, 1968). Contudo, mesmo nestas situações, constata-se que mesmo assim, as informações técnicas divulgadas são insuficientes para os profissionais que se vêm na contingência de analisar a condição de uma peça, e de a recuperar.

Da pesquisa feita (ainda que não exaustiva) verificámos que entre o período que balizou o final da Segunda Guerra Mundial, (Plenderleith, 1998) e as últimas décadas do século XX (em plena era da informação, Ciência e da Tecnologia) as descrições detalhadas dos processos conservativos, passaram ou a concorrer com breves apontamentos ou, a destacar numa perspectiva estritamente científica, um determinado aspecto da peça escultórica, o que se traduziu na produção de resultados gráficos e analíticos, mensuráveis e portanto comparáveis. Tais resultados correspondem uma cada vez maior apetência científica pelo trabalho do conservador-restaurador, que é benéfica, mas em cujas análises se desvaloriza a especificidade inerente a cada caso. Paralelamente alargam-se os universos estudados, mas não se discutem as dificuldades do restauro de uma determinada escultura. Em nossa opinião, se a informação veiculada se remeter apenas á análise e descrição dos materiais constitutivos, torna-se redutora, restringindo também o universo de potenciais interessados, já que os materiais não diferem entre si tanto assim, mas a circunstâncias de degradação e a sua resolução sim.

2 IIC - The International Institute for Conservation of Historic and Artistic Works - Londres3 National Gallery - Londres4 IRPA - Royal Institute for Cultural Heritage, Bruxelas

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Esta atitude gerou a escassez de uma relevante quantidade de conhecimentos técnicos de “praxis”, disponibilizados apenas pela transmissão (publicação) de uma geração de conservadores a outra, constatando-se que a maioria dos artigos nesta área (escultura em pedra) opta por desvalorizar a discussão das questões estruturais, centrando-se em algum aspecto particular, como sejam a policromia (Paula, 2003), os adesivos naturais (Schellman, 2007), o preenchimento de lacunas (Craft, 1998) (Thornton, 1998), referindo por vezes os tratamentos, mas de forma sintética (Borges, 2003). São excepção preciosos artigos, que resultam de encontros técnicos como o 12th International Congress on the Deterioration and Conservation of Stone (Michel, et al., 2012) e (Verhulst & Barnden, 2012), nos quais as questões estruturais são abordadas. Independentemente dos motivos que possam estar na base da desvalorização da análise dos tratamentos dos problemas de estrutura, consi-derámos que estes têm a mesma importância que as questões estéticas, pelo que optámos por lhe dar realce neste trabalho, já que é do contacto com os mesmos, que se abrem as portas ao conhecimento profundo da obra de arte. Para concluir, foi portanto inviável, com base apenas na bibliografia disponível, conceber a intervenção efectuada, que acaba por se fundamentar mais na prática de várias décadas dos técnicos envolvidos.

A Intervenção do século XXI

Ao primeiro contacto visual com a peça percebeu-se a complexidade da intervenção a efectuar. Ainda sem uma decisão definitiva quanto à solução estrutural a adoptar, dessas observações resultou a convicção de que, a opção mais viável seria a da remoção das inter-venções anteriores, começando pelas não funcionais. Sendo este um processo demorado, que poderia coincidir no tempo com a análise da situação estrutural, o que teria a vantagem de aportar conhecimento mais detalhado sobre a peça, foi iniciado de imediato. Para facilitar o enquadramento dos processos descritos e a evolução no tempo das tarefas executadas, optou-se pela sua inclusão em cronograma (ver Fig. 4).

Figura 4 – Cronograma do desenvolvimento da intervenção.

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1. Remoção de todas as fixações não funcionais, deterioradas ou não admissíveis (à prossecução da intervenção), e de materiais co-relacionados

Por exigência do transporte tinham sido previamente removidas as pernas e os braços fracturados, que foram embalados e transportados, à parte. Também estes seriam mais tarde intervencionados no sentido de os aliviar das excrescências exógenas, mas urgia remover primeiro o suporte metálico da tampa, que não permitia a análise dos desníveis entre os vários fragmentos. Diga-se que não foi possível ter uma ideia clara de como foi feita a colocação da tampa nos carris metálicos, mas tanto quanto se conseguiu apurar, a espuma de poliuretano estaria “fresca” e presente em quantidade considerável, pelo que fixou a pedra ao suporte, como seria pretendido. O que talvez não tenha sido previsto foi que o tempo de reacção da espuma é curto, o que terá dificultado o ajuste dos três fragmentos da tampa. Resultou desta operação um desvio mínimo entre a zona de assentamento dos pés e os restantes fragmentos, que se repercutiu (e ampliou) em tensões nas fixações efectuadas posteriormente, e em outros desvios sem consequência de maior.

Uma vez apreendido o processo de montagem do conjunto, passou-se à inversão do mesmo com o objectivo de retirar todos os elementos pétreos do suporte provisório. Numa primeira fase foram realizados alguns orifícios na espuma de poliuretano, entre a base da tampa e a superfície dos carris, para inserir cintas, operação que foi dificultada pela pouca espessura da espuma, (comprimida pelo peso da pedra sobreposta). Seguidamente foi depois necessário alargar estes orifícios ao longo de todo o comprimento de cada carril, tendo-se conseguido, assim, a separação dos vários elementos dos carris. Apenas se recorreu a um guincho para a remoção do correspondente ao tronco do corpo de Cristo jacente (aproximadamente 60% do total), aproveitando-se para o reposicionar sobre o lado mais plano (que serviria para justaposição à parede) – o esquerdo.

Esta nova posição permitia uma melhor exposição do remanescente do poliuretano que não se tinha conseguido remover manualmente com espátula, tendo-se feito uma primeira tentativa de remoção química, mas sem a eficácia pretendida, pois uma película fina per-manecia sempre. Esta foi uma questão abordada repetidas vezes, até que, por força das evidências, se abandonou o propósito inicial da sua remoção total (por ser muito inestético), optando-se apenas por o atenuar, já que se localiza no intradorso, não é visível e uma eliminação integral obrigaria à utilização de químicos potencialmente perigosos quer para a peça, quer para o operador, sendo questionável os resultados em termos de conservação. A este propósito deixamos o alerta para a grande desvantagem da utilização de espuma de poliuretano em bens artísticos de valor histórico.

Uma vez colocada a parte da tampa correspondente ao tronco sobre o lado esquerdo, foram-se justapondo os restantes fragmentos anteriormente libertos ajustando-os entre si, evidenciando, este processo, que pouco mais seria necessário para recolocar todos os elementos na sua posição original. Assim, todos os fragmentos foram temporariamente

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unidos por cintas de aperto permitindo, esta nova posição, trabalhar na procura de uma solução estrutural pelo tardoz, que estava agora totalmente exposto.

Entretanto concluiu-se a remoção das uniões não funcionais nos membros inferiores e supe-riores. Relativamente a estas, apesar das várias condicionantes e especificidades encontradas em cada caso, podem ser feitas algumas considerações genéricas importantes. Ao contrário da utilização de cera de abelha ou grude, a utilização de resina poliéster como adesivo, inserida no orifício para funcionar como “cama” da inserção do perno, tem consequências graves na sua remoção: em algumas das situações verificaram-se fracturas da pedra nas zonas contíguas ao furo com a consequente perda de material. Por outro lado, refira-se que no presente caso, tratando-se de um calcário muito claro, chegava a ser difícil a distinção entre pedra e resina poliéster não só pela cor, mas também pela resistência que oferecia à furação realizada para remoção do perno. Quando utilizada para preenchimento volumétrico e, pretendendo-se aqui a sua remoção (já que se desuniu da pedra, provavelmente em resultado das tensões das várias uniões, tornando-as inúteis e inestéticas), também tem as mesmas consequências, acrescida da dificuldade de não ser previsível o contorno da área/limite. A cera e o grude tem como principal desvantagem (tal como a espuma de poliure-tano) serem de difícil remoção integral embora, mesmo assim, com maior possibilidade de êxito no primeiro caso que no segundo. Quanto aos materiais utilizados como pernos, saliente-se a variedade e a desproporcionalidade face aos fragmentos a unir, sendo uns sobredimensionados outros subdimensionados. De entre as várias situações encontradas, salientam-se três pelo seu carácter inusitado: (1) as uniões entre os calcanhares e os pés, (2) a união da anca esquerda e, (3) a união do braço direito. No caso da primeira, foi a forma como eventualmente terá sido efectuada que suscita interesse (pendente de resolu-ção até ao momento), pois parece ter sido feita por baixo. Contudo, não existe orifício e a sua conformação invertida em relação ao que seria de esperar de um furo executado com berbequim ou semelhante, não permite perceber o modo de execução ou ferramenta usada. No segundo, é a desproporcionalidade de materiais que está em causa – a anca representa um volume razoável de pedra que seria de qualquer forma impensável de unir com um perno tão pequeno, estreito e curto e, muito usando a cera como adesivo. No terceiro, é também a desproporcionalidade patente, mas, neste caso, de uma forma marcadamente mais moderna: um perno em latão sobredimensionado, para segurar um volume de pedra menor com uma conformação que é ajudada pela gravidade no seu posicionamento.

Durante algum tempo chegou a ponderar-se que esta variação estivesse directamente relacionada com a evolução das técnicas de restauro ao longo do tempo e por este motivo foram feitos registos minuciosos de todos os casos encontrados, que permitem agora uma discussão mais profunda. No entanto, no decorrer da intervenção foi-se construindo a convicção que as várias intervenções ao longo dos tempos terão sido feitas por alguém com conhecimentos das técnicas utilizadas pelos seus antecessores, que as terá aplicado segundo

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a mesma linguagem original alterando eventualmente materiais, ou mesmo retomando os materiais de épocas transactas.

Figura 5 – Fotografias do decorrer do trabalho onde se pode constatar a espessura reduzida da peça na zona central da tampa.

2. Discussão de Ideias para solução de reforço estrutural da tampa

Logo depois da deposição da peça no Laboratório de Materiais Pétreos do Instituto Politécnico de Tomar, iniciou-se um período de discussão despoletada espontaneamente pelo interesse que a sua presença despertava em todos quantos frequentavam o local. Esta discussão revelou-se enriquecedora pela diversidade de contributos (muitas vezes provenientes de ramos de conhecimento opostos), pois possibilitou a percepção de limitações ou dificuldades que importava ter em conta na decisão final. Assim, durante as primeiras semanas, enquanto decorriam os procedimentos preparatórios à execução da intervenção foram avaliadas várias soluções, nomeadamente no que diz respeito à exequibilidade e eficácia, ponderando-se entre outros aspectos, a afectação de recursos humanos, técnicos e financeiros, a reversibilidade de materiais, a segurança e a longevidade do tratamento.

Salientamos que o hiato de tempo decorrido entre a tomada de consciência profunda das problemáticas da intervenção e valor da peça e a execução da intervenção está, em geral, ausente das fases de planificação, o que contribui para atrasos em obra, facto para o qual os conservadores-restauradores devem estar cada vez mais despertos. Este espaço temporal não resulta de inoperância ou laxismo, mas antes da responsabilidade de quem tem de facto manipular objectos de elevado valor histórico/estético, acrescida da “recordação” de inúmeras situações conexas verificadas em casos anteriores. Acresce que no caso especifico da conservação e restauro (tal como em medicina), cada peça é única e, normalmente, a situação genérica encerra em si pequenas diferenças, cada uma delas de importância vital, que limitam o leque de soluções possíveis e aumentam o período de tempo necessário à sua avaliação.

Logo no início deste processo (ainda no período da recepção da peça no Mosteiro de Santa Clara-a-Velha), preconizava-se a simples fixação com pernos dos vários elementos que

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serviam de base ao jacente e que com ele constituíam a tampa. Percebeu-se de imediato, que esta solução era inviabilizada pela diminuta espessura da massa calcária na zona central de assentamento do corpo (Fig. 5). Esta circunstância resulta do desbaste do tardoz (para se tornarem mais leves peças de dimensão assinalável, facilitando adicionalmente a sua movimentação) – uma prática comum em estatuária em pedra. Mas, neste caso em particular, o desbaste atingiu (por ventura inadvertidamente), uma expressão exagerada em algumas zonas (como é o caso da zona sob as pernas), tendo apenas restado um par de centímetros, o que introduziu uma fragilidade estrutural que, não podia ser artificialmente vencida.

Assim, apenas restava a zona das abas junto aos limites exteriores da tampa com espessura razoável para receber os pernos de reforço estrutural e de união entre os fragmentos. Antes de abandonar totalmente esta hipótese, chegaram a colocar-se duas variações (Fig. 6) uma em que os pernos (em número de três), uniam dois fragmentos de cada vez, e uma segunda, em que se optaria por um perno único para fazer a união dos três fragmentos do lado direito do Cristo, e outro adicional para o lado esquerdo. Concluiu-se que esta última era preferível por implicar menor fragilização da peça e conferir maior segurança ao transporte, mas era também de muito difícil execução, nomeadamente no que diz respeito ao alinhamento da furação nos vários fragmentos.

Figura 6 – Representações esquemáticas das Soluções 1A (3 pernos) e 1B (2 pernos).

No decorrer das várias discussões com especialistas em várias áreas (nomeadamente, de geologia e engenharia), também se avaliou a possibilidade de apostar num outro suporte que permitisse o encaixe (na exposição) dos elementos fracturados, o que tornaria desnecessária, ou pelo menos retiraria importância à colagem (Fig. 7). Neste caso, o afastamento desta solução deveu-se ao facto da articulação entre os vários elementos da arca tumular ser demasiado complexa para permitir a concepção de um suporte, que necessariamente, não poderia ser demasiado visível, permitindo a adequada exposição, no museu. Adicionalmente houve que lidar com a circunstância adversa do espaço destinado à peça no museu ser contra uma janela envidraçada o que não se ajustava ao facto da arca não possuir um dos faciais por estar originalmente adossada à parede.

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Figura 7 – Representação esquemática da solução 2: suporte oculto pelos elementos originais.

Por outro lado (Fig. 8), estudou-se a execução de um suporte exterior, a colocar pelo tardoz, completamente adaptado em relação ao mesmo, e sem interacção com a pedra, de forma a assegurar que o peso dos fragmentos fosse melhor repartido e, as tensões provocadas se afastassem das fracturas já existentes e da zona central (mais frágil estruturalmente).

Figura 8 - Representação esquemática da solução 3, utilização de suporte amovível (e adaptado ao tardoz) em conjunto com a aplicação de pernos.

Por fim, foi considerada pela equipa, viável e exequível, a solução adoptada, em que um elemento metálico colocado pelo interior, num sulco com uma dimensão ligeiramente superior ao dos limites da base, percorre o seu contorno na zona de maior espessura (Fig. 9). Esta solução evitou a colocação de pernos nos restantes elementos fracturados e a sua consequente fragilização. Estes fragmentos estão apenas unidos por justaposição e as fracturas oclusas com argamassa.

Figura 9 - Representação esquemática da solução 4/final, posicionamento do elemento metálico no interior da tampa.

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Relativamente à parte estrutural, ficava assim resolvido o maior dos problemas – a concepção de uma solução que permitisse resolver o problema com eficácia e equilíbrio, sendo também o menos invasiva possível. A figura de Cristo, em conjunto com a tampa onde assenta o jacente, formariam uma unidade, onde a primeira concentra as atenções estéticas e a segunda providencia-lhe estrutura, como era seu objectivo original. Adicio-nalmente, a questão do suporte expositivo passa a poder ser resolvida isoladamente e com maior liberdade.

Em face do que já tinha sido considerado como a melhor opção, e relembrando o reposi-cionamento quase perfeito de vários fragmentos, após a libertação dos carris, percebeu-se que a inserção de espigões adicionais para a união entre eles junto aos pés era desne-cessária, já que a cinta acabava por originar uma união tão correcta, que bastava uma argamassa para tapar a linha de fractura. Na verdade, o espaço entre os vários elementos, era ainda menor do que se calculava, já que nem a argamassa fluida se conseguiu injectar na quantidade prevista.

3. Execução do reforço estrutural da tampa

Escolhida a solução que melhor servia os propósitos em questão, tratou-se da sua execução, começando por moldar uma barra de inox de secção rectangular (AISI 304, 40x8mm). Esta barra foi unida por soldagem num dos lados menores, ao centro, para minimizar eventuais fragilidades intrínsecas. Para inserir esta barra/cinta foi feito um sulco com cerca de 5 cm de profundidade e 3 cm de largura a toda a volta da base da tampa, na zona de maior volume de pedra, com recurso a serra de corte. Sendo esta uma operação delicada, começou-se por delimitar os espaços envolvidos, recorrendo depois a um escopro para uma remoção mais controlada dos múltiplos segmentos. Após vários ajustes consecutivos, foi conseguida a inserção completa e nivelada da cinta no sulco, com uma folga mínima no interior do sulco (cerca de 0,5 cm) para cada lado, e ligeiramente maior (cerca de 0,8 cm) para a superfície do tardoz (Fig. 10).

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Figura 10 – Fotografias do decorrer dos trabalhos. Da esquerda para direita e em baixo, respectivamente: sulco e inserção de barra metálica; Finalização pelo tardoz, após injecção da resina; Reposicionamento

sobre o lado esquerdo, com justaposição de fragmentos.

Confirmada a adequação do posicionamento da cinta face ao sulco, ao longo de toda a sua extensão, tinha de ser feita uma oclusão temporária do dito sulco, de forma a permitir a injecção da resina que iria ocupar todos os vazios entre a cinta e a pedra, no interior do sulco. Optou-se inicialmente pela utilização de placas de cera de dentista, que mais tarde foram reforçadas com gesso aplicado sobre uma rede fina de plástico, por virtude da assinalável tensão observada. Nesta operação, pela coincidência da existência de resíduos de espuma de poliuretano sobre a superfície da pedra, nenhum destes materiais entrou em contacto directo com a peça. Para que a injecção da resina fosse o mais uniforme possível foram feitos orifícios adicionais, para além dos envolvidos na injecção propriamente dita, de forma a permitir a libertação do ar encerrado no interior do sulco. Alguns dias após a injecção e confirmada a cura da resina, foram retirados o gesso e a cera e niveladas todas as pequenas imperfeições, de forma a permitir que a tampa assentasse sobre os restantes elementos da arca, como originalmente. Confirmando-se a eficácia dos procedimentos efectuados, a tampa foi recolocada sobre o tardoz na posição que lhe é natural.

4. Oclusão da lacuna sob as pernas e linhas de fractura, na tampa

Para se entender a tampa como um bloco, obstava, ainda, a grande lacuna entre os vários elementos constituintes da tampa, localizada sob as pernas (Fig. 11). Para resolver este

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problema, foi “recortada” uma rede fina de aço inox com um contorno semelhante ao vazio observado, que foi, posteriormente, fixada com alguns pontos de resina à pedra. Sobre este suporte colocou-se uma primeira camada de argamassa grosseira, de preenchimento, com um traço de 1:3 em volume, usando cal hidráulica e uma mistura de agregados (APAS 20 e 30). Colmatado, desta forma, cerca de 90% do volume do vazio, o restante foi depois nivelado ao limite da superfície superior da tampa, usando uma argamassa mais fina, com um traço de 1:2 em volume, em que os agregados utilizados (em igual proporção) foram o pó de mármore e o pó de Pedra de Ançã. Esta última camada de argamassa de finalização, foi pré-tonalizada com pigmento natural sombra de oliveira”, numa tentativa de evitar a integração cromática posterior.

Figura 11 – Fotografia do decorrer dos trabalhos. Oclusão lacuna sob pernas (camada mais grosseira).

Para a finalização desta etapa, foi ainda injectada argamassa fluida (Albaria®) para colmatar os interstícios das fracturas justapostas, mas sem grande êxito, pois a união entre todos, como se disse anteriormente, era quase perfeita. O refechamento superficial das restantes linhas de fractura laterais também foi realizado com argamassa tonalizada igual à mesma utilizada na colmatação da lacuna sob as pernas.

5. Recolocação e união de fragmentos dos membros superiores e inferiores

Resgatada a unidade da tampa como bloco único e coeso (pelo menos do ponto de vista do reforço estrutural), reuniram-se as condições necessárias para a recolocação e uniões dos vários fragmentos que inicialmente se tinham isolado. Sobre este aspecto (tal como já se referiu anteriormente no que concerne à diversidade de materiais utilizados nos restauros anteriores), depararam-se os autores com uma grande diversidade de situações, pelo que apenas nos referimos aqui, àquelas, que, entre as 12 efectuadas, despertaram maior interesse (Fig. 12).

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Figura 12 – Mapeamento dos trabalhos efectuados e identificação das uniões (U) refeitas.

As uniões (Fig. 13) dos antebraços (U1 e U3) com o corpo foram as que menos dúvidas de colocação nos puseram; no entanto o antebraço direito (U1) tinha menores pontos de apoio e transmitia pior alinhamento ao braço, do que o esquerdo. Refira-se, em relação a estas uniões, que foi removida mecanicamente uma camada do que parece ser uma resina industrial relativamente recente, aplicada sob o grude e outros adesivos, que resultou numa perda mínima de material, mas introduziu alguma incerteza, numa recolocação que deveria ser mais simples. A decisão de remoção foi tomada porque a camada de resina era bastante espessa e de superfície vítrea (com alguns milímetros de impregnação den-tro da pedra), o que dificultava a união. No que diz respeito aos braços (U2, U4 e U5), também colocados sobre o corpo, não se revelaram os mais complicados, ainda que o direito ficasse na posição final que não corresponde à original. Talvez por causa dos vários direccionamentos errados das furações existentes, incontornáveis, querendo-se optar-se pela sua re-utilização, constatou-se que os desvios aumentavam progressivamente na direcção das mãos, tornando o reposicionamento eficaz de ambas, difícil e muito duvi-doso. Só mesmo através da reconstituição volumétrica (neste caso, mais re-execução) dos segmentos referentes aos pulsos – inexistentes, a união era possível e mesmo assim pouco natural. Esta solução foi ensaiada, mas a solução definitiva foi remetida para uma discussão com a tutela sobre os aspectos éticos envolvidos. Nas mãos, apenas foi fixado um fragmento do dedo anelar direito (existente) aproveitando-se a furação pré-existente. Da mão esquerda, só existe uma pequena parte com as furações correspondentes aos dedos, que não existem.

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Figura 13 – Fotografias do decorrer dos trabalhos. Aspectos das superfícies de colagens das fracturas dos braços. Da esquerda para a direita: Grude parcialmente removido deixando visível camada de resina industrial. Aspecto dessa resina ao microscópio, superficial; e penetração em profundidade;

vestígios dessa resina por entre fragmentos unidos com grude.

Apesar de todas as dificuldades que anteriormente se relataram, foi nos membros infe-riores que se encontraram os maiores desafios (Fig. 14). Ao longo de todo este processo manteve-se sempre como metodologia base, a reutilização dos orifícios pré-existentes, com o objectivo de minimizar o impacto potencialmente danoso de novas furações, o que só não se conseguiu totalmente no tratamento dos membros inferiores. Foram duas as situações mais complexas: a união das pernas com os calcanhares (U11 e U12) - devido ao desvio que a fixação provisória da tampa aos carris provocou, e a união entre a perna e joelhos esquerdos (U9 e U10) - uma situação complicada que requereu cuidados especiais. Na verdade, no último caso, não existia apenas uma furação, mas três que pretendiam fixar dois fragmentos: por um lado, não havia espaço para mais furações e por outro, tínhamos poucas certezas que refazer qualquer uma delas fosse suficiente e eficaz para unir os fragmentos envolvidos. Decidiu-se avançar tendo-se conseguido a remontagem deste e de todos os restantes fragmentos existentes.

Figura 14 – Fotografias do decorrer dos trabalhos. Aspectos das uniões das pernas: ensaio dupla colagem perna direita multi-fracturada. As três furações preexistentes no joelho esquerdo; as mesmas furações e o apoio do calcanhar correspondente; ensaio do posicionamento do calcanhar esquerdo.

6. Reintegrações volumétricas no corpo jacente

Como referido o anteriormente, todas as massas de grude ou resina de poliéster encontradas, de dimensão razoável, ou com sinais de desunião do suporte pétreo tinham sido removidas, o que originou algumas lacunas volumétricas que interferiam na interpretação estética da obra. Estão neste caso, lacunas de dimensões máximas reduzidas (cerca de 10 cm), mas por vezes profundas (até cerca de 2 cm), como por exemplo, junto aos joelhos, e outras de maior ou menor dimensão, mas de pouca profundidade (Fig. 15). No caso das primeiras aplicou-se em primeiro lugar, mais uma vez, a mesma argamassa de finalização da lacuna maior sob as pernas, mas agora não tonalizada e deixando apenas 0,5 cm para o nível da

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superfície da pedra. Sobre esta foi aplicada uma camada de pasta de gesso pré-tonalizada numa tentativa de minimizar as reintegrações finais. Refira-se que foi colocada a hipótese de se optar por uma reintegração mais técnica (do tipo do tratteggio ou pontilhismo), mas não se conseguiram reunir os consensos necessários quanto à apresentação final, pelo que se abandonou esta opção. Para se obter um sub-tom uniforme para integrar as lacunas pictóricas, foram encontradas duas gradações-base de cinzento, obtidas pela mistura de pasta de preenchimento Modostuc® com pigmentos naturais, correspondendo às duas cores dominantes na cromia mais recente, um cinzento claro, mais quente e próximo do tom de pele (no caso, de jacente), e outro, cinzento-escuro, mais próximo da coloração necrótica e fria, que a figura ostenta junto às extremidades. Para todas as situações encontradas a utilização das duas gradações base, ou a mistura entre ambas em percentagens de 25%, 50% ou de 70%, (numa paleta reduzida a um total de cinco hipóteses) mostrou-se convin-cente. Refira-se ainda que se obtiveram as duas gradações-base utilizando-se apenas seis pigmentos: “Sombra de Oliveira”, “Pardo Antílope”, “Fawn Ocre”, “Azul Ultramarino”, “Azul Cerúleo” e “Ocre Francês”.

Figura 15 – Fotografias do decorrer dos trabalhos. Da esquerda para a direita: argamassa de base para preenchimento volumétrico; e finalização com pasta de gesso tonalizado.

Como resultado final obteve-se uma peça integra, que se articula com o com o discurso expositivo do Centro Interpretativo do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha.

Conclusões

Apesar das vicissitudes pelas quais esta peça passou, foi finalmente possível, devolver-lhe a sua estabilidade, integridade e leitura estética. Tratando-se de uma peça muito interven-cionada no passado e, de acordo com a premissa da intervenção mínima, alguns aspectos poderiam ter sido abordados de outra forma mas, por obrigarem a processos mais profundos e com riscos acrescidos para a peça, foram abandonados.

O suporte metálico inserido num sulco pelo tardoz permitiu a reunificação dos vários fragmentos, e esta nova unidade articula-se da forma originalmente pretendida com os

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restantes elementos que constituem o túmulo. Apesar de estruturalmente invasiva não tem impacto estético no observador. Para além disso, resolveu pela mera justaposição, dispensando qualquer outra fixação de todos os fragmentos da tampa. Numa apreciação global conseguiu-se um equilíbrio entre o que foi intervencionado e o que foi evitado, o que permite vaticinar a sua conservação nas próximas décadas, em condições de exposição mais dignas e promotoras dos valores simbólicos e estéticos que lhe são inerentes (Fig. 16).

Figura 16 – Fotografia da escultura de Cristo jacente em exposição no centro Interpretativo do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha.

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Currículo dos autores

Maria Júlia Sobral da Fonseca: Bolseira da Fundação para a Ciência e Tecnologia no Mosteiro de Santa Clara-a-Velha – Mestrado em Química Aplicada ao Património pela Uni-versidade de Lisboa – Licenciada em Conservação e Restauro, pelo Instituto Politécnico de Tomar, com a especialidade de Materiais Pétreos

Contacto: [email protected]

Fernando Manuel da Conceição Costa: Docente de Materiais Pétreos, dos cursos de Licenciatura e Mestrado em Conservação e do Instituto Politécnico de Tomar – Mestrado em Recuperação de Património Arquitectónico e Paisagístico, pela Universidade de Évora – Licenciado em Conservação e Restauro, pelo Instituto Politécnico de Tomar, com a espe-cialidade de Materiais Pétreos

Contacto: [email protected]

Carlos Monteiro: Sócio da empresa CaCO3 – Conservação do Património Artístico, Lda – Curso de Cantaria Artística do antigo Instituto Português do Património Cultural

Contacto: [email protected]

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As Reservas Visitáveis do Musée des Arts et Métiers em Paris

Maria Fernando Gomes | Eduarda Vieira

Resumo

As reservas visíveis e ou visitáveis tornaram-se um fenómeno recorrente no panorama museológico internacional, em resultado das profundas mudanças ocorridas na sociedade contemporânea pós-moderna, das quais estacamos o primado do museu como factor de comunicação e a acessibilidade às colecções/bens culturais. Este artigo tem como objectivo refletir sobre este processo e sobre os conceitos que lhe estão subjacentes, a fim de se compreender as experiências levadas a cabo pelos museus no domínio da transformação das reservas em locais de visita ao público e dos processos de concepção, gestão, conservação e divulgação das colecções que lhe estão associados, de modo a elaborar-se um referencial de boas práticas, sobre condições de reserva. Analisamos aqui a experiência que vivenciamos ao caso de estudo das Reservas do Musée des Arts et Métiers de Paris, uma referência no cenário europeu.

Palavras chave:

Reservas visíveis, reservas visitáveis, conservação preventiva, reservas do Musée des Arts et Métiers, boas práticas.

Los almacenes visitables del Musée des Arts et Métiers en Paris

Resumen

Los almacenes visibles y o visitables se han convertido en un fenómeno recurrente en la realidad internacional de museos, como resultado de los cambios profundos ocurridos en el seno de la sociedad contemporánea posmoderna, y de que cabe destacar la primacía de la comunicación y la acessibilidad a las colecciones. En este artículo reflexionamos sobre este proceso de cambio de los almancenes de museos en lugares visitables además de los conceptos subyacentes de organización, gestionamiento, conservación y divulgación de las colecciones. Es nuestra intención elaborar un guía de buenas prácticas sobre condiciones de almacenes de museos. Analizamos el caso de estudio de los almacenes del Musée des Arts et Métiers, en Paris, que hemos visitado

Palabras clave:

Almacenes visitables, almacenes visibles, conservación preventiva, almacenes del Musée des Arts et Métiers; buenas prácticas

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As Reservas Visitáveis do Musée des Arts et Métiers em ParisMaria Fernando Gomes | Eduarda Vieira

The Visitable Storages of the Musée des Arts et Métiers in Paris

Abstract:

Visible and or open storages become a recurrent phenomenon in the international panorama museum, as a result of deep changes occurred in contemporary postmodern society, of which we highlight the primacy of communication and the collections access. In this article we think over this process and on the concepts behind it in order to understand the experiences undertaken by museums in general in this field, and most of all on the storage organization, management, preservation and divulgation collections policies, towards to elaborate a frame of references of storage conditions best practices. Accordingly the storage of the Musée des Arts et Métiers (Paris) case study is analyzed, since it is considered a museological reference in the European scene.

Keywords

Visible storage, open storage, storage of Musée des Arts et Métiers, preventive conservation, best practices

Introdução

A Revolução Francesa providenciou as condições para a emergência de um novo programa para os museus1. Deu-se o surgimento de uma nova “verdade” e racionalidade, da qual resultou uma moderna funcionalidade para uma nova instituição – o museu público (HOOPER--GREENHILL,1989: 63).

Este novo programa museológico incrementou uma significativa transformação e restru-turação das práticas de coleccionismo levadas a cabo na Renascença. Nos séculos XV, XVI e inclusive no século XVII as práticas de coleccionismo estavam associadas a membros abastados e poderosos da realeza, da aristocracia, do clero, assim como a comerciantes e banqueiros, pertencentes à burguesia em ascensão, que agiam segundo os seus próprios interesses e ambições. A natureza do fenómeno Coleccionismo determinava que apenas um grupo restrito de indivíduos eruditos tivesse acesso a este circuito fechado.

Por toda a Europa proliferaram os Studiolos, as Câmaras de Tesouros (Schatzkammers) e os Gabinetes de Curiosidades (Wünderkammers)2. A imagem pictural dos gabinetes de curiosidades invoca o microcosmos do conhecimento humano, em conformidade com a

1 A par dos ideais Republicanos podemos abordar o conceito de disciplinar society, desenvolvido por Michael Foucault para descrever as tecnologias disciplinares de poder para examinar, classificar e controlar o tempo, espaço, corpos e coisas, durante os séculos dezassete e dezoito. As disciplinas/métodos que dividiam e con-trolavam o tempo, espaço e movimento, empregues apenas por alguns membros da sociedade (exemplo do clero e do exército), passam a ser fórmulas gerais de dominação e controlo. A disciplina como técnica de poder opera através da observação hierárquica, julgamento normalizado e examinação (HOOPER-GREENHILL:1989, 61 e 63). Estes princípios foram transpostos para o domínio da nova instituição criada - o museu público.

2 Nos Wünderkammers o conhecimento é interpretado através do artefacto, deixando para trás a alegoria, o simbolismo e o pictórico. Esta é a grande evolução comparativamente com as Schatzkammers.

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filosofia humanista (SCHLUMBERGER, 1989:90) Estes gabinetes eram constituídos por um conjunto de peças heterogéneas e assistemáticas, fruto de proveniências e naturezas distintas, na sua maior parte do mundo natural.

O método de apresentação dos bens caracterizava-se pela exibição dos artefactos numa configuração concentrada, agrupando-os em conjunto, quer fosse pelo significado de seme-lhança e afinidade, ou por um outro qualquer elemento aglutinador, muitas vezes ligado ao domínio do oculto e da superstição, de acordo com a circunstância intelectual do proprietário. Tratava-se da compilação sistemática de diversos objectos que pela singularidade ou raridade tornavam-se alvo de curiosidade e cobiça, sendo os espaços conceptualmente organizados em catálogos “científicos”.

Gradualmente os ideais de Episteme Renascentista foram abandonados, sobrepondo-se um maior rigor e conhecimento científico, dando origem aos denominados Gabinetes do Mundo (Künstkammers). Este interesse científico foi aplicado à caracterização e organização das evidências materiais, as quais passam a ser efectuadas por classes diferenciadoras, com base em tratados, destacando-se o de Samuel Quiccheberg.

Nas origens, o sistema expositivo dos museus dos finais do século XVII e do século XVIII assemelha-se ainda ao do dos gabinetes de curiosidades. As pinturas ordenadas segundo temas, materiais e formatos revestiam a totalidade das paredes das divisões, enquanto que os objectos tridimensionais eram exibidos ao centro das salas sobre amplas mesas (HOOPER-GREENHILL,1989: 69).

O museu assumia então um papel enciclopédico, recolector e acumulativo. Recorde-se que nesta fase a totalidade dos objectos que compunham a colecção se achava exposta. A metodologia deste processo baseia-se no desenvolvimento da compreensão do visitante através da exploração dos objectos dispostos em simultâneo; anseia-se que ele consiga apreender os conhecimentos por meio do factor descoberta (MAXIMEA, 2002: 149).

Com o surgimento do conceito de museu como um instrumento para a educação democrá-tica das “massas” ou do cidadão, criou-se uma divisão entre assuntos do conhecimento, entre produtores e consumidores do conhecimento, especialistas e leigos. No museu público os assuntos relacionados com a produção são localizados em zonas escondidas do museu, enquanto os temas de consumo são localizados em espaços públicos (HOOPER--GREENHILL,1989: 71).

Uma das consequências do novo programa museológico para além da reformulação do processo expositivo3 consistiu na criação de uma fronteira entre o domínio público e privado no museu. Nesta linha surge o “repositório” - a reserva. A área de reserva é concebida como uma zona privada, fechada, por oposição à de exposição, aberta, pública. O antago-

3 O método organizativo de exibição das obras foi sofrendo sucessivas mutações, ajustando-se às correntes de pensamento; as classificações transitaram da separação entre os trabalhos dos artistas vivos dos não vivos, a parâmetros cronológicos, à divisão segundo escolas de artistas, de acordo com a localização geográfica e histórica.

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nismo entre estes dois espaços suscitou novas práticas de conservação preventiva a par da evolução do conceito de reserva, mencionada primeiramente como armazém, depósito ou arrecadação (AMARAL, 2011: 2).

Os Novos Paradigmas de Reserva Museológica

O advento do “Musée Français” conduz à criação da reserva. A concepção de reserva pretende assegurar princípios de conservação, preservação e salvaguarda do património, estando também relacionado com questões ideológicas, políticas e sociais.

O volume de obras que chegavam a Paris no período napoleónico, oriundas de todas as regiões francesas, assim como procedentes dos países conquistados, era enorme sendo impossível expor todas as peças. A afluência das obras potenciou a rearticulação do sis-tema expositivo com o propósito de se armazenar uma percentagem dos bens que outrora estavam expostos.

A época Clássica introduz um novo método conceptual de classificação dos objectos, através do qual a organização é feita com base em pressupostos científicos de ordem e racionalidade. Ocorre em paralelo o aparecimento das colecções pré-institucionais no seio das universidades e sociedades científicas, das quais se destaca o Repositório da Royal Society de Londres.

A reserva museológica acompanha esta tendência deixando de ser um mero local de arma-zenamento, transformando-se num local onde os bens culturais para além de preservados estão cientificamente organizados, com regras próprias da museologia. Tudo se encaminharia para a consolidação desta trajectória com as reservas a ganharem enquadramento jurídico fenómeno ao qual a realidade portuguesa não ficou alheia, como o comprova a mais recente legislação do sector a Lei-quadro dos Museus Portugueses nº47, de 19 de Agosto de 2004, nos artigos 30º, 51º e 60º (DECRETO-LEI n.º 47/2004).

Por se tratar de um local intencionalmente inacessível, no sentido de cumprir requisitos de conservação, paradigma científico, desconhecido, e por vezes até esquecido dos visitantes, a reserva suscita em certos públicos uma ideia algo romanceada associada a certos ambientes de fantasia que remetem para os contos das Mil e Uma Noites do tipo Ali Babá e os Quarenta Ladrões, pois assemelha-se no seu imaginário a um local que esconde preciosos tesouros4. Outra versão deste universo quimérico será a de uma analogia com uma arrecadação ou arrumos caseiros, onde se encontram depositados objectos de menor valor, digamos as obras “rejeitadas”. Por contraponto, uma terceira imagem será a de um laboratório, no qual os bens culturais estão acondicionados segundos elevados padrões de conservação, qualidade, segurança, sendo apenas manuseados por profissionais especializados: os conservadores – restauradores.

4 As ideias do imaginário colectivo ainda não estão de todo ultrapassadas; exemplo disso são as expressões empregues por Philippe Richert, no relatório de informação que apresentou ao Senado Francês, em 2003 - Les réserves des musées: Cavernes d’Ali Baba ou bric-à-brac?.

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As reservas museológicas constituem um polo nevrálgico do museu. Luc Rémy é ainda mais categórico ao afirmar que a reserva é o museu (RÉMY, 1999:27). Nesta perspectiva a reserva é um local dinâmico, que congrega as suas funções primordiais, vocacionadas para a conservação e investigação do espólio, que possibilita igualmente uma maior acessibilidade tanto aos profissionais do corpo técnico do museu, como ao público, tornando-se assim um instrumento de difusão do conhecimento.

Partindo de uma intenção de democratização do acesso à cultura e do saber a todos, bem como da componente da comunicação5, os museus passaram a adoptar uma tipologia de reserva distinta – a reserva visível e ou visitável6. O termo é empregue para caracterizar os projectos direccionados à abertura das reservas ao público, sua visualização, visita e por vezes refere-se ao método de exibição das colecções, estando estas ou não na área de reserva, abarcando modalidades variadas e distintas entre si7. De igual modo também pode ser utilizado para descrever uma sala de consulta, galeria de estudo, sala de exposição ou armazenamento visível.

Todavia torna-se pertinente estabelecer uma definição conceptual destas tipologias e voca-bulários, por vezes empregues de modo erróneo. Uma confusão que ocorre com frequência, prende-se com o uso do termo acessibilidade às colecções e abertura do espaço ao público. Numa reserva tem de haver acessibilidade do ponto de vista de acesso ao recinto, aos dispositivos de armazenamento e por último aos objectos. Este princípio aplica-se para facilitar a actividade interna do quadro técnico da instituição, mas também é funcional quando acedem ao espaço de reserva pessoas externas.

Uma reserva aberta ao público pode assumir diferentes denominações consoante o tipo de utilizadores, o tipo de acesso às colecções e as modalidades de admissão. Ao nível dos utilizadores podemos identificar três grupos: o grande público, o público escolar e o público científico ou especializado.

O acesso às colecções pode ser directo ou indirecto. No acesso directo existe a possibili-dade do público tocar, manusear os objectos, ao contrário do acesso indirecto em que há uma barreira física entre a obra e o público. Temos consciência que em termos efectivos, o grande público e o público escolar nunca têm ou terão o total acesso na verdadeira acepção da palavra, aos objectos. Se considerarmos que uma elevada percentagem dos bens em ambiente museológico se danificam no decorrer do processo de manuseamento, é impensável quebrar esta pequena / grande regra, e passarmos a permitir que todas as

5 Vd. HOOPER-GREENHILL, Eilean. Changing values in the art museum: rethinking communication and learning. In International Journal of Heritage Studies. HOOPER-GREENHILL, Eilean (edit.). London: Routledge. Nº 6 (2000), pp.9-31.

6 Uma das primeiras experiências desenvolvidas ocorreu no Museum of Antropology (MOA), da University of British Columbia, em Vancouver, no Canada, em 1976.

7 Curiosamente em termos comparativos pudemos encontrar algumas similitudes ao nível da aparência e da organização visual entre uma reserva museológica visível e ou visitável e os gabinetes de curiosidades. Todavia os critérios de organização conceptual subjacentes a cada um dos conceitos são distintos; no primeiro caso baseiam-se em pressupostos de racionalidade e rigor científico, enquanto que no segundo caso, assentam em critérios idiossincráticos de cada coleccionador, princípios simbólicos, entre outros.

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peças sejam manuseadas, sem qualquer tipo de objecção. Terão obviamente que existir limitações e condicionalismos. De outra forma, não asseguraríamos a possibilidade de frui-ção dos bens culturais para as gerações vindouras. Contudo, as novas tecnologias abrem a possibilidade de fruição por meios indirectos como é o caso das visitas virtuais ou das exposições interactivas com réplicas.

Uma reserva convencional pode ser encarada como um local visitável, embora idealmente para um público especializado ou para um público educado e sensibilizado para a compreen-são do património cultural. Todavia o conceito de reserva visitável pressupõe a entrada no local de reserva de público indiferenciado – o grande público, como acontece em Londres, no London Transport Museum Detop. Neste caso concreto é proporcionado o acesso directo a alguns dos objectos da colecção; porém por norma, nesta tipologia de reserva isto não acontece. Convém salientar que numa reserva visitável o acesso é realizado segundo mediação, por meio de visita guiada. Questionamos a opção de livre acesso ao interior do recinto de depósito por parte dos diferentes tipos de utilizadores, sem mediação, na medida em deixaríamos de ter uma “verdadeira” reserva, correndo-se o risco desse espaço deixar de cumprir as funções a que se destina. Não obstante, destacamos que podem coexistir na mesma instituição diferentes reservas, para asseverar a preservação de colecções com critérios conservativos distintos, o que possibilitará, por exemplo, que uma das divisões de reserva possa ser convertida numa reserva visível ou visitável acondicionando uma parte do espólio museológico.

Uma reserva visível permite a visualização do espaço de reserva na sua totalidade ou em parte, sem que haja o acesso físico ao interior; exemplo disso é a área de reserva da Instituição Schaulager, em Basileia, na Suíça (GOMES, 2013). Nesta modalidade de reserva o acesso é indirecto às obras acondicionadas; o contacto visual é estabelecido mas existe algum tipo de barreira, que na maior parte dos casos é constituída por um vidro. As modalidades de reserva visível e visitável podem existir em simultâneo à semelhança do que acontece nas reservas do Musée Louvre-Lens, em Lens, França.

O armazenamento visível corresponde ao método de exibição de um conjunto de exem-plares representativos da colecção dentro do espaço expositivo de um museu, dispostos em equipamentos museográficos que permitem a visualização do espólio, apesar de haver uma barreira física, tal como se pode constatar na Galeria de Cerâmica do Victoria & Albert Museum, em Londres, Inglaterra. O tipo de método expositivo assemelha-se ao do ambiente de reserva; são disponibilizados na generalidade dispositivos mediadores aos visitantes, que assumem a forma de áudio-guias, painéis explicativos, entre outros.

A galeria de estudo assume-se como um modelo complementar das salas de exposição, possibilitando uma abordagem diferente das colecções, mais direccionada para questões temáticas do que cronológicas, facilitando um maior compreensão do objecto pela con-textualização do mesmo, “quebrando” o convencional método de exibição, tendo como inspiração La galerie d’étude du Musée National des Arts et Traditions Populaires (MNATP),

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implementada por Georges-Henri Rivière. As galerias de estudo não permitem o acesso directo por parte do público aos objectos sendo muito utilizadas nos museus etnográficos.

Um outro conceito é o de reserva consultável, sala de estudo ou sala de consulta. Estes três termos podem ser considerados sinónimos. Todos eles reportam para instituições museológicas nas quais por norma, apenas o público especializado pode desenvolver investigação sobre o espólio em depósito, usufruindo de acesso directo às colecções e respectiva documentação, tendo inclusive permissão para manusear o objecto ou objectos alvo de estudo. As condições de admissão e de consulta variam de acordo com as instituições. Porém no nosso entender o termo reserva consultável é questionável pelo uso do próprio adjectivo “consultável”, na medida em que o acto de consulta deverá ser realizado numa sala localizada na proximidade da reserva e não na área de reserva, à excepção de circunstâncias especiais em que por características intrínsecas aos objectos (peso, dimensões, …) obrigam a que seja o investi-gador a aceder à reserva. Neste sentido, somos de opinião que por questões terminológicas será mais correcta a utilização do termo sala de consulta ou sala de estudo. Como exemplo mencionamos La Salle de consultation du Gabinet des Dessins du Département des Arts Graphiques du Musée du Louvre, em Paris, França.

Em suma, estas tipologias pretendem reforçar o acesso do público entendido em sentido lato ao património cultural, conferindo um estatuto activo aos visitantes no processo interpretativo e de apreensão do conhecimento. Importa salientar que as tipologias das colecções do museu podem ser determinantes, na medida em que existem colecções que pelas suas características intrínsecas podem ou não, ser passíveis de aplicabilidade ao conceito de reserva visível ou visitável, sendo essencial realizar um processo prévio de análise e de gestão de risco.

Ao examinarmos as iniciativas que algumas instituições desenvolveram no sentido de possibilitar a observação de um maior número de bens culturais através da implementação das reservas visíveis ou visitáveis, percebemos que os resultados são distintos, havendo casos de sucesso, como as reservas visitáveis do Musée des Arts et Métiers, em Paris, e experiências fracassadas, como aconteceu na reserva visitável do Musée des Beaux-Arts de Rouen, em Rouen, igualmente em França. Contudo, elas assumem-se como uma prática recorrente a nível internacional, na actualidade.

Provavelmente pela dificuldade em compreender a verdadeira finalidade de uma reserva visível ou visitável, a ausência de conhecimento ou de motivação por parte dos visitantes leva a que os utilizadores que mais usufruam e tirem partido deste método, sejam os que se inserem na tipologia do público especializado. Contribui para essa incompreensão o facto das reservas visitáveis serem um fenómeno de comunicação recente de finais do século XX, de ser um tipo de oferta à partida considerado mais elitista, o que pode ser explicável pela inexistência de um discurso museológico construído, neste domínio. Até certo ponto, o público apenas está familiarizado com o discurso museológico do espaço de exposição. Para países com algum deficit de educação patrimonial torna-se de difícil a compreensão para o público indiferenciado esta tipologia de reserva, e o fim a que se destina, atendendo

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a que o museu ao oferecer mais um produto chamado reserva visitável está a reforçar o objectivo da comunicação, uma vez que já disponibilizava isso no espaço de exposição, e passa a fazê-lo agora no espaço privado de reserva. Muitos poderão questionar a função da reserva pelo antagonismo da vertente de conservação estar aliada à comunicação. A implementação de salas de consulta ou salas de estudo pode ser uma alternativa viável, assim como o recurso às novas tecnologias: visita virtual à reserva, ou possibilitar o acesso em linha a informações detalhadas sobre todas as obras em reserva.

A Reserva do Musée des Arts et Métiers

No âmbito da nossa investigação8 sobre condições de reservas, numa vertente de conser-vação, efectuámos uma visita à Reserva do Musée des Arts et Métiers9, em Paris, caso de estudo seleccionado como tentativa de percepção da realidade europeia. A selecção deste caso justifica-se pela referência de qualidade que está na base da conceptualização desta reserva, a qual tem a particularidade de ter sido concebida de raiz para o fim a que se destina, e ser encarada como uma reserva visitável.

O Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM), o Musée des Arts et Métiers (MAM), tal como a respectiva reserva [figura 1], são uma instituição de utilidade pública, sob a tutela do estado francês. O CNAM foi criado em 1794 pelo Abade Grégoire10 (MAM WEBSITE). O museu está instalado na antiga abadia de Saint-Martin-des-Champs, em pleno centro de Paris, tendo por missão a busca do conhecimento e a sua difusão pelo público, no âmbito da ciência e das técnicas.

8 Este artigo insere-se no projecto de doutoramento da autora, cujo tema da dissertação é: «Conservação Pre-ventiva: Condições de Reserva», no âmbito do Doutoramento em Conservação de Bens Culturais, da EA|UCP. O trabalho de investigação que incide sobre condições de reservas numa vertente de conservação, tem por objectivo realizar uma abordagem precisa em torno do conceito de reserva visível e ou visitável e dos modelos implementados em instituições museológicas, tendo por panorama a realidade internacional, mas com especial incidência na situação europeia e sobretudo portuguesa, incluindo o levantamento das práticas em curso, com vista à elaboração de um referencial de boas práticas neste domínio.

9 MAM | CNAM Website: http://www.arts-et-metiers.net/10 Foi um dos primeiros defensores do património francês, assumindo-o na esfera pública. Clamou contra o van-

dalismo que esteve na base da destruição de muitos monumentos considerados símbolos do Ancien Regime, na França pós-revolucionária (1789).

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Figura 1 – Perspectiva do exterior da Reserva do MAM. ©Maria Fernando Gomes.

Tipologia das Colecções

A colecção científica e técnica do MAM depositada na reserva engloba cerca de 80.000 objectos, para além de 15.000 desenhos. A ampla diversidade de tipologias de objectos abrange peças das sete principais áreas temáticas do Museu que se dividem em: instrumentos científicos, materiais, a construção, a comunicação, a energia, a mecânica e os transportes. Deste modo, podemos encontrar nas reservas uma multiplicidade de distintas categorias de objectos, que vão desde os instrumentos científicos, aos instrumentos musicais, ao mobiliário, veículos, fotografia, pintura, desenho, à numismática, ao vidro, cerâmica, têxteis, entre outros.

O Percurso para a “Criação” do Conceito

Sendo uma instituição de cariz público, o plano de renovação do MAM que data de finais da década de oitenta do século XX, constituiu o leit motiv para uma reflexão alargada em torno da acessibilidade museológica em França. As inquietações em torno da problemática da conservação e preservação desta vasta colecção, tornaram premente a busca de uma solução que assegurasse a implementação de condições e infra-estruturas mais adequadas, para o acondicionamento do espólio. O projecto de remodelação do MAM veio possibilitar esta reforma, tendo a opção recaído na construção de um novo imóvel para as reservas. Para além da conservação, também foi atribuída uma especial importância às componentes do estudo, pesquisa, investigação e divulgação das colecções. Pierri Piganiol responsável pela elaboração do relatório prévio do projecto, em 1989, sugeriu a criação de reservas visitáveis, a edificar fora da área do museu (MAM WEBSITE).

O objectivo foi o de se conceber um moderno pólo de armazenamento de bens artísticos e culturais, que congregasse em seu redor um conjunto de equipamentos de valor acrescen-

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tado. Estes equipamentos estão devidamente organizados e têm espaços individualizados, permitindo o desenvolvimento das actividades quotidianas de gestão de uma instituição museológica, como a embalagem e desembalagem, a inventariação, a consulta, a conservação e restauro, entre outras. A organização conceptual do espaço assegura a concretização das três principais funções desta reserva, que se centram no estudo, tratamento e conservação das colecções.

Atendendo à ampla diversidade de tipologias das colecções do MAM, da área das ciências, da técnica, da arte, da própria indústria, era essencial dotar este edifício de uma zona consagrada ao estudo, análise e investigação do vastíssimo espólio existente em depósito, já que esta tarefa está longe, ainda hoje, de estar concluída. As reservas possuem uma sala exclusiva para consulta, estando direccionadas para um público específico, especializado – utilizadores profissionais, ou seja investigadores, cientistas, estudiosos, conservadores, museólogos, historiadores, profissionais de outros sectores do património cultural, bem como estudantes. É nesta medida, que a Reserva apesar de estar desde a sua génese associada ao conceito de reserva visitável, tem vindo gradualmente a ser conotada com a ideia de reserva consultável (POUPIN, 2008: 10). A funcionalidade e a acessibilidade às colecções e entre os diferentes compartimentos que compõem a reserva são determinantes, constituindo os elementos aglu-tinadores de todo o projecto, uma vez que era fundamental desenvolver uma análise e gestão de risco, que articulasse os conflitos de interesse que poderiam advir da abertura do espaço ao público, no qual se pretende conjugar a conservação do espólio, e a difusão do conhecimento.

As reservas são visitáveis para os profissionais já mencionados podendo ser também visitadas pelo grande público, em momentos pontuais ao longo do ano, contribuindo assim para a divulgação e valorização do património científico e técnico contemporâneo.

Projecto Arquitetónico

O lançamento do concurso para o projecto de construção da Reserva do MAM, sucedeu em Outubro de 1992, tendo a obra ficado a cargo do Arquitecto François Deslaugierse e respectiva equipa [figura 2]. O processo de construção decorreu entre os anos de 1993 e 1994. O edifício foi inaugurado em Setembro de 1994, concluindo a primeira de várias etapas do processo de renovação do (POUPIN, 2008: 2). As colecções do museu começaram a ser transferidas para a reserva em Abril de 1996. No entanto, a abertura da reserva aos investigadores verificou-se apenas em finais de 1996 e início de 1997 (PICARD, 1998).

Localização geográfica

Geograficamente o edifício tem a particularidade de estar erigido na periferia da cidade, dada a maior facilidade de se encontrarem terrenos disponíveis com as dimensões necessárias para o desenvolvimento dum projecto desta envergadura. A Reserva do MAM está localizada em Saint-Denis, a cerca de dez quilómetros do centro da cidade de Paris.

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Figura 2 – Projeto das reservas do MAM, do Arquitecto François Deslaugierse e respectiva equipa. © L. Boegly / JM. Courant. Fonte: http://www.lmacheboeuf.fr/projects/reserves-du-musee-des-arts-et-metiers/.

Organização Espacial

O arquitecto François Deslaugiers, assumindo a Reserva do MAM como um lugar onde há uma memória viva (LA REVUE, 1993), optou por criar um edifício eclético, constituído por dois corpos distintos, unidos entre si. A dicotomia das duas construções deixa transparecer as diferentes funções que encerram: o armazenamento, por um lado e a conservação e investigação, por outro. A reserva é composta por um primeiro imóvel, voltado a oeste, com cerca de sete metros de altura, coberto por uma fuselagem dinâmica de aço inox, cujos espaços são vocacionados para a «vida» e para actividades, onde estão localizados os serviços administrativos, de conservação e investigação. Esta «cabine» elegante e despojada, apresenta algumas janelas ordenadas na horizontal, formando como que um friso, iluminando as várias divisões. A entrada e saída dos objectos é realizada através de uma colossal porta basculante [figura 3]. O outro imóvel, disposto em paralelo, e portanto direccionado a este, assume-se como um «cofre»11, contentor de memória, de formato paralelepipédico, com aproximadamente nove metros de altura, revestido por painéis de madeira hidrófila, onde se acham depositadas as colecções A superfície de armazenamento estende-se um piso abaixo da cota do solo, com acesso por elevador e escadas, abrangendo quase a totalidade da área das duas construções ao nível do solo.

A união entre os dois mundos é efectuada por uma zona de terraço - corredor, com divisórias exteriores em vidro transparente, conferindo luminosidade aos recintos interiores das áreas dos serviços (DESLAUGIERS, 2008: 22). O acesso interior à zona de depósito faz-se através da passagem deste corredor, com ausência de luz natural directa, por meio de duas portas elevatórias espaçadas por uma antecâmara, que funcionam em alternância [figura 4].

11 Este edifício não possui qualquer tipo de janelas.

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Partindo da linha de pensamento de Deslaugiers, que defende que os espaços são feitos para serem vividos (La Revue, 1993), a concepção arquitectónica do interior demonstra uma grande simplicidade, facilidade de circulação, excelente articulação dos espaços no seu conjunto dada a diversidade de ateliers, laboratórios e gabinetes, obedecendo ao princípio da funcionalidade e respeitando os requisitos em torno da conservação e salvaguarda de bens culturais.

Figura 3 e 4 – Perspetiva da porta exterior basculante aberta. © L. Boegly / JM. Courant. Fonte: http://www.lmacheboeuf.fr/projects/reserves-du-musee-des-arts-et-metiers/. Portas elevatórias de acesso à

área de depósito; perspectiva do interior da reserva. ©Maria Fernando Gomes.

Superfícies

No que diz respeito à superfície global a Reserva do MAM compreende 7374 m2, dos quais 5150 são direccionados para depósito dos bens culturais. Os diversos ateliers ocupam 555 m2. Destacam-se ainda das várias áreas, as zonas de estudo e pesquisa com 210 m2, e os compartimentos para suporte museográfico que 260 m2.

Equipamentos

Quanto a equipamentos, a Reserva do MAM é altamente qualificada estando asseguradas as distintas precisões em termos de logística de um organismo como este. Dispõe de compar-timentos para as funções de embalagem, desembalagem, descontaminação, quarentena, armazenamento de materiais, ateliers de conservação e restauro [figura 5], sala de mecânica, de metais, carpintaria, estúdio e laboratório fotográfico, sala de consulta [figura 6], assim como outras dependências para fins administrativos.

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Figura 5, 6 – Interior da Reserva do MAM – Área de serviços: Atelier de restauro. Perspectiva da Sala de Consulta. ©Maria Fernando Gomes.

Conservação

Na Reserva do MAM os cuidados com as questões de conservação são uma prioridade. A qualidade da gestão deste domínio passa pela interconexão de critérios de funcionalidade, acessibilidade, preservação, consulta e segurança. A instituição desenvolve estratégias de conservação dirigidas às características e necessidades singulares das suas colecções, tendo em consideração a gestão de risco. Na prática, as acções compreendem o esquema de articulação dos espaços, os percursos de circulação de objectos e pessoas, o método de inventariação, a visibilidade dos objectos, a estabilidade das condições ambiente, o tipo de iluminação, o sistema de disposição das obras, as circunstâncias de acesso, entre outras.

Armazenamento das obras

Neste museu, o facto da reserva ter sido concebida de raiz com o propósito de ser visitável, possibilitou a construção de um discurso museológico. A sequência de exposição das peças, a sua disposição espacial e o equipamento museográfico seleccionado, são deste modo alvo de uma selecção mais criteriosa, para se salvaguardarem alguns condicionalismos que podiam advir, da abertura da reserva ao público. A concepção da sinalética e do mobiliário estiveram a cargo do arquitecto de interiores, Laurence Machebouef.

A distribuição das peças das colecções é feita pelos dois recintos de reserva existentes: um no piso térreo e o outro numa cota abaixo do solo. Os objectos mais volumosos e pesados estão depositados na reserva do piso térreo, encontrando-se dispostos em prateleiras, com limite de peso até 500 kg, e sobre paletes tanto ao nível do pavimento, como em zonas de mezzanines de armazenamento, para objectos com uma tonelada ou peso superior [figura 7].

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A segunda área de reserva localizada no piso inferior destina-se a objectos de menores dimensões, e às colecções consideradas mais delicadas. Aqui as obras estão acondicionadas em estantes para peças com peso inferior a 350 kg. As restantes estão acomodadas em arquivos deslizantes com sistema de grelha, para suster por exemplo quadros [figura 8], em armários envidraçados, com prateleiras, na parte superior e com gavetas na zona inferior [figura 9], sendo que nestas duas situações, há um sistema de segurança com chave.

Figura 7, 8 – Interior da área de Reserva do MAM, piso ao nível do solo. Área de reserva no piso com cota abaixo do solo: Sistema de armazenamento de quadros. ©Maria Fernando Gomes.

Esta reserva ainda tem a particularidade de armazenar alguns exemplares de mobiliário museográfico da época da criação do museu [figura 10]. A totalidade do mobiliário foi dimensionada às especificidades dos diferentes objectos das colecções, estando as peças sempre elevadas do solo quarenta e cinco milímetros.

Figura 9, 10 – Interior da área de Reserva do MAM: Área de reserva no piso com cota abaixo do solo: armários envidraçados com prateleiras, na parte superior e com gavetas na zona inferior. Exemplares de mobiliário

museográfico da época da criação do museu. ©Maria Fernando Gomes.

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Condições ambiente

Na reserva do MAM apesar de haver uma ampla diversidade de materiais e tipologias de colecções, as condições ambiente dos armazéns de bens culturais apresentam um valor único, durante todo o ano. A humidade relativa situa-se nos quarenta e cinco por cento, e a temperatura registada é de dezoito graus centígrados. A climatização é realizada por sistema de ar-condicionado adaptado a cada recinto, passando as tubagens de aquecimento / arrefecimento pelo pavimento. A qualidade do ar é controlada por meio de uma unidade de tratamento de ar, onde o ar fresco é filtrado e humidificado ou desumidificado, até alcançar o teor de humidade predefinido. Existem ventiladores para forçar a circulação do ar, o qual é totalmente filtrado. O controlo das condições ambiente também é realizado noutras dependências como ateliers, laboratórios e sala de consulta. O edifício possui uma elevada inércia térmica fruto do sistema construtivo. No caso da cabine, ao revestimento exterior de fuselagem em aço inox, sobrepõe-se um isolamento térmico de lã de rocha com oitenta milímetros de espessura seguido de uma segunda camada de placas de aço, o que contribui para controlar com rigor as variações termohigrométricas (PICARD, 1996).

Em termos de iluminação os níveis permitidos no interior das áreas de armazenamento situam-se nos trezentos lux, sendo empregues lâmpadas com filtros ultravioletas. Como já foi mencionado não existe qualquer fonte de luz natural neste edifício.

Sistema de inventariação / Mediação com o Público

Todos os objectos existentes na reserva do MAM estão etiquetados com um sistema de código de barras alfanumérico. Este método permite determinar a localização em permanência de um objecto. Os bens culturais estão organizados por zonas, blocos, compartimento, e por nível (prateleira ou gaveta). A visita ao edifício da Reserva do MAM em termos de mediação, em circunstâncias específicas, como tivemos oportunidade de constatar, é conduzida pelo responsável das reservas. Porém, esta fica por norma, a cargo de outro membro da equipa técnica, isto para utilizadores profissionais. As visitas guiadas para o grande público são organizadas em parceria com o Comité Départemental du Tourisme de la Seine – Saint--Denis. Incorporadas no ciclo de visitas «Voyage au cœur des techniques»12, os participantes têm a possibilidade de descobrir o património através da realização de diversas actividades temáticas, que vão desde a abordagem aos materiais de construção (vidro, gesso, madeira…), aos transportes, à energia, entre outros conteúdos. Estas iniciativas estão inscritas num circuito mais alargado, pelo que além da visita à Reserva do MAM, compreendem a visita a outros locais culturais de interesse da região. As visitas têm um custo, sendo realizadas em grupo, com o limite máximo de vinte pessoas.

12 Vd. http://www.tourisme93.com/.

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Condições de Acesso

Antes de programarmos a nossa visita é necessário solicitar uma autorização prévia ao responsável da Reserva do MAM, explanando os motivos da mesma.

Uma vez chegados ao destino, é com grande facilidade e rapidez que nos deslocamos por meio de transportes públicos, na cidade. Se desejamos ir até Saint-Denis uma das opções é o uso do comboio, saindo na estação Stade de France - Saint-Denis e percorrer a pé as ruas da localidade, durante cerca de quinze minutos, até encontrarmos o CNAM e nas imediações deste, a Reserva. Como já foi referido a Reserva do MAM acolhe utilizadores profissionais, que integram investigadores, conservadores, restauradores, entre outros grupos ligados ao mundo do património, tratando-se um processo que ocorre com regularidade13. Importa salientar, não obstante, que nem todas as pessoas chegam a entrar nos recintos de arma-zenamento, ficando-se apenas, na maior parte das situações, pela sala de consulta14. Era espectável para alguns, que fossem os investigadores a irem ao encontro dos objectos, mas por norma o que acontece é o oposto, ou seja, são os objectos que transitam da zona de reserva e vão ao encontro dos investigadores, sendo cuidadosamente transportados pelos técnicos, até à referida sala, fazendo uso de carrinhos e ou monta-cargas. Apenas quando por questões de ordem técnica, a título de exemplo, as características da peça, quanto a dimensões e peso, constituem um entrave, é que o investigador realiza a pesquisa sobre e/ ou os objectos alvo de estudo, no interior da reserva.

Imbuída de uma missão pedagógica, dada a confluência de saberes proporcionada pelas tipologias das colecções do MAM, a direcção da Reserva possibilita a abertura dos seus espaços ao grande público ao longo do ano, ainda que de modo esporádico e a um número reduzido de visitantes, sendo que uma das ocasiões de abertura das reservas à comunidade coincide com a data de realização das Jornadas Europeias do Património, ou da «Fête de la Science».

Importa salientar que no caso de estudo analisado a acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida foi pensada, não existindo barreiras arquitectónicas.

Conclusão

A Reserva do Musée des Arts et Métiers ao implementar o conceito de reserva visitável assume um papel precursor no panorama museológico europeu. Neste caso de estudo, o facto do projecto arquitectónico e a construção do edifício ter sido na totalidade pensado e executado de raiz para a função, pôde contribuir para a criação de um discurso, nomeada-mente se atendermos à primazia atribuída à difusão do conhecimento, através do incentivo

13 Em média o número de visitantes anuais da Reserva MAM ronda as mil e quinhentas pessoas, das quais cerca de quatrocentas são investigadores.

14 Esta sala é constituída por dois compartimentos, estando devidamente equipada para o efeito, dispondo de registos das colecções, dossiers com documentação acerca das peças, como computadores para acesso a bases de dados.

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ao estudo e investigação das colecções, possibilitado pela acessibilidade do público aos bens existentes em reserva, ainda que com graus de visibilidade distintos. Embora seja uma reserva visitável, na prática pode ser analisada como uma reserva consultável, porque a grande percentagem de visitantes são utilizadores profissionais que pretendem consultar as colecções. Todavia, era necessário a existência dispositivos de mediação entre os bens culturais e os demais visitantes, que nesta reserva assumem a forma de visitas guiadas, realizadas por guias, ou técnicos da instituição. Pudemos constatar in loco que o processo de mediação na reserva do MAM é bem estruturado e conduzido, permitindo que a experiência vivenciada seja positiva e enriquecedora a diversos níveis, assumindo-se como mais uma ferramenta pedagógica de consciencialização do público para a conservação do património cultural.

Embora a reserva do Musée des Arts et Métiers tenha implementado estratégias específicas inerentes às características do seu espólio (na sua maior parte de natureza científica e técnica), existem contudo certos tópicos que podem ser encarados como elementos transversais, servindo de linhas orientadoras, para futuros projectos de concepção de reservas visitáveis, já que se trata de um excelente exemplo de boas práticas no que toca à conservação, preservação, divulgação e acessibilidade das colecções, em espaço de reserva.

Referências

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Agradecimentos

Prof. Doutora Eduarda Vieira (orientadora); Doutor Engenheiro Luís Efrem Elias Casanovas e Prof. Doutora Ana Calvo Manuel (co-orientadores); Tony Basset, Responsável das Reservas do MAM; Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).

Curriculum das autoras

Maria Fernando Gomes: Doutoranda em Conservação de Pintura na Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional do Porto, Portugal. Tema de Dissertação: «Conservação Preventiva: Condições de Reserva». Bolseira de doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Membro colaborador do CITAR – Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes, EA/UCP/Porto, na linha de investigação “Estudo e Con-servação do Património Cultural”, na área temática de “Conservação de Bens Culturais”.

Licenciada em Arte, Conservação e Restauro, com especialização em Escultura e Talha, pela Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional do Porto.

Contacto: [email protected]

Eduarda Vieira: Doutorada em Conservação e Restauro do Património Histórico-Artístico pela Universidade Politécnica de Valência. Mestre em Recuperação do Património Arquitectónico e Paisagístico pela Universidade de Évora. Docente do Departamento de Arte, Conservação e Restauro da Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa – Pólo regional do Porto. Coordenadora do grupo de Estudos de Conservação do CITAR. Coordenadora do Doutoramento e do Mestrado em Conservação de Bens Culturais e da Pós Graduação em Conservação Preventiva da UCP.

Contacto: [email protected]

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Esculturas Devocionais em Gesso. Técnicas e Materiais

Maria Regina Emery Quites | Nelyane Santos

Resumo

A pesquisa busca atender a demanda de conhecimento sobre esculturas em gesso, consi-derando que se trata de uma categoria pouco abordada nos estudos históricos, artísticos e patrimoniais. O objetivo foi valorizar este acervo, realizando estudos destes objetos na história da arte, submetendo-os a exames técnicos-científicos tendo como meta sua con-servação e restauração. A metodologia foi baseada em três estudos: o gesso na arte e na história da arte sacra; o gesso enquanto material e as técnicas de confecção de esculturas; a utilização do método de pesquisa da escultura em madeira aplicado ao gesso. Esses estudos serviram de base conceitual e teórica para a análise da escultura de gesso de Santa Inês, tratada como estudo de caso. Foram realizados exames de Raios X e remoção de amostras para análises para auxiliarem na compreensão do material e da técnica do suporte e da policromia. Destacamos a relevância das esculturas em gesso, valorizando-as como parte do nosso patrimônio histórico. Desta forma poderá se discutir e justificar as intervenções de conservação-restauração, respeitando sua fruição estética e religiosa.

Palavras-chave:

Escultura, Arte Sacra, Gesso, Conservação, Restauração.

Esculturas Devocionales en Yeso. Técnicas y Materiales

Resumen

La investigación tiene por objeto satisfacer la demanda de conocimiento sobre esculturas en yeso, considerando que es una categoría raramente abordada en los estudios del patri-monio artístico y histórico. Además de intentarse mejorar el conocimiento sobre el tema, se pretende conocer la materialidad de las obras y su contexto en el ámbito de la Historia del Arte, sometiéndolos a pruebas científicas de caras a su conservación y restauración. La metodología se basó en tres estudios: el yeso en el arte y la historia del arte sagrado; el yeso como material y las técnicas de fabricación de esculturas; la utilización del método de investigación de talla en madera aplicado a la escultura en yeso. Estos estudios fueron la base para el análisis conceptual y teórico de la escultura de yeso de Sta. Agnes, tratada como un caso de estudio. Se han realizado exámenes por rayos X y toma de muestras caracterizar y comprender los materiales y la técnica del soporte y la policromía. Subrayamos la importancia de las esculturas en yeso, valorándolas como parte de nuestro patrimonio. De esta manera se puede discutir y justificar las intervenciones de conservación-restauración en el marco de su disfrute religioso y estético.

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Palabras clave:

Escultura, arte sacro, yeso, conservación, restauración.

Plaster Devotional Sculptures. Material and Technical Study

Abstract

The research seeks to meet the demand for knowledge about sculptures in plaster, con-sidering that it is a category rarely addressed in studies of artistic and historical heritage. The objective was to upgrade the body of knowledge, studying these objects under the perspective of the art historian and subjecting them to scientific tests with the goal of conservation-restoration. The methodology comprised three studies: the plaster in art and in the history of sacred art; the plaster as material and the sculpture techniques applied to plaster and the research method used for wood carvings. These studies were the basis for the conceptual and theoretical analysis of the plaster sculpture of St. Agnes, treated as a case study. Examinations were performed by X-rays and sampling for analysis to help understanding the material, its physical support and the polychrome. We stress the importance of the sculptures in plaster, valuing them as part of our heritage. Accordingly conservation and restoration interventions may be discussed and justified, under their religious and aesthetic fruition.

Keywords:

Sculpture, Sacred Art, plaster, conservation, restoration.

Introdução

A graduação em Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis da UFMG oferta quatro percursos de formação docente – pintura, escultura, papel e conservação preventiva. Dentre eles, o de “Conservação-Restauração de Escultura” concentra-se no estudo da escultura em madeira policromada, foco que decorre da experiência que o Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis - CECOR/EBA/UFMG - adquiriu durante cerca de 30 anos de ensino de pós-graduação e de trabalhos de conservação-restauração da imaginária mineira do período colonial. Atentos para a importância cultural de esculturas realizadas com outros materiais, em virtude das suas especificidades técnicas, do valor a elas atribuído e das necessidades de conservação-restauração desses bens culturais, o corpo docente e discente do curso percebeu as demandas de pesquisas acadêmicas para a área de conservação-restauração de diversos materiais empregados na confecção desses bens. Dentre estes, destaca-se o gesso, pela sua recorrência na confecção de esculturas sacras de valor cultural e pela escassez de bibliografias que o trate como matéria prima de bens culturais.

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Diante disso, o Projeto “Análise das técnicas e materiais de esculturas sacras em gesso” – apoiado em sua primeira fase, agosto de 2010 a agosto de. 2011, por meio de uma bolsa de iniciação a pesquisa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – foi elaborado, percebendo a necessidade de conservação-restauração de objetos em gesso, principalmente ao nos depararmos com decorações de estuque e imaginária religiosa presentes nos templos principalmente a partir do final do século XIX1. Mesmo sendo um material amplamente utilizado em diversas produções decorativas e em moldes e protótipos artísticos, o gesso é em certa medida um material desvalorizado pelas artes plásticas, consequentemente, os bens culturais confeccionados em gesso não possuem especial atenção dos pesquisadores de escultura.

As propostas do Projeto foram orientadas pela premissa da necessidade de se conhecer o material e a técnica construtiva das esculturas em gesso antes da proposição de medidas de conservação-restauração. O intuito foi o de, através da metodologia de exames científicos da obra de arte comumente utilizados, trabalhar com a identificação dos materiais e técnicas de uma escultura sacra em gesso. Desta forma ofereceríamos como produto da pesquisa, o estudo dos materiais e técnicas de confecção, item essencial para dar sequência a estudos de conservação e restauração deste tipo de escultura. O objeto de estudo é um bem cultural da cidade de Montes Claros-MG, que foi encaminhado para o CECOR em Maio de 2011. Trata-se de uma escultura em gesso de Santa Inês, pertencente à Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida da Arquidiocese de Montes Claros.

Durante a execução do Projeto, três estudos foram norteadores para a pesquisa e produção de conhecimento acerca do tema: o gesso enquanto material constitutivo de bens culturais e possibilidades técnicas na confecção de esculturas; o gesso na arte e na história da arte sacra e a metodologia de análise da escultura em madeira como modelo para propor análises de esculturas em gesso. A partir de então esses estudos serviram de base conceitual e teórica para a análise da escultura de Santa Inês. Tratando-se de um bem cultural específico foram acrescentados ao projeto estudos sobre o histórico do bem, suas características iconográficas e descrição dos principais aspectos visuais da escultura.

A etapa final desta fase do projeto tratou da realização de análises detalhadas da estrutura do bem e exames laboratoriais, globais e pontuais – tais como imagem por Raios X, micro--análises químicas e análises da estratigrafia. Os exames foram propostos para auxiliarem na compreensão do material e da técnica e também da policromia. Todos os exames propostos tiveram como modelo norteador os estudos científicos realizados em esculturas de madeira, sempre tentando perceber as diferenças e particularidades que os resultados traziam para o estudo de esculturas em gesso.

1 Trabalho realizado pela bolsista Nelyane Santos que resultou na divulgação da pesquisa na XX Semana de Iniciação Científica da Universidade Federal de Minas Gerais. Disponível em <https://sistemas.ufmg.br/ufmgcc/trabalho/solicitar/alterartrabalho.do?i=0>. Acessado em 21/10/2013, 21:38.

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O texto que se segue foi formulado com o intuito de compactar algumas informações uti-lizadas ao longo da primeira fase do Projeto. As tentativas de produção de conhecimento sobre as esculturas em gesso serão apresentadas não de forma conclusiva, pois ainda há muito que se pesquisar e produzir sobre o tema.

Propriedades Químicas e Físicas do Gesso

O sulfato de cálcio encontra-se na natureza sob duas formas que correspondem a duas condições diferentes de deposição: a anidrita ou sulfato de cálcio anidro (CaSO4) e a gipsita ou pedra de gesso (CaSO4.2H2O), sulfato de cálcio hidratado. A diferença está na presença de outros compostos e na temperatura. Quando associado ao cloreto de sódio, em uma temperatura entre 25º e 30ºC, tem-se a anidrita. Com água doce, em temperatura de mais de 60ºC, obtem-se somente o sulfato de cálcio que precipita como gipsita.

O gesso, normalmente vendido na forma de um pó branco, é uma substância produzida a partir da calcinação da gipsita, processo que expulsa a sua água de cristalização, total ou parcialmente, a partir do calor. O gesso obtido por aquecimento da gipsita resultará em uma mistura contendo principalmente o semi-hidrato (CaSO4.1/2H2O), porém também terá pequenas quantidades variáveis de gipsita e outros minerais, como a pirita (FeS), halita (NaCl), anidrita (CaSO4), calcita (CaCO3), dolomita [CaMg(CO3)2], enxofre (S) e quartzo (SiO2). Conforme o grau da temperatura empregada e o tempo que dura o aquecimento, variam as propriedades dos produtos obtidos (BALTAR, 2005). Para atingir forma e textura, o gesso em pó é misturado com água formando-se uma pasta que é escorrida em uma forma e durante o processo de secagem perde água, novamente pelo processo químico de calcinação e, agora também, pelo processo físico de evaporação.

Existem variações do gesso que permitem o uso em diferentes formas: para confecção de esculturas, moldes de peças odontológicas, elementos decorativos e de revestimentos, etc. É um material muito utilizado para decoração e revestimentos arquitetônicos, pois apresenta bom isolamento térmico e acústico, além de manter equilibrada a umidade do ar em áreas fechadas devido à sua facilidade em absorver água.

Ao ser misturado com água o gesso endurece rapidamente. Apesar disso, é um material que permite manuseio com entalhes ou até mesmo técnicas de esculpir mesmo depois de rígido. Com uma ponta de faca, ou qualquer outra ferramenta mais dura, é possível produzir sulcos, inscrições e desbastes. A lixa é o mais usual para alisar a superfície.

Pela facilidade de manuseio do gesso sua utilização é difundida como sendo prática e de acesso simples. Porém alguns cuidados devem ser tomados para se evitarem os principais problemas relacionados à modelagem do gesso: as rachaduras de expansão e o amarele-cimento após secagem. As rachaduras estão relacionadas com a falta de proporcionalidade correta da mistura entre o pó de gesso e a água. O endurecimento da mistura é muito rápido, por esta razão a mistura deve ser rapidamente vertida na forma. Muitas vezes, por

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atraso deste procedimento, é acrescentada água na tentativa de reverter o processo, mas o que poderá parecer uma solução imediata pode gerar problemas na formação de bolhas no material dentro da forma e até mesmo uma fragilidade da estrutura quando for retirada da forma. No momento do acabamento das peças em gesso; no entalhe, desbaste ou para lixar; o uso de água pode representar um problema, pois com a expansão natural da composição do gesso, o risco de placas ou peças unidas se desprenderem é muito grande.

O amarelecimento é um dos principais problemas adquiridos pelas peças em gesso a longo prazo. Geralmente as manchas amareladas estão relacionadas ao próprio processo de feitura. A começar pela pureza da água utilizada pela mistura, passando pelos produtos utilizados como desmoldantes (produtos utilizados para lubrificar as paredes dos moldes e facilitar a retirada de pré-moldado depois da primeira secagem) e até o tipo de tinta ou verniz utili-zados como acabamento, podem provocar amarelecimento nas peças de gesso. Em contato com a umidade a peça pode ao longo do tempo absorver os poluentes e contaminantes do ambiente carregados pelo vapor d’água causando também manchas e escurecimentos.

As impurezas, que são os minerais associados à gipsita; como pirita (FeS), halita (NaCl), anidrita (CaSO4), calcita (CaCO3), dolomita [CaMg(CO3)2], enxofre (S), quartzo (SiO2), incorporados durante o processo geológico de formação são eliminados no processo de calcinação. Porém pode haver falhas que permitam a concentração de algum desses componentes que irão interferir na hidratação do gesso ou em sua lavagem. A presença dessas impurezas poderá provocar manchas que destoam no branco intenso do gesso (SIQUEIRA FILHO, 2009).

A qualidade da água utilizada para hidratação da pasta de gesso também pode influenciar na coloração e no surgimento de manchas de amarelecimento. O ideal para a mistura é a água destilada ou a potável que garanta maior grau de pureza. A presença de ferro na água poderá provocar manchas resultantes de seu longo processo de oxidação nas peças de gesso. A presença de pirita (sais de ferro que oxidam e formam substâncias como goetita e hematita) foi detectada nos bens integrados de edificações históricas e bens móveis confeccionados em gesso. Esta contaminação do ferro provoca, a longo prazo, o surgimento de manchas.

Desenvolvimento dos estudos sobre reprodução de peças em gesso

Para pesquisa de conservação-restauração com foco em diferentes materiais utilizados na confecção de bens culturais, o contato e manuseio com tais materiais são fundamentais para desenvolver a análise crítica e o apuro técnico do profissional. Com este objetivo, antes mesmo de elaborarmos as primeiras propostas para o Projeto, buscamos o contato direto com o gesso na confecção de esculturas, confeccionando modelos e moldes e observando os processos de reprodutibilidade. Estas atividades foram realizadas sob a orientação do Professor Doutor em Cerâmica, João Cristeli2, no ateliê de Cerâmica da Escola de Belas.

2 Docente do Departamento de Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFMG.

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Algumas dessas experimentações foram importantes no esclarecimento de como o gesso se manifesta como matéria prima na confecção de objetos. As observações e resultados práticos são apresentados abaixo num estudo sobre a constituição do gesso e sua utilidade. Para maior esclarecimento, convencionamos a identificação da peça a ser reproduzida como modelo (feita em argila), a peça oca utilizada na reprodução como molde e a peça resultante do processo como reprodução.

Para iniciar o processo de preparo do gesso é necessário um recipiente de plástico para armazenar a água fria e limpa, onde será jogado o gesso peneirado lentamente na água, deixando-o escorrer entre os dedos, aproveitando para apertar os pequenos grumos. Não há proporção exata entre a quantidade de água e gesso, mas geralmente gasta- se a mesma quantidade dos dois, ou seja, para cada 1litro de água, 1 quilograma de gesso. Chega-se à saturação quando há formação de ilhas de gesso sobre a água. Ao mexer lentamente sente--se que a água começa a empapar. Neste ponto, leves movimentos no fundo da bacia devem remover o gesso, movimentando para formar a pasta, sempre muito lentamente para não criar bolhas e sempre apertando para desfazer os grumos pelo menos durante 15 a 20 minutos.

Quando atingir consistência fluida e uniforme como uma pasta já é o momento de escorrer o gesso numa forma. O fluido derramado não pode passar desse ponto de pasta, pois pode haver danos na estrutura do molde quando a mistura fica muito líquida ou muito pastosa. A secagem é muito rápida e não permite muitas correções ou mudanças após o derramamento, cerca de 25 minutos a uma hora conforme o tamanho e espessura do molde. A forma que se deseja modelar uma peça de gesso precisa ser recoberta por um agente separador, ou seja, um desmoldante. Trata-se de um material graxo (gordo) que auxiliara na separação do molde de gesso e a forma. É mais comumente utilizado o detergente neutro ou a vaselina.

Durante a secagem e o endurecimento na superfície há um aumento lento da tempera-tura, isso porque a perda de água e os processos químicos de consolidação do gesso são exotérmicos. Antes de secar totalmente, ainda ligeiramente úmido na superfície, o gesso aparenta ser mais compacto, isso porque quando absolutamente seco, os grãos apresentam pulverulência diante de qualquer toque.

Técnicas decorativas e tipos de pinturas

O gesso quando utilizado para confecção de peças decorativas, esculturas de arte e imagens sacras pode receber camadas de policromia complementando seu aspecto estético. Para sua coloração geralmente são utilizados materiais que empreendem brilho, tintas que recobrem sua superfície ou até mesmo pigmentos misturados no pó de gesso.

Em seu manual sobre diferentes materiais de esculturas, Barry Midgley (1982) alerta para o fato das esculturas em gesso precisarem de um selador na superfície para evitar que em seus poros se depositem sujidades. Este autor cita a goma laca como agente selador do gesso, principalmente nas áreas em que arames metálicos são utilizados como armação

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de peças para evitar a oxidação e escurecimento do gesso. A aplicação da goma laca deve ser feita em poucas camadas, pois seu excesso pode proporcionar escurecimento do gesso. O excesso de goma laca, principalmente nos veios e estrias da peça, pode provocar um aspecto de envelhecimento, o que pode ser feito como pintura decorativa.

Outro produto utilizado como selador é o óleo de linhaça aplicado por imersão ou pinceladas. Mas este autor alerta que o óleo tende a escurecer o gesso ao longo do tempo. Para atingir um aspecto mais compacto e sem pulverulência, Midgley (1982) aconselha a aplicação de uma cera na superfície da peça de gesso. Antes de aplicar a cera deve-se aquecê-la para impregnar melhor os poros. A cera, sempre que seja possível deve ser ‘estearina’, que se funde num caldeirão grosso, acrescentando-se terebentina líquida na proporção de 25 gramas de cera para 200 gramas de terebentina.

(...) A solução resultante é aplicada ao gesso com um pincel grande de cerdas suaves, partindo da extremidade superior da escultura. Será necessário aplicar várias camadas, cuja quantidade dependerá do acabamento que se deseja alcançar. Em seguida após resfriar, se é do desejo um aspecto mais polido, deve-se esfregar toda a obra com uma almofadinha de algodão em círculos com talco. Este processo proporciona uma superfície parecida com o marfim. (p.152)

A escultura de gesso pode receber coloração já no preparo do gesso, basta acrescentar pigmento em pó em poucas quantidades para não afetar a resistência da composição final. Neste sentido, os pigmentos mais seguros são as terras devido à compatibilidade dos compostos. Esta aplicação de pigmento no preparo implica que o resultado do molde seja definitivo, pois se deve evitar intervenções para que não ocorra mudanças na coloração. Quando a coloração é aplicada posteriormente ao molde confeccionado, é necessário selar a superfície quando é utilizada uma tinta verniz ou esmalte. Segundo Midgley (1982) o melhor selador é a goma laca por ter secagem mais rápida, de aproximadamente 30 minutos. As pinturas com tintas de emulsão e as acrílicas podem ser aplicadas diretamente sobre o gesso, sem necessidade da camada de selagem.

O Gesso como matéria prima na obra de arte

A técnica de confecção de moldes de gesso já era utilizada pelos gregos desde o século IV a.C. Os egípcios já teriam utilizado o gesso para confecção de máscaras mortuárias em 2400 a.C. No Império Romano esta técnica caiu em desuso e só foi novamente registrada no Renascimento. Artistas do período medieval utilizavam o gesso para criar efeitos entalhados, esculpidos, em modelagens de relevo, ornamento e decoração. Modelavam o gesso para fazer moldes de confecção de jóias, de roupagem e halos ao redor da cabeça de santos, antes da aplicação de tinta ou de folhas de ouro. O italiano Andrea Verrocchio (1435-1488) retomou o uso do gesso para fazer moldes. Suas técnicas foram registradas por Vasari, em Vidas de Artistas, que o admirava pela habilidade e manuseio do gesso e por ter difundido o costume de reproduzir moldes de bustos a partir de máscaras mortuárias. (MIDGLEY, 1982)

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Desde a antiguidade grega que o gesso era utilizado como um meio transitório para fazer um molde definitivo, antes que a forma fosse preenchida por um material mais permanente, como por exemplo, o bronze. Outro escultor renomado na História da Arte que fazia uso do gesso foi o francês Augusto Rodin (1840-1917), que reproduzia várias partes do corpo humano em moldes de gesso e depois montava suas esculturas a partir de diversos fragmentos, conseguindo assim o aperfeiçoamento da anatomia humana e a liberdade de gestos característicos de sua obra. Esta tradição do gesso como material transitório, assim como utilizado por Rodin, foi resgatada das técnicas dos antigos gregos e ainda mais difundida no século XX.

Os escultores norteamericanos George Segal (1924 - 2000) e Claes Oldenburg (1929), pro-duziram obras figurativas permanentes em gesso. O primeiro teve sua produção associada à Pop Arte na década de 1960, destacando-se com suas esculturas de figuras humanas em gesso de tamanho natural e tridimensionais. Utilizava gesso impregnado por gaze, a mesma técnica de moldes ortopédicos, como meio escultural. Oldenburg, também com referências da Pop Art, produzia esculturas monumentais, com materiais inusitados, muitas vezes perecíveis, o gesso teria sido utilizado com outras formas escultóricas (em sucata, papel, etc.) que ficavam ao ar livre. Na Arte Contemporânea o gesso foi utilizado como material agregado a outros suportes e materiais (ARGAN, 1992).

Nas Artes Plásticas em geral, o gesso foi sempre muito utilizado como material de revestimento de suportes e superfícies. Segundo Cennini (Cennino d’Andrea Cennini, 1370-1440) e outros artistas posteriores que seguiram suas instruções, o gesso era produzido em duas texturas: gesso grosso e gesso sottile. O gesso sottile era aplicado em camadas finas sobre uma camada espessa de gesso grosso após este ter endurecido completamente em superfícies de madeira e paredes para diferentes técnicas de pintura parietal. Esta preparação era destinada a trabalhos que requeriam maior resistência, como peças adornadas e esculpidas. Essa também era a técnica antiga das bases de preparação de telas e esculturas de madeira – etapa seguinte à encolagem, na construção da policromia – estando intimamente ligada ao uso do gesso (SOUZA, 1996).

Esse processo envolvia a aplicação, sobre o suporte, de uma camada de gesso sotille, a base de sulfato de cálcio em suas variadas formas de hidratação (anidrita, gipsita ou misturas intermediárias), misturado com cola protéica. O objetivo consistia em eliminar as imper-feições superficiais da madeira, tais como nós, rachaduras, etc., além de gerar isolamento, uniformização da superfície e efeito óptico (MEDEIROS, 1999).

Nas Artes Plásticas o predomínio do uso do gesso ainda é como material transitório, ser-vindo como molde ou como modelo para fatura da peça definitiva. O gesso ainda é uma matéria relegada pela produção artística tradicional, tratado muitas vezes como matéria prima artesanal ou mesmo como material de auxílio a modelagens e suportes nas artes, principalmente na escultura e na pintura. Este estatuto secundário do gesso nas artes plásticas reflete-se na conservação e restauração, área em que também percebemos que a obra sacra em gesso, é sempre relegada a último plano, ficando nas mãos de artesão habilidosos os “consertos” e repinturas.

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Esculturas Sacras em Gesso: uma revisão da literatura no Brasil

As imagens sacras de gesso são reconhecidas atualmente como produtos industrializados presentes no comércio de objetos religiosos. A técnica utilizada foi mais difundida no Brasil a partir do final do século XIX e de lá pra cá vem se perpetuando entre artesãos que repassam o ofício entre os familiares e parentes mais próximos. Os santeiros que fabricam obras em gesso geralmente são pessoas sem conhecimento artístico aprofundado, que se guiam na composição das imagens pela sua fé, sua vivência pessoal e uma capacidade de trabalho que responde as solicitações do meio em que vivem e às necessidades devocionais dos fiéis católicos.

Nos principais estudos sobre escultura religiosa no Brasil não há aprofundamento sobre as esculturas em gesso. Dentre as referências consultadas três trabalhos abordam de maneira relevante e diferenciada a identificação de esculturas sacras em gesso. Eduardo Etzel, em seu livro Imagem sacra brasileira reforça a posição do gesso enquanto matéria-prima artesanal caracterizando as primeiras esculturas em gesso produzidas no Brasil no final do século XIX, no interior de São Paulo, como peças de menor valor artístico e escultórico.

O tamanho destas imagens variou entre 10 e 50 cm; eram frágeis e estereotipadas, com uma pintura vistosa, mas sem detalhes nem riqueza, típico produto de carregação para um mercado de baixo poder aquisitivo, o povo da roça, já que o negro escravo não compraria. Tudo indica que são de procedência italiana, pelo menos os moldes, pois as imagens tem na face anterior da base letras gravadas com abreviaturas em italiano e sem maior correção vernácula (ETZEL, 1979, p.127)

Apesar da consideração desmerecedora quanto à estética das primeiras peças em gesso ETZEL confirma a informação presente em muitos inventários de bens culturais que identificam em esculturas em gesso aspectos marcantes da escultura clássica italiana. Reforça-se esta análise pela presença de oficinas artesanais de esculturas sacras de imigrantes italianos na região sudeste do Brasil no final do século XIX até a primeira metade do século XX. Já nos estudos de Beatriz Coelho faz-se referência ao estilo da escultura francesa nas primeiras peças que chegaram em Minas Gerais.

O gesso foi introduzido em Minas através das esculturas da nova igreja da Província Brasileira da Missão, Casa do Caraça, a primeira em estilo neogótico do Brasil, concluída no final do século XIX, mais precisamente em 1883. Essas imagens não foram feitas aqui, mas vieram da França, terra natal do padre Júlio Clavelin, Diretor do Caraça na época da construção da igreja. São quinze imagens em gesso policromado e com detalhes em folha de ouro, representando Nossa Senhora da Piedade, alguns apóstolos e santos. Na matriz do Serro também há um São Vicente de Paula com uma inscrição indicando a procedência de Paris (Fig. 209). Foram encontradas ainda, duas imagens em gesso, São Cristóvão e São Sebastião, na matriz de Congonhas, provavelmente do final do século XIX ou início do século XX.(COELHO, 2005, p. 234)

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Esta identificação do estilo escultórico francês também se faz presente nos levantamentos do Inventário Nacional de Bens Móveis e Integrados do Maranhão.

Durante a transição do século XIX para o XX, começaram a aparecer as primeiras imagens do segundo subgrupo, fabricadas em gesso, concebidas dentro do padrão francês, marcadas por um certo refinamento e elegância. Trata-se de peças feitas em série, produzidas a partir de molde e distribuídas em todo o mundo através de catálogos. Estilisticamente reproduzem os modelos neoclássicos da segunda metade do século XIX, com figura longilínia, panejamento caindo em pregas verticais em ligeiros meandros e relativamente colados ao corpo, uma gestualidade estudada e grande riqueza de detalhes; a decoração segue a técnica do decalque. (...) A maioria das peças inventariadas, neste subgrupo, é proveniente de Paris, como atestam as marcas e inscrições em forma de carimbos, onde destaca-se um coração flamejante. (BRITO, 2000, p.64)

Estas referências são importantes para o reconhecimento de estilos escultóricos nas esculturas sacras em gesso. Outro trabalho mais recente (e de divulgação e acesso ainda incipiente) é a tese de doutorado de Alexandre Ferreira Mascarenhas (2013). Em sua tese este autor aprofunda os estudos das técnicas de confecção de moldes e de modelagens em gesso, buscando compreender como estas reproduções puderam contribuir para o estudo e valorização da escultura de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Apesar de as esculturas originais de seu estudo serem de caráter religioso (arte colonial barroca e rococó da segunda metade do século XVIII e início do século XIX), o foco principal de seu trabalho não é o uso do gesso na reprodução de peças sacras. Desta maneira, sua contribuição à pesquisa “Esculturas Sacras em Gesso” é específica, na medida em que faz um mapeamento dos acervos de esculturas em gesso no Brasil e em Portugal do século XVIII ao XX e também no que tange aos métodos e estudos das técnicas e materiais.

A presença de letras e siglas inseridas nas bases de algumas esculturas em gesso faz menção à fabricação e/ou autoria dos moldes. É uma das principais pistas na pesquisa de identifi-cação de origem destas esculturas. Percebemos que, para os estudos sobre esculturas em gesso se ampliarem para além destas poucas referências, possivelmente, um dos caminhos seja o mapeamento e a identificação destas marcas como registro estilístico e histórico das esculturas sacras em gesso no Brasil.

Várias análises e exames de identificação do material e da técnica de confecção da escultura tratada como objeto de estudo foram realizados. Entre as informações mais relevantes é importante citar que a escultura de Santa Inês tem estrutura em gesso oco, medindo 115,5 cm de altura, 38 cm de largura e 38 cm de profundidade. Foi confeccionada a partir de dois moldes, um frontal e um posterior, encaixados por tasselos e com a emenda reforçada por um pasta de gesso escorrido na parte oca. Estas informações foram confirmadas principal-mente pela análise das radiografias feitas durante a pesquisa. Este tipo de exame muito comumente realizado em esculturas em madeira, foi realizado como teste para percebermos como se aplica na proposta de metodologia para estudos de esculturas em gesso.

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Análise das Radiografias da Escultura de Santa Inês

Consultando o caderno de registro de radiografias do Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis – CECOR, da Escola de Belas Artes – EBA-UFMG, encontramos como valores de referência para poucas esculturas de gesso: KV (Kilovoltagem) entre 30 e 65 e tempo de exposição entre 2 e 2,5 min. Uma vez que estas estas radiografias não permitiram obter bons resultados, apresentando pouca nitidez e contornos pouco definidos, partimos para uma alteração destas referências. Decidimos que a variação seria entre 60 a 80 KV e entre 3 a 5 min.3

A primeira foi feita com a escultura de perfil, focando a cabeça. A intenção era ver os olhos e a mão direita. Com exposição de 80 KV e 3 min. Obtivemos uma radiografia de melhor qualidade, oferecendo nitidamente a visualização do interior dos olhos, o contorno dos cabelos e da coroa e a parte interna oca. Surpreendeu-nos o uso dos olhos de vidro soprados, oco com pedúnculo, iguais aos utilizados na escultura em madeira4.

Nesta radiografia foi possível perceber através do contraste entre claro e escuro a presença de camada externa mais clara que se diferencia de outra camada bem mais escurecida ao centro (IMAGEM 4). Isto indica que a parte central é oca, sendo a obra executada pela junção de duas partes do molde, o que é visível também pela radiografia (IMAGEM 5). O carneirinho apresentou-se bastante claro por ser um bloco maciço acoplado ao bloco central da escultura por um arame que também fica visível na radiografia.

Com a escultura de frente, foi repetida a amperagem e kilovoltagem, com 3 min. de exposição e 80 KV. Novamente foi focalizada a cabeça e os membros superiores. A nitidez foi suficiente para visualizar o contorno diferenciado do cordeirinho, novamente os olhos e a presença de um elemento metálico, possivelmente um arame, fazendo a ligação do cordeirinho com o bloco da escultura. Nesta radiografia o que mais se destacou foi a marca de divisão de bloco na cabeça, acima do pescoço. Esta marca indica o modo de inserção dos olhos de vidro, que foram colocados posteriormente à confecção da forma pela abertura deste corte.

Por último foi retirada uma chapa do detalhe da mão direita. Desta vez foram feitos testes com a medição da amperagem e kilovoltagem, levando em conta que as medidas deveriam ser reduzidas pelo fato de ser uma área com menos densidade (menos massa e volume de gesso na área). Foi adotada então 70 KV e 2,5 min. Com a extensão do braço e da altura do peito foi possível ver nesta radiografia os elementos metálicos das mãos e mais uma vez do cordeirinho.

3 Radiografias realizadas pelo técnico em radiologia Jorge Luiz Miranda Delfino com a colaboração do técnico em fotografia do CECOR, Claudio Nadalin.

4 QUITES, Maria Regina Emery. Olhos de vidro na escultura policromada: tecnologia e conservação. In: CONGRESSO DA ABRACOR, 8, 1996, Ouro Preto, MG. Anais. Rio de Janeiro: ABRACOR, 1996. p.189-193.

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Conclusão: Resultados Alcançados e desafios futuros

A análise dos exames de Raios X já nos revelaram muitas informações sobre a técnica das esculturas em gesso. Ainda há a possibilidade de realizarmos exames químicos que nos auxiliem na identificação da policromia e nas propriedades do gesso contribuindo ainda mais para a compreensão do material e da técnica do suporte e da policromia. A pesquisa revelou a relevância das esculturas em gesso, levando-nos a produção de conhecimento que as valorize como parte do nosso patrimônio histórico. Desta forma poderá se discutir, justificar e valorizar as intervenções de conservação-restauração, respeitando sua fruição estética e devocional.

Assim como nas práticas de conservação-restauração de esculturas em madeira confirmou-se que para intervir em esculturas em gesso é necessário pesquisar o material e as técnicas para ter conhecimento necessário para as intervenções de restauro. Isso só é possível diante do conhecimento aprofundado acerca dos materiais e técnicas do bem cultural a ser traba-lhado e dos materiais disponíveis para sua intervenção. Por esta razão há ainda muito que se fazer pelas esculturas em gesso, não só no estudo e observação de obras reconhecidas como bens culturais, mas também estudos técnicos e científicos com o material gesso, realizando protótipos que passem por experimentações com os vários produtos utilizados na restauração.

A metodologia aplicada para a pesquisa da escultura policromada em madeira se mostrou eficiente para o desenvolvimento dos estudos das esculturas em gesso. O início dos estudos com o gesso no Curso de Graduação em Conservação- Restauração vem suscitando novos interesses por parte dos alunos. Durante o desenvolvimento desta etapa da pesquisa outras duas esculturas foram objeto de estudo e tratamento pelos alunos, que realizaram protótipos, testes de adesividade e testes de limpeza. Além disso, já foi defendido um primeiro Trabalho Final de Curso- TCC com uma escultura em gesso denominada Busto de Gudea Prince de Lagash5. Esta experiência foi importante, não só para o desenvolvimento e observações de parâmetros e critérios de conservação-restauração – que se pautaram principalmente pela confecção de protótipos e testes para consolidação do suporte em gesso utilizando diversos adesivos –, mas também por ter sido desenvolvida com uma escultura não devocional, sendo um importante bem cultural por representar uma réplica de escultura greco-romana, que se encontra no acervo da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais. Esta réplica foi reproduzida a partir de um exemplar que se encontra no Museu do Louvre e foi adquirida pela Escola de Arquitetura na década de 1950 como parte do material didático das aulas de modelagem dessa escola6. Desta maneira percebeu-se outras possibilidades do uso do gesso na escultura.

5 SOUZA, Vanessa Taveira. Restauração de uma réplica em gesso pertencente à coleção da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, orientação Profa. Dra. Maria Regina Emery Quites, 2013.

6 VEIGA, Ana Cecília; SILVA, Fernando; AUGUSTIN, Raquel. Gestão, inventário e conservação do acervo em gesso do Museu da Escola de Arquitetura da UFMG, pp. 56-58. Disponível em <http://www.eba.ufmg.br/encontrolusobra-silconserv/documentos/caderno-de-resumos-posteres.pdf> Acessado em 17/10/2013.

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Para dar continuidade à pesquisa foi elaborado um novo projeto, intitulado “História e Aná-lise Formal, Estilística e técnica de esculturas sacras em gesso de Minas Gerais: Trajetórias das feituras e devoções”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG), iniciado em março de 2013. O objetivo norteador desse projeto, assim como a etapa anterior, é o de valorização deste patrimônio, realizando estudos desses objetos na história da arte, analisando seus aspectos formais e estilísticos e técnicos fazendo um levantamento das iconografias mais representadas ao longo do desenvolvimento do uso do gesso.

A partir desta primeira experiência de pesquisa de Iniciação Científica, foi constatada a necessidade de continuar os estudos e ampliar as propostas de trabalho diante das deman-das de conhecimento acerca dos perfis iconográficos, formais e estilísticos e técnicos das esculturas sacras em gesso. As várias questões acerca da materialidade e das técnicas de feitura estavam numa fase inicial, por esta razão, este novo projeto pretende desenvolver estudos de levantamento e reconhecimento de um determinado acervo para posteriormente estender as propostas de trabalho na área de conservação e restauração desses bens culturais.

Os acervos em estudo serão as esculturas sacras em gesso de algumas Igrejas da Arqui-diocese de Belo Horizonte, do Seminário do Caraça, da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição do município do Serro e da Igreja Matriz de São José do município de Congonhas. Os acervos do Seminário do Caraça e das igrejas Matriz de Nossa Senhora da Conceição do Serro e Matriz de São José de Congonhas são abordados no projeto como referências para análises comparativas dos aspectos formais e estilísticos e também da análise da recorrência de tipos iconográficos. Isso porque há registros documentais a respeito da origem francesa de algumas peças do acervo do Seminário do Caraça e sobre o apuro técnico e feições estilísticas clássicas do acervo das Matrizes citadas. Estas informações comprovariam, em certa medida, a hipótese de que inicialmente foram importadas da Europa esculturas em gesso e, que pouco mais tarde, estas serviram de referência para os santeiros serem influenciados na confecção de esculturas em gesso no Brasil.

Estas novas propostas para desenvolvimento do projeto partem da premissa de que as aná-lises organolépticas e com ferramentas científicas são o primeiro passo para reconhecimento das peculiaridades materiais e técnicas dos bens culturais e percepção de suas demandas de conservação e restauração. O Curso de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis da Escola de Belas Artes da UFMG tem como principal meta traçar parâmetros de conservação e restauração de acervos de importância cultural evitando-se intervenções inadequadas e/ou desnecessárias. Desta maneira a valorização de acervos com o seu reconhecimento cultural, dialoga também com a necessidade de as comunidades detentoras dos mesmos, adquirirem consciência das principais medidas de conservação preventiva que conciliem com suas práticas devocionais. Assim pretende-se continuar os estudos sobre diferentes materiais e técnicas construtivas de bens culturais de valoração devocional para atender a necessidade de preservação da cultura no Brasil.

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Referências

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BRITO, Stella Regina Soares de; RIBEIRO, Osvaldo Gouveia; BOGEA, Katia Santos; RIBEIRO, Emanuela Sousa. Inventário nacional de bens moveis e integrados: a experiencia do Maranhao 1997/1999. Sao Luis: IPHAN, 2000.

COELHO, Beatriz. Devoção e arte. Imaginária religiosa em Minas Gerais. São Paulo: EDUSP, 2005.

ETZEL, Eduardo. Imagem Sacra Brasileira. São Paulo: Melhoramentos: Ed. da USP, 1979.

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MEDEIROS, GILCA FLORES DE; SOUZA, LUIZ ANTÔNIO CRUZ; UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Tecnologia de acabamento de douramento em esculturas em madeira policromada no período barroco e rococó em Minas Gerais estudo de um grupo de técnicas. 1999, 152 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais.

MIDGLEY, Barry. Guia Completa de Escultura, modelado y cerâmica. Tecnicas e Materiais. Madrid: Hermann Blume Ediciones, 1982.

SIQUEIRA FILHO, Anibal Veras de. Estudo da patologia do amarelamento pós pintura nos pré-moldados de gesso. 2006. 49f., enc. Dissertação (mestrado em Engenharia Mecânica). Universidade Federal de Pernambuco. Consulta em <http://www.bdtd.ufpe.br/tedesimplificado//tde_busca/arquivo.php?codarquivo=1365>. Acesso em 21 de maio de 2009.

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SOUZA, Luiz Antônio Cruz. Evolução da Tecnologia de Policromia nas Esculturas em Minas Gerais no Século XVIII: O interior inacabado da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Catas Altas do Mato Dentro, um monumento exemplar. Tese (doutorado). Departamento de Química do Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Minas Gerais, 1996.

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Figura 1 – Experimentações de modelagem com gesso.

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Figura 2 - Escultura de Santa Inês, frente: foto Claudio Nadalin, julho de 2011.

Figura 3 – Escultura de Santa Inês, verso: foto Claudio Nadalin, julho de 2011.

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Figura 4 – Radiografia da Escultura de Santa Inês de Perfil. Acervo CECOR. Foto Maria Regina Emery Quites, agosto de 2011.

Figura 5 – Representação gráfica da montagem da escultura.

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Esculturas Devocionais em Gesso: Técnicas e MateriaisMaria Regina Emery Quites | Nelyane Santos

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Figura 6 – Detalhe da radiografia da Escultura de Santa Inês, destaque para os olhos. Foto Maria Regina Emery Quites, agosto de 2011.

Currículo das autoras

Maria Regina Emery Quites: Possui Especialização em Conservação-Restauração, Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Artes da Escola de Belas Artes da UFMG e doutorado em História/Patrimônio pela UNICAMP. Atualmente é professora do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Belas Artes com atuação no Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis- CECOR. Foi Coordenadora do Curso de Graduação em Conservação--Restauração de Bens Culturais Móveis da Escola de Belas Artes- UFMG de 2008 a 2011. Atualmente no Programa de Pós Graduação da EBA/UFMG e é vice-presidente do Centro de Estudos da Imaginária Brasileira- CEIB. Atua como coordenadora do Projeto História e Análise Formal, Estilística e técnica de esculturas sacras em gesso dE minas gerais: Trajetórias das feituras e devoções, financiado pela FAPEMIG.

Contacto: [email protected]

Nelyane Gonçalves Santos: Licenciada em História pela UFMG, 2005. Bacharel em Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis pela UFMG, em 2011. Mestranda do Programa de Pós Graduação da Escola de Belas Artes da UFMG. Desenvolve estudos sobre História da Arte em Belo Horizonte com foco no acervo do Museu de Arte da Pampulha. Trabalha com gerenciamento, proteção, conservação e restauração de bens culturais móveis e integrados. Atua como colaboradora no Projeto História e Análise Formal, Estilística e técnica de esculturas sacras em gesso dE minas gerais: Trajetórias das feituras e devoções, financiado pela FAPEMIG.

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La construcción de los paneles de madera castellanos del siglo XV y XVI: el retablo de Frómista.

Tamara Alba | Consuelo Dalmau

Resumen.

En este trabajo se expone el sistema constructivo de los soportes de un grupo de pinturas pertenecientes a un retablo castellano elaborado entre los siglos XV y XVI. La metodología aplicada se ha basado en datos extraídos del análisis radiográfico y de la inspección visual directa de los paneles, que se han contrastado con información inédita y con la ya publicada sobre este retablo. La documentación conseguida con esta metodología, profundiza en el conocimiento de la construcción de paneles castellanos, posibilita la vinculación de obras dispersas o anónimas a determinadas zonas geográficas y/o facilita su atribución a un mismo autor o taller.

Palabras Clave

Frómista; paneles castellanos; examen radiográfico; construcción de soportes de madera; pinturas dispersas y anónimas; descontextualización.

Abstract

This study shows the construction system of the supports of a group of paintings that form part of a Castilian altarpiece made between the XVth and XVIth centuries. The methodology used has been based on the data obtained from the radiographic analysis and from the direct visual inspection of those panels and it all has been crosschecked with both unpublished and the already published information concerning this altarpiece. The resulting documentation goes into detail in the study of Castilian panels´ construction and it allows establishing associations between scattered or anonymous works and specific geographical areas. It also makes it easier to attribute works to the same author or workshop.

Key Words

Frómista; Castilian panels; radiographic exam; construction of wooden supports; scattered and anonymous paintings; take out of context.

Resumo

Neste artigo apresenta-se o sistema construtivo dos suportes de um conjunto de pinturas pertencentes a um retábulo elaborado entre os séculos XV e XVI. A metodologia aplicada baseou-se na informação extraída do exame radiográfico e da inspecção visual dos painéis, que se comparou com informação inédita e com a já publicada sobre este retábulo. A docu-mentação conseguida com esta metodologia aprofunda o conhecimento sobre a construção

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dos painéis espanhóis, possibilita a vinculação entre obras dispersas ou anónimas em determinadas zonas geográficas e/ou facilita a sua atribuição a um mesmo autor ou oficina.

Palavras-Chave:

Frómista; painéis Espanhóis; exame radiográfico;construção de suportes de madeira; pinturas dispersas e anónimas; descontextualização.

Justificación de este estudio.

En la década de los años 80 del pasado siglo, dos tablas de pequeño formato y otras once obras de las veintinueve pertenecientes al retablo de la Iglesia de Santa María del Castillo de Frómista -Palencia- [figura 1], fueron depositadas en el antiguo Instituto de Conservación y Restauración de Obras de Arte -ICROA-, hoy Instituto del Patrimonio Cultural de España -IPCE-. Esta acción se llevó a cabo con el doble objetivo de que se examinara su estado de conservación y de que se efectuaran los tratamientos necesarios, tras el robo que sufrieron a finales de 1980 (De Dios 1980) y su posterior recuperación en Bruselas (El País 1982), si bien se debe destacar que una de las pinturas fue fragmentada en ese intervalo de tiempo y aún están en paradero desconocido algunas partes de ella, como también lo están las piezas de la estructura de dicho retablo.

La creación de estas obras, datada a finales del siglo XV, es de autoría anónima, aunque ha sido asociada a la mano de varios pintores, como son el Maestro de Frómista (Martín González 1988: 14), el Maestro de Balbases (Silva 1994: 201) y el Maestro Antonio (Mar-tínez 1988: 50). No obstante, Silva ya descartó a este último y atribuyó veintisiete de las veintinueve tablas que constituyen este conjunto, a los dos primeros maestros citados. Concretamente, esta autora indicó que al Maestro de Balbases se deben La Última Cena, El Prendimiento de Cristo, La Piedad, El Descenso al Limbo o La Bajada a los Infiernos, La Resurrección, La Ascensión de Cristo, Figura de Cristo y Figura de Rojo. De manera paralela, adjudicó al Maestro de Frómista la ejecución de La Flagelación o Los Azotes en la Columna, La Crucifixión, Pentecostés, El Tránsito de la Virgen y La Asunción de la Virgen (Silva 1990: 421-422, 425-446, 506-507, 557-589).

Así, en este retablo se aúnan varios problemas habituales al emprender el estudio de las pinturas sobre tabla producidas en el antiguo reino de Castilla, durante los siglos XV y XVI, como es la identidad de su autor o autores, que permanece anónima, dificultando su catalogación y su posible vinculación con otras obras. A esto hay que añadir, además, que una de ellas fue mutilada, habiendo sido rescatados únicamente dos de sus fragmentos, lo cual supone no sólo una dispersión física de partes de esa pieza, sino también una alteración del tema que representa y un vacío de información en la metodología de su elaboración. Por otro lado, estas pinturas se exponen actualmente de manera independiente en un lugar distinto a aquél para el que fueron encargadas, aunque se ha respetado el orden primitivo

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de las escenas en el discurso narrativo que componen. Por lo tanto, estas obras están descontextualizadas, habiendo cesado el uso para el que fueron concebidas centrado en mostrar episodios de la vida de la Virgen y de Cristo que ayudasen a ilustrar a la población en la religión católica, para ser ahora exhibidas como típicos ejemplos del arte de una época.

El estudio de las pinturas castellanas de dicho periodo, ha sido abordado con frecuencia desde un punto de vista histórico-artístico, siendo investigadas las composiciones plasmadas en ellas, procurando diferenciar la identidad de quien las hizo, su estilo y el origen de sus rasgos (Collar de Cáceres 2011: 32-41; Las Edades del Hombre. El Arte en la iglesia de Castilla y León 1988; Pedro Berruguete y su entorno 2004; Silva 2003: 77-85 y Vandevivere 1986: 100-105, entre otros ejemplos). Igualmente, los materiales presentes en las preparaciones, en los dibujos y en la película pictórica, así como los métodos utilizados para realizarlos, han sido los asuntos en los que han indagado otros estudiosos, no sólo con la finalidad de documentar estos procesos, sino también con la intención de facilitar los tratamientos de conservación-restauración (Dotseth, Anderson et Roglán 2008; Finaldi et Garrido 2006; Gayo 2003: 169-174; Gómez 2011: 134-138; Nieto et al. 2000: 649-664 y Santos 2005).

En cambio, el soporte, los sistemas mediante los que éste puede estar construido y los materiales usados a tal efecto, han sido obviados a menudo, a pesar de constituir el sustento de los demás estratos y de ser la estructura de la que depende la estabilidad del conjunto, a su vez condicionada por el aparejo de los paneles. Las mutilaciones, los engatillados, los traslados de la pintura a lienzos y otras operaciones llevadas a cabo en esta clase de obras, evidencian una despreocupación absoluta por las características originales de estos tableros, por las funciones de cada uno de los elementos que los conforman y por su repercusión en las capas de preparación y de pintura que descansan sobre su superficie. Esos cambios, debidos a variaciones en las modas sucedidas a lo largo del tiempo, a los gustos de las distintas personas que hayan poseído una obra o a carencias relacionadas con la compren-sión del comportamiento de la madera en general y, de estos soportes en particular, han ocasionado deterioros irremediables en gran cantidad de obras pertenecientes al Patrimonio Nacional de España.

Para el estudio de los paneles castellanos, son fuentes de información las cartas de obligación, en las que no sólo se acostumbraba a indicar los temas iconográficos solicitados, sino que se detallaba el nombre del cliente, junto con el del artesano contratado y, en ocasiones, se concretaban los materiales de uso requerido, además de algunas condiciones de calidad que éstos debían cumplir. En esta misma línea, pueden ser de gran utilidad los documentos de pago, que reflejan los procesos ya realizados en obras concretas y la cuantía económica abonada. Desgraciadamente, hasta finales del siglo XVI no se comenzó a exigir a los escribanos la conservación de los documentos que generaban (Berg Sobré 1989: 133), provocando la escasez de contratos y de recibos anteriores a esa época, tal como ocurre con el retablo de Frómista, del que no hay escritos en este sentido (Silva 1990: 446).

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Otros textos que recogen datos relacionados con las pinturas sobre tabla, son las Ordenanzas que se aprobaban en los diversos lugares pertenecientes a la Corona de Castilla, aunque los ejemplares que han logrado superar el paso del tiempo (Martín 1992; Martín-Gamero 1858; Ordenanzas de Granada de 1552; Ordenanzas de la muy noble y muy leal ciudad de Málaga. 1611; Ordenanzas de Sevilla de 1632; Ordenanzas de Valladolid. Siglos XI al XIX; Padilla 1987: 175-202; Ramírez de Arellano 1915: 29-46), no suelen contener prescripciones específicamente relativas a la metodología de construcción de los soportes.

Así mismo, la observación directa de las características de los tableros castellanos está limitada por la dificultad de acceder al reverso de los retablos de los que generalmente forman parte, pues éstos suelen estar anclados o insertados en un muro. Incluso cuando es posible superar este tipo de trabas, existe el impedimento de examinar a simple vista otros elementos propios de la elaboración de estos paneles, debido a su localización en el interior de la madera o bajo las capas de aparejo y de pintura.

En estas condiciones, es especialmente necesario recurrir a la radiografía1, que no sólo permite documentar las obras con la finalidad de conseguir información detallada acerca de su estado de conservación, sino que facilita la distinción de los rasgos originales de la construcción del soporte y de la ejecución pictórica. Con la llegada de los paneles de Frómista al IPCE, el equipo de Estudios Físicos de dicha Institución tuvo la oportunidad de radiografiar, por primera vez, varias obras pertenecientes a un mismo grupo. Al hilo de este asunto, si la radiografía de una única pintura sobre tabla permite saber cómo fue hecho, resanado y preparado el panel, al igual que el proceso creativo del pintor y, por otro lado, evidencia el estado de los distintos estratos, cuando se dispone de imágenes radiográficas de ejemplares que integran un mismo conjunto, no sólo se accede a toda la información mencionada, sino que además se pueden cotejar los datos obtenidos, de manera que es posible detectar concordancias y discordancias en lo que a la elaboración de los tableros y a la realización de la pintura se refiere. Es decir, es posible confirmar de un modo fiable que las obras se deben, o no, a un mismo taller o autor.

Específicamente, conocer la manera en que fueron construidos los paneles de Frómista depositados en el IPCE, así como la metodología seguida en la preparación de su madera para recibir la pintura y los materiales de revestimiento utilizados, enriquece la información disponible sobre estas actividades en las tierras castellanas de aquel momento. Por otra parte, posibilita la comprobación de las coincidencias existentes entre los métodos aplicados en los soportes examinados, un objetivo aún más interesante si cabe, al tener en cuenta que la autoría de las escenas se atribuye a varios pintores. Por último, saber las particula-ridades de estos tableros podría contribuir en el reconocimiento y en la localización de los fragmentos desaparecidos de la obra que fue cortada durante el robo.

1 Las radiografías que ilustran este artículo proceden del Archivo Radiográfico Gabaldón-Antelo, mientras que las imágenes visibles se han obtenido de la Fototeca del Instituto del Patrimonio Cultural de España. Ministerio de Educación, Cultura y Deporte.

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Metodología de trabajo

La oportunidad de estudiar un conjunto de obras pintadas sobre madera, de las cuales se habían efectuado las correspondientes radiografías, motivó el interés por este retablo y por el sistema de construcción seguido en sus soportes. Así pues, la investigación se inició acudiendo a los fondos de las bibliotecas del IPCE y de la Universidad Complutense de Madrid -UCM-, para buscar, seleccionar y recoger la información publicada en relación con estas obras y con el retablo en general. También se recopilaron los informes inéditos de los tratamientos de conservación-restauración ejecutados durante la intervención que les fue practicada en los años 80 del siglo XX, compilados en el Archivo del IPCE, en los que se describían las pinturas, su estado y se establecían los criterios de actuación aplicados. A continuación, se recurrió a las radiografías de estas obras, captadas en el IPCE después de haber sido robadas y ya recuperadas. La información conocida de este modo, fue contrastada con las fotografías de los reversos de los soportes, tomadas con anterioridad al hurto. Todos estos datos fueron complementados con un examen visual realizado de manera directa.

La obtención de las imágenes radiográficas2 fue efectuada bajo las mismas condiciones en todos los casos y, una vez digitalizadas, fueron unidas mediante el programa VARIM3. Posteriormente, se emprendió la fase de estudio de estas imágenes, de las que se pudo tener una visión general gracias al montaje de las placas en un negatoscopio y otra, más detallada, aumentando las ya digitalizadas con ayuda de un programa de análisis de ima-gen. En este sentido, las características de construcción de los paneles fueron examinadas siguiendo la misma metodología utilizada durante el estudio del retablo de Santoyo (Alba et al. 2010: 11-28), cuya eficacia ya había sido constatada entonces. De este modo, fue comprobado el número de piezas que componían cada tablero y su disposición, el tipo de corte y si todas ellas presentaban el mismo, así como el sistema usado para unirlas. También se tuvo en cuenta el sentido de colocación de los travesaños, su forma, si ésta era regular y si sus bordes estaban o no biselados, cómo estaban seccionados y el método utilizado para sujetarlos. Finalmente, se observó la tipología de elementos metálicos detectados, número, forma y situación de colocación con respecto a las uniones.

2 El equipo utilizado para la exposición de las obras a la radiación fue el modelo Transportix de General Eléctrica Electromedicina sin filtro de aluminio. Se aplicó una tensión de 49 kilo Voltios, una intensidad de 15 mili Ampe-rios, el tiempo de exposición fue de 50 segundos, habiendo una distancia de 3 metros entre el foco emisor y el objeto. Para el procesado de las imágenes se recurrió a película AGFA RPX 1, haciendo uso de un equipo médico durante 4 minutos, a 20 grados centígrados de temperatura. Por su parte, la digitalización se ha efectuado con un escáner marca ARRAY, modelo 2905 HD, dotado de una fuente láser y sensor de impulsos fotomultiplicador. Siendo el tamaño del píxel real de 50 micrómetros, la profundidad espectral en la captura directa en niveles de gris de 12 bits por píxel y la densidad óptica de 4,7. Este dispositivo está adaptado específicamente para obras de arte de gran formato, atendiendo a las necesidades del Laboratorio de Estudios Físicos del IPCE, en un proyecto en el que también han participado las empresas Array Corporation y SERINGSOFT.

3 El programa VARIM (Visión Artificial aplicada a la Reflectografía de Infrarrojos Mecanizada) es un proyecto promovido por el IPCE, financiado por el programa PROFIT del Ministerio de Ciencia y Tecnología y coordinado por la Dirección General para el Desarrollo de la Sociedad de la Información. El trabajo se realizó conjuntamente entre el IPCE, el Grupo de Tratamiento de imágenes de la E.T.S. de Ingenieros de Telecomunicaciones de la Universidad Politécnica de Madrid y las empresas INFAIMON y SERVIMATISMOS.

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En lo concerniente al trabajo del pintor o de su taller, se estudió la manera de resanar los defectos existentes en los soportes, buscando la presencia de fibras de estopa o de tela, su localización y si había alguna capa de protección o aislamiento en el reverso de las tablas. Igualmente, se valoraron otros factores como la presencia de nudos o de ataques de insectos xilófagos, con el objeto de verificar si se cumplía la prohibición de usar madera en malas condiciones, establecida en las ordenanzas de Granada (Ordenanzas de Granada de 1552: CLXXVIII). Su vigencia no consta en los reglamentos de otros lugares, si bien es probable que tampoco se aceptara esta praxis, teniendo en cuenta que contradice una de las principales finalidades de estos compendios de normas: velar por la calidad de los objetos producidos.

Finalmente, se efectuó una visita a la iglesia de Frómista en la que actualmente se encuen-tran estas obras, con el propósito de llevar a cabo el examen visual directo de las mismas y, de esta manera, conocer su estado de conservación, comprobar algunas características constructivas detectadas en las radiografías, así como el entorno en el que están ubicadas. Toda la información obtenida fue contrastada entre sí, lo que ha permitido establecer unas conclusiones de gran interés para el conocimiento de la producción de soportes pictóricos de madera castellanos en los años que marcaron el final del siglo XV y el principio del XVI.

Sistema de construcción de los paneles y su acondicionamiento.

El examen de las radiografías y la exploración directa de las obras, así como el análisis de las imágenes visibles del reverso de todos los tableros, han sido de gran utilidad para identificar el panel mutilado como aquél que originalmente representaba el Entierro de la Virgen [figura 2.a], al igual que para reconocer los fragmentos recuperados, denominados Figura de Rojo y Figura de Cristo [figura 2.b y c]. Por otro lado, la combinación de estas técnicas de estudio ha permitido conocer el trabajo que llevaron a cabo el carpintero o el entallador y el pintor, con la asistencia de los miembros de sus respectivos talleres, para construir y preparar estos paneles.

Así, ha sido posible comprobar que los soportes son de grandes dimensiones, dado que la altura de todos ellos oscila entre los 100 centímetros y los 141 centímetros, aproximada-mente. Su anchura, sin embargo, es bastante más homogénea, ya que varía entre los 73 centímetros y los 78 centímetros. La amplitud de la superficie de estos paneles, sumada al hecho de que la veta de las tablas está dispuesta en sentido vertical [figura 3.a], indica que estaban destinados a formar parte de los cuerpos del retablo, ya que los tableros que se incluían en los bancos solían ser de pequeñas dimensiones y, generalmente, la veta de las piezas que los constituían estaba situada en sentido horizontal. La veracidad de esta hipótesis se ha podido constatar mediante una fotografía antigua en la que se ve el retablo montado y localizado en la iglesia de Santa María del Castillo, al tiempo que ha sido posible saber que las obras estudiadas pertenecían a los dos cuerpos inferiores [figura 1].

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Con respecto al corte de la madera, en las imágenes radiográficas se observaron, de manera parcial, unas estructuras lineales bastante rectas, lo que indujo a pensar que se trataba de los anillos de crecimiento tal como se ven en la sección radial. Sin embargo, el examen directo de los bordes de estos tableros confirmó que las planchas habían sido cortadas tangencialmente, de acuerdo con la costumbre castellana. Cada uno de estos paneles está formado por la unión de tres tablas, si bien en el caso del Entierro de la Virgen, no ha sido posible saber con exactitud cuántas piezas conformaban su soporte, debido a que sólo se conservan los dos fragmentos a los que se ha hecho mención. Pese a esta contrariedad, la existencia de una junta en sentido vertical, ha permitido deducir que la obra debió de estar formada por dos piezas, como mínimo. En cuanto al sistema utilizado para unir las tablas, la detección de una sola zona de contacto entre ellas, indica que se trata de la unión viva [figuras 3 y 4], la más sencilla de todas aquellas que se conocen4 y, por otra parte, la más habitual en las obras castellanas del siglo XVI (Bruquetas 2002: 233). Aunque en estas radiografías no se distingue el adhesivo utilizado para juntar las tablas y tampoco consta su composición en los informes consultados, hay que suponer que están adheridas con cola de origen animal, siguiendo la costumbre castellana5.

Por otro lado, en seis de las obras se han visto unas formas rectilíneas, cuyos extremos se estrechan y se redondean ligeramente, dispuestas transversalmente con respecto a las uniones. Se ha interpretado que pudieran ser las espigas o clavijas que se solían insertar en los cantos para mantener alineadas las piezas de madera durante el secado de los adhesivos [figura 3]; debido a la baja absorción radiográfica de estas espigas, se deduce que son de madera y no de metal6. No obstante, es preciso aclarar que la no localización de este tipo de elementos en las obras restantes, no implica necesariamente su ausencia, pues su imagen radiográfica es muy tenue en comparación con la de otros materiales más radioabsorbentes, cuya ubicación puede coincidir en la radiografía solapándose. En estas circunstancias, sólo se podría conocer su existencia mediante los orificios en los que se encontrasen insertadas, zonas que difícilmente se ven en radiografía y que, en consecuen-cia, pueden pasar desapercibidas. Así, aunque en la radiografía de los dos fragmentos del Entierro de la Virgen no se encontraron indicios de la presencia de estas piezas, el examen directo de dichos fragmentos evidenció la existencia del orificio de entrada de una antigua espiga en uno de ellos.

La distribución de las espigas no es homogénea en estas obras, dado que algunas de ellas disponen de dos piezas en una de las uniones, mientras que otras solamente cuentan con una

4 Este tipo de unión consiste en la adhesión directa de los cantos de las tablas cortados en arista viva.5 Estas colas podían ser de pieles, cola de queso o caseína, aunque también ha sido utilizada en ocasiones la cola

de pescado. (1974): “Mappae Clavicula. A little Key to the World of Medieval Techniques”. Traducido al inglés por Smith, C.S. y Hawthorne, J.G. Transactions of the American Philosophical Society, núm. 64, part.4: 45; Théophile. (1982): Essai sur divers arts, Picard, París: 32 y 33; Cennini. (2006) (4ª ed): El libro del Arte, Akal, Madrid: 149-152.

6 Las espigas de metal cumplían la misma función que las de madera, siendo frecuente el uso de ambas, aunque no combinadas en un mismo soporte.

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única clavija7. El grosor de estos elementos es de 1 centímetro y su longitud oscila entre los 11 y los 15 centímetros. De igual modo, la distancia a la que estas piezas están dispuestas con respecto al borde superior de los paneles, varía entre los 34 y los 59 centímetros, así como la separación entre ellas se sitúa entre los 47 y los 95 centímetros, en el caso de las juntas en las que hay más de una espiga.

A ambos lados de las zonas de unión de algunas de estas pinturas, se han observado unas finas líneas paralelas, muy radioabsorbentes, que no han podido ser identificadas, aunque se ha considerado la posibilidad de que sean “chuletas” de madera insertadas en las juntas para reforzarlas durante su intervención [figura 4]. El examen directo de las obras ha permitido confirmar esta hipótesis y mediante la consulta de las imágenes visibles de sus respectivos reversos, tomadas antes de su tratamiento, se ha podido comprobar que esta operación formó parte de la intervención de conservación-restauración efectuada en el IPCE, pues el “enchuletado” no se ve en esas primeras imágenes.

Las franjas de alta densidad radiográfica, de forma más o menos rectangular, que se extienden en dirección horizontal y de lado a lado en todos los paneles, son los travesaños de madera que los entalladores añadieron para reforzar las juntas de las planchas y con ello, dotar a los soportes de mayor consistencia y estabilidad. Dada la importancia de estas piezas en lo que a la construcción de los tableros se refiere, se debe señalar que predomina la presencia de tres barrotes en cada uno de los paneles estudiados8.

Mediante las imágenes visibles de los reversos de las obras, se ha podido conocer que estos travesaños tienen forma de prisma de sección rectangular y sus bordes no están biselados, aunque algunos de ellos están dotados de un saliente en uno de sus laterales, que proba-blemente se deba al sistema usado para montar las obras en la estructura del retablo. Las medidas de todos los barrotes rondan los 7-8 centímetros de altura y los 78-80 centímetros de ancho. En cuanto a su localización en los paneles, los travesaños más bajos se encuentran colocados justo al límite del borde inferior, a diferencia de los barrotes más altos, que están separados del borde superior. Las radiografías denotan que estos barrotes están sujetos a los tableros de la forma más primitiva y simple que se conoce, es decir, mediante clavos insertados desde el anverso y doblados sobre el reverso con el fin de evitar que se salieran a consecuencia del llamado “juego de la madera”9. Los clavos están alineados entre sí y se

7 Se han localizado espigas en las siguientes obras: Última Cena, Prendimiento, Piedad, Dormición de la Virgen, Azotes en la columna y Ascensión de Cristo. En las cuatro primeras predomina el uso de dos espigas en una de las uniones, mientras que en la otra junta sólo aparece una espiga. En cambio, en las dos últimas esta pauta no se ha detectado, pues en los Azotes en la columna sólo se ha encontrado una espiga en cada una de las uniones y en la Ascensión de Cristo, se ha localizado una única espiga en la junta de la tabla izquierda con la central

8 Se exceptúan de esta norma La Resurrección de Cristo, La Muerte de la Virgen y La Asunción de la Virgen, que sólo están provistas de dos travesaños cada una, no habiéndose conservado el barrote inferior de esta última obra, por lo que en la actualidad sólo posee uno. Igualmente, se excluyen los dos fragmentos pertenecientes en origen al Entierro de la Virgen, que no presentan travesaño alguno, ni marcas que delaten su existencia en el pasado.

9 Se llama “juego de la madera” a los movimientos que ésta experimenta en función del aumento y disminución de humedad, hinchándose y retrayéndose, respectivamente.

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sitúan cerca de las zonas de unión y de los laterales de los paneles, en orden de dos o tres por cada tabla [figura 5].

Ya en relación con el acondicionamiento de la madera de los tableros, efectuado por el pintor y su taller, se han detectado unas estructuras lineales, sinuosas, de baja absorción radiográfica, que están esparcidas por toda la superficie del anverso, tal como se procedía con las fibras de estopa [figura 6]. El encolado de estas fibras se hacía con el propósito de facilitar la adhesión de la preparación y de regular la absorción de humedad por parte del soporte. Las imágenes visibles, junto con las conclusiones extraídas del examen ejecutado in situ, han permitido conocer que las fibras de estopa también están presentes en el reverso de las obras pero, en este caso, únicamente se disponen sobre las uniones, por lo que se entiende que tenían la función de reforzar las juntas. Según indica Marette, no se tiene constancia del uso de este tipo de fibras en España con anterioridad al siglo XV (Marette 1961: 150). En relación con este tema, Skaug realizó un estudio comparativo tomando como muestra diferentes obras procedentes de diversos países entre los que se encontraba España, pudiendo distinguir ciertas variantes en la colocación de bandas de refuerzo (pergamino, lienzo o estopa). De sus conclusiones se extrae que, hasta finales del siglo XV, en Castilla predominaba la aplicación de tiras o piezas de pergamino o lienzo sobre nudos, grietas y uniones, aunque también se colocaban fibras de estopa. En cambio, a finales del siglo XV y durante el XVI, imperó el uso de fibras sueltas encoladas directamente sobre toda la superficie del panel (Skaug 2006: 184-191).

Con respecto al cumplimiento de los mandatos aprobados en Granada y posiblemente en otras ciudades, se han localizado varios nudos [figura 7], lo que contradice las normas dic-tadas para la correcta conservación de los tableros10. También se han observado pequeñas formas circulares, repartidas por las superficies de las obras, semejantes a los orificios de salida de insectos xilófagos [figura 8]. Parte de estos círculos han sido detectados por su baja absorción radiográfica en comparación con las zonas circundantes, mientras que el resto de los orificios han sido distinguidos por dar una imagen radiográfica opuesta a la descrita. La alta absorción de radiación que caracteriza al segundo tipo de orificios, se debe a la presencia de preparación o de estuco en su interior. En este sentido, se ha deducido que los primeros corresponden a ataques producidos después de haber sido extendida la preparación, en contraposición a los segundos, que habrían tenido lugar antes de que el pintor llevara a cabo esa tarea. Es decir, que obvió también las directrices emanadas de las Ordenanzas, que exigían el uso de madera sana, aunque así mismo cabe la posibilidad de que este material de alta absorción radiográfica sea el estuco aplicado por el restaurador durante su intervención.

10Ya en las Ordenanzas de la época, como las de Granada, se exigía el uso de madera sana y limpia de nudos. Estas prescripciones no deben extrañar, ya que la madera podrida o atacada por insectos xilófagos pierde parte de su consistencia y estabilidad estructural, tornándose más frágil y débil, de forma que no cumple adecuadamente su función de sustento de los demás estratos.

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Conclusiones

En el estudio de estos paneles del retablo de Frómista, han sido determinantes los docu-mentos radiográficos, pues mediante ellos se han observado elementos que forman parte de la estructura de estos soportes, imposibles de detectar de otra manera por estar ocultos a la vista. La comparación de esas radiografías con los datos extraídos del estudio visual directo, así como de las imágenes visibles de las caras posteriores de las obras y de la documentación escrita consultada, ha permitido precisar y profundizar, aún más, en el conocimiento de estos tableros y del conjunto al que pertenecen.

De un lado, ha quedado demostrado que el retablo estaba integrado por un total de vein-tinueve pinturas sobre tabla, habiendo sido robadas únicamente aquéllas de los cuerpos inferiores, quizá, debido al hecho de ser mas fácil acceder a ellas que a las situadas en zonas más altas. Precisamente, estas que fueron sustraídas de su ubicación original, son las mismas que llegaron al IPCE para ser intervenidas.

Por otra parte, se ha verificado que los soportes estudiados están formados mayoritariamente por tres piezas de madera de corte tangencial, dispuestas verticalmente, juntadas entre sí mediante uniones vivas y alineadas con espigas de madera insertadas en los cantos de seis de estas tablas. A propósito de este asunto, no ha sido posible establecer un patrón común a todos los paneles en lo que se refiere al número de espigas presentes en cada uno de ellos, la unión en la que están localizadas y la distancia a la que se encuentran del borde superior de los tableros, así como con respecto a las demás espigas de cada junta.

Sí se ha podido saber que los travesaños, que aportan mayor estabilidad al conjunto, están sujetos mediante clavos introducidos desde el anverso, lo que indica que son barrotes fijos. La inspección visual, por su parte, ha permitido conocer que estos travesaños tienen forma de prisma de sección rectangular y sus bordes están sin biselar. Estas características constructivas coinciden en todas las obras estudiadas, por lo que se evidencia que los paneles fueron elaborados siguiendo un mismo patrón de construcción, es decir, que fueron ejecutados por un único carpintero, entallador o taller.

Además, mediante la radiografía y el examen directo de las obras se ha podido comprobar que las fibras de estopa son los únicos elementos utilizados para preparar y reforzar los tableros. Así, mediante la primera técnica se detectó la existencia de estas fibras dispersas en la cara anterior de las obras, mientras que la inspección directa de los reversos, evidenció la presencia de la estopa solamente en las zonas de unión. Esta metodología de preparación y acondicionamiento de los paneles, a semejanza de lo que ocurre con las características constructivas, es constante en todas las obras estudiadas. Este hecho indica que se hizo uso de los mismos métodos, lo cual no entra en conflicto con la posibilidad de que intervinieran dos pintores diferentes en la policromía.

La sencillez con la que estos soportes fueron elaborados permite establecer su relación con la producción típicamente castellana de los siglos XV y XVI. Sin embargo y teniendo en

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cuenta las conclusiones de Skaug (Skaug 2006: 184-191), debido a la localización de las fibras de estopa en el anverso, se considera probable que estos soportes fueran preparados concretamente a finales del siglo XV o durante el XVI.

En la actualidad, el retablo de Frómista continúa en un lugar diferente a aquél para el que fue concebido en origen y las pinturas que lo conforman están expuestas de manera indepen-diente, en vez de estar montadas en su correspondiente estructura, que sigue en paradero desconocido, al igual que algunos fragmentos que constituyen el Entierro de la Virgen. Los datos mostrados en este texto podrán servir de referencia para establecer vínculos entre las obras estudiadas y las otras diecisiete que integran el conjunto, así como contribuir al reconocimiento de los fragmentos que aún no han sido recuperados.

Se constata así que la metodología seguida en el estudio de estas obras concretas, puede ser aplicada igualmente para el examen de sistemas de construcción y acondicionamiento de soportes en determinadas zonas geográficas o, quizá, de talleres específicos. Al mismo tiempo, la posibilidad de distinguir una manera propia de trabajar, puede favorecer la identificación de otras obras descontextualizadas y/o anónimas.

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Agradecimientos

A los radiólogos Dª Araceli Gabaldón y D. Tomás Antelo, el asesoramiento prestado. Así mismo, al Instituto del Patrimonio Cultural de España, el permiso para la reproducción de las imágenes visibles y radiográficas.

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Curriculum de las autoras

Alba González-Fanjul, Tamara: Licenciada en Bellas Artes (especialidad de Conservación--Restauración). Doctoranda de la facultad de Bellas Artes de la UCM. Está en posesión del Diploma de Estudios Avanzados (DEA) y está realizando su tesis doctoral sobre la construcción de los soportes pictóricos de madera castellanos de los siglos XV y XVI.

Contacto: [email protected]

Dalmau Moliner, Consuelo: Licenciada en Bellas Artes con las especialidades de Pintura y de Conservación-Restauración y Doctora en Bellas Artes. Profesora Titular del Departamento de Pintura-Restauración de la Facultad de Bellas Artes de la Universidad Complutense de Madrid (UCM).

Contacto: [email protected]

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Figura 1: Imagen visible del Retablo en el ábside de la iglesia de Santa María del Castillo de Frómista, su emplazamiento original. Obsérvese que las obras estudiadas

en este trabajo están situadas en los dos cuerpos inferiores del retablo.

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Figura 2: a. Imagen visible del Entierro de la Virgen, tomada antes de que la obra fuese robada y cortada.b. Imagen visible de los dos fragmentos que se conservan del Entierro de la Virgen.c.Imagen radiográfica de los dos fragmentos recuperados del Entierro de la Virgen.

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Figura 3: a. Detalle de la radiografía de La Última Cena, en el que se observa una de las espigas detectadas. También es posible ver en esta imagen la veta de la madera del soporte, así como la unión viva que junta las tablas.b. Imagen radiográfica de La Última Cena.

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Figura 4:a. Detalle de la radiografía de La Crucifixión, en el que destaca el “enchuletado” de las uniones de las tablas.b. Imagen radiográfica de La Crucifixión.

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Figura 5:a. Detalle de la radiografía de La Asunción de la Virgen. Cabe resaltar la presencia del travesaño superior, junto con uno de los clavos de sujeción detectados.b. Detalle de la radiografía de La Asunción de la Virgen, en el que se observan zonas de alta absorción radiográfica en comparación con su entorno. Por su forma y puesto que están localizadas en la parte inferior de la obra, además de que están alineadas entre sí, se entiende que estas zonas son los huecos en los que se encontraban insertados los clavos de sujeción de un antiguo travesaño. La alta absorción de estas zonas, se debería entonces a la presencia de un material de relleno.c. Imagen radiográfica de La Asunción de la Virgen.

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Figura 6:a. Imagen visible del reverso de La Piedad, tomada con carácter previo a la intervención de la obra. Obsérvese que la estopa está localizada en las zonas de unión de las tablas y sobre ella está extendida una capa de preparación.b. Imagen visible del anverso de La Piedad, tomada tras la intervención a la que fue sometida la obra en el IPCE.c. Detalle de la radiografía de La Piedad mediante la que se ha detectado la presencia de fibras de estopa dispersas por la superficie del anverso.d. Imagen radiográfica de La Piedad.

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Figura 7:a. Detalle de la radiografía de La Resurrección, en el que se puede ver el nudo que hay en la tabla central del soporte.b. Detalle de la imagen radiográfica de La Resurrección, en el que se observa uno de los nudos existentes en la tabla derecha del panel.c. Detalle de la imagen radiográfica de La Resurrección. El nudo detectado evidencia que no se cumplían algunas de las prescripciones recogidas en Ordenanzas de la época.d. Imagen radiográfica de La Resurrección.

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Figura 8:a. Detalle la imagen radiográfica de Pentecostés. Obsérvese que las formas circulares que se corresponden con los ataques de insectos xilófagos, son tanto blancas como negras, lo que indica que las primeras están rellenas de preparación o de estuco de intervención, al contrario que las segundas. b. Detalle de la radiografía de Pentecostés en el que destaca la presencia de orificios de salida de insectos xilófagos.c. Detalle de la radiografía de Pentecostés. Al igual que en los dos casos anteriores, se observa el ataque de insectos xilófagos.d. Imagen radiográfica de Pentecostés.

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Reflexões sobre ética e deontologia profissional

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Reflexões sobre ética na investigação científica

Salomé de Carvalho

Resumo

Vivemos numa era em que a produção designada “científica” aumentou exponencialmente, o que se justifica pelo desenvolvimento do interesse económico na aplicação da ciência e da tecnologia nas várias valências da sociedade. O aumento da especialização nas diversas áreas, bem como o incremento de estudos pós-graduados, centros de investigação e outros semelhantes têm originado um crescimento significativo no número de investigadores e de instituições de investigação, sendo necessário repensar os princípios éticos basilares da investigação científica, que devem ser respeitados pela grande multiplicidade de áreas que produzem conteúdos científicos.

Palavras-chave:

Investigação, científica, ética, tecnologia, investigadores, economia, sociedade.

Reflexiones sobre la ética en la investigación científica

Resumen

Vivimos en una era en la que la producción llamada “científica” aumentó de manera exponencial, lo que se justifica por el desarrollo de los intereses económicos en la aplica-ción de la ciencia y la tecnología en las muchas facetas de la sociedad. El aumento de la especialización de las diversas áreas, así como el aumento de los estudios de postgrado, centros de investigación y similares han originado un aumento significativo en el número de investigadores e instituciones de investigación, siendo necesario repensar los principios éticos básicos de la investigación científica, que debe ser respetado por la gran multitud de áreas que producen el contenido científico.

Palabras clave:

Investigación, ciencia, ética, tecnología, investigadores, economía, sociedad.

Essay on ethics of scientific research

Abstract

We live in an era in which scientific production has increased exponentially, which is justified by the development of economic interest in the application of science and technology in the many facets of society. Increased specialization in various fields, as well as the increase in postgraduate studies, research centers and similar have originated a significant growth in the number of researchers and research institutions; it is necessary to rethink the basic

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ethical principles of scientific research that must be respected by the great multitude of fields which produce scientific contents.

Keywords:

Research, science, ethics, technology, researchers, economy, society.

Introdução

De acordo com a autora Maria do Carmo Jardim Pereira do Vale, «Denomina-se investigação ao estudo e análise rigorosa de dados observados ou a observar mediante determinado protocolo elaborado com o objectivo de responder a questões científicas relevantes para a sociedade. O termo investigação é aplicável a todo um conjunto de actividades destinadas a desenvolver ou contribuir para o conhecimento generalizável. Este consiste na elaboração de teorias, princípios, relações ou acumulação de informação que pode ser confirmada por métodos científicos idóneos, de observação e inferência» (Vale, [s.d.]:1). A vasta área da investigação científica abrange uma amplitude de conceitos considerável, sendo necessária uma completa compreensão de todos os intervenientes para a correcta aplicação do termo investigação científica. Por “ciência” entendemos “conhecimento”, de acordo com as suas origens etimológicas, do latim scientia; o dicionário online de Língua Portuguesa da Porto Editora (Infopedia) define o termo em sete âmbitos, sendo eles os seguintes: «1. domínio do conhecimento com um objeto pré-determinado e um método próprio, fundamentado em relações demonstráveis objetivamente; 2. conhecimento exato, racional e verificável que se expressa por leis; 3. investigação metódica das leis que regem os fenómenos; 4. arte ou prática baseada num corpo organizado de conhecimentos e regras; técnica; 5. extensão de conhecimentos sobre uma determinada matéria; instrução; 6. saber; erudição; 7. [plural] disciplinas baseadas no cálculo e na observação» (Ciência, Infopedia). Podemos estabelecer duas instâncias imediatas, considerando a ciência como motor de conhecimento: conjunto de factos corroborados empiricamente, através do método científico, e hierarquização do conhecimento mediante teorias. O limite de acção da ciência tem sido alvo de discussão, dado que todo o mecanismo de gerar conhecimento, de uma forma ou de outra, pode associar-se à prática científica. Assim surgem vários campos de acção: ciências exactas e naturais, mais especificamente as ciências formais (matemática e física teórica) e físico-químicas, ciências sociais, ciências da saúde, engenharia, etc. Dada a proliferação de áreas que têm requerido o estatuto científico, podemos considerar a aquisição e divulgação de conhecimento como critério fundamental para uma área dita científica, mediante investigação, observação, experimentação e corroboração dos factos (Carvalho, 2013: 271).

Esclarecido o papel da Ciência enquanto veículo através do qual se produz conhecimento (sendo este um resumo muito simplista), torna-se importante identificar o investigador

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Reflexões sobre ética na investigação científicaSalomé de Carvalho

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como o interveniente que utiliza as ferramentas da Ciência para produzir conhecimento. De acordo com a definição do Manual Frascati, investigadores são «Profissionais que trabalham na concepção ou criação de novos conhecimentos, produtos, processos, métodos e siste-mas e na gestão dos respectivos projectos» (The Organisation for Economic Co-operation and Development, 2002). Isto abrange todos aqueles que se encontram envolvidos em atividades de I&D, seja qual for a sua classificação profissional. Considerando o proposto na Carta Europeia do Investigador – Código de Conduta para o Recrutamento de Inves-tigadores (Comissão Europeia, 2005), existe distinção entre investigadores no início de carreira e investigadores experientes, ou séniores, seguindo as categorizações de diversas entidades. Os primeiros devem encontrar-se nos primeiros quatro anos de atividades, a tempo inteiro, nos quais se inclui o tempo de formação inicial pela investigação, ou seja, o tempo correspondente à formação pós-graduada (Comissão Europeia, 2005: 30-31). Aos segundos correspondem aqueles que completaram pelo menos quatro anos de experiência, contando este tempo a partir da data de obtenção de um grau académico que possibilite acesso a estudos doutorais, ou investigadores que possuam um diploma de doutoramento (Comissão Europeia, 2005: 31).

Na presente conjuntura económica o desenvolvimento do conhecimento científico é possível não só aos esforços empreendidos pelos investigadores, contudo também à existência e funcionamento de entidades empregadoras e financiadoras. Este facto é compreensível devido à necessidade de utilização de infraestruturas dispendiosas na realização da investigação científica (sejam considerados espaços, equipamentos ou outras ferramentas de trabalho). Entende-se por entidade empregadora «todas as instituições públicas ou privadas que empregam investigadores numa base contratual ou que os acolhem ao abrigo de outros tipos de contratos ou convenções, mesmo que não exista uma relação financeira directa. Estas últimas entidades referem-se especialmente a instituições de ensino superior, departamentos universitários, laboratórios, fundações ou organismos privados em que os investigadores realizam a sua formação pela investigação ou desenvolvem as suas actividades de investi-gação com base no financiamento concedido por um terceiro» (Comissão Europeia, 2005: 31). Considerando as recomendações da Comissão Europeia, entendemos que entidades financiadoras são «todos os organismos que concedem financiamentos (incluindo bolsas, prémios e subvenções) a instituições públicas e privadas de investigação, incluindo

estabelecimentos de ensino superior» (Comissão Europeia, 2005: 32).

A investigação científica é entendida pela União Europeia como matéria complexa, na qual interferem diversas heranças culturais distintas, o que torna necessária a definição de princípios éticos agregadores. Existem várias organizações de cariz internacional (OG’s e ONG’s), como é o exemplo das seguintes: Conselho da Europa, Fundação Europeia da Ciência, UNESCO, OMS, Associação Médica Mundial, FAO, entre outras, dependendo da área de estudo (Comissão Europeia). A criação de um Grupo Europeu de Ética reforça o desejo de uniformização ética no tecido europeu e extraeuropeu. Sublinha ainda a necessidade de

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Reflexões sobre ética na investigação científicaSalomé de Carvalho

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comunicação entre entidades de I&D ao nível global, no sentido de evitar esforços repetitivos e aplicar com maior eficácia as descobertas realizadas.

Princípios éticos gerais aplicáveis à investigação científica

Como princípios éticos gerais adoptaremos as normativas estabelecidas na Carta Europeia do Investigador – Código de Conduta para o Recrutamento de Investigadores (Comissão Europeia, 2005). Este importante documento define dois intervenientes fundamentais para a investigação científica: investigadores e entidades empregadoras e financiadoras; este facto evidencia a coresponsabilização de investigadores e entidades no desenvolvimento do conhe-cimento científico. É da maior importância divulgar esta informação entre os investigadores e fomentar neles o interesse por estas temáticas, cujo impacto na actualidade é considerável.

Assim sendo passamos a transcrever infra os princípios e requisitos gerais aplicáveis aos investigadores.

Liberdade de investigação

Os investigadores devem realizar a sua investigação tendo como objectivo o bem da huma-nidade e a expansão das fronteiras do conhecimento científico, gozando simultaneamente da liberdade de pensamento e de expressão, bem como da liberdade para determinar os métodos adequados para a resolução dos problemas, de acordo com práticas e princípios éticos reconhecidos.

No entanto, os investigadores devem reconhecer as limitações a esta liberdade que poderão decorrer de circunstâncias específicas da investigação (incluindo supervisão/orientação/gestão) ou de restrições operacionais, por exemplo, questões de ordem orçamental ou infraestrutural ou, principalmente no sector industrial, questões de protecção dos direitos de propriedade intelectual. Todavia, essas limitações não devem contrariar práticas e princípios éticos reconhecidos, aos quais os investigadores devem aderir (Comissão Europeia, 2005: 12).

Princípios éticos

Os investigadores devem aderir às práticas éticas e aos princípios éticos fundamentais reco-nhecidos e adequados à(s) sua(s) disciplina(s), bem como às normas éticas documentadas nos diferentes códigos de ética nacionais, sectoriais ou institucionais (Comissão Europeia, 2005: 12).

Responsabilidade profissional

Os investigadores devem envidar todos os esforços para garantir que os seus trabalhos de investigação sejam relevantes para a sociedade e não dupliquem trabalhos anteriormente realizados por outros.

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Devem evitar o plágio de qualquer tipo e respeitar o princípio da propriedade intelectual e da propriedade conjunta de dados caso o trabalho de investigação seja efectuado em colaboração com um ou vários supervisores e/ou outros investigadores. A necessidade de validação de novas observações pela demonstração da reprodutibilidade das experiências não deve ser interpretada como plágio, desde que sejam explicitamente citados os dados a confirmar.

Caso algum aspecto do seu trabalho seja delegado, os investigadores devem garantir que a pessoa em quem esse trabalho é delegado tenha competência para o executar (Comissão Europeia, 2005: 12-13).

Atitude profissional

Os investigadores devem ter conhecimento dos objectivos estratégicos que regem o seu ambiente de investigação, bem como dos mecanismos de financiamento, e deverão obter todas as aprovações necessárias antes do início do seu trabalho de investigação ou do acesso aos recursos proporcionados.

Os investigadores devem informar as suas entidades empregadoras e financiadoras ou o seu supervisor caso o seu projecto de investigação sofra atrasos, seja redefinido ou completado, bem como avisar caso este seja terminado mais cedo ou suspenso por qualquer motivo (Comissão Europeia, 2005: 13).

Obrigações contratuais e jurídicas

Os investigadores a todos os níveis devem ter conhecimento da regulamentação nacional, sectorial ou institucional que rege as condições de formação e/ou de trabalho. Tal inclui a regulamentação relativa aos direitos de propriedade intelectual e os requisitos e condições de eventuais patrocinadores ou entidades financiadoras, independentemente da natureza do seu contrato. Os investigadores devem cumprir essa regulamentação apresentando os seus resultados (por exemplo, teses, publicações, patentes, relatórios, desenvolvimento de novos produtos, etc.) conforme estabelecido nas condições do contrato ou em documento

Equivalente (Comissão Europeia, 2005: 13-14).

Responsabilização

Os investigadores devem estar conscientes que são responsáveis perante as suas entidades empregadoras e financiadoras ou outros organismos públicos ou privados conexos, bem como, a nível ético, perante a sociedade no seu conjunto. Os investigadores financiados por fundos públicos, em especial, são também responsáveis pela utilização eficiente do dinheiro dos contribuintes. Em consequência, devem aderir aos princípios de uma gestão financeira sólida, transparente e eficiente e cooperar quando da realização de eventuais auditorias

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autorizadas dos seus trabalhos de investigação, quer pelas suas entidades empregadoras/financiadoras quer por comités de ética.

Os métodos de recolha e análise, as realizações e, quando aplicável, dados pormenorizados deverão estar disponíveis para fins de controlo interno e externo, sempre que necessário e solicitado pelas autoridades competentes (Comissão Europeia, 2005: 14).

Boas práticas em investigação

Os investigadores devem sempre adoptar práticas de trabalho seguras, consentâneas com a legislação nacional, e nomeadamente tomar todas as precauções necessárias para fins sanitários e de segurança e para a recuperação da informação em caso de desastres informáticos, por exemplo, preparando estratégias adequadas relativamente a cópias de segurança. Devem também ter conhecimento dos requisitos legais nacionais em vigor relativos à protecção dos dados e da confidencialidade e tomar as medidas necessárias para lhes dar sempre cumprimento (Comissão Europeia, 2005: 14).

Divulgação e exploração dos resultados

Os investigadores devem garantir, de acordo com as respectivas disposições contratuais, que os resultados dos seus trabalhos de investigação sejam divulgados e explorados, por exemplo, através de comunicação, de transferência para outros contextos de investiga-ção ou, se adequado, de comercialização. Espera-se, em especial, que os investigadores seniores liderem o processo no sentido de garantir que a investigação seja frutuosa e que os resultados sejam explorados comercialmente ou disponibilizados ao público (ou ambos) sempre que haja oportunidade (Comissão Europeia, 2005: 15).

Envolvimento público

Os investigadores devem garantir que as suas actividades de investigação sejam levadas ao conhecimento da sociedade em geral numa forma em que possam ser compreendidas por leigos na matéria, melhorando assim a compreensão que o público tem da ciência. Um envolvimento directo com o público ajudará os investigadores a compreender melhor o interesse do público quanto a prioridades científicas e tecnológicas e também as suas preocupações (Comissão Europeia, 2005: 15).

Relação com os supervisores

Os investigadores em fase de formação devem estabelecer uma relação estruturada e regular com o(s) seu(s) supervisor(es) e representante(s) da faculdade/departamento de modo a tirar todo o partido da sua relação com estes.

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Reflexões sobre ética na investigação científicaSalomé de Carvalho

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Tal inclui a conservação de registos de toda a evolução do trabalho e de todos os resul-tados da investigação, obtendo reacções através de relatórios e seminários, tomando em consideração essas reacções e trabalhando de acordo com calendários, metas, prestações concretas e/ou resultados da investigação acordados (Comissão Europeia, 2005: 15-16).

Deveres de supervisão e gestão

Os investigadores seniores devem dedicar especial atenção ao seu papel multifacetado como supervisores, mentores, conselheiros de orientação profissional, líderes, coordenadores de projectos, gestores ou divulgadores científicos. Devem executar estas tarefas de acordo com os mais elevados padrões profissionais. No que diz respeito ao seu papel como supervisores ou mentores de investigadores, os investigadores seniores devem estabelecer uma relação construtiva e positiva com os investigadores em início de carreira, a fim de criar condições para uma transferência de conhecimentos eficiente e para um maior desenvolvimento e sucesso da carreira dos investigadores (Comissão Europeia, 2005: 16).

Desenvolvimento profissional contínuo

Os investigadores em todas as fases de carreira devem procurar continuamente o seu aper-feiçoamento através de uma actualização regular e de um alargamento das suas aptidões e competências. Tal poderá processar-se de várias formas, nomeadamente através de formação formal, workshops, conferências e aprendizagem electrónica (Comissão Europeia, 2005: 16).

Em seguida passamos a transcrever os princípios e requisitos gerais aplicáveis às entidades empregadoras e financiadoras.

Reconhecimento da profissão

Todos os investigadores que seguem uma carreira de investigação devem ser reconhecidos como profissionais e tratados como tal. Este reconhecimento deve começar no início da sua carreira, nomeadamente a nível pós-graduado, e incluir todos os níveis, independentemente da sua classificação a nível nacional (por exemplo, empregado, estudante pós-graduado, doutorando, doutorado (fellow), funcionário público) (Comissão Europeia, 2005: 17).

Não-discriminação

Os investigadores não serão objecto de qualquer forma de discriminação por parte das entidades empregadoras e/ou financiadoras com base no sexo, idade, origem étnica, nacional ou social, religião ou convicções, orientação sexual, língua, deficiência, opiniões políticas e condição social ou económica (Comissão Europeia, 2005: 17).

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Reflexões sobre ética na investigação científicaSalomé de Carvalho

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Ambiente de investigação

As entidades empregadoras e/ou financiadoras dos investigadores devem garantir a criação de um ambiente de investigação ou formação pela investigação tão estimulante quanto possível, com equipamentos, instalações e oportunidades adequados, incluindo a colaboração à distância através de redes de investigação, bem como o cumprimento da regulamentação nacional ou sectorial em matéria de saúde e segurança no domínio da investigação. As entidades financiadoras devem garantir a disponibilização de recursos adequados para apoio ao programa de trabalho acordado (Comissão Europeia, 2005: 17).

Condições de trabalho

As entidades empregadoras e/ou financiadoras devem garantir que as condições de traba-lho dos investigadores, incluindo investigadores com deficiências, proporcionem, quando adequado, a flexibilidade considerada essencial para a boa execução da investigação, de acordo com a legislação nacional em vigor e os acordos colectivos nacionais ou sectoriais. Estas entidades devem ter como objectivo proporcionar condições de trabalho que permitam aos investigadores de ambos os sexos conciliar família e trabalho, filhos e carreira. Deverá nomeadamente ser dada especial atenção a horários de trabalho flexíveis, a trabalho a tempo parcial, ao teletrabalho e a licenças sabáticas, bem como às necessárias disposições financeiras e administrativas dessas modalidades (Comissão Europeia, 2005: 18).

Estabilidade e permanência do emprego

As entidades empregadoras e/ou financiadoras devem garantir que o desempenho dos investigadores não seja prejudicado pela instabilidade dos contratos de trabalho e devem, por conseguinte, comprometer-se tanto quanto possível a melhorar a estabilidade das condições de emprego dos investigadores, desse modo aplicando e cumprindo os princípios e condições estabelecidos na Directiva da UE relativa a contratos de trabalho a termo (Comissão Europeia, 2005: 18).

Financiamento e salários

As entidades empregadoras e/ou financiadoras dos investigadores devem garantir que estes beneficiem de condições justas e atraentes de financiamento e/ou de salários com regalias de segurança social adequadas e equitativas (incluindo assistência na doença e assistência à família, direitos de pensão e subsídio de desemprego) de acordo com a legislação nacional em vigor e com os acordos colectivos nacionais ou sectoriais. Estas condições devem abranger os investigadores em todas as fases de carreira, incluindo os investigadores em início de carreira, e ser proporcionais ao seu estatuto jurídico, desempenho e nível de

qualificações e/ou responsabilidades (Comissão Europeia, 2005: 19).

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Reflexões sobre ética na investigação científicaSalomé de Carvalho

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Equilíbrio entre géneros

As entidades empregadoras e/ou financiadoras devem ter como objectivo um equilíbrio representativo entre géneros a todos os níveis do pessoal, incluindo a nível de supervisão e gestão. Tal deverá ser conseguido através de numa política de igualdade de oportunida-des na fase de recrutamento e nas fases subsequentes da carreira, prevalecendo todavia os critérios de qualidade e competência. A fim de garantir um tratamento equitativo, os comités de selecção e avaliação devem apresentar um equilíbrio adequado entre géneros (Comissão Europeia, 2005: 19).

Progressão na carreira

As entidades empregadoras e/ou financiadoras dos investigadores devem elaborar, de preferência no âmbito da sua gestão de recursos humanos, uma estratégia específica de progressão na carreira para os investigadores em todas as fases de carreira, independen-temente da sua situação contratual, incluindo os investigadores com contratos de trabalho a termo. Essa estratégia deverá incluir a disponibilidade de mentores que proporcionem apoio e orientação para o desenvolvimento pessoal e profissional dos investigadores, dessa forma motivando-os e contribuindo para a redução da insegurança quanto ao seu futuro profissional. Os investigadores devem ser devidamente informados dessas disposições e acordos (Comissão Europeia, 2005: 19-20).

Valor da mobilidade

As entidades empregadoras e/ou financiadoras devem reconhecer o valor da mobilidade geográfica, intersectorial, interdisciplinar, transdisciplinar e virtual 12, bem como da mobilidade entre os sectores público e privado, como um meio importante de promoção do conhecimento científico e do desenvolvimento profissional em todas as fases da carreira de um investigador. Em consequência, devem integrar essas opções na estratégia específica de desenvolvimento de carreira e valorizar e reconhecer plenamente qualquer experiência de mobilidade no âmbito do seu sistema de avaliação/progressão na carreira.

Tal implicará também a criação dos instrumentos administrativos necessários a fim de permitir a transferência dos direitos em matéria de segurança social e de subsídios, de acordo com a legislação nacional (Comissão Europeia, 2005: 20).

Acesso à formação pela investigação e ao desenvolvimento contínuo

As entidades empregadoras e/ou financiadoras devem garantir que seja dada a todos os investigadores, em qualquer fase da sua carreira e independentemente da sua situação contratual, a oportunidade de desenvolvimento profissional e de melhoria da sua empregabi-lidade através do acesso a acções de desenvolvimento contínuo de aptidões e competências.

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Reflexões sobre ética na investigação científicaSalomé de Carvalho

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Essas acções devem ser objecto de uma avaliação regular quanto à sua acessibilidade, aceitação e eficácia na melhoria das competências, aptidões e empregabilidade (Comissão Europeia, 2005: 20-21).

Acesso a orientação profissional

As entidades empregadoras e/ou financiadoras devem garantir a disponibilização de orien-tação profissional e de assistência na procura de emprego, nas instituições em causa ou em através da colaboração com outras estruturas, aos investigadores em todas as fases das sua carreira, independentemente da sua situação contratual (Comissão Europeia, 2005: 21).

Direitos de propriedade intelectual

As entidades empregadoras e/ou financiadoras devem garantir que os investigadores em todas as fases da sua carreira usufruam dos benefícios da exploração (se aplicável) dos seus resultados de I&D através de protecção jurídica e, em especial, de uma protecção adequada dos direitos de propriedade intelectual, incluindo dos direitos de autor.

As políticas e práticas devem especificar os direitos dos investigadores e/ou, quando aplicável, das suas entidades empregadoras ou de outras partes, incluindo organizações comerciais ou industriais externas, conforme eventualmente previsto no âmbito de acordos de colaboração específicos ou de outros tipos de acordos (Comissão Europeia, 2005: 21).

Coautoria

A co-autoria deveria ser considerada de uma forma positiva pelas instituições quando da avaliação do pessoal, como prova de uma abordagem construtiva na realização de trabalhos de investigação. As entidades empregadoras e/ou financiadoras devem, por conseguinte, desenvolver estratégias, práticas e procedimentos que proporcionem aos investigadores, incluindo os que iniciam a sua carreira de investigação, as condições-quadro necessárias para que tenham direito a ser reconhecidos e referidos e/ou citados, no contexto das suas contribuições efectivas, como co-autores de comunicações, patentes, etc., ou a publicar os resultados dos seus próprios trabalhos de investigação independentemente do(s) seu(s) supervisor(es) (Comissão Europeia, 2005: 21-22).

Supervisão

As entidades empregadoras e/ou financiadoras devem garantir que seja claramente indicada uma pessoa de referência a quem os investigadores em início de carreira possam recorrer para o desempenho dos seus deveres profissionais, e que os investigadores sejam devida-mente informados do facto.

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Reflexões sobre ética na investigação científicaSalomé de Carvalho

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Essas modalidades deveriam definir claramente que os supervisores propostos estejam suficientemente especializados na supervisão de trabalhos de investigação, tenham tempo, conhecimentos, experiência, especialização e empenhamento, de modo a poderem disponi-bilizar um apoio adequado ao formando em investigação e providenciar os procedimentos de progressão e revisão necessários, bem como os necessários mecanismos de retorno (Comissão Europeia, 2005: 22).

Ensino

O ensino constitui um meio essencial para a estruturação e divulgação de conhecimentos e deverá, por conseguinte, ser considerado uma opção valiosa no contexto das vias profis-sionais dos investigadores. No entanto, as responsabilidades a nível de ensino não deverão ser excessivas e não deverão impedir os investigadores, especialmente no início da sua carreira, de desenvolver as suas actividades de investigação.

As entidades empregadoras e/ou financiadoras devem garantir que as funções de ensino sejam remuneradas de forma adequada e tomadas em consideração nos sistemas de ava-liação/aferição e que o tempo dedicado pelo pessoal sénior à formação de investigadores em início de carreira seja contado como uma parte integrante das suas funções de ensino.

Deve ser dada formação adequada para as actividades de ensino e orientação como parte integrante do desenvolvimento profissional dos investigadores (Comissão Europeia, 2005: 22-23).

Sistemas de avaliação/aferição

As entidades empregadoras e/ou financiadoras devem criar para todos os investigadores, incluindo os investigadores seniores, sistemas de avaliação/aferição para fins de apreciação do seu desempenho profissional, com carácter regular e de uma forma transparente, por um comité independente (e de preferência internacional no caso dos investigadores seniores).

Os referidos procedimentos de avaliação e aferição devem tomar em devida consideração a criatividade global da investigação e dos respectivos resultados, por exemplo, publicações, patentes, gestão da investigação, ensino/leitorado, supervisão, orientação, colaboração nacional ou internacional, funções administrativas, actividades de sensibilização do público e mobilidade, que deverão ser tidas em conta no contexto da progressão na carreira (Comissão Europeia, 2005: 23).

Reclamações/recursos

As entidades empregadoras e/ou financiadoras dos investigadores devem estabelecer procedimentos adequados, em conformidade com as regras e regulamentação nacionais, possivelmente sob a forma de uma pessoa imparcial (do tipo mediador), para tratar de

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Reflexões sobre ética na investigação científicaSalomé de Carvalho

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reclamações/recursos apresentados pelos investigadores, incluindo os relativos a conflitos entre supervisor(es) e investigadores em início de carreira. Esses procedimentos devem proporcionar a todo o pessoal de investigação assistência confidencial e informal na reso-lução de conflitos, litígios e queixas relacionadas com o trabalho, a fim de promover um tratamento justo e equitativo no âmbito da instituição e de melhorar a qualidade geral do ambiente de trabalho (Comissão Europeia, 2005: 23-24).

Participação em órgãos de decisão

As entidades empregadoras e/ou financiadoras dos investigadores devem reconhecer como plenamente legítimo, e mesmo desejável, que os investigadores estejam representados nos órgãos de decisão, consulta e informação relevantes das instituições em que trabalham, de modo a protegerem e promoverem os seus interesses individuais e colectivos como profissionais e a contribuírem activamente para o funcionamento da instituição (Comissão Europeia, 2005: 24).

Recrutamento

As entidades empregadoras e/ou financiadoras devem garantir que as normas de entrada e admissão dos investigadores, especialmente em início de carreira, estejam claramente especificadas e devem também facilitar o acesso a grupos desfavorecidos ou a investiga-dores, incluindo professores (de qualquer nível), que retomem a carreira de investigação.

Ao nomear ou recrutar investigadores, as entidades empregadoras e/ou financiadoras devem aderir aos princípios estabelecidos no Código de Conduta para o Recrutamento de Investigadores (Comissão Europeia, 2005: 24).

Notas conclusivas

Consoante a produção científica evolui e aumenta exponencialmente, mediante fatores de índole variada, é fundamental refletir sobre os aspetos éticos gerais envolvidos neste processo. Atualmente a investigação científica é compreendida entre duas instâncias fundamentais – investigadores e entidades financiadoras e/ou empregadoras, formando ambas uma simbiose complexa que deve contribuir em igualdade de deveres para um mesmo fim – a produção de conhecimento. Esta relação é da maior importância, tendo em consideração que a conjuntura económica e tecnológica requer infraestruturas específicas para as diversas áreas, algumas das quais necessitam de equipamentos e materiais de elevado valor financeiro.

A vasta amplitude de áreas que realizam investigação científica coloca problemáticas parti-culares que devem estar subordinadas a um código genérico, sendo que aqui se destaca o estabelecido na Carta Europeia do Investigador – Código de Conduta para o Recrutamento

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Reflexões sobre ética na investigação científicaSalomé de Carvalho

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de Investigadores (Comissão Europeia, 2005). Algo fundamental para o desenvolvimento científico e tecnológico ético é a divulgação dos conteúdos resultantes da investigação; este é o mecanismo essencial de comunicação entre investigadores e entre investigadores e sociedade. Publicar o conteúdo científico e tecnológico torna-se ainda imperativo no que concerne a questões de primazia científica, demarcando direitos de autoria e estabelecendo cronologias evolutivas. Prevalece cada vez menos o paradigma do investigador solitário, encerrado no seu laboratório; a realidade da investigação científica requer cooperação inter-pessoal e interinstitucional, bem como comunicação activa, seja esta realizada nos meios de publicação e divulgação próprios da comunidade científica, ou direcionada para a sociedade leiga em geral. O conhecimento científico não se encerra nos limites das instituições, nem é pertença exclusiva de indivíduos ou organizações – deve estar ao serviço do bem comum da sociedade. Neste sentido o investigador deve ser entendido como membro activo do tecido social, o que exige forçosamente a valorização da sua categoria profissional.

Aplicar estes conceitos à área da Conservação e Restauro merece uma avaliação urgente e particular, não cabendo por esse motivo entre as considerações gerais que de momento se apresentam. Oportunamente serão exploradas e partilhadas com a comunidade da Conservação, através da Revista ECR.

Referências

CARVALHO, Salomé de. História, teoria e deontologia da Conservação e Restauro aplicadas à pintura sobre madeira em Portugal. Tese de Doutoramento apresentada à Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional do Porto, 2013, p. 271.

Ciência. In Infopédia. [Consulta: 08.01.2014]. http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa/ci%C3%AAncia;jsessionid=INQtmEnDN+cTCiK5Cp1yyw__>.

Comissão Europeia. «Carta Europeia do Investigador e Código de Conduta para o Recru-tamento de Investigadores». [Consulta: 08.01.2014]. http://ec.europa.eu/euraxess/pdf/brochure_rights/eur_21620_en-pt.pdf.

European Group on Ethics in Science and New Tecnhnologies. In European Commission. [Consulta: 11.01.2014]. http://ec.europa.eu/bepa/european-group-ethics/index_en.htm.

The Organisation for Economic Co-operation and Development. Frascati Manual: Proposed Standard Practice for Surveys on Research and Experimental Development. 6ª edição, 2002.

VALE, Maria do Carmo Jardim Pereira do. «Ética da investigação». [Consulta: 06.01.2014]. http://www.ihmt.unl.pt/docs/Etica-da-Investigacao.pdf.

Universidade do Porto. «Comissão de Ética da Universidade do Porto» [Consulta: 09.01.2014]. http://sigarra.up.pt/up/pt/up_pesquisa.pesquisa?pn_tab=0&pv_pesq=CEUP&ie=ISO-8859-15&oe=ISO-8859-15&forcesubmit=0.

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Reflexões sobre ética na investigação científicaSalomé de Carvalho

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Currículo da autora

Salomé de Carvalho: Conservadora-restauradora (Bolseira FCT) no Instituto José de Figueiredo, destacada no Museu Nacional de Soares dos Reis (DGPC), desde 2011.

Docente convidada da Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional do Porto (2006 – 2013).

Doutorada em Conservação de Pintura em 2013, pela Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional do Porto.

Licenciada em Arte, Conservação e Restauro pela mesma instituição, em 2006.

Autora e co-autora de diversas publicações científicas, exerce funções no conselho de redacção da Revista Estudos de Conservação e Restauro (CITAR – UCP).

Investigadora integrada do grupo de Estudos de conservação do CITAR-UCP..

Colaboradora ARP.

Contacto: [email protected]

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Recensões críticas

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Interacción, Convergencia y Reflexión: un recorrido sobre las órbitas analíticas del número 7 de Intervención, Revista Internacional de Conservación, Restauración y Museología (ENCRyM-INAH, México).

Isabel Medina-González

Editora Intervención, Revista Internacional de Conservación,

Restauración y Museología

ENCRyM-INAH.

El número siete de Intervención, Revista Internacional de Conservación, Restauración y Museología, publicación académica, arbitrada e indexada de emisión semestral de la Escuela Nacional de Conservación, Restauración y Museografía (ENCRyM) del Instituto Nacional de Antropología (INAH), México, ha salido a la luz pública en el periodo correspondiente a enero-junio 2013, cumpliendo con ello más de tres de circulación continua e interrumpida, trayectoria que ya la han convertido en una plataforma ya plenamente consolidada y en constante renovación para la intercambio, debate y difusión interdisciplinaria en temas relacionados al patrimonio cultural en México e Latinoamérica.

La noción de interacción, en cuanto a análisis y operación, domina el contenido de este volumen, mismo que abarca diferentes ámbitos patrimoniales: lo arqueológico, lo histórico, lo museal, lo prehispánico, lo contemporáneo. Aportaciones de colaboradores de distintas profesiones provenientes de México y el extranjero intersectan discursos teóricos, metodoló-gicos, analíticos y prácticos en diversas escalas --el objeto, la colección, la serie, el montaje, el monumento, el sitio—con el fin de plantear nuevos miradas críticas, y a su vez, provocar reflexión sobre nuevas posibilidades de pensamiento y acción en el ámbito patrimonial.

El recorrido inicia con un los DIALOGOS Entre la Arqueología y la Restauración… entablados por Pilar Tapia López y Joaquín Barrio sobre la contribución de los conservadores-restauradores al estudio e interpretación de los metales arqueológicos, análisis que sirve para comparar la experiencia ibérica con la mexicana, y de ahí, plantear el potencial de formación de nuevos profesionales en ambos lados del Atlántico. Un sesgo igualmente crítico permea en el ENSAYO que analiza la iniciativa de Reesctructurar el proyecto de arte latinoamericano: el modelo constelar, en el cual Gabriela A. Piñero examina la forma en que el arte latinoamericano se observa desde la mirada complementaria del artista y del curador, posiciones que se modifican respecto a contextos museales diferenciados. El tema de la transformación es el centro del estudio que Jimena Palacios Uribe y Haydee Orea Magaña plantean en su Análisis del deterioro de los elementos labrados del Edificio 33 de Yaxchilán Chiapas, INVESTIGA-

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Año 4. Núm. 7 Enero-junio de 2013Escuela Nacional de Conservación, Restauración y Museografía-INAH

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ISSN 2007-249X

Instituto Nacionalde Antropologíae Historia

ESCUEL A N ACION A LDE CONSER V ACIÓN,R E S T A UR A CIÓ N YM U S E O G R A F Í A

E N C R y M “MANUEL DEL CASTILLO NEGRETE“

Entre la arqueología y la restauración. Diálogos con Joaquín Barrio MartínMaría del Pilar Tapia López

Re-estructurar el proyecto de un arte latinoamericano: el modelo constelarGabriela A. Piñero

Análisis del deterioro de los elementos labrados del Edificio 33 de Yaxchi-lán, Chiapas: un estudio representativo del intemperismo de las rocas cali-zas de la región del UsumacintaHaydeé Orea MagañaJimena Palacios Uribe

Continente/contenido: nuevos reflejos sobre las vitrinas del antiguo Museo NacionalAdriana Ramírez Galván

La restauración de las pinturas murales de La Moreña, La Barca, Jalisco: intervenciones, resultados y reflexiones parciales en torno de un proyecto de la encrym-inah

Sergio Arturo Montero AlarcónRosa Liliana Alfaro Martínez

iic Viena Congress 2012: la experiencia internacional de restauradores mexicanos en formaciónMariana Almaraz ReyesAna Lanzagorta CummingEmmanuel Lara Barrera

El restaurador como intermediario en la intervención de arte contemporá-neo: la toma de decisionesMiriam Limón GallegosAlma Maythé Loza Barajas

Revista Conserva: un recuento a 15 años en el mundo editorial de la con-servación-restauración en América LatinaCentro Nacional de Conservación y Restauración (cncr)

Una reflexión sobre La noción de pátina y la limpieza de las pinturas, de Paul PhilippotMaría Eugenia Marín BenitoDora M. Méndez Sánchez

Interacción e interactividad: Manual de museografía interactivaManuel Gándara Vázquez

D i á l o g o s

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Interacción, Convergencia y Reflexión: un recorrido sobre las órbitas analíticas del número 7 de Intervención, Revista Internacional de Conservación, Restauración y Museología (ENCRyM-INAH, México).

Salomé de Carvalho

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CION que aborda la alteración de bajo-relieves en piedra caliza en ambientes tropicales húmedos, con énfasis en procesos biológicos, cuyos resultados trascienden para plantear la necesidad de una nueva perspectiva de manejo patrimonial incluyente de lo cultural con lo natural de uno de los sitios más complejos y paradigmáticos de la arqueología Maya. Otro cambio de mirada, en un sentido ahora diacrónico, se plantea en Continente/Contenido… de la autoria de Adriana Ramírez Galván que en el ESCAPARATE plantea las reflexiones de cambio de significación en bienes culturales que derivaron de la reciente intervención en vitrinas del Antiguo Museo Nacional de Arqueología, Historia y Etnología, origen del INAH y antecedente del actual Museo de Antropología. Otra historia fascinante, ahora propia del desarrollo de la disciplina de la conservación- restauración en México, se plasma en el REPORTE de Sergio Arturo Montero Alarcón y Rosa Liliana Alfaro Martínez que nos relatan el origen, transformaciones y actualidad que definieron el proyecto actual de La restaura-ción de las pinturas murales de la Moreña, iniciativa de la ENCRyM-INAH. Aquí resalta la explicitación de los valores de este única obra mural al óleo de paisajismo costumbrista del México decimonónico, así como la explicitación de las intervenciones, algunas de ellas innovadoras en el uso de geles de limpieza, para la revitalización de los valores estéticos esta joya patrimonial arraigada a la comunidad de La Barca, Jalisco, México: un ejemplo de la activación de significados patrimoniales en los ámbitos de lo local, lo estatal y lo nacional. Otra órbita de interacción, ahora entre artista creador, propietario y restaurador se entreteje en el INFORME de Miriam Limón Gallegos y Alma Maythé Loza Barajas. En su contribución sobre El restaurador como intermediario de la intervención de arte contemporáneo … se analizan las diferentes posiciones de agentes patrimoniales en la toma de decisiones y en el equilibrio de conceptos, principios y sensibilidades para articular una conexión de lo con-temporáneo en lo presente. Una visión igualmente crítica se plasma en una recapitulación sobre lo logrado y las expectativas al futuro en el ámbito editorial el campo patrimonial en la SEMBLANZA sobre Revista Conserva… publicación de más de 15 años de trayectoria del Centro Nacional de Conservación y Restauración de Chile que busca ampliar la visibilidad del quehacer del conservador-restaurador, objetivo que Intervención comparte y complementa con identidades editoriales diferenciadas en un ámbito internacional. Esta escala global adquiere un tono de júbilo en el texto de Mariana Almaraz Reyes, Ana Lazagorta Cummings y Emmanuel Lara Barrera, quienes en la sección REFLEXION SOBRE LA FORMACION nos narran su experiencia en el ICC Vienna Congress 2012, conferencia de gran prestigio inter-nacional donde presentaron un cartel a sazón de un trabajo voluntario de conservación de abanicos históricos del Museo Nacional de Historia del INAH, el cual fue galardonado en ese mismo evento con el Student Poster Prize, lo cual motivó a los autores a reflexionar sobre el presente de la conservación en México en su enmarque internacional. De esta perspectiva de transversalidad geográfica contrasta con una de naturaleza historicista que es asumida por María Eugenia Marín Benito y Dora Méndez en una reflexión DESDE EL ARCHIVO sobre el seminal texto de Paul Phillipot Sobre la Noción de la Pátina y la limpieza de pinturas, en el cual proponen nuevas miradas sobre la apreciación de la materialidad e inmaterialidad

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Interacción, Convergencia y Reflexión: un recorrido sobre las órbitas analíticas del número 7 de Intervención, Revista Internacional de Conservación, Restauración y Museología (ENCRyM-INAH, México).

Salomé de Carvalho

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de nuestro universo patrimonial. Finalmente, la RESEÑA DE LIBRO elaborada por Manuel Gándara Vázquez sobre el Manual de museografía interactiva plantea cuestionamientos conceptuales y prácticos sobre la Interacción e Interactividad en el contexto museográfico, con ello cerrando el número séptimo de Intervención caracterizado por la convergencia reflexiva de órbitas de intergeográficas, intertemporales e interculturales

Con este recorrido de contenidos vario-pintos de nuestra publicación número 7, sólo resta, a nombre de su Comité Editorial, invitar a la comunidad internacional de profesionales en activo y en formación del ámbito patrimonial, particularmente de Latinoamérica, a consultar de manera libre y gratuita a los anteriores y actual número de Intervención en la página electrónica de la ENCRYM-INAH (www.encrym.edu.mx) y en la biblioteca virtual del INAH (www.bibliotecavirtual.inah.gob.mx). Asimismo, los animamos a postular trabajos origina-les para ser publicados en los próximos números de Intervención, de acuerdo a nuestra convocatoria divulgada en la página web de de la ENCRyM y en nuestro sitio de Facebook. Mayores informes y preguntas pueden enviarse al correo electrónico [email protected]. Hacemos asimismo saber, con gran entusiasmo, a los lectores de la Gaceta Museos que próximamente anunciaremos la cabal inserción de nuestra publicación en el Open Journal System, plataforma electrónica de acceso libre y gratuito con búsquedas con metadatos y posibilidad de uso con gestores bibliográficos de computo académico. Con todo ello, Intervención confirma su vocación de ser un espacio de intercambio académico en continua innovación y de persistente avanzada para el impulso interdisciplinario del campo profesional del patrimonio en Latinoamérica.

Isabel Medina-González

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Historical Perspective on Preventive ConservationReadings in Conservation

2013

ISBN: 978-I-60606-142

capa mole

456 pages

Edited by Sarah Staniforth

Estamos perante uma obra de extrema importância publi-cada pelo Getty Conservation Institute e em cuja feitura participaram os mais reputados especialistas actuais e na qual encontramos a demonstração da conhecida afirmação

de Stefan Michalski “ A conservação é uma prática muito antiga porque o homem sempre procurou conservar o que considerava raro.” E de facto, nesta obra vamos encontrar exemplos desde o Império Romano e práticas tradicionais no Oriente conhecidos desde os primórdios do século XIX até ao exemplo clássico da Pedreira de Manod no País de Gales durante a II Grande Guerra, merecendo especial referência a documentação que é facultada sobre alguns episódios especialmente significativos como o Relatório de Russel e Abney, a contribuição da National Gallery de Londres e a polémica sobre os valores recomendados para a Humidade Relativa. A concluir mais de 300 títulos de leitura recomendada.

Como é de esperar numa obra desta importância muitas opiniões e algumas opções são claramente, e talvez voluntariamente, discutíveis como é o caso de Harold James Plenderleith (1) sendo no entanto de sublinhar o cuidado posto na referência a nomes frequentemente menosprezados como é o caso do Frederico Rathgen (2) o fundador, em Berlim, do primeiro laboratório de investigação num museu e sobretudo o nome de Elisabete Stromberg descoberto, em vão, por Michalski em 1990 e a que pessoalmente nos referimos em 2005 numa palestra que tivemos ocasião de apresentar na Universidade Católica do Porto (3).

Entendemos, no entanto, que o mérito principal desta obra é o de tornar facilmente acessível documentação que se encontra dispersa por inúmeras fontes, como é o caso da iluminação, onde podemos avaliar o longo caminho que ainda temos de percorrer até termos a consciência tranquila de que iluminámos bem, ou seja permitindo uma visão correcta degradando o menos possível e procurando que, na medida do possível, a idade do visitante não prejudique a sua apreciação da obra.

Da mesma forma tomamos consciência que a conservação preventiva, ao contrário do que pensavam, e pensam alguns corifeus, não nasceu com os progressos da tecnologia antes pelo contrário temos muito a aprender com o saber de outros tempos e de outras gentes, como é o caso de Elisabete Strömberg ou de O.P. Agrawall. Em 1870 Pettenkoffer propunha soluções para a estabilidade das condições ambiente semelhantes ás que usamos hoje.

Luís Elias Casanovas

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Notas

1.0 É com efeito muito discutível que se inclua o nome dum especialista reputado que afirmou no nº 3 do Volume 43 de 1998 do Studies in Conservation que “ Scientific conservation virtually belongs to the present century/ “.

2.0 Historical Perspectives pp 164

3.0 “ A Lebre” de Albrecht Dürer,

Comunicação lida no Colóquio “ Desenhar a Luz A luz na Arte e no Património “organizado pela Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional do Porto em 22 de Abril de 2005.

Luís Elias Casanovas

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Notícias

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International Symposium on Painting Techniques – Amesterdão

Nos dias 18, 19 e 20 de Setembro de 2013, decorreu, no renovado Rijksmuseum, em Amesterdão, o “International Symposium on Painting Techniques”, subordinado ao estudo da pintura, através das suas técnicas, materiais, origem, comércio e prática em oficina. Com relevante contributo para o conhecimento e estudo da ‘história técnica da pintura’, este simpósio teve a sua estreia em Praga, em 1993, seguido de Leiden, em 1995. Em 1998, foi continuado pelo Con-gresso ICC, em Dublin, e, depois, em 2009, pela National Gallery, em Londres. Neste seu quinto encontro foram apresentados resul-tados dos projectos de doutoramento em conservação e restauro, por Rita Maltieira, sobre o estudo técnico e material da tela na pintura portuguesa, desde a sua imple-mentação até à sua produção industrial, e por Rita Rodrigues, sobre os materiais e as técnicas utilizados em pintura de caixotões no Norte de Portugal. As apresentações no simpósio foram possíveis devido ao apoio da FCT (Fundação para a Ciência e a Tecno-logia) e do CITAR (Centro de Investigação em Ciência de Tecnologia das Artes – UCP).

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INART’13 – ÉVORA (Portugal)

Com o principal objetivo de criar uma pla-taforma internacional e multidisciplinar de partilha de conhecimento entre os diversos campos da ciência e da tecnologia, em par-ticular da nano-ciência, e a Conservação do Património, realizou – se na Universidade de Évora, de 10 a 13 de Julho de 2013, o “INART’13 - 1st International Conference on Innovation in Art Research and Techno-logy”. Nesta Conferência foram apresentados resultados sobre os projectos de douto-

ramento de Ana Bailão: Retouching with Colour Vision Deficiency; de Bárbara Maia: On Track of Grão Vaco in “His” Museum: The five large panels of Viseu’s Cathedral, in Particular the Magnificent S. Pedro; de Carla Tavares: The Pictorial Technique of Pedro Alexandrino de Carvalho in Three Altar Screens; e de Rita Maltieira: Pain-tins on Canvas – Fiber Optical Microscope Identification by Three Sample Preparation Approaches. Os trabalhos apresentados tiveram o imprescindível apoio da FCT (Fun-dação para a Ciência e a Tecnologia) e do CITAR (Centro de Investigação em Ciência de Tecnologia das Artes – UCP).

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II ENCONTRO LUSO BRASILEIRO DE CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO

S. JOÃO DEL REI, 1 A 4 DE AGOSTO DE 2013

Entre os dias 1 e 4 de Agosto de 2013 decorreu o II Encontro Luso Brasileiro de Conservação e Restauração que teve lugar no Pólo universitário de São João del Rei, Minas Gerais (Brasil), uma iniciativa con-junta da Escola de Belas Artes da Univer-sidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Departamento de Arte, Conservação e Restauro da Escola das Artes da Universi-dade Católica do Porto (UCP). A organização esteve a cargo do Prof. Doutor Gonçalo Vasconcelos e Sousa, (UCP), da Professora Doutora Yaci-Ara Froner e do do Prof. Doutor

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Luiz Sousa (UFMG). A comissão científica e executiva portuguesa foi constituída pela Prof. Doutora Eduarda Vieira e pela Mestre Carolina Barata (UCP).

Pretendia-se com este II Encontro, e na sequência da primeira edição, que teve lugar em Setembro de 2011, na Escola das Artes da UCP-Porto, por iniciativa do Prof. Doutor Gonçalo Vasconcelos e Sousa, assessorado pela Prof. Doutora Eduarda Vieira e pela Mestre Carolina Barata, fomen-tar a partilha de experiências e práticas entre profissionais e instituições de Conser-vação e Restauro portuguesas e brasileiras, estreitando relações entre instituições de língua portuguesa e promovendo um fórum contínuo de discussões e intercâmbio, nomeadamente no planeamento de projetos conjuntos e na recepção de estudantes brasileiros que pretendam desenvolver no nosso país os seus estudos pós graduados.

O Prof. Doutor Gonçalo Vasconcelos e Sousa começou por apresentar o Centro de Con-servação e Restauro da UCP e o seu modelo de funcionamento, realçando aspectos dos projetos em curso de maior relevância, bem como a relação com as instituições com as quais a universidade estabelece protocolos de colaboração.

A Cargo da Prof. Doutora Eduarda Vieira esteve a apresentação da estrutura e objeti-vos dos 3 ciclos de formação oferecida pela UCP na área da Conservação e Restauro, evidenciando a sua relação com as reco-mendações da ENCoRE, rede europeia para a Educação em Conservação e Restauro que a nossa universidade integra.

A Mestre Carolina Barata fez uma exposição sobre os projetos de investigação em curso ou recentemente concluídos ao nível dos segundo e terceiro ciclos de estudos, destacando a importância do envolvimento de alunos e

professores em estreita colaboração e ao abrigo do Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes da UCP (CITAR).

A terceira edição deste evento terá lugar no Centro HERCULES da Universidade de Évora em 2015.

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INVESTIGADORA DO CITAR DESENVOLVE TRABALHO

EXPERIMENTAL

NO CENTRO SOLEIL SYNCHROTRON, EM PARIS, AO ABRIGO DO PROJETO

CHARISMA

Ao abrigo do projeto CHARISMA – Cultural Heritage Advanced Research Infrastructures, Sinergy for a Multidisciplinary Approach to Conservation/Restoration, co-financiado pela Comissão Europeia e integrado da acção Research Infrastructures do programa GA No. FP7- 228330, foram atribuídos à Mestre Carolina Barata, docente do Departamento de Arte Restauro da UCP e investigadora do CITAR, cinco dias de tempo de feixe na linha DIFFABS do centro de radiação sincrotrão SOLEIL Synchrotron, em Paris. Esta linha permite a utilização de uma variada gama de técnicas analíticas que usam radiação X, designadamente difração, absorção e espectroscopias de florescência.

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Esta experiência insere-se no trabalho de doutoramento desta investigadora, que incide sobre os materiais e técnicas usados nas preparações da talha barroca da diocese do Porto e sua proveniência geológica, projeto desenvolvido entre o Departamento de Geociências da Uni-versidade de Aveiro, onde está inscrita, o seu respetivo centro de investigação (GeoBioTec), e o CITAR, que constitui a entidade de acolhimento.

Os principais objetivos da utilização desta técnica, nunca antes usada para este fim em Portugal, foram a caracterização dos materiais de preparação presentes em microamostras recolhidas de 35 obras de talha da diocese do Porto e determinação da sua proveniência geológica com base em amostras recolhidas de depósitos portugue-ses de composição conhecida.

Os resultados dessa experiência foram apresentados na XV International Clay Con-ference, que teve lugar no Rio de Janeiro (Brasil), entre 7 e 11 de Julho de 2013.

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Investigadora do CITAR ganha bolsas no âmbito do projecto

Internacional ARCHLAB

No âmbito do programa CHARISMA – Cultu-ral Heritage Advanced Research Infrastruc-tures, a comissão de revisão de pares para o acesso ao Internacional Archlab avaliou positivamente o projeto intitulado “Vasco Fernandes, the making of a 16th Portuguese master: on track to Spanish, Flemish and Italian influences”.

Neste sentido, a investigadora do CITAR e laboratório HERCULES, Bárbara Campos Maia, com doutoramento iniciado na Uni-versidade Católica Portuguesa em 2010 subordinado ao tema “Vasco Fernades: do

mito à realidade material. Estudo técnico e conservativo dos estratos pictóricos”, sob orientação de Ana Calvo e co-orientação de António Candeias e José Carlos Frade, ganhou duas bolsas, para dois usuários, que lhe concedem o acesso à National Gallery of London, bem como o acesso ao Museo del Prado em Madrid.

http://www.charismaproject.eu/transnational--access/archlab/archlab-welcome-desk.aspx

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NOTICIAS ECR

Workshop de Reintegração Mimética

Nos dias 21 e 22 de Junho de 2013 realizou--se o Workshop de Reintegração Mimética na Escola Artística e Profissional Árvore. Os organizadores foram os investigadores Ana Bailão e Frederico Henriques. A for-madora foi Sandra Šustić do Instituto de Conservação da Croácia - Departamento de Split. O primeiro objetivo deste workshop foi divulgar e demonstrar as práticas de reintegração cromática do referido Insti-tuto; como segundo objetivo, pretendeu--se explorar os métodos e as técnicas de reintegração mimética, em especial, para pintura antiga. O curso teve uma compo-nente teórica e outra prática, nas quais foram apresentadas e executadas, respe-tivamente, todas as etapas importantes no processo de reintegração mimética. Foi dada especial atenção à reintegração de lacunas complexas da composição figu-ral. Neste evento participaram elementos de algumas empresas de conservação e restauro, tais como Zenoficinas, Porto Res-tauro, 20|21, Atelier Samthiago, Pigma, N_Restauros, AF&FA e também do Museu de Aveiro.

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I Encontro Internacional de Reintegração Cromática de Bens

Culturais

No dia 19 de Outubro de 2013 realizou-se o I Encontro Internacional de Reintegração Cromática de Bens Culturais na Igreja de São José das Taipas, no Porto. A entidade acolhedora do projeto foi a Escola Artística e Profissional Árvore e os organizadores foram os investigadores Ana Bailão e Fre-derico Henriques. As instituições internacio-nais envolvidas no projeto foram a Escola Superior de Conservación e Restauración de Bens Culturais de Galicia, o Instituto de Restauración del Patrimonio da Universidad Politécnica de Valencia, a Fundación “La Llum de les Imatges” e o Croatian Con-servation Institute.Teve a participação de cerca de 150 pessoas, maioritariamente, profissionais e estudantes de conserva-ção e restauro. Promoveu-se a troca de ideias acerca de conceitos, terminologias, métodos, técnicas e materiais entre as dife-rentes áreas de especialidade. As comuni-cações foram organizadas em três sessões, cada uma subdividida em temáticas mais específicas: a primeira foi sobre a teoria e o ensino da reintegração cromática; a segunda foram casos de estudo repartidos em património imóvel e património móvel; a última sessão foi subordinada ao tema das novas tecnologias e da sua aplicabilidade no estudo e documentação da reintegração cromática. O resumo do encontro, da auto-ria de Ana Teresa Teves Reis, foi publicado pelo e-conservation Journal disponível aqui http://www.e-conservation.org/.

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Projecto Europeu sobre Técnicas de Entretelagem Tradicionais e

Contemporâneas

Ao abrigo do Programa Erasmus – Intensive Program (IP) – Lifelong Learning Experience – o Departamento de Arte, Conservação e Restauro da AE da UCP foi convidado a integrar o projeto de trabalho e pesquisa sobre Técnicas de Entretelagem Tradicionais e Contemporâneas.

O projeto é coordenado pela École Supé-rieure des Arts Saint-luc, Liège (Bélgica) e conta com a colaboração da Universidade de Urbino (Itália) e com a Universidade Católica Portuguesa.

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Intervenção Conservativa no Acervo de Pintura do Museu da Faculdade

de Belas do Porto

Departamento de Arte, Conservação e Res-tauro, da Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa intervencionou um lote de pinturas pertencente ao acervo do Museu da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, com o propósito de integrarem a exposição “Revelações do Acervo da Facul-dade de Belas Artes do Porto” no SILO--Espaço Cultural do Norte Shopping, entre os dias 20 de Outubro e 14 Novembro.

O espólio intervencionado compreendeu obras de artistas como Marques de Oliveira, Constantino Sobral Fernandes, Augusto Gomes, Abel Mendes, Ventura Porfírio, Luísa Marinho Leite, Maria Amélia Ferreira, Gui-lherme Duarte Camarina, Mª Amélia Mes-quita Cardoso e Joaquim Lima de Carvalho. Os tratamentos de conservação decorreram nas oficinas de conservação e restauro da Escola das Artes e na própria Galeria do

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SILO, tendo a Prof. Doutora Maria Aguiar coordenado uma equipe de mestrandas em Conservação de Bens Culturais – Especiali-zação em Pintura, Maria João Araújo, Ana Figueiredo e Ana Lacerda de Queiroz.

A exposição integrou trabalhos de pintura de antigos alunos da faculdade e colocou, lado a lado, artistas consagrados como Hen-rique Pousão, Domingues Alvarez, Joaquim Lopes, Augusto Gomes, Sofia de Sousa, Heitor Cramez, Ventura Porfírio, Ângelo de Sousa e Alberto Carneiro, e outros menos conhecidos, com o denominador comum de pertencerem ao acervo da Faculdade.

No dia 2 de Novembro as Prof. Doutoras Maria Aguiar e Laura Castro participado na conversa - Café com Arte - integrada na dinamização da exposição, juntamente com a Dra. Elvira Leite e o Dr. Fernando José Pereira (FBAUP).

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I Jornadas Técnicas de Conservação de Pedra

Decorreram no dia 22 de Maio na Escola das Artes da UCP as I Jornadas Técnicas de Conservação de Pedra, numa co-organização do grupo de Conservação do CITAR e da empresa espanhola Agar Agar Productos de Conservación, tendo constituído o primeiro evento na área dos materiais inorgânicos

O encontro contou com a presença de dois especialistas na área: Gerard Ziegenbalg – químico e professor honorário da Univer-sidade de Ciências Aplicadas de Dresden – e Delgado Rodrigues – investigador do Labo-ratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) e consultor em conservação de património edificado.

As Jornadas integraram um colóquio onde os participantes assistiram a duas conferências proferidas pelos especialistas convidados e um workshop sobre o uso dos produtos Calosil, e no qual puderam contactar direc-tamente com casos práticos de aplicação dos consolidantes à base de nano partículas de cal, na resolução de problemas de con-solidação de pedra, argamassas, rebocos e pintura mural.

O evento registou uma grande adesão da comunidade de conservadores-restauradores de todo o país e de alguns investigadores.

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Defesa de teses de doutoramento em Conservação de Pintura

O ano de 2013 foi particularmente pro-dutivo no domínio da defesa de teses de doutoramento em Conservação de Pintura na Escola das Artes. Assim, foram vários os investigadores integrados do CITAR que defenderam as respectivas teses doutorais, o que contribuiu para o impulso do Grupo de Estudos em Conservação:

Frederico José Rodrigues Henriques – Metodologias de Documentação e Análise Espacial em Conservação de Pintura, em 28 de Janeiro.

Salomé Silva de Carvalho – História, teoria e deontologia da Conservação e Restauro aplicadas à pintura sobre madeira em Por-tugal, em 29 de Janeiro.

Maria Cunha Matos Lopes Pinto Leão Aguiar- Os materiais e a técnica de pintura a óleo na obra de Aurélia de Sousa e sua relação com a Conservação, em 1 de Julho.

Ana Isabel Falcão Burmester Cudell Silva Pinto - Materiais e Técnicas em Pintura Con-temporânea Portuguesa. Um estudo para a Conservação, em 3 de Julho

Sónia Barros os Santos– Introdução e Cir-culação de Novos Materiais de Pintura em Portugal no século XIX, em de 8 de Julho

Joana Isabel Monteiro da Silva Salgueiro - A Pintura Portuguesa Quinhentista de Vasco Fernandes. Estudo Técnico e Conservativo do Suporte, em 8 de Novembro

José Manuel de Oliveira Mendes – A Obra de Nuno Gonçalves. Estudo Técnico, em 14 de Novembro

Sobre o tema da conservação aplicado ao estudo de mobiliário pintado, mas na espe-cialidade de Artes Decorativas defendeu a

sua tese de doutoramento Daniela Filipa dos Santos Coelho - O mobiliário pintado em Portugal do Século XVIII. Materiais, Técnicas e Estado de Conservação, em 10 de Setembro

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Workshop sobre Conservação Preventiva Fundação Osvaldo Cruz-

Rio de Janeiro

Decorreu entre os dias 7 e 9 de Agosto na Fundação Osvaldo Cruz, no Rio de Janeiro o workshop intitulado Conservação Preventiva:uma disciplina em evolução. Perspectivas actuais e desafios para o futuro, leccionado pela Professora Doutora Eduarda Vieira.

O workshop foi ministrado a alunos da pós graduação da Casa de Osvaldo Cruz (COC) em Preservação e Gestão do Património Cultural das Ciências e da Saúde, tendo sido aberto também a alunos externos e ao corpo docente e técnico do Departamento de Património Histórico.

Tendo por objectivos traçar uma panorâmica actual sobre a conservação preventiva em Portugal e fazer uma abordagem à situa-ção da disciplina no Brasil, o curso contou com grande adesão e contribuiu para uma saudável partilha de problemas e soluções entre os dois países.

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Ainda no âmbito deste projecto, foi realizada uma visita técnica ao Pavilhão Mourisco, situado no núcleo histórico de Manguinhos, na sede da Fundação Osvaldo Cruz no Rio de Janeiro e diversas reuniões com os profis-sionais da instituição com vista ao estabele-cimento de futuros protocolos de cooperação na área da conservação de bens culturais.

Participou também na co-organização do evento a Fundação Casa de Rui Barbosa, na qual se realizaram igualmente visitas e reuniões técnicas.

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IX Jornadas de Arte e Ciência – A Prática da Conservação preventiva. Homenagem a Luís Elias Casanovas

IX Jornadas de Arte e Ciência UCPV Jornadas ARPA Prática da Conservação Preventiva29-30 Novembro 2013Católica Porto | campus Foz | Auditório Carvalho Guerra

Coordenação:Gonçalo de Vasconcelos e Sousa (UCP)Rui Câmara Borges (ARP) Comissão Científica e Executiva:Eduarda Vieira (UCP)José Carlos Frade (UCP)Daniela Coelho (ARP)Rita Veiga (ARP)

InscriçãoInscrição Geral: 40 €Oradores: 30€Estudantes: 25 €Alunos UCP: 10 €Sócios da ARP: 10€ Informaçõ[email protected]@porto.ucp.pt

Inscrições em

www.porto.ucp.pt/IX-Jornadas-de-Arte-e-Ciencia

Organização:Departamento de Arte e Restauro da Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa – PortoCITAR – Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das ArtesARP- Associação Profissional de Conservadores-Restauradores de Portugal

Decorreram nos dias 29 e 30 de Novembro na Escola das Artes da UCP as IX Jornadas de Arte e Ciência dedicadas ao tema da Conservação Preventiva Aplicada, numa organização conjunta da EA/UCP e do CITAR com a Associação Profissional dos Conservadores-Restauradores de Portugal.

Esta edição, das já tradicionais Jornadas de Arte e Ciência, assumiu um cariz especial pelo facto de homenagearem o maior pro-fissional da área em Portugal, o engenheiro Luís Elias Casanovas, considerado o “pai” desta disciplina científica entre nós.

As Jornadas dividiram-se em seis painéis temáticos ao longo dos dois dias, destacando-

-se o dos Planos de Conservação Preventiva, Monitorização e Controlo de Colecções, o de Arquitectura e Sustentabilidade/Problemáti-cas de Reabilitação/Renovação de Museus, o de Conservação de Arte Contemporânea, Museografia e Acondicionamento, o de Reser-vas/Acondicionamento e Transporte, sem esquecer o de Biodeterioração/Avaliação de Risco e o da História da Conservação Pre-ventiva. Foram tratados e debatidos temas diversos, trazidos por profissionais de muitas instituições, nacionais, brasileiras e espanho-las, e a grande adesão que o evento registou comprova o interesse científico crescente por esta área frequentemente mal compreendida e menorizada.

A homenagem a Luís Casanovas ocorreu no final do primeiro dia de trabalhos, tendo constituído um momento alto do evento.

Perante a qualidade científica e técnica dos trabalhos podemos dizer que estas Jornadas constituíram um marco na evolução desta disciplina científica no contexto nacional.

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Workshop em Conservação Preventiva de Bens Culturais Móveis

de Acervos Sacros

Decorreu no dia 10 de Agosto de 2013 na Catedral de S. Sebastião do Rio de Janeiro, um workshop sobre Conservação Preventiva de Bens Culturais Móveis de Acervos Sacros, destinado a párocos, diáconos, ministros da Eucaristia, zeladores e seminaristas.

O workshop foi organizado pela Arquidio-cese de S. Sebastião do Rio de Janeiro em colaboração com o Departamento de Arte e Restauro da Escola das Artes e o Centro de Investigação em Ciência e Tecnologias das Artes, tendo sido ministrado pelas investi-

gadoras do CITAR e docentes da EA/UCP Eduarda Vieira e Carolina Barata. O evento contou com a coordenação de Dom Orani João Tempesta, dos Monsenhores Aroldo da Silva Ribeiro e José Roberto Davellard, coadjuvados pelo padre Robson Cristo Oli-veira, mestrando da EA/UCP.

O workshop incidiu especialmente nos temas da conservação de metais (a cargo de Eduarda Vieira) e de escultura e pin-tura (a cargo de Carolina Barata), dado representarem os suportes materiais mais relevantes do acervo das paróquias da área geográfica seleccionada.

O evento registou grande adesão e susci-tou muito interesse, estando em curso a preparação de novas acções de formação.

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