ESTUDO PALEOGRÁFICO E CODICOLÓGICO DOS DOCUMENTOS DE CAPIVARI DO SÉCULO XIX GARCIA 1 , Rosicleide Rodrigues Resumo Este artigo, pertencente à dissertação Formação e expansão do dialeto caipira na cidade de Capivari, sob orientação do Prof. Dr. Manoel Mourivaldo Santiago Almeida da Universidade de São Paulo – sendo um subprojeto do Projeto Caipira, que está desenvolvendo pesquisas relacionadas à comunidade lingüística de São Paulo -, se vale do labor filológico executado em documentos cartoriais editados do século XIX da cidade de Capivari, o qual cuidou da edição de 72 documentos, no total de 184 fólios, fazendo uso da paleografia, codicologia e demais ciências afins. Para buscar a fidedignidade dos fólios, auxiliar e facilitar futuras pesquisas acerca da identificação e desenvolvimento de abreviaturas e reconhecimento de filigranas em suportes de papel do século XIX – levando-se em conta de que ainda há poucas pesquisas a respeito -, os estudos paleográficos codicológicos se valeram do levantamento e reprodução exaustiva de abreviações nos documentos e, por fim, a representação artesanal de filigranas presentes nos fólios transcritos. Palavras-chave: edição de fólios; paleografia; abreviaturas novecentistas; codicologia; filologia. Introdução Este trabalho é um capítulo da dissertação de mestrado Formação e expansão do dialeto caipira em Capivari. A dissertação teve como proposta a busca exaustiva de variantes lingüísticas em documentos cartoriais do século XIX, de modo a expressar (ou não) os estudos dialetais feitos pelo autor Amadeu Amaral em O Dialeto Caipira (1920) demonstrando o que já pertencia à língua antes de suas observações. Para alcançar esses objetivos, a tese se vale do labor filológico. Para isso, além das edições e estudos codicológicos, fora feito o levantamento exaustivo de abreviações e a reprodução de filigranas presentes nos fólios transcritos, a fim de contribuir com 1 Mestranda da USP, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas do Programa de Pós-graduação do Curso de Língua Portuguesa e Filologia, residente à rua Gutemberg, 22, CEP: 09240-010, Santo André, São Paulo, Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]
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ESTUDO PALEOGRÁFICO E CODICOLÓGICO DOS DOCUMENTOS DE CAPIVARI DO SÉCULO XIX
GARCIA1, Rosicleide Rodrigues
Resumo Este artigo, pertencente à dissertação Formação e expansão do dialeto caipira na cidade de Capivari, sob orientação do Prof. Dr. Manoel Mourivaldo Santiago Almeida da Universidade de São Paulo – sendo um subprojeto do Projeto Caipira, que está desenvolvendo pesquisas relacionadas à comunidade lingüística de São Paulo -, se vale do labor filológico executado em documentos cartoriais editados do século XIX da cidade de Capivari, o qual cuidou da edição de 72 documentos, no total de 184 fólios, fazendo uso da paleografia, codicologia e demais ciências afins. Para buscar a fidedignidade dos fólios, auxiliar e facilitar futuras pesquisas acerca da identificação e desenvolvimento de abreviaturas e reconhecimento de filigranas em suportes de papel do século XIX – levando-se em conta de que ainda há poucas pesquisas a respeito -, os estudos paleográficos codicológicos se valeram do levantamento e reprodução exaustiva de abreviações nos documentos e, por fim, a representação artesanal de filigranas presentes nos fólios transcritos.
Palavras-chave: edição de fólios; paleografia; abreviaturas novecentistas; codicologia; filologia.
Introdução
Este trabalho é um capítulo da dissertação de mestrado Formação e expansão do
dialeto caipira em Capivari. A dissertação teve como proposta a busca exaustiva de
variantes lingüísticas em documentos cartoriais do século XIX, de modo a expressar (ou
não) os estudos dialetais feitos pelo autor Amadeu Amaral em O Dialeto Caipira (1920)
demonstrando o que já pertencia à língua antes de suas observações.
Para alcançar esses objetivos, a tese se vale do labor filológico. Para isso, além
das edições e estudos codicológicos, fora feito o levantamento exaustivo de abreviações
e a reprodução de filigranas presentes nos fólios transcritos, a fim de contribuir com 1 Mestranda da USP, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas do Programa de Pós-graduação do Curso de Língua Portuguesa e Filologia, residente à rua Gutemberg, 22, CEP: 09240-010, Santo André, São Paulo, Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]
censos e requisições emanados em ofícios3 da cidade, provenientes do período colonial.
Os primeiros fólios - 45r a 46v - são do Livro de Notas n° 2 de 1785 do Museu e
Arquivo Municipal de Itu (MAHMI), em que está registrado o lançamento da sesmaria
2 Segundo Belloto (2002: 28/29), diz-se que os dispositivos são documentos normativos, que emanam do Poder Legislativo, Executivo ou por autoridades administrativas; de ajuste, que são pactuais, podendo ser tratado, termo, contrato; e correspondências derivadas dos atos normativos. Os testemunhais são os ocorridos depois do cumprimento de um ato dispositivo, como atas, assentamentos, certidões, entre outros. Os informativos são os que esclarecem questões contidas em outros documentos, sendo eles relatórios, pareceres, informações, etc. Ainda dentro das definições da autora (2002:37), os ascendentes são aqueles em que os súditos se comunicam com seus superiores, e horizontais são os documentos distribuídos entre pessoas/autoridades do mesmo nível. 3 As classificações documentais também seguem as definições prescritas por Belloto (São Paulo: 2002).
do capitão André Sampaio Botelho, responsável pela formação da cidade que se
ergueria posteriormente; os segundos são os fólios 63r e 63v do Livro de Notas n° 19 de
1808 do Museu Republicano “Convenção de Itu”, sendo uma escritura de compra e
venda da cita cidade de um terreno no Bairro de Capivari; os documentos que seguem
são fólios diversos das caixas n° 54, 185, 186 e 187, séries CO0234, CO0980, CO0981
e CO0982 (respectivamente) de 1819 a 1888 do Arquivo do Estado de São Paulo,
sendo o de 1819 um ofício escrito pelo padre fundador da primeira capela do território
estudado, e os de 1821 e 1829 feitos por habitante próprio da região. A partir de 1832 os
ofícios são relativos aos acontecimentos da câmara e constituição da região, editados
ano após ano, todos são de origem brasileira e paulista.
Aspectos codicológicos e paleográficos dos manuscritos
A documentação segue uma característica formal, com cuidado com a forma e
apresentação. Assim como vemos em Acioli (1994, p.55), em sua maioria os
documentos apresentam-se
caligrafados, (...) no tipo cursivo e sobre papel, sem traçado de linhas. As páginas manuscritas têm regras de diversas larguras mas são delimitadas muito uniformemente, dando uma fisionomia agradável à composição. (...) É habitual redigi-las quase em coluna, na segunda metade da folha, deixando-se a primeira, à esquerda.(...)
Grande parte dos fólios é constituída por folhas de almaço impressos em papel
para documentos cartoriais. Na maioria dos manuscritos da primeira metade do século
XIX, os papéis eram grossos, formados por envergaduras, e apresentavam filigranas em
forma de marca d’água em seu corpo. Após 1849, começamos a encontrar papéis de
textura mais fina, sem envergaduras, e com maior freqüência o uso de filigranas
pequenas, em alto relevo, no canto superior esquerdo da folha. A partir de 1864, temos
almaços pautados e um maior número de folhas coloridas, porém ainda sem margens. A
partir de 1870 começa a escassear a apresentação de filigranas.
O instrumento utilizado para a escrita foi a pena de ave. Aproximadamente 98%
dos manuscritos foram redigidos com tinta de cor castanha, sendo apenas em 2% usada
a tinta azul. As letras serão denominadas Nacionais Novecentistas Cursivas – por se
tratar de documentos brasileiros e possuidores de uma característica própria no século
XIX -, mostrando, em grande parte, um traçado leve, de módulos estreitos, de ductus
regulares, inclinadas para a direita e espaçadas na linha, confundindo, às vezes, a
delimitação da fronteira de palavras. Em sua maioria, os ofícios foram escritos por mãos
hábeis, havendo pouquíssimos casos de presença de inábeis.
Quanto às assinaturas e autenticidade documental, novamente vemos em Acioli
(1994, p.57) que
geralmente redigidos por escrivões de notas, os documentos têm nas assinaturas a definição de sua autenticidade ou falsidade. (...) Os autógrafos vêm, às vezes, acompanhados por cetras (laçaria caligráfica acrescentada a uma firma que dificultam a sua interpretação). Também é grande o número de nomes e sobrenomes abreviados e não existe uma rigidez na composição das letras que formam a palavra.
Os sinais alógrafos são raros, aparecendo em quantidade razoável apenas nos
fólios do XVIII e no início do XIX, mas em todo o período estudado elas se restringem
a uma padronização e similaridade.
3. As abreviaturas
De acordo com Costa (2006), as abreviaturas podem dividir-se em:
Apócope ou suspensão: supressão de elementos finais da palavra;
As filigranas serão organizadas por ordem alfabética e, consecutivamente, pela
datação do primeiro documento em que elas estão presentes; serão chamadas de marca
d’água e alto relevo, considerando que ambas sofreram processos de produção
diferentes e não aparecem posicionadas na mesma forma nos fólios; e não está sendo
levado em conta nenhuma medida: os desenhos são meramente ilustrativos.
Marca d’água: A Pierre & Sons 1859
Fólios 1r e 2r de 1871: CO0982,
caixa 187, pasta 3, documento 38.
Fólio 1r de 1849:
CO0981, caixa 186, pasta 1,
documento 48.
Alto relevo: Bath
Fólio 1r de 1849:
CO0981, caixa 186,
pasta 4, documento
53.
Alto relevo: Bath Fólio 1r de
1852: CO0981, caixa 186,
pasta 4, documento
53.
Alto relevo: Bath
Fólio 1r de 1854:
CO0981, caixa 186, pasta 2,
documento 78.
Alto relevo: Bath
Fólio 1r de 1855:
CO0981, caixa 186, pasta 3,
documento 43.
Alto relevo: Bath
Alto relevo: Canson
Fólio 1r de 1842:
CO0980, caixa 185,
pasta 3, documento
60.
Marca d’água: Figaroo
Fólios 1r e 2r de 1819: CO0291, caixa 54, pasta 1, documento 97.
Alto relevo: Geneville
Fólio 1r de 1853:
CO0981, caixa 186,
pasta 2, document
o 38.
Marcas d’água: Gior Magnani Fólio 1r e 2r de 1821: CO0291, caixa 54, pasta 2, documento 54.
Fólios 1r e 2r de 1829: CO0980,
caixa 185, pasta 1, documento 03.
Marcas d’água: Gior Magnani
Outras variações seguindo o mesmo modelo acima (imagem à direita, inscrição “al masso” à esquerda):
Figura 1: 1833 - CO0980, caixa 185,
pasta 1, documento 8.
Figura 2: 1835 - CO0980, caixa 185, pasta 1, documento 47.
Marcas d’água: Gior Magnani
Fólios 1r e 2r de 1834: CO0980, caixa 185, pasta 1, documento 35.
Marca d’água: Giovanni Checci
Fólios 1r de 1844:
CO0980, caixa 185, pasta 4,
documento 06.
Alto relevo: Imperial
Fólios 1r de 1845: CO0981, caixa 186, pasta 1, documento
12.
Alto relevo: Paris
Marcas d’água: Smith & Meynier
Fólios 1r e 2r de 1888: CO0982, caixa 187, pasta 5, documento 35.
Fólios 1r e 2r de 1863: CO0982, caixa 187, pasta 1, documento 24.
Alto relevo: Superfine Paper
Fólios 1r de 1845: CO0981, caixa 186, pasta 1, documento 12.
Conclusão:
As edições são amplamente esclarecedoras. Nelas vimos que o uso de
abreviaturas foi mais constante do início aos meados do século XIX, rareando-se a partir
de 1870, permanecendo mais freqüentemente aquelas que se tornaram convenções,
como Illmo, Exmo, V. Ex.ª e as siglas. Nota-se que as sobrepostas, que foram utilizadas
largamente para a abreviação de advérbios de modo, não são administradas no período
cito, não importando o tamanho do documento (a considerar que antes elas eram mais
presentes em textos longos). Pontuamos, ademais, que os fólios dos livros de notas não
as apresentaram em seu conteúdo, o que nos leva a crer que já se havia uma consciência
de uso e, considerando as aparições que certa abreviatura tinha em determinados
documentos, estas eram produzidas dependendo do hábito de seus escrivões, como
exemplo o ‘q’ constantemente presente nos fólios dos anos de 1854 e 1841.
Quanto ao uso dos papéis, verificamos que houvera um período (de
aproximadamente 1840 a 1870) em que os almaços de inscrição Bath foram os
favoritos. Também notamos que não há regularidade quanto à imagem desta filigrana,
aparecendo figuras de bordas circulares e quadrados, com coroas mais estilizadas ou
simples, o que, assim, podemos concluir que a empresa não possuía preferencialmente
um único brasão, ao contrário dos almaços da Canson: sempre de bordas circulares,
com a inscrição ao centro e as estrelas sobre ela. Além destes detalhes, observemos que
os fólios com filigranas em forma de marca d’água estão mais presentes no início do
século, e foram sendo paulatinamente trocados. Um dos últimos, encontrado num
documento de 1871, marcava o ano de 1859, o que nos faz pensar se realmente esses
fólios foram produzidos nos anos anteriores, ou se eram simplesmente estocados para
comunicação posterior.
Assim, embora esclarecedoras para a compreensão visual, as edições ainda
deixam muitas questões em aberto que necessitam ser verificadas com mais empenho, o
que, infelizmente, não é o objetivo deste trabalho, mas, como qualquer contribuição
filológica, tem a obrigação de clarificar para os demais pesquisadores da área.
Referência bibliográfica:
ACIOLI, Vera Lúcia Costa. A escrita no Brasil colônia: um guia para leitura de documentos manuscritos. Recife: Editora Universitária, 1994.
BELLOTO, Heloísa Liberalli. Como fazer análise diplomática e análise tipológica de
documento de arquivo. Como fazer volume 8. São Paulo: Arquivo do Estado e Imprensa Oficial do Estado, 2002.
COSTA, Renata Ferreira. Simplificação ou simplicidade da escrita? In: Histórica.
Revista on-line do Arquivo do Estado de São Paulo. Edição 15. Outubro de 2006. Disponível em:http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao15/materia01/#topo. Acesso em 08 out 2007.
Bibliografia consultada: BASSETO, Bruno Fregni. Elementos de Filologia Românica. São Paulo: Edusp, 2001. BLANCO, Ricardo Román. Estudos Paleográficos. São Paulo: Laserprint Editorial
Ltda, 1987. FLEXOR, Maria Helena Ochi. Abreviaturas. Manuscritos dos séculos XVI ao XIX. 2 ed.
São Paulo: Arquivo do Estado, 1990. MENDES, Ubirajara Dolácio. Noções de Paleografia. São Paulo: João Bentivegna,