Page 1
Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”
ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013
GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 121
GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina
Estados Unidos e América Latina: o caso de Cuba no pós-guerra fria
Isabella Duarte Pinto Meucci1
Resumo: As interferências diretas dos Estados Unidos em Cuba foram iniciadas ainda nas guerras de independência. Posteriormente, a Revolução Cubana e a aproximação do país com o Bloco Socialista fizeram com que a política externa norte-americana se voltasse para um modelo de contenção, que tinha por objetivo reprimir o avanço do comunismo no hemisfério ocidental. Com o fim da Guerra Fria, a política externa dos Estados Unidos buscou um novo referencial para justificar suas intervenções no continente americano, principalmente em Cuba. A compreensão desse novo referencial é fundamental para que se possa entender a continuidade de políticas hostis em relação à Ilha, principalmente a manutenção formal do bloqueio econômico. Analisar a política externa norte-americana para com Cuba fornece, não apenas os mecanismos para a compreensão de tal referencial, como também o entendimento de como tais políticas estão voltadas para uma prática imperialista que se estende a todo o continente latino-americano. Palavras-chave: Estados Unidos; Cuba; América Latina; política externa; imperialismo.
A independência cubana e a interferência norte-americana
Em 1898, após um período de trinta anos e duas guerras de independência, Cuba
estava livre do domínio europeu, sendo a última colônia espanhola da América Latina a se
emancipar. No entanto, “ao status de colônia espanhola conferido a Cuba foi incorporada a
dependência econômica para com os Estados Unidos” (AYERBE, 2004, p.22). A presença
norte-americana em Cuba já era constante, antes mesmo da Ilha se tornar independente do
1 Mestranda em Ciência Política na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Bacharel em
Ciências Sociais pela mesma universidade. O presente artigo é resultado do Projeto de Iniciação
Científica, intitulado “Relações Cuba – Estados Unidos: a política externa norte americana no pós-
Guerra Fria”, sob a orientação do Prof. Dr. Shiguenoli Miyamoto, com o financiamento do PIBIC, na
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) no período compreendido entre 2010-2011. E-mail:
[email protected]
Page 2
Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”
ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013
GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 122
domínio espanhol. O país já havia passado à esfera de influência econômica dos interesses
norte-americanos, que se voltavam para o açúcar, o minério de ferro, o tabaco e as ferrovias.
Para Moniz Bandeira (1998), os interesses dos Estados Unidos eram diretos, não apenas
relacionados ao açúcar e ao tabaco, mas também às questões estratégicas. A posse da Ilha era
percebida como fundamental para a segurança das rotas no Golfo do México e para a defesa
do canal que o governo norte-americano pretendia abrir no Panamá.
O historiador Richard Gott (2004) declara que as sementes da intervenção norte-
americana são ainda mais antigas. Em 1823 entrou em vigor a Doutrina Monroe, no governo
de James Monroe (1817-1825). Por meio dessa doutrina, os Estados Unidos lançaram as bases
de sua influência no continente americano antes mesmo de começarem seu envolvimento no
sistema internacional (SANTOS, 2007). A Doutrina Monroe, que surgiu diante de ameaças de
recolonização da América por parte das metrópoles européias, estendeu a garantia de
segurança interna a todo o continente, preservando a excepcional República norte-americana e
a segurança hemisférica. Em nome dessa suposta segurança, os Estados Unidos não só
combateram potências e imperialismos rivais, como também formas de organizar a sociedade,
a economia, a cultura e a política que não estivessem condizentes com os interesses e o modo
de vida norte-americano. A Doutrina Monroe garantiu, assim, a “América para os
americanos”, como almejaram os Estados Unidos, auxiliando nas guerras de independência
do México, América Central e do Sul, e promovendo a emancipação política da América
Latina.
Em 1845, o Destino Manifesto associou-se à Doutrina Monroe, garantindo não só a
“América para os americanos”, mas também colocando os Estados Unidos como únicos e
legítimos protagonistas dessa ação. Para os norte-americanos, sua missão divina era civilizar
regiões que não tiveram a mesma sorte que sua nação. Nesse sentido, essas duas doutrinas
justificaram e impulsionaram a ação expansionista dos Estados Unidos na América Latina,
principalmente após a consolidação de seu Estado moderno e de seu desenvolvimento
econômico com o fim da Guerra de Secessão, em 1865. A Guerra Hispano-americana (1898),
que culminou na emancipação de Cuba, Porto Rico, Guam e as Filipinas, representou a
legitimação dessa política externa expansionista, proclamada muitos anos antes.
Como parte da Guerra Hispano-americana, a intervenção dos Estados Unidos no
desfecho da segunda guerra de independência cubana foi determinante para o resultado final
do processo. Espanha e Estados Unidos põem-se de acordo para evitar que os representantes
do povo cubano, que haviam lutado durante trinta anos, participassem da assinatura do
Page 3
Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”
ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013
GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 123
tratado, não sendo concedida aos mesmos qualquer participação no governo após a retirada
das tropas espanholas. Segundo Moniz Bandeira, “os Estados Unidos, ao assumirem o
domínio sobre o espólio colonial da Espanha, revelaram o caráter imperialista de sua política,
que se equiparou a de outras potências da Europa, àquela época, e assustou os povos da
América Latina” (MONIZ BANDEIRA, 1998, p.34).
Posteriormente, o governo de Theodore Roosevelt (1901-1909) caracterizou a plena
realização da política externa intervencionista norte-americana tanto em Cuba como no
restante da América Latina através do Corolário Roosevelt, ou Big Stick. Por meio da garantia
do direito de intervir nos assuntos internos e externos das repúblicas caribenhas e centro-
americanas através da força, os Estados Unidos mantiveram as pressões sobre o governo
cubano recém emancipado da Espanha (SCHILLING, 1984).
Como reforço dessa política de intervenção, em 1901, aprovou-se a Emenda Platt,
consolidando o domínio norte-americano sobre Cuba. Sob a ameaça de continuar ocupando
militarmente a Ilha por um período indefinido, os Estados Unidos obrigaram Cuba a
incorporar essa emenda como apêndice de sua primeira Constituição. Por meio desse
apêndice, a Ilha aceitaria a tutela econômica e militar dos Estados Unidos, o que incluía o
direito aos norte-americanos de instalar bases militares e portos em Cuba, além de concessões
territoriais e privilégios econômicos que violavam a soberania política do país.
Aprovada em 1901, a Emenda Platt vigorou até 1934, quando foi revogada no governo
de F. Roosevelt (1933-1945) sob a Política da Boa Vizinhança. Durante esse período, o
direito de intervenção garantido pela emenda aos Estados Unidos foi amplamente posto em
prática, como demonstraram diversas intervenções, de 1906 a 1909, 1912 e de 1917 a 1923
(MORRONE, 2008). Para Gott (2004), essa emenda foi um dos documentos definidores da
era imperial, perdurando por muito tempo mesmo depois de revogada.
Os governos cubanos que sucederam o período pós-colonial estavam associados aos
interesses norte-americanos, pois foram ocupados por altos setores da sociedade colonial,
defensores de uma política de anexação. Segundo Sader (2001), Cuba passou a ser uma
pseudo-república, além de uma neocolônia no plano econômico, tutelada pela presença dos
Estados Unidos. Dessa forma, a situação de Cuba, desde o fim da dominação espanhola, era
caracterizada por uma relação de dominação econômica, política, social e cultural com os
Estados Unidos (SADER, 2001). Como observa Ayerbe (2004), a participação norte-
americana no processo de independência cubano, frustrou expectativas de liberdade e
soberania que alimentavam o movimento de independência desde o início. Para o autor “a
Page 4
Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”
ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013
GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 124
desilusão com o desfecho, será fator essencial na formação de uma singular consciência
nacionalista, que passa a reivindicar uma terceira guerra emancipatória, desta vez contra os
Estados Unidos” (AYERBE, 2004, p.25-6).
O clima social tornou-se conturbado com o passar dos anos, exigindo regimes
políticos cada vez mais duros e subservientes aos interesses das grandes empresas norte-
americanas e a Washington. Em meio à violência, corrupção e intervenções militares, existia
um clima de insatisfação de grandes parcelas populares que não haviam renunciado a seus
objetivos de libertação nacional e que combatiam a submissão de Cuba ao poder norte-
americano. Essa situação propiciou o surgimento de insatisfações internas e formação de
grupos revolucionários que buscavam o fim da relação de submissão com os Estados Unidos.
Em 1952, Fulgêncio Batista liderou um golpe militar, apoiado pelos Estados Unidos,
que suspendeu a Constituição e lhe garantiu a presidência. Segundo Morrone (2008), o regime
de Batista foi marcado pela corrupção no governo, pela violência da polícia, e principalmente,
pela indiferença às necessidades básicas da população em relação à educação, habitação,
saúde, justiça e progresso social. Enquanto isso, uma minoria, obviamente vinculada ao seu
governo e aos capitais norte-americanos, era beneficiada e gozava de um alto nível de vida.
Essa situação contrariou as expectativas da população, que esperava um governo que
respondesse aos anseios sociais. Dessa forma, a postura ditatorial do regime de Batista deu
margem à organização de movimentos de resistência, inaugurando um novo período para o
movimento oposicionista. Iniciou-se, assim, a luta contra uma ditadura que favorecia os
interesses norte-americanos.
Em Sierra Maestra, com a incorporação e o apoio da população do campo, surgiu a
força motora do novo movimento revolucionário, o Exército Rebelde, que agregava o antigo
Movimento 26 de Julho e as novas forças incorporadas à luta. O novo movimento foi
conduzido por Fidel Castro, seu irmão Raul Castro e “Che” Guevara. Os três comandaram as
ações revolucionárias oriundas do campo que, em consonância com o fortalecimento dos
movimentos das cidades, desenvolveram a ofensiva final contra Batista (MORRONE, 2008).
Até março de 1958 os Estados Unidos apoiaram o regime de Batista econômica,
política e militarmente. No entanto, quando perceberam o crescimento da insatisfação e a
iminente força da guerrilha, passaram a promover uma política voltada para a saída de Batista
com êxito, evitando assim uma revolução. Sem o apoio e o respaldo norte-americanos, e sob a
ameaça do movimento revolucionário, em 31 de dezembro de 1958, Batista abandonou o
poder e fugiu para República Dominicana.
Page 5
Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”
ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013
GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 125
O impacto da Revolução e o recrudescimento das relações
Em 1º de janeiro de 1959, o movimento guerrilheiro conquistou poder. Fidel Castro foi
nomeado primeiro ministro, e em seu discurso de posse declarou que naquele momento Cuba
havia travado sua última batalha por independência e liberdade. O processo revolucionário,
que derrubou Batista, retomou a trajetória dos movimentos por independência do século XIX,
vinculando libertação nacional e social.
A Revolução Cubana tornou-se uma grande preocupação para política externa dos
Estados Unidos, visto que afetou suas relações históricas de interferência em Cuba, ao mesmo
tempo em que representou um perigo para a hegemonia norte-americana no continente. O
temor dos Estados Unidos era que o novo modelo adotado em Cuba pudesse ser visto pelos
países do chamado Terceiro Mundo como uma via pacífica e não capitalista de
desenvolvimento (MORLEY;MCGILLION, 2002). Dessa forma, à medida que a revolução se
concretizava, através de mudanças estruturais e sociais, os Estados Unidos compreendiam que
deveriam modificar suas ações em toda a América Latina para evitar que o mesmo ocorresse
em outros países do continente. Administrações posteriores buscaram promover mudanças
estruturais nos países latino-americanos para evitar que revoluções ocorressem, como foi o
caso da Aliança para o Progresso, implantada no governo Kennedy (1961-1963).
Ao mesmo tempo em que se modificou a política externa dos Estados Unidos em
relação aos países latino-americanos, também se consolidaram intervenções e pressões que
possibilitassem a derrubada do regime de Fidel Castro. A partir de 1960, a política de
retaliação norte-americana pode ser vista de forma mais clara com o fim da administração
Eisenhower (1953-1961) e as posteriores administrações de Kennedy e Johnson (AYERBE,
2002). As intervenções estavam voltadas tanto para uma derrubada do regime, através força,
quanto por pressões econômicas que visavam enfraquecer as conquistas do novo governo.
Durante os anos que se seguiram à Revolução, foram comuns os bombardeios da Ilha por
aviões norte-americanos, o recrutamento de exilados a fim de desencadear ações
paramilitares, a destruição de canaviais por meio de produtos químicos, além da recusa em
comprar o açúcar cubano e a interrupção do abastecimento de petróleo. Segundo Sader
(2001), todos esses fatores produziram uma rápida deterioração nas relações entre os dois
governos.
Em abril de 1961, o governo Kennedy promoveu a invasão do sul de Cuba, na
chamada Baía dos Porcos. A ação foi organizada por grupos guerrilheiros de cubanos contra-
Page 6
Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”
ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013
GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 126
revolucionários treinados pela Central Intelligence Agency (CIA). O objetivo era derrotar
militarmente o governo cubano e promover o fim da revolução. No entanto, esses
guerrilheiros foram derrotados em três dias pelas forças cubanas e pela população. O governo
Kennedy precisou assumir publicamente a responsabilidade pelo acontecimento, que foi
organizado na surdina, como mais um ato de sabotagem e terrorismo do governo norte-
americano em relação a Cuba. Do lado cubano, Fidel Castro pôde declarar que o imperialismo
norte-americano havia sofrido sua primeira derrota na América (MONIZ BANDEIRA, 1998).
De acordo com Sader (1985), o desenvolvimento desses acontecimentos compunha
um quadro global de mudança histórica na Revolução Cubana. De um processo democrático
radical de derrubada da ditadura de Batista e a implantação de um programa de
democratização ampla da sociedade, ela passou a enfrentar a resistência de grandes empresas
norte-americanas no país – e dos setores da burguesia cubana ligadas a elas – e do próprio
governo dos Estados Unidos no plano externo. À medida que o governo revolucionário se
afastava dos vínculos com o capitalismo norte-americano, a burguesia cubana deixava o país
em direção a Miami, esperando que uma nova intervenção de Washington logo os recolocasse
no desfrute de seus privilégios na Ilha.
As pressões norte-americanas passaram a influenciar as relações de Cuba com os
demais países do continente. Em 1962, a Organização dos Estados Americanos (OEA) se viu
obrigada pelos Estados Unidos a expulsar Cuba do organismo. Alegando que o regime
revolucionário “exportava a subversão” para o restante do continente, a ação da OEA
desencadeou uma sucessão de rupturas nas relações de governos latino-americanos com Cuba,
com exceção do México. Para Sader (1985), essa medida teve repercussões internacionais,
obrigando Cuba a aprofundar suas relações com países socialistas e com nações da Europa
ocidental, como Espanha e Suécia. Além dos problemas nas relações externas, o bloqueio
econômico e diplomático proposto por Washington em fevereiro de 1962, aumentou as
dificuldades materiais na Ilha a fim de provocar uma crise de privações e insatisfação popular,
acreditando que assim seria gerado um movimento interno contra a revolução.
Outra modalidade da política externa norte-americana em relação a Cuba, como
destaca Morrone (2008), estava relacionada à emigração. Os Estados Unidos se mantiveram
como o principal receptor de emigrados cubanos, e desde os primeiros momentos os
conceberam como base social da contra-revolução. Em 1963, o Presidente Kennedy acentuou
esse estímulo em favor das saídas, anunciando que, os cubanos que chegassem aos Estados
Unidos diretamente da Ilha, seriam recebidos como refugiados, enquanto que os que
Page 7
Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”
ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013
GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 127
procurassem entrar através de terceiros países seriam considerados estrangeiros e deveriam
obedecer a todos os requisitos migratórios norte-americanos. Dessa forma, converteu-se o
tema migratório em um componente constante no conflito histórico entre Cuba e Estados
Unidos e, conseqüentemente, diferenciou os emigrados cubanos dos demais emigrados
latinos, convertendo-os em singulares na política doméstica e na política externa norte-
americana.
Segundo Ayerbe (2002), essas práticas de intervenção dos Estados Unidos foram
comuns em muitos países da América Latina, como é o caso da Guatemala, da Bolívia e da
Argentina. As modalidades de intervenção estavam associadas a isolamentos diplomáticos e
pressões econômicas. No entanto, o caso de Cuba representou um alcance nunca antes visto
em relação a essas pressões. As medidas utilizavam boicote econômico, desestabilização
política e sabotagens que acabaram por desempenhar um papel decisivo nos rumos da
revolução, tanto no plano interno como nas relações exteriores. Moniz Bandeira (1998) afirma
que todas essas pressões norte-americanas, que visavam o fim do regime de Castro, acabaram
por promover a aliança de Cuba ao regime soviético. Segundo o autor, essa não era uma união
inevitável, mas os Estados Unidos não deixaram outra opção ao país que não fosse aliar-se ao
comunismo soviético, a fim de assegurar o respaldo econômico, político e militar da URSS.
Para o governo norte-americano, a aliança de Cuba com a União Soviética, em plena
Guerra Fria, representava não apenas um comprometimento de seus interesses como também
um perigo de expansão comunista no continente americano. O momento de maior crise, tanto
da relação entre os dois países, como de toda a Guerra Fria, aconteceu em outubro de 1962.
Os Estados Unidos consideraram o aparecimento de seis bases de mísseis soviéticos em Cuba
como uma grande ameaça à sua segurança nacional. O governo norte-americano afirmou que
não hesitaria em utilizar armas nucleares contra a iniciativa da URSS. Durante os treze dias de
negociações entre Estados Unidos e União Soviética, o temor de uma guerra nuclear havia
atingido níveis mundiais. No entanto, os soviéticos optaram pela retirada dos mísseis a fim de
evitar uma catástrofe. Deve-se ressaltar que, embora Cuba tenha sido o foco de um possível
enfrentamento nuclear, as potências envolvidas não consideraram qualquer interferência do
governo revolucionário. Segundo Moniz Bandeira (1998), a resolução para o episódio da
Crise dos Mísseis desagradou Fidel Castro, visto que em nenhum momento o governo de
Cuba foi consultado sobre a negociação.
Após a Crise dos Mísseis, governantes norte-americanos compreenderam que qualquer
intervenção direta em Cuba significaria o início de um conflito de proporções mundiais. Além
Page 8
Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”
ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013
GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 128
de não contar com o apoio da opinião pública na América Latina, nem na Europa Ocidental,
nem mesmo dentro dos Estados Unidos, uma ação unilateral norte-americana para derrubar o
governo de Castro poderia acarretar conseqüências ainda mais graves no contexto
internacional. Uma intervenção armada não contaria com qualquer respaldo para se opor a
uma represália da União Soviética na Europa Ocidental ou na Ásia (MONIZ BANDEIRA,
1998).
Dessa forma, de 1963 a 1977, nos governos de L. Johnson (1963-1969), R. Nixon
(1969-1974) e G. Ford (1974-1977), as ações contra o governo cubano foram marcadas por
violações do espaço aéreo, financiamento de grupos contra-revolucionários, pressões para que
demais países cumprissem o bloqueio econômico, além de diversas tentativas de atentados
contra os líderes da Revolução. No entanto, nenhum enfrentamento direto entre os dois países
ocorreu após a Crise dos Mísseis.
Em 1977, quando o governo Carter (1977-1981) buscou mudar a face do império
agressivo e sem escrúpulos, algumas negociações ocorreram. No entanto, a eleição de R.
Reagan em 1980 promoveu uma mudança na política externa norte-americana, que reativou a
política do Big Stick e retomou o mito do excepcionalismo dos Estados Unidos, promovendo
uma política extremamente conservadora. Em seus dois mandatos (1981-1989), Reagan
apresentou uma reformulação da política externa, que tinha por objetivo principal conter o
avanço soviético e a ideologia comunista, fatores que contribuíram para o enfraquecimento da
União Soviética e para o encaminhamento do fim da Guerra Fria.
As análises até aqui apresentadas demonstraram que as interferências norte-
americanas em Cuba possuíram, primeiramente, um caráter de promoção da soberania no
continente. Aliando a Doutrina Monroe ao Destino Manifesto, a política externa norte-
americana pôde se expandir em toda a América Latina, influenciando a história desses países
em diversos momentos. A especificidade das relações dos Estados Unidos com Cuba surge
após a Revolução Cubana, que modifica as estruturas políticas e sociais do país. Nesse
momento, foram as mudanças cubanas que acabaram influenciando uma mudança na política
externa dos Estados Unidos. Sucessivos governos norte-americanos buscaram não só derrubar
o regime de Fidel Castro, como também conter qualquer novo movimento que pudesse
evoluir para uma revolução no restante da América Latina. Nesse sentido, as relações com
Cuba durante o período da Guerra Fria, e após a Revolução, passaram a ser justificadas por
meio de uma política que visava conter a expansão do comunismo. A derrocada do bloco
Page 9
Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”
ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013
GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 129
soviético e o fim da Guerra Fria criaram a necessidade de novos paradigmas para justificar a
continuidade das políticas hostis em relação a Cuba.
A política norte-americana para Cuba no pós-Guerra Fria
Em 1989, as transformações ocorridas no Leste Europeu após a queda do Muro de
Berlim e o colapso da União Soviética representaram o fim da ameaça comunista duramente
enfrentada pelos Estados Unidos no período da Guerra Fria. Dessa forma, faria sentido que as
relações com Cuba, a partir desse momento, deixassem de ser conflituosas e passassem a uma
normalização gradual, visto que sem o respaldo da União Soviética, a Ilha deixaria de
constituir uma ameaça ideológica de grande escala. Cuba não seria mais um perigo no que se
refere à exportação do comunismo e da revolução no hemisfério ocidental (MORRONE,
2008). Segundo Moniz Bandeira (1998), até mesmo Fidel Castro esperava que com o fim do
bloco comunista e a não derrocada de Cuba em virtude do bloqueio econômico, restaria aos
Estados Unidos reformar sua política e aproximar-se da Ilha, que teria sua posição fortalecida
em virtude de tais acontecimentos (MONIZ BANDEIRA, 1998).
No entanto, para os Estados Unidos, as transformações ocorridas após 1989 criaram a
expectativa de que sem o apoio da União Soviética, a queda do regime de Fidel Castro seria
apenas uma questão de tempo. Apesar do fim da Guerra Fria representar o surgimento de um
período difícil em Cuba, chamado por Castro de “Período Especial em Tempos de Paz”, a
adoção de medidas internas e o reordenamento da economia possibilitaram a continuidade do
regime, contrariando previsões norte-americanas.
Dessa forma, ao sobreviver ao desaparecimento de todos os países socialistas do leste
europeu, incluindo a URSS, Cuba demonstrou que manteve diferenças essenciais com aqueles
regimes (SADER, 2001). O momento era propício para que as relações com os Estados
Unidos pudessem ser normalizadas de forma gradual. No entanto, como já mencionado, a
esperança norte-americana era de que as dificuldades econômicas da Ilha pudessem promover
a derrubada de Fidel Castro por meio de um golpe interno. Quando a situação não pareceu
caminhar para essa vertente, os governos norte-americanos continuaram suas políticas hostis
em relação a Cuba.
De acordo com Morley e McGillion (2002), durante as cinco décadas posteriores à
Revolução, presidentes americanos, tanto democratas quanto republicanos, liberais ou
conservadores, revelaram uma relutância em aceitar a permanência de Cuba como símbolo de
resistência às ambições imperiais dos Estados Unidos. Essas administrações mantiveram as
Page 10
Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”
ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013
GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 130
sanções políticas e econômicas colocadas em prática nos anos sessenta, ao mesmo tempo em
que procuraram por uma mistura de coerção com diplomacia para atingir um único objetivo: o
fim do legado de Castro e de suas estruturas institucionais.
A mudança do contexto global que se seguiu ao fim da Guerra Fria, entretanto, eliminou o
motivo pelo qual a política de segurança dos Estados Unidos continuava sendo apoiada dos
anos sessenta aos oitenta. Os governos de George H.Bush (1989-1993), Bill Clinton (1993-
2001) e George W.Bush (2001-2009) recusaram em ponderar qualquer nova avaliação das
premissas fundamentais que regiam as políticas para Cuba, ou qualquer possibilidade de
mudança nas transformações da política econômica cubana. Na verdade, nem as mudanças na
política externa cubana, nem o fim da União Soviética poderiam mudar a ordem das
prioridades de Washington. De acordo com Morley e McGillion (2002), primeiro se exigia
uma transição política na Ilha para que depois se pudesse conversar sobre um reatamento.
Em 1992 foi aprovada pelo Congresso norte-americano a Lei de Democracia Cubana,
que também ficou conhecida por Lei Torricelli. Os objetivos da Lei Torricelli consistiram em
dois principais temas, o comércio e a democracia. Com o intuito de prejudicar e isolar o
comércio de Cuba, acentuaram-se sanções econômicas através de três medidas: proibição de
subsidiárias norte-americanas de comercializar com Cuba; proibição de que navios
estrangeiros que aportassem em Cuba carregassem ou descarregassem em portos norte-
americanos por um período de seis meses; e punição com sanções econômicas a países
terceiros que prestassem assistência a Cuba. Todas essas sanções econômicas, bem como a
Lei Torricelli, só seriam revogadas caso ocorressem em Cuba eleições democráticas
semelhantes ao modelo ocidental e que fossem supervisionadas internacionalmente. Como era
esperado, a Lei Torricelli causou uma substancial reação internacional contra o caráter
unilateral e extraterritorial de seus principais preceitos.
Deve-se ressaltar que essa lei foi inicialmente rejeitada por George H. Bush, mas
posteriormente apoiada quando o então presidente percebeu que parcelas significativas do
eleitorado norte-americano estavam em questão. Nesse contexto, a condução de novas
medidas adotadas pelos Estados Unidos em relação a Cuba passou a contar com grande
parcela da população cubana exilada em Miami, que possuía força eleitoral, influência no
Congresso e capacidade de obter fundos para campanhas eleitorais. Dessa forma, observa-se
que os cubano-americanos haviam adquirido posição relevante na política externa dos Estados
Unidos para Cuba no período pós-soviético. Essa decisão reforçava a afirmação de que a
política norte-americana para Cuba, nesse período, estava diretamente relacionada com a
Page 11
Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”
ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013
GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 131
agenda doméstica do país através do eleitorado constituído pelos exilados cubanos
(MORRONE, 2008).
Para Alzugaray (2004), a administração Clinton pareceu seguir essa política doméstica
em relação aos assuntos cubanos. Em 1994, após uma grave crise de emigração cubana, o
governo norte-americano precisou negociar com a Ilha um acordo migratório a fim de acabar
com a imigração ilegal e normalizar as relações nessa esfera. Em 1996, a aprovação de uma
nova lei, Lei para a Liberdade e Solidariedade Democrática Cubana, mais conhecida como
Lei Helms-Burton. Para Alzugaray (2004), essa lei poderia ser comparada à Emenda Platt e às
disposições da Doutrina Monroe, visto que buscava conter investimentos estrangeiros em
Cuba a fim de impedir qualquer recuperação econômica da Ilha. A Lei Helms-Burton
consistiu na ampliação de medidas já existentes contra o regime cubano, além de uma série de
exigências para uma democratização tal como entendida pelos Estados Unidos e determinada
por este país como necessária à normalização das relações entre os dois países. Para Morrone
(2008), deve-se ressaltar, que assim como a Lei Torricelli, a Lei Helms-Burton não respondeu
somente aos interesses da política externa norte-americana, mas também aos interesses da
política interna, uma vez que ambos os mentores desta lei estavam comprometidos com
setores cubano-americanos. Esses setores estavam interessados em recuperar propriedades
expropriadas pela Revolução Cubana, e além de exercerem forte influência no poder
legislativo do país, ainda constituíam parcela decisiva em período eleitoral no estado da
Flórida.
A ampliação das sanções econômicas afetou as relações de Cuba com a União
Européia, pois concedeu aos cidadãos e empresas norte-americanas, expropriadas pela
Revolução, o direito de requerer na justiça contra empresas de terceiros países o usufruto
destas propriedades. Esse fato provocou a preocupação imediata dos investidores estrangeiros
em Cuba, principalmente os países europeus. Como resposta a estas medidas, a União
Européia tratou de contestar a legislação, percebida como uma nítida violação internacional e
impedimento ao livre comércio. Os Estados Unidos cuidaram então de providenciar uma
decisão para minar o impacto da lei nos aliados europeus, e Clinton aprovou uma emenda que
dava ao presidente o direito de suspender a disposição do capítulo a cada seis meses e renová-
la se desejar. No que se refere à imposição da democracia, cláusulas específicas declaravam
que nem Fidel Castro, nem seu irmão, Raúl Castro, poderiam participar de qualquer governo
democrático futuro, como concebido pelos Estados Unidos (MORRONE, 2008).
Page 12
Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”
ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013
GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 132
Para Santoro (2010), a década de noventa reflete a convicção de setores mais
conservadores da comunidade cubano-americana de que seria possível destruir o regime
socialista por meio de um estrangulamento econômico. Enquanto Cuba diversificava suas
relações internacionais, os Estados Unidos promulgavam leis que dificultavam qualquer
possibilidade de acordo entre os dois países. No entanto, em 2000, a pressão de exportadores
agrícolas norte-americanos fez com que os Estados Unidos repensassem o embargo
econômico ao promulgar a Trade Sanctions Reform and Export Enhancements Act (TSRA),
que permitia a venda de alimentos a Cuba, Irã e Sudão, desde que fossem atendidas certas
condições, como situações de emergência humanitária, e que o pagamento fosse feito à vista.
As permissões concedidas pela TSRA foram importantes para a resolução do problema de
abastecimento cubano, tornando os Estados Unidos o principal fornecedor de alimentos para a
Ilha. Naturalmente, a expansão foi possibilitada por interpretações bastante generosas do que
constitui uma “emergência humanitária”.
Esses negócios prosseguiram na administração norte-americana posterior. O governo
de George W.Bush (2001-2009), enquanto atacava verbalmente Cuba, expandia o comércio
de alimentos devido a pressões dos congressistas dos estados rurais e do agrobusiness.
Segundo Santoro (2010), as exportações de alimentos para o mercado cubano se
multiplicaram de US$ 4 milhões, em 2001, para US$432 milhões em 2007. Nesse contexto,
pode-se perceber mais uma vez que a relação cubano-norteamericana pós-Guerra Fria,
associa-se, em grande medida, à uma pressão da política doméstica dos Estados Unidos.
No entanto, ao mesmo tempo em que expandia a parceria comercial no setor de
alimentos, a administração de George W.Bush aprofundava as políticas de endurecimento ao
regime de Fidel Castro, sobretudo após os atentados de 11 de Setembro. Nesse momento,
delinearam-se os novos contornos da política externa norte-americana por meio da chamada
Doutrina Bush, que apresentava uma categorização especial para Cuba, acusada de manter
relações com países terroristas, além de ser considerada como um modelo político não
democrático (MORRONE, 2008).
Ainda na administração de George W.Bush, dois importantes programas foram
elaborados para afetar o sistema político cubano. O primeiro deles, Iniciativa para uma nova
Cuba, previa medidas para mudar o sistema político de Cuba na direção do modelo político
norte-americano. A ação desse programa estava concentrada no propósito de planejar e
orientar uma rápida e pacífica transição para a democracia. O segundo programa, elaborado
em 2002, adotou uma nova estratégia para Cuba, em que o programa anterior passou a
Page 13
Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”
ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013
GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 133
integrar as novas medidas, conhecidas como Comissão de Assistência para uma Cuba Livre
(Comission on Assistance to a Free Cuba – CAFC). Segundo Ayerbe (2004), esse programa
possuía como orientação implementar medidas econômicas para dificultar a captação de
divisas pelo governo e pela população cubana; restringir viagens de estudantes norte-
americanos aos programas vinculados aos objetivos do governo; limitar visitas de familiares a
Cuba a cada três anos, incluindo o estabelecimento de uma cota de gastos diários permitidos
durante a estada na Ilha; o controle sobre investimentos estrangeiros no país, que usufruam
bens expropriados pela revolução; e, principalmente, fomentar lideranças capazes de conduzir
o processo de criação de uma economia de mercado.
Deve-se ressaltar que ambas as medidas contaram com a influência da comunidade
cubana, a qual constitui um dos alicerces sobre qual Bush se apoiaria na condução de uma
política rígida para Cuba, haja vista o papel que exerceram durante seu processo eleitoral. De
acordo com Morrone (2008), essas políticas sinalizam que a pressão norte-americana sobre o
regime político inaugurado com Fidel Castro nunca cessou, sendo radicalizadas na
administração de George W.Bush.
Nos últimos anos, governos norte-americanos perderam significativas oportunidades
de iniciar um processo de normalização nas relações com Cuba. Pelo contrário, adotaram
posições que tiveram como resultado o endurecimento das sanções, tornando mais complexo
e difícil um processo de normalização (ALZUGARAY, 2004). No entanto, essas posições tem
sido cada vez mais questionadas no interior da sociedade norte-americana, tanto por setores
da sociedade civil como por grupos dominantes. Para Santoro (2010), o pragmatismo
comercial do agronegócio e as mudanças na opinião política da nova geração cubano-
americana constituem as bases de uma proposta de um novo diálogo com Cuba. Fiori (2008)
também aponta para a dificuldade de uma atual mudança nas relações entre esses países. Para
esse autor, a atração precoce e a obsessão permanente dos Estados Unidos, deve-se ao fato de
que esse país sempre acreditou que Cuba lhes pertencia, fazendo parte de sua “zona de
segurança”. Ao mesmo tempo, a posição soberana dos cubanos acabou transformando a Ilha
em um aliado potencial de países que se propõem a exercer influência no continente
americano de forma competitiva com os Estados Unidos. Dessa forma, qualquer negociação
futura envolveria a destruição do núcleo do poder cubano.
Segundo Alzugaray (2004), a maior parte dos críticos qualifica como obsessiva a
atitude da elite dirigente norte-americana com respeito a Cuba, a Revolução e a Fidel Castro.
Na verdade, para os dirigentes dos Estados Unidos, parece inexplicável que a Revolução
Page 14
Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”
ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013
GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 134
Cubana possa ter sobrevivido, e que depois de cinqüenta anos os irmãos Castro continuem no
poder sem necessitar de nenhum acordo com os Estados Unidos. Não concebem uma Cuba
independente, assim como não conceberam no século XIX.
Nesse contexto, nota-se que a atual política norte-americana para Cuba mantém o
padrão de isolamento e hostilidade iniciado após a vitória da Revolução. No entanto, esse
padrão era anteriormente justificado pela ameaça comunista, enquanto atualmente, é
conduzido sob o argumento da ausência de democracia em Cuba. Para Morrone (2008) a
ausência de uma democracia e, portanto, a permanência de um modelo político que ainda
distancia-se daquele vigente nos Estados Unidos, tornou-se o principal paradigma norte-
americano para justificar a continuidade das políticas hostis naquela que é a sua área de
influência direta e que constituí uma região de extrema importância para o exercício de sua
hegemonia.
Segundo Santos (2004), a hostilidade de Washington a Cuba, mesmo depois da Guerra
Fria, relaciona-se a “uma histórica posição norte-americana a toda e qualquer experiência
social, política, econômica e cultural que não esteja em conformidade com objetivos
geoeconômicos e geopolíticos do capitalismo preconizado por suas elites dominantes e
governantes” (SANTOS, 2006, p.214). Nesse sentido, as pressões ao governo cubano não
estão associadas apenas ao intuito de garantir uma democracia política em um país marcado
pelo regime de partido único e pela inexistência de pluralismo de opinião. Na verdade, os
Estados Unidos visam garantir um determinado modelo de democracia que não aponte para
estratégias revolucionárias, socialistas, nacionalistas ou bolivarianas na região.
Considerações Finais
Os interesses norte-americanos em Cuba iniciam-se ainda no período colonial cubano,
quando a dominação européia na região poderia dificultar a expansão da hegemonia dos
Estados Unidos no continente. Dessa forma, a intervenção norte-americana nas Guerras de
Independência Cubanas foi crucial para o desfecho do processo, bem como para a garantia do
fim de qualquer interferência européia na região. Nesse momento, a política externa dos
Estados Unidos para Cuba associava-se a um contexto maior de expansão da hegemonia
norte-americana em todo o hemisfério ocidental, como proclamado pela Doutrina Monroe.
Anos mais tarde, o êxito do movimento revolucionário cubano modificou as relações
entre esses países, pois significou uma ameaça à posição hegemônica ocupada pelos Estados
Unidos no continente. No contexto da Guerra Fria, o paradigma utilizado pelos norte-
Page 15
Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”
ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013
GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 135
americanos para as ofensivas contra Cuba foi o da necessidade de contenção do perigo
soviético na região. Os Estados Unidos não poderiam deixar que outros países latino-
americanos seguissem o exemplo cubano e se aliassem a União Soviética, por isso adotaram
medidas de contenção ainda mais repressivas após a vitória da Revolução. Nas relações
específicas com Cuba, os Estados Unidos promoveram os mais diversos tipos de ataques a fim
de liquidar o regime de Castro.
Ao contrário do que se esperava, após o fim da Guerra Fria, mantiveram-se políticas
hostis justificadas com base no paradigma da democracia, que passou a ser evocado pelos
Estados Unidos como necessário para a estabilidade e o pleno desenvolvimento político no
mundo. As primeiras medidas norte-americanas, após 1989, buscaram desestabilizar
economicamente a Ilha a fim de promover a queda do regime socialista. No entanto,
administrações posteriores buscaram promover ações voltadas para o planejamento de
intervenções que permitissem uma gradual transição democrática em Cuba.
Deve-se ressaltar a emergência de demandas internas, por parte de cubano-americanos,
nas relações entre Cuba e Estados Unidos no pós-Guerra Fria. Os exilados cubanos em Miami
passaram a representar uma importante parcela do eleitorado norte-americano, tornando
muitas vezes as políticas norte-americanas em relação a Cuba mais como resoluções da
política doméstica do que da política externa.
Por fim, o novo referencial adotado pelo governo norte-americano permite concluir a
dificuldade na normalização das relações cubano-norteamericanas. As demandas pelo modelo
democrático ocidental em Cuba só poderão ser atendidas, da forma como querem os Estados
Unidos, quando modificações políticas ocorrerem dentro da Ilha. Ao mesmo tempo, o regime
cubano não parece disposto a efetuar tais concessões, assim como não esteve desde o início da
Revolução. Nesse sentido, as políticas hostis em relação a Cuba parecem continuar
acontecendo com base em diversos paradigmas que se alteram ao longo dos anos,
exemplificando o imperialismo norte-americano na América Latina.
Referências ALZUGARAY, Carlos. De Bush a Bush: balance y perspectivas de la política externa de los
Estados Unidos hacia Cuba y el Gran Caribe. En publicación: América Latina y el
(des)orden global neoliberal. Hegemonía, contrahegemonía, perspectivas. José Maria
Gómez. CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, Ciudad Autónoma
de Buenos Aires, Argentina. 2004.
AYERBE, Luis Fernando. A Revolução Cubana. São Paulo: Editora UNESP, 2004.
AYERBE, Luis Fernando. Estados Unidos e América Latina. A construção da hegemonia.
São Paulo: Editora UNESP, 2002.
Page 16
Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”
ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013
GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 136
CHOMSKY, Noam. A política externa dos Estados Unidos: da Segunda Guerra Mundial a
2002. São Paulo: Consulta Popular, 2005.
FERNANDES, Florestan. Da Guerrilha ao Socialismo: A Revolução Cubana. São Paulo: T.
A. Queiroz, 1979.
FIORI, J.L. Cuba e EUA, aproximação improvável. Le Monde Diplomatique Brasil, fev.
2008.
GOTT, Richard. Cuba. Uma Nova História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.
MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. De Martí a Fidel. A Revolução Cubana e a América
Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
MORLEY, Morris H.; MCGILLION, Chris. Unfinished business: America and Cuba after the
Cold War, 1989-2001. Cambridge, UK; New York: Cambridge University Press,
2002.
MORRONE, Priscila. A Fundação Nacional cubano-americana (FNCA) na Política externa
dos Estados Unidos para Cuba. 2008. Dissertação (Mestrado em Relações
Internacionais). Programa de pós-graduação em Relações Internacionais “San Tiago
Dantas” (UNESP/UNICAMP/PUC-SP)
RIVERO, Nicolas. Fidel Castro: um dilema americano. São Paulo: Donimus, 1963.
SADER, Emir. A Revolução Cubana. São Paulo: Moderno, 1985.
SADER, Emir. Cuba: Um Socialismo em Construção. Petrópolis: Editora Vozes, 2001.
SANTORO, Mauricio. Cuba após a Guerra Fria: mudanças econômicas, nova agenda
diplomática e o limitado diálogo com os EUA. Rev. bras. polít. int.. 2010, vol.53, n.1.
SANTOS, Marcelo. O poder norte americano e a America Latina no pós-guerra fria. São
Paulo: Annablume, 2007.
SCHILLING, Voltaire. Estados Unidos x América Latina: as etapas da dominação. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 1984.
SCHLESINGER JR., Arthur M. Os ciclos da história Americana. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1992.
SCHOULTZ, Lars. Estados Unidos: poder e submissão: uma história da política norte-
americana em relação à América Latina. Bauru, SP: EDUSC, 2000.