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ESTUDO INTERVALAR PARA PIANO N. 2 DE EDINO KRIEGER:UM ESTUDO DE
RESSONNCIA
Jos Wellington dos SantosUniversidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro UNIRIO
PPGM Doutorado em MsicaTeoria e Prtica da Interpretao
SIMPOM: Subrea de Teoria e Prtica da Execuo Musical
ResumoO contnuo aprimoramento mecnico do piano, desde sua inveno
no incio do sculo XVIII, tem produzido instrumentos com novas
possibilidades de ressonncia acstica exploradas expressiva e
idiomaticamente pelos compositores na construo de seus estilos
clavicinistas. Este artigo, alm de situar os Estudos intervalares
para piano de Krieger na totalidade da sua produo para este
instrumento, analisa e discute o Estudo 2, Das teras, sublinhando a
ressonncia atravs da escrita, ao mesmo tempo em que prope solues
interpretativas relacionadas ao melhor aproveitamento dos recursos
do piano para se obter tal efeito.
Palavras-chave: Edino Krieger; piano; estudo; ressonncia.
Por ocasio da comemorao dos setenta anos do compositor Edino
Krieger (1998), a
Revista Debates publicou dois artigos sobre a sua produo
musical. Em um deles, Uma trilogia
sinfnica de Edino Krieger, Ricardo Tacuchian faz um estudo
comparativo entre trs obras
sinfnicas de Krieger compostas entre 1965 e 1975, Ludus
symphonicus, Canticum naturale e Estro
armonico, demonstrando proximidades entre elas no que se refere
aos procedimentos
composicionais tradicionais e davant-garde verificados nas
obras. No outro, Edino Krieger obras
para piano, Saloma Gandelman e Ingrid Barankovski traam uma
panormica da sua produo
para piano situada entre 1940 at 1997, sublinhando aspectos
gerais das obras tais como
transformaes estilsticas, caractersticas da construo meldica,
aspectos texturais e formais e
consideraes interpretativas.
Alm destes artigos, encontramos trs dissertaes de mestrado cujo
foco a msica de
Krieger para piano. Na primeira, A sonata n. 1 para piano de
Edino Krieger: aspectos estruturais e
interpretativos, este pesquisador (2001) discute os aspectos
estruturais e interpretativos
concernentes sonata n. 1 na busca de uma interpretao adequada
obra, de acordo com o
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conhecimento idiomtico e esttico do compositor. Em Anlise
comparativa entre a sonata n. 1
para piano e o divertimento para cordas de Edino Krieger: um
estudo das adaptaes idiomticas
da escrita pianstica na transcrio para cordas, Bruna Vieira
(2005) estabelece paralelos entre a
escrita pianstica e elementos idiomticos dos instrumentos de
corda investigando as adaptaes
dessa natureza ocorridas no processo de transcrio. Por sua vez,
Robervaldo Rosa (2001), em
dissertao intitulada Obras dodecafnicas para piano de
compositores do grupo Msica Viva: H.
J. Koellreuter, Cludio Santoro, C. Guerra-Peixe e Edino Krieger
uma proposta interpretativa,
faz consideraes estruturais e interpretativas acerca dos 5
Epigramas de Krieger, obra composta
entre 1947 e 1951, poca em que atuou junto ao Msica Viva.
A atuao de Krieger junto ao Grupo Msica Viva nos anos 40, poca
em que teve a
oportunidade de conhecer e experimentar novas tcnicas e estticas
composicionais, aliada sua
opo pelo nacionalismo nos anos 50, so decisivas para a construo
do seu perfil como um
compositor que transita entre a tradio e a renovao. Suas
primeiras obras para piano, Pea para
piano (1945), 5 Epigramas (1947-1951) e 3 Miniaturas (1949-1952)
so peas dodecafnicas
pertencentes sua primeira fase composicional, experimental e
universal. Seus Estudos intervalares
para piano representam uma retomada deste experimentalismo
caracterstico da sua primeira fase.
Obra composta em 2001 sob encomenda da Secretaria de Estado da
Cultura do Rio de Janeiro para
o projeto 3 sculos de piano, constitui-se de trs estudos cujos
ttulos evidenciam seus intervalos
estruturais, respectivamente, Das segundas, Das teras e Das
quartas. Nela, a ambincia
neoclssico-nacionalista, caracterstica marcante de grande parte
da sua obra para piano,
substituda por uma estruturao mais universalista onde as
possibilidades acsticas e de
ressonncias tpicas do piano so exploradas maneira de
compositores referenciais do sculo XX,
como Debussy, Bartk, Messiaen e Almeida Prado. Alm dos sinais de
escrita musical tradicional, o
compositor utiliza outros no convencionais para representar
determinados efeitos sonoros por ele
desejados. Estes sinais, acompanhados de seus significados, so
apresentados logo no incio da
partitura sob o ttulo Convenes Grficas, como se pode observar no
exemplo 1:
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Exemplo 1. Convenes Grficas para os Estudos Intervalares.
Chopin comumente citado como um marco no que se refere dimenso
potica que o
gnero estudo adquire com a publicao, no sculo XIX, de seus
estudos op. 10 e 25. Como nos
lembra Gandelman (1997, p. 23) a partir de Chopin os estudos
comeam a ser associados ao
desenvolvimento da imaginao e dos recursos sonoros do intrprete
sendo peas homogneas
quanto textura e carter e, em geral, enfocando um problema
tcnico-musical principal, podendo
haver outros subjacentes. H, nos Estudos intervalares de
Krieger, alguns indcios de escrita que
nos levam a considerar a ressonncia como a principal questo
pianstica a ser explorada pelo
intrprete. A seguir, faremos algumas consideraes analticas
acerca do Estudo 2, Das teras,
sublinhando os aspectos da escrita que corroboram a ressonncia
como sua questo central.
O parmetro textural passa a ser uma categoria referencial de
anlise no contexto da msica do
sculo XX em funo das suas novas bases de estruturao. Sobre este
parmetro, Senna nos coloca
que:
O termo textura faz referncias a estruturas sonoras verticais,
em constante transformao medida que progride horizontalmente no
tempo, edificadas em um espao sonoro criado pelas prprias
estruturas. (...) Para que se possa compreender a funo da textura
como parte da organizao formal de uma obra musical necessrio
analisar os vrios modos com que duas ou mais dessas estruturas
sonoras se sucedem e se conectam (2007, p. 59).
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Como sugere seu ttulo, Das teras, o Estudo 2 tem os intervalos
de tera maior e menor
como seus elementos estruturais fundamentais. A alternncia entre
sucesso e superposio destes
intervalos caracteriza um jogo textural ao longo do estudo em
funo da variao da densidade.
Para a presente anlise, considerando-se a inexistncia de
compassos, utilizaremos como referncia
os sistemas encontrados na partitura os quais sero indicados
atravs de S.
A seo A (S1-S3) tem como base a sequncia de dois eventos
apresentados em S1, intervalo
de oitava (d) articulado na regio grave sob pedal ad libitum
seguido de teras meldicas
configurando um gesto ascendente interrompido com a chegada ao
intervalo de oitava (r) na regio
aguda do piano, e pela articulao de teras simultneas na regio
aguda do piano pelas duas mos
em tempo livre (exemplo 2). Em S2, a sucesso de teras meldicas
iniciais estendida at o final
de S3 configurando um gesto ascendente que tem como alvo o d 5
no incio de S3. Vale ressaltar
que o efeito de superposio de ressonncias se deve,
fundamentalmente, sustentao do baixo
inicial em oitava (d) at o final de S1. Considerando-se a
importncia do uso do pedal para
obteno do efeito de ressonncia, discutiremos um pouco mais sobre
seu uso mais adiante.
Exemplo 2. Elementos Estruturais da Seo A.
Na seo B (S4-S6), ao contrrio de A, h uma indicao de tempo
semnima = 120 marcato
que, juntamente com o acento e staccato, confirmam o carter
rtmico desta seo cuja estruturao
tem como base a alternncia entre trades e ttrade articuladas
pelas mos direita e esquerda,
respectivamente (exemplo 3). Estes acordes so apresentados logo
no incio da seo (S4) e, em
seguida, transpostos em intervalos de teras menores ascendentes
em um grande crescendo at a
chegada ao trmulo em fff no incio de S6. Em seguida, h um sbito
gesto descendente constitudo
dos mesmos acordes do gesto ascendente, configurando um
movimento retrgrado que conduz ao
retorno da seo A na cabea de S7. Este ponto marca a
reapresentao, entre S7 e S10, das sees
A e B de maneira concisa, aqui denominadas A e B, como
demonstrado no quadro 1.
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Exemplo 3. Elementos Estruturais da Seo B.
S11 marca o incio da seo C definida pela articulao de teras
harmnicas pela mo
esquerda, regio central do piano, intercaladas por teras
meldicas ascendentes que conduzem
cabea de S12 e cuja inteno, sugerida pela escrita, parece ser o
progressivo acmulo de
ressonncias. Em S12 inicia-se outro grande gesto descendente em
intervalos de tera composta at
o sol # de S14, nota a partir da qual o gesto prossegue em
intervalos de oitava em direo cabea
de S15. A partir desse ponto at o final da pea h uma repetio
literal de parte da seo A (S2 e
S3) com a qual o estudo concludo em S16.
Seo A Seo B Seo AB Seo C Seo A
S1 S3 S4 S6 S7 S10 S11 S14 S15 S16
Quadro 1. Forma do Estudo Intervalar 2, Das Teras.
O efeito de superposio de ressonncias sugerido pela escrita da
seo A est condicionada
ao uso do pedal cuja indicao na partitura vem acompanhada de ad
libitum, delegando ao
intrprete a sua definio. O uso do pedal representa um aspecto da
interpretao pianstica que,
embora regulado por normas harmnicas e estilsticas, ambiente
acstico, qualidades mecnicas do
instrumento, possui certo grau de subjetividade sendo definido,
em ltima instncia, pelo gosto e
escuta do intrprete. Aps se referir ao ouvido, em suas
consideraes iniciais sobre o pedal, como
o juiz final, Schnabel (1954, p. 3) continua: embora possamos e
devamos decidir, mediante a
audio, quais os efeitos preferveis e se estes so perceptveis ou
no, o ouvido sozinho no pode
nos ensinar mtodos especficos e meios atravs dos quais os
efeitos so obtidos, mais adiante ele
nos lembra que o mesmo efeito pode, geralmente, ser alcanado por
diferentes meios e mtodos.
Consideraes quanto ao uso do pedal dizem respeito relao entre o
grau de profundidade
raso/fundo e de sustentao curto/longo resultando, da inter-relao
destas variveis,
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grande diversidade de possibilidades. Diferentemente de contexto
tonal onde as relaes de
funcionalidade harmnica so fundamentais para a definio do uso do
pedal, no presente contexto,
o intrprete est livre para superpor os harmnicos gerados com o
emprego de pedal longo/fundo
garantindo, assim, o efeito de acmulo de ressonncias sugerido
pela escrita da seo A.
Lembremos que o espectro harmnico gerado ao longo desta seo
depende, essencialmente, do
prolongamento das oitavas do baixo que, alm de base para o
espectro, funcionam, tambm, como
pontos referenciais de troca do pedal (ver exemplo 2).
A alternncia entre acento e staccato curto seco ou martelado ao
longo da seo B,
pode induzir o intrprete opo de no utilizar o pedal nesta seo.
Entretanto, a escolha de uma
projeo mais acstica dos acentos nos mostra como mais adequada
para esta seo a possibilidade
do emprego de pedal curto/fundo com rpidas trocas sobre as notas
em staccato (ver exemplo 3).
A escrita musical, independentemente de estilo e poca, sempre
passvel de mltiplas
interpretaes. Cientes disso, muitos compositores utilizaram-se
de recursos extra-musicais na
tentativa tanto de esclarecer possveis imprecises de grafia
quanto aguar a imaginao sonora do
intrprete. Por outro lado, a possibilidade de utilizao de sinais
grficos no convencionais na
msica do sculo 20 amplia a atuao do intrprete que, ao decifrar e
propor solues para tais
sinais, compartilharia a autoria com o prprio autor. A respeito
dessas novas grafias e a consequente
discusso acerca do duplo papel do intrprete, Globokar nos
esclarece:
Graas s experincias e conquistas recentes das msicas aleatria e
grfica que, entre outras coisas, contriburam para o aumento da
responsabilidade do intrprete, hoje sonhamos em fazer com que o
intrprete participe mais ativamente da criao musical. Queremos que
ele se envolva integralmente, que coloque na obra no apenas seus
conhecimentos tcnicos, mas tambm sua capacidade inventiva, sua
faculdade de deciso, de reagir mais espontaneamente, ou seja, seu
contedo psquico. Ao mesmo tempo, buscamos encontrar meios que
possibilitem dirigir canalizar as diferentes formas dessa
participao (1970, p. 46).
No Estudo 2 de Krieger, a alternncia entre trechos com indicaes
precisas de tempo e
andamento, e outros sem indicaes dessa natureza, gera algumas
questes rtmicas para o
intrprete levando-o a buscar informaes, na prpria partitura, que
possam elucid-las. Na seo A,
em conseqncia da ausncia de uma referncia temporal, o intrprete
est mais livre para articular
os agrupamentos, uma vez que eles no estabelecem,
necessariamente, uma relao de
proporcionalidade entre si. Por outro lado, estas consideraes no
se estendem seo B, em
funo das indicaes metronmica e de carter referentes a ela,
semnima = 120, marcato.
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Os Estudos intervalares de Krieger (2001), ao contrrio da maior
parte da sua produo para
piano caracteristicamente neoclssico-nacionalista, marcam uma
retomada da sua renovao
esttica ligada s primeiras experincias composicionais, quando
ainda atuava junto ao Grupo
Msica Viva nos anos 40. maneira de muitos compositores do sculo
XX, a singularidade da obra
manifesta-se como consequncia da explorao do efeito de
ressonncia tpica do instrumento,
como demonstrou a anlise do Estudo 2, Das teras. Atravs dela,
tambm, foi possvel se fazer
consideraes interpretativas quanto ao emprego do pedal, no
sentido do melhor aproveitamento
dos recursos do instrumento para a obteno do efeito de
ressonncia sugerido pela escrita.
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